Por Júlia Santos
Dirigido por Walter Salles, o filme “Ainda Estou Aqui’ tem recebido atenção internacional crescente após a vitória da atriz Fernanda Torres na cerimônia internacional do Globo de Ouro por sua representação de Eunice Paiva. O prêmio contribuiu para que o filme recebesse três indicações ao Oscar 2025, nas categorias de Melhor Filme Internacional, Melhor Atriz e Melhor Filme.
E não para por aí. Além do reconhecimento mundial, o longa vem incentivando discussões políticas indispensáveis dentre a sociedade brasileira – uma delas incluindo a pauta migratória.
Pode não parecer, mas, por meio do destaque que o roteiro de “Ainda Estou Aqui” proporciona à viagem para Londres de Vera, filha mais velha de Eunice e Rubens Paiva, a narrativa explora um tópico recorrente na realidade da classe alta brasileira entre as décadas de 1960 e 1980: o exílio.
Rubens Paiva e os exilados brasileiros
Enviar os filhos ao exterior foi uma estratégia utilizada por famílias ricas das principais capitais brasileiras para evitar que adolescentes próximos à maioridade e jovens adultos se manifestassem contra a política militarizada da época. Isso acontecia porque, como comprovado pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), a execução de torturas e ameaças contra cidadãos maiores de 18 anos durante a ditadura militar era recorrente.
Embora o tema não seja discutido abertamente na obra do diretor Walter Salles, Vera não foi a única exilada da família. Em 1964, o próprio Rubens Paiva sofreu um exílio forçado na Iugoslávia e na França após ter seu mandato como deputado federal cassado pelo regime militar. Nove meses depois, já em 1965, conseguiu voltar ao Brasil fingindo perder a conexão de um voo internacional e se mudou com a família para o Rio de Janeiro. Ao se estabelecer na capital, Paiva abandonou a política e voltou a trabalhar como engenheiro, mas nunca deixou de ajudar famílias a realizarem contatos com os exilados.
A disposição de Rubens Paiva a conectar exilados brasileiros a seus familiares por meio de cartas e ligações teria sido o principal motivo pelo qual o ex-deputado foi apreendido em sua casa, no dia 20 de janeiro de 1971, e nunca mais visto. Conforme revelado pela CNV, Paiva foi torturado até a morte e teve seu corpo levado por um rio na região serrana do Rio de Janeiro. O atestado de óbito só saiu em 1996.
Apesar de ter recebido destaque como pai e engenheiro no lançamento que lotou salas de cinema ao redor do mundo, Rubens Paiva também foi, em vida, um grande aliado dos brasileiros vítimas da emigração forçada durante o período.
O exílio como migração forçada
Estima-se que cerca de 20 mil pessoas tenham se exilado durante os 21 anos de regime militar no Brasil, com destinos que incluíam países como França, México, Argentina, Chile, Cuba e até mesmo a União Soviética, onde muitos buscaram asilo político. Entre os exilados, estavam nomes como Carlos Marighella, Leonel Brizola e o próprio Rubens Paiva.
Embora o tema dos exilados não seja abordado de forma explícita em “Ainda Estou Aqui”, o filme introduz um exemplo das consequências sofridas por aqueles que se arriscaram oferecendo apoio às vítimas do Estado – que também incluíam os brasileiros afastados de seu país de maneira forçada.
O exílio, portanto, pode ser definido como uma migração não voluntária, que tem como motivadores situações de violência, repressão ou condições políticas adversas. Em outras palavras, essa é uma forma de emigração causada por pressões externas, e não por uma escolha pessoal, como ocorre em migrações econômicas ou por motivos de busca de melhores condições de vida.
Além disso, diferente da situação de refúgio, definida como uma busca formal por proteção em outro país devido a violações de direitos humanos, a condição de exílio é atribuída a pessoas que têm a saída forçada do país por motivos políticos. Embora faça parte do passado brasileiro, essa é a realidade atual de milhões de migrantes ao redor do planeta em 2025.
Quer receber notícias publicadas pelo MigraMundo diretamente no seu WhatsApp? Basta seguir nosso canal, acessível por este link
O MigraMundo depende do apoio de pessoas como você para manter seu trabalho. Acredita na nossa atuação? Considere a possibilidade de ser um de nossos doadores e faça parte da nossa campanha de financiamento recorrente