30.6.2017   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

C 207/15


Parecer do Comité das Regiões Europeu — Capacidade orçamental e estabilizadores automáticos na União Económica e Monetária

(2017/C 207/04)

Relator:

Carl Fredrik GRAF (SE-PPE), membro do Conselho Municipal de Halmstad

I.   RECOMENDAÇÕES POLÍTICAS

O COMITÉ DAS REGIÕES EUROPEU

II.   INTRODUÇÃO

1.

assinala que o euro foi criado como proteção contra as flutuações cambiais e como instrumento para assegurar um maior crescimento a longo prazo. No entanto, a introdução do euro impossibilitou o recurso a alternativas políticas para combater os choques assimétricos, incluindo a desvalorização da moeda;

2.

lamenta as deficiências da União Económica e Monetária (UEM) desde a sua criação com o Tratado de Maastricht, que atribuiu ao nível europeu competências em política monetária, ao passo que, no caso da política financeira, as competências se mantiveram a nível nacional e só se lhe aplicam disposições que não permitem mais do que uma coordenação relativamente limitada das políticas nacionais;

3.

assinala que a vulnerabilidade da UEM se revelou durante a crise financeira e económica mundial, em que alguns desequilíbrios insustentáveis resultantes de níveis de dívida pública e privada excessivamente elevados deram origem a uma crise da dívida soberana; em alguns Estados-Membros, os custos dos empréstimos públicos aumentaram drasticamente, o que, na ausência de um verdadeiro mecanismo de proteção orçamental, pôs em causa a própria existência do euro;

4.

reconhece os resultados obtidos desde o início da crise no que se refere à redução do risco e o grande número de medidas adotadas pelas instituições da UE para reforçar a coordenação das políticas orçamentais nacionais;

5.

observa que, apesar destes esforços e do regresso das taxas de crescimento positivas em várias regiões da UE, em grande parte devido a fatores exógenos, a coordenação das políticas orçamentais nacionais, por si só, nem reforçou as capacidades nacionais de absorver os choques económicos nem impediu o aparecimento de um défice de investimento e o aumento das desigualdades no interior da UEM (1), tendo a política sido insuficiente para lançar reformas estruturais de fomento do crescimento, sustentáveis e equilibradas do ponto de vista social;

6.

recorda que, desde o início da crise, o BCE tem velado pela estabilização do ciclo conjuntural. O seu presidente defendeu instituições integradas e uma política orçamental mais enérgica e proativa na área do euro, e instou os Estados-Membros da área do euro a realizar reformas estruturais. Embora advertindo que a política monetária, por si só, não é capaz de estimular a economia, sublinha que os atuais juros baixos são propícios à contração de empréstimos e a investimentos. Reformas estruturais fundamentais e a respetiva apropriação ao nível mais próximo do cidadão, bem como a responsabilidade orçamental, constituem as vias de regresso a um crescimento sustentável a longo prazo;

7.

assinala que o Relatório dos Cinco Presidentes sobre a conclusão de uma união económica e monetária europeia considera necessário dispor de capacidades para gerir os choques ao nível da área do euro como complemento dos estabilizadores automáticos nacionais, se e quando necessário;

8.

estima que, para recuperar a confiança, o euro deve cumprir a sua promessa de estabilidade, convergência, crescimento e emprego. Dispor de capacidade orçamental poderia contribuir para a realização desses objetivos. A solidariedade está estreitamente associada à responsabilidade e depende dela, o que implica que o apoio financeiro adicional ao nível da área do euro só deve ser concedido se houver uma garantia constante de responsabilidade orçamental e reformas estruturais;

9.

reitera que, para todas as decisões relativas ao desenvolvimento da UEM, tal como a introdução de capacidade orçamental e estabilizadores automáticos, se deveria reconhecer plenamente o papel dos órgãos de poder local e regional na garantia das condições necessárias para o crescimento sustentável e reforçá-lo quando possível, em particular para a execução da política económica e social, a realização de reformas estruturais e o estabelecimento de um quadro propício para as empresas que facilite a criação de emprego e o fomento do investimento;

III.   PRINCÍPIOS GERAIS

10.

reitera que a realização da união bancária é, a curto prazo, o instrumento mais eficaz para a prevenção de crises no sistema financeiro e de minimização dos efeitos negativos dos choques económicos (2);

11.

considera que a União Bancária dá maior credibilidade ao princípio do BCE segundo o qual as necessidades de financiamento dos sistemas bancários nacionais devem estar desligadas dos orçamentos públicos nacionais e que uma crise bancária num país não deve traduzir-se por uma crise bancária em toda a UE;

12.

sublinha que os órgãos de poder local e regional, bem como os parceiros económicos e sociais, devem ser incluídos e participar no debate sobre a criação de novos instrumentos como, por exemplo, estabilizadores automáticos destinados a atenuar os efeitos dos choques assimétricos;

