Por Paula Godoy
Nos últimos anos, o mundo tem testemunhado guerras e catástrofes ambientais cada vez mais frequentes, que resultam em crises humanitárias e deslocamentos populacionais forçados. Milhões de pessoas deixaram suas casas, enfrentando a falta de acesso a serviços básicos e a violação de direitos humanos. Alguns casos se tornam mais evidentes, enquanto outros são esquecidos e normalizados.
O futuro parece cada vez mais marcado por uma crescente complexidade e urgência, com conflitos e catástrofes ambientais superando as crises humanitárias ao redor do mundo. De acordo com informações do ACNUR, atualmente cerca de 90 milhões de pessoas deslocadas vivem em países altamente expostos a riscos climáticos, e quase metade de todos os deslocados à força enfrenta uma combinação entre conflitos e os efeitos adversos das mudanças climáticas.
Regiões devastadas por guerras prolongadas revelam que milhões de pessoas terão de continuar fugindo de suas terras natais, muitas vezes em busca de segurança e acesso a serviços essenciais, o que gera uma pressão contínua sobre países vizinhos e comunidades anfitriãs, já vulneráveis. Embora a resposta humanitária seja de grande importância, ela ainda se mostra insuficiente diante da magnitude dos deslocamentos forçados.
Veja abaixo 11 países e regiões nas quais acontecem as maiores crises humanitárias em curso no mundo atualmente
Sudão
Uma guerra que dura mais de 20 meses gera violência, morte e fome para milhares de pessoas. Mais de 48 milhões de cidadãos sofrem de insegurança alimentar aguda, e 12 milhões sofreram deslocamento forçado, incluindo 9 milhões deslocados internamente e 3 milhões que recorreram a países vizinhos, como o Chade. Mais de 30,4 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária, de acordo com o Panorama Humanitário Global 2025 da ONU. Isso representa 10% da população mundial em situação de carência.
Além disso, as condições precárias atuais potencializam surtos de cólera, malária, dengue, sarampo e rubéola entre os sudaneses, que ficaram com baixo atendimento devido ao fechamento da maior parte dos hospitais, ocasionado pela guerra. A crise também impacta desproporcionalmente mulheres e meninas. Em 2023, mais de 6,7 milhões de pessoas necessitavam de serviços para lidar com a violência de gênero, um aumento de 100% desde o início do conflito. Famílias chefiadas por mulheres enfrentam insegurança alimentar em proporções alarmantes: 64%, contra 48% das famílias lideradas por homens. Mais de 160 mil mulheres grávidas devem dar à luz sem serviços adequados.
De acordo com as Nações Unidas, caso o conflito continue em 2025, o número de pessoas forçadas a fugir do Sudão deverá chegar a mais de 16 milhões, dificultando qualquer atendimento que cumpra com as necessidades básicas de sobrevivência adequada.
Líbano
O conflito que começou em outubro de 2023 já gerou mais de 4 mil mortes, e outras 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir e abandonar suas casas. Além da guerra, o Líbano enfrentou, nos últimos 15 anos, crises que afetaram a estruturação do país. Com histórico de problemas econômicos e instabilidade política, o país passa por dificuldades para se reestruturar.
Apesar do cessar-fogo, a região ainda sofre com ataques em menor escala. No dia 10 de janeiro, houve um bombardeio israelense por meio de drones em território libanês, causando a morte de duas pessoas. Mais de 125 mil pessoas continuam deslocadas, fora de suas casas, e tentam reconstruir suas vidas. A destruição generalizada afetou a infraestrutura civil, incluindo hospitais, prédios governamentais e estações de água.
A ONU emitiu um apelo, juntamente com o governo libanês, que estima que US$ 371,4 milhões são necessários para atender às necessidades humanitárias básicas da população afetada pelo conflito e pelas demais problemáticas humanitárias do país.
Síria
A guerra civil na Síria, iniciada em 2011, devastou o país. O conflito resultou em mais de 300 mil mortes de civis e deslocou milhões de pessoas. Além do combate entre o governo de Bashar al-Assad e o Exército Sírio Livre, o Estado Islâmico controlou até 70% do território em seu auge.
Em dezembro de 2024, grupos armados derrubaram o antigo governo. Durante o conflito, mais de 13 milhões de pessoas permaneceram deslocadas dentro da Síria ou em países vizinhos. Entretanto, desde a derrubada do governo anterior, milhares de sírios retornaram ao país voluntariamente, vindos principalmente do Líbano e da Turquia.
Apesar das estruturas precárias e do rastro de destruição que permanece no país, essa é a maior janela de esperança para o fim da maior crise migratória do mundo. De acordo com a ONU, o legado do conflito inclui 422 mil incidentes com munições não detonadas nos últimos nove anos, que causaram milhares de mortes, metade delas de crianças. Milhões permanecem em condições precárias, enfrentando fome, doenças e falta de acesso à educação.
Ucrânia
Quase três anos após a invasão russa, mais de 12,3 mil civis morreram na Ucrânia, incluindo 650 crianças. A utilização de drones, mísseis de longo alcance e bombas planadoras contribuiu para um aumento de 30% nas mortes de civis entre setembro e novembro de 2024.
A situação humanitária continua crítica, com ataques regulares a infraestruturas urbanas e rurais. A ajuda internacional desempenha um papel vital para mitigar os efeitos do conflito, mas soluções diplomáticas ainda parecem distantes.
De acordo com o ACNUR, até dezembro do ano passado, eram cerca de 6.813.900 refugiados ucranianos registrados por todo o globo, além de mais de 3,5 milhões que permanecem deslocados internamente. Um reflexo dos quase três anos de guerra.
Afeganistão
A crise humanitária no Afeganistão continua sendo uma das mais severas e complexas do mundo, com impactos devastadores na vida de milhões de pessoas. De acordo com a ONU, até outubro de 2024, cerca de 3,7 milhões de afegãos necessitavam de assistência humanitária, enquanto 3,2 milhões se deslocavam internamente.
Atualmente, 5,3 milhões de afegãos estão registrados como refugiados em países vizinhos, principalmente no Irã e no Paquistão, que abrigam cerca de 90% dessa população. Entre setembro de 2023 e março de 2024, mais de 531.000 refugiados retornaram abruptamente do Paquistão, após o anúncio de que estrangeiros sem documentos seriam deportados. Esse retorno massivo sobrecarregou os já limitados recursos disponíveis nas comunidades afegãs, que lutam para atender às necessidades básicas desses repatriados.
Embora o ACNUR tenha prestado assistência a cerca de 94.000 repatriados desde o início de 2023, a capacidade de resposta humanitária ainda é insuficiente frente à escala da crise.
Crescentes restrições são impostas às mulheres e meninas, que enfrentam severas limitações a seus direitos fundamentais. Em agosto de 2024, foi promulgada uma nova lei sobre a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, que restringe ainda mais a liberdade de movimento, vestimenta e comportamento das mulheres, além de atacar os direitos das minorias religiosas e pessoas LGBTQI+. As restrições também dificultam o acesso à educação e ao trabalho, aumentando a vulnerabilidade econômica das famílias lideradas por mulheres e aprofundando as desigualdades sociais no país.
República Democrática do Congo
A República Democrática do Congo (RDC) atualmente vive com mais de 6,4 milhões de pessoas deslocadas internamente e 1 milhão vivendo como refugiadas ou solicitantes de asilo em países vizinhos, de acordo com o ACNUR. Mais de 940.000 pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas apenas no primeiro semestre de 2024 devido à retomada de confrontos nas províncias orientais da RDC. A precariedade das condições em locais de acolhimento superlotados expõe as populações a riscos de doenças e insegurança. Surtos do vírus mpox foram registrados em 2024, com casos suspeitos entre deslocados, evidenciando a fragilidade do sistema de saúde.
Além disso, mulheres e meninas enfrentam níveis crescentes de violência de gênero. Nos meses de junho e julho de 2023, mais de 10 mil vítimas buscaram assistência apenas nas províncias mais afetadas. A demanda por assistência humanitária atinge níveis críticos, com 25,4 milhões de pessoas necessitando de ajuda em todo o país. Entretanto, os recursos disponíveis não acompanham as necessidades, sobrecarregando comunidades anfitriãs e organizações humanitárias que tentam mitigar os impactos da crise.
Refugiados Rohingya (Mianmar e Bangladesh)
Desde 2017, quando a crise humanitária envolvendo os rohingyas tomou proporções alarmantes, Bangladesh se tornou o principal refúgio para mais de 1 milhão de refugiados que fugiram de Mianmar. Concentrados principalmente em Cox’s Bazar, os campos de refugiados vivem em condições precárias, agravadas por infraestrutura limitada e eventos climáticos extremos, de acordo com dados elaborados pelas Nações Unidas.