13.

considera que a dimensão social da UEM deve ser reforçada, dando seguimento aos indicadores de desenvolvimento nos diferentes países e regiões, com a tónica em medidas ativas relacionadas com o mercado de trabalho e nos indicadores sociais estruturais. Os parceiros sociais devem participar no seguimento dos indicadores, a nível regional, nacional e europeu;

14.

toma nota da convicção de que é necessária capacidade orçamental para equipar a UEM com um mecanismo temporário de absorção dos choques (3). Uma eventual capacidade orçamental não deve sobrepor-se aos instrumentos de coesão, mas sim completá-los;

15.

considera, no entanto, que uma capacidade orçamental ao nível da UE não deve ser configurada de forma a envolver um risco de transferências permanentes e prejudicar os incentivos para adotar e aplicar decisões políticas adequadas do ponto de vista económico e social, ao nível nacional e regional, bem como os incentivos para enfrentar as deficiências estruturais nacionais ou regionais. Por isso, para evitar riscos morais, é necessário estabelecer uma associação estreita entre o cumprimento do quadro geral de governação da UE e os progressos em matéria de convergência;

16.

solicita que os Estados Membros tenham a obrigação de apresentar uma política económica prudente, para terem acesso aos instrumentos europeus de estabilização da economia. A utilização desses instrumentos deve andar a par com a plena aplicação das reformas estruturais orientadas para uma maior convergência, coordenação e integração, e, em caso algum, a estabilização deve conduzir a fluxos unidirecionais e permanentes entre países (4); As ajudas devem ser definidas a nível europeu e devem ser temporárias, com um calendário claro;

17.

sublinha que o Pacto de Estabilidade e Crescimento deve ser respeitado, como indicado na comunicação da Comissão sobre o recurso à flexibilidade prevista nas atuais regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), de janeiro de 2015, bem como a importância de que cada Estado-Membro disponha de uma economia sólida e de finanças públicas estáveis, condição indispensável para os investimentos públicos necessários, tanto a curto como a longo prazo;

18.

considera, além disso, que a fim de assegurar uma margem suficiente para o investimento, respeitando, simultaneamente, as regras orçamentais, o objetivo de médio prazo de travão ao endividamento no caso de défice estrutural deve ser completado pela fixação de um défice real para o investimento público dos órgãos de poder local e regional;

19.

reitera o seu apelo em prol de uma maior convergência económica e social e de um reforço da boa governação, pois são fatores decisivos para evitar as transferências permanentes e o risco moral, e sublinha a necessidade de uma maior convergência;

20.

salienta, ao mesmo tempo, que as disparidades sociais, económicas e territoriais, no interior dos Estados-Membros e entre eles, apenas podem ser reduzidas através de uma abordagem que inclua uma dimensão territorial. O conceito de responsabilidade orçamental não se deve limitar à aplicação centralizada de um regime comum. Com efeito, quanto mais as despesas públicas forem descentralizadas e efetuadas a nível local, maiores serão os incentivos e as condições para a responsabilidade orçamental, as reformas e a capacidade de atração de investimentos;

21.

afirma que é preciso eliminar as disparidades regionais para resolver as desigualdades sociais, aumentar o crescimento, criar emprego, reforçar a competitividade e a coesão no âmbito da UEM e da UE, e destaca o papel importante que os órgãos de poder local e regional desempenham como empregadores, investidores, prestadores e promotores de serviços, responsáveis pelo planeamento, catalisadores e reguladores da mudança e parceiros de investimento;

22.

assinala que, para que as reformas estruturais sejam bem-sucedidas, há que contar com um elevado nível de apropriação da sua execução no terreno pelos órgãos de poder local e regional. Chama a atenção para a dimensão territorial do Semestre Europeu e reitera o seu apelo à Comissão e ao Parlamento para que adotem um código de conduta que garanta a participação estruturada dos órgãos de poder local e regional no Semestre Europeu, que é também uma forma de preparar as reformas estruturais (5);

23.

insta os Estados-Membros a realizarem a União dos Mercados de Capitais, que permitirá fluxos de capitais transfronteiras sem ameaçar a estabilidade das regiões e dos países e facilitará o acesso das empresas, em particular das microempresas e das PME, a uma vasta gama de fontes de financiamento, contribuindo assim para atenuar os choques económicos (6);

IV.   ASPETOS ORÇAMENTAIS

24.

assinala que o euro foi criado sem qualquer estrutura de apoio orçamental para gerir os desequilíbrios da área do euro e que o orçamento da UE é fundamentalmente insuficiente para mobilizar rapidamente o financiamento necessário para estabilizar os mercados, refinanciar os bancos e gerir as crises das balanças de pagamentos;

25.