De acordo com o ACNUR, o assentamento de refugiados de Kutupalong abriga mais de 600.000 pessoas em uma área de apenas 13 quilômetros quadrados, impossibilitando um acolhimento de qualidade. A chegada contínua de rohingyas, especialmente após novos conflitos em Mianmar no final de 2023, tem colocado pressão sobre os recursos locais, aumentando as tensões com as comunidades anfitriãs já vulneráveis. Além disso, os desafios de segurança e proteção, como violência de gênero, tráfico e restrições de movimento, afetam gravemente os refugiados.
As mulheres e crianças, que representam a maioria da população refugiada, estão mais expostas à exploração e à violência, enquanto eventos climáticos, como fortes chuvas e ciclones, frequentemente causam deslizamentos, inundações e outros desastres nos assentamentos.
Em Bhasan Char, onde cerca de 36.000 refugiados residem, questões como saúde mental, apoio psicossocial e cuidados maternos permanecem negligenciadas. Apesar dos esforços de Bangladesh e da comunidade internacional, a crescente violência nos campos e os recursos limitados dificultam a assistência adequada aos refugiados.
Os rohingya formam o maior povo apátrida do mundo. Apenas no início de janeiro deste ano, mais de 200 rohingyas desembarcaram na Indonésia, um novo registro para uma onda crescente de chegadas pelo mar. O retorno voluntário, digno e sustentável a Mianmar é apontado como a solução definitiva para a crise, mas as condições no país ainda são desfavoráveis. Enquanto isso, o apoio internacional contínuo é essencial para mitigar os impactos da crise humanitária.
Haiti
As condições do Haiti expõem mulheres e crianças a situação de violência e fome. No país, até outubro, cerca de metade da população, mais de 5,5 milhões de pessoas precisavam de assistência humanitária, e mais de 700 mil pessoas foram deslocadas, sendo metade crianças que perderam o acesso à educação e vivem em condições precárias e vulneráveis a recrutamento de gangues, de acordo com o ACNUR.
As mulheres são alvos frequentes de abusos físicos e mentais extremos. De acordo com as Nações Unidas, a violência sexual contra menores, especialmente meninas, aumentou em 1.000% em 2024, comparado ao ano anterior. As gangues têm ampliado seus ataques em todo o território haitiano, desestabilizando ainda mais o controle político e dificultando qualquer tentativa de governança efetiva.
Embora a ONU tenha elaborado planos de resposta para mitigar a crise, o baixo financiamento – apenas 45,7% das necessidades foram atendidas – tornou as iniciativas insuficientes. Como consequência, muitos grupos de ajuda humanitária foram obrigados a evacuar, deixando milhares de pessoas sem assistência básica.
A falta de estabilidade política e governança dificulta a criação de um ambiente propício para a sobrevivência da população. A insegurança alimentar é um dos maiores desafios, afetando mais da metade dos haitianos. Além da escassez de alimentos, há também uma grave falta de água potável, abrigo e medicamentos essenciais.
O Haiti enfrenta ainda condições ambientais severas, com terremotos e outros desastres naturais que agravam o deslocamento interno e forçam muitos a buscar refúgio em outros países. Com as bases políticas, de segurança e direitos humanos fragilizadas, o retorno seguro dos exilados torna-se cada vez mais inviável.
Iêmen
Após quase uma década de guerra, o Iêmen continua acumulando vítimas. De acordo com o ACNUR, mais de 4,5 milhões de pessoas foram deslocadas internamente, e as previsões indicam que cerca de 17,1 milhões devem enfrentar insegurança alimentar este ano.
Apesar da catástrofe humanitária causada pelo prolongado conflito, a região só atraiu maior atenção internacional após os ataques dos rebeldes Houthis a navios no Mar Vermelho no final de 2023, seguidos pela intensificação dos ataques com drones e mísseis em 2024.
Os ataques foram apresentados como um gesto de apoio aos palestinos em Gaza, tendo como alvos os EUA, Reino Unido e Israel. Em resposta, os EUA e o Reino Unido, com o apoio de outros países, lançaram ataques contra alvos Houthis, alegando a necessidade de proteger o “livre fluxo do comércio” na rota estratégica do Mar Vermelho.
Com o aumento dos ataques de mísseis e drones contra Israel, a popularidade dos Houthis cresceu, gerando preocupações constantes para Israel, que continua realizando ataques a portos e aeroportos. Essas ações dificultam o acesso à ajuda humanitária e a itens essenciais para a sobrevivência da população, impactando não apenas os rebeldes, mas todo o país.
Internamente, ainda não há perspectiva de paz, o que perpetua a insegurança alimentar em larga escala. Atualmente, mais de 21,6 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária e serviços de proteção, enquanto cerca de 60 mil buscam refúgio e asilo em outros países.
Palestina
Desde o início da guerra, em outubro de 2023, mais de 47 mil palestinos perderam a vida em decorrência de ataques israelenses, segundo o Ministério da Saúde do país. O conflito desabrigou grande parte da população da Faixa de Gaza, forçando aproximadamente 90% dos palestinos a abandonar suas casas, que foram destruídas ou danificadas, conforme dados da ONU.
Apesar de já possuir predominância militar no território palestino e dos apelos de cessar-fogo, Israel intensificou os ataques. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch acusaram Israel de cometer atos de genocídio. Mesmo com as denúncias, o governo israelense demonstra pouca disposição em buscar uma solução pacífica, deixando claro sua oposição à autodeterminação e ao reconhecimento do Estado palestino. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, foi responsável por bloqueios em acordos que buscavam a paz na região.
A crise em Gaza é agravada por um colapso quase completo dos serviços essenciais. De acordo com a ONU, 50% dos hospitais estão fechados, e os que permanecem abertos operam apenas parcialmente, incapazes de atender casos graves ou doenças crônicas. A insegurança alimentar afeta 91% da população, com milhões vivendo à beira da fome. Além disso, 67,6% das terras agrícolas foram destruídas, comprometendo a produção de alimentos e aumentando a dependência de ajuda externa, que enfrenta severas restrições.
Antes do conflito, Gaza recebia em média 500 caminhões de ajuda por dia útil, mas, desde o início da guerra, a chegada de ajuda humanitária sofreu uma redução significativa, em um momento crítico para a sobrevivência. As ações desumanas promovidas pelo governo israelense, além de impunes, recebem apoio dos EUA, Alemanha, Reino Unido e outras potências ocidentais.
No dia 19 de janeiro deste ano, entrou em vigor um acordo de cessar-fogo mediado no Catar, que prevê uma trégua de 15 meses entre Israel e Hamas. No entanto, o foco dos ataques se deslocou para a Cisjordânia, colocando em risco a vida de refugiados que fugiram dos bombardeios em Gaza e agravando ainda mais os desafios humanitários da região.
Chifre da África
O Chifre da África, enfrenta dificuldades multidimensionais com conflitos armados, intervenções regionais e crises climáticas. Apenas em 2024, cerca de 64 milhões de pessoas precisaram de assistência humanitária, com quase 20 milhões deslocadas em países como Sudão, Somália e Etiópia.
No Sudão, a guerra civil agravou-se após interferência de potências regionais. Os Emirados Árabes Unidos forneceram armas contrabandeadas às Forças de Suporte Rápido (RSF) por meio do Chade, República Centro-Africana e Líbia. Enquanto as Forças Armadas Sudanesas recebem apoio do Egito, Arábia Saudita e Irã. Essa disputa de poder dificulta qualquer avanço nas negociações de paz.
Na Somália as tensões aumentaram após o governo interpretar o interesse da Etiópia em estabelecer porto na Somalilândia como violação da sua soberania. O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, se mostrou disposto a reconhecer a Somalilândia como território independente, sem considerar as objeções da União Africana, uma estratégia de proteção contra a influência da China em Djibuti.
A violência do grupo al-Shabab na Somália, somada a desastres naturais e secas severas, intensifica o deslocamento e a insegurança alimentar, afetando milhões. Enquanto isso, potências regionais perpetuam ciclos de instabilidade, ignorando as necessidades urgentes da população local.
Na África Oriental, a violência extrema ilustra a gravidade da situação. Segundo o ACNUR, há quase dois anos, o ataque terrorista mais mortal da região, liderado pelo al-Shabab, tirou a vida de pelo menos 120 pessoas e deixou outras 300 feridas em Mogadíscio. A dinâmica de poder regional no Chifre da África tem perpetuado ciclos de violência e negligenciado as necessidades de milhões de pessoas afetadas por conflitos e desastres climáticos.
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