solicita à Comissão que, ao elaborar futuras políticas económicas e financeiras europeias, tenha em conta a possibilidade de utilizar indicadores económicos para cada região que definam o seu estado de saúde em termos de dívida pública e o seu contributo para o crescimento do PIB europeu;

26.

destaca a necessidade de debater de forma intensiva a estrutura e a configuração da capacidade orçamental e de chegar a uma conclusão que cumpra os requisitos de transparência e de controlo democrático, assim como a «proibição de resgate» prevista no artigo 125.o do TFUE (7);

V.   CONSIDERAÇÕES SOBRE A CAPACIDADE ORÇAMENTAL

27.

considera que poderiam assegurar-se duas funções: a primeira, incentivar as reformas estruturais nos Estados-Membros em tempos de bonança económica, a fim de fomentar a convergência económica e social na área do euro e melhorar a sua competitividade e capacidade de resistência ao nível económico; a segunda função consistiria em limar as diferenças que dependem de fatores estruturais entre os ciclos conjunturais nos países da área do euro, graças à criação de um instrumento para gerir os choques assimétricos;

28.

estima necessários progressos significativos em matéria de reformas estruturais sustentáveis para promover a convergência, o crescimento, o emprego e a competitividade, a fim de evitar de forma eficaz os choques assimétricos;

29.

insta os Estados-Membros a equacionarem dar maior autonomia orçamental aos órgãos de poder local e regional, como forma de permitir que se apropriem da execução das reformas estruturais e de garantir a melhoria dessa execução;

30.

assinala que importa encarar com prudência a ideia de um apoio financeiro da UE além dos atuais instrumentos da política de coesão para realizar em todos os Estados-Membros as reformas estruturais acordadas. Qualquer tipo de apoio adicional não deve sobrepor-se aos atuais instrumentos, mas sim completá-los;

31.

considera que a ajuda financeira deve estar associada à execução das recomendações específicas por país. O Programa de Apoio às Reformas Estruturais, concebido para oferecer apoio técnico às autoridades nacionais, poderia ser mais desenvolvido como contributo para a função da capacidade orçamental relativa às reformas estruturais;

32.

assinala que seria útil examinar a pertinência de um instrumento adicional para promover as reformas estruturais, o qual poderia incluir empréstimos para financiar uma estratégia de investimento público, o que permitiria identificar um conjunto de fontes de financiamento e projetos de investimento necessários para apoiar a realização das reformas necessárias;

33.

afirma que, independentemente das medidas atuais relativas à convergência e às reformas estruturais sustentáveis, não é possível eliminar completamente os choques assimétricos que afetam a estabilidade da área do euro no seu conjunto, devido à forte integração dos países que a compõem. Sublinha, por isso, a necessidade de um instrumento com um efeito estabilizador imediato em situações de emergência;

34.

assinala que os órgãos de poder local e regional de alguns países podem ser mais vulneráveis aos efeitos dos choques assimétricos devido à importante função que desempenham nos sistemas de segurança social dos Estados-Membros;

35.

considera que o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) deve ser mais desenvolvido e transformar-se num fundo monetário europeu com capacidades adequadas de concessão e contração de empréstimos e um mandato claramente definido, incluindo o seu contributo eventual para uma capacidade orçamental da área do euro;

36.

estima que a capacidade orçamental deve ser decidida e executada de forma conjunta ao nível da UEM, mas também permanecer aberta a Estados-Membros fora da área do euro, numa base voluntária;

VI.   OBSERVAÇÕES FINAIS

37.

reitera o seu apelo no sentido de ser associado à elaboração do Livro Branco sobre a transição da primeira fase para a segunda fase da reforma da UEM;

38.

sublinha a importância de garantir que todas as medidas para aprofundar a união monetária tenham também em conta as consequências para os países fora da área do euro;

39.

insiste em que todas as medidas relativas à conclusão da UEM sejam aplicadas da forma mais transparente possível e tendo em mente a legitimidade democrática da união monetária.

Bruxelas, 8 de fevereiro de 2017.

O Presidente do Comité das Regiões Europeu

Markku MARKKULA


(1)  Ver a análise anual do emprego e da situação social na Europa (Employment and Social Developments in Europe), apresentada pela Comissão Europeia em 20 de dezembro de 2016.

(2)  Parecer de Paul Lindquist sobre o «Seguimento do Relatório dos Cinco Presidentes sobre “Concluir a União Económica e Monetária Europeia”», de 7 de abril de 2016, COR-2015-05112, ponto 24.

(3)  Parecer de Paul Lindquist, ponto 35.

(4)  Parecer de Paul Lindquist, ponto 33.

(5)  COR-2016-05386-00-00-DT.

(6)  Parecer de Paul Lindquist, ponto 30.

(7)  Resolução sobre «Um futuro sustentável para a União Económica e Monetária (UEM)», ponto 21.