COMISSÃO EUROPEIA
Bruxelas, 24.7.2020
COM(2020) 607 final
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO AO PARLAMENTO EUROPEU, AO CONSELHO, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
Estratégia da UE para uma luta mais eficaz contra o abuso sexual das crianças
INTRODUÇÃO
A Carta dos Direitos Fundamentais da UE reconhece que as crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, entre outras disposições. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, consagra o direito das crianças à proteção contra todas as formas de violência.
O abuso sexual de crianças é um crime especialmente grave com sequelas de ordem vária que deixam marcas profundas nas suas vítimas para o resto da vida. Ao lesar as crianças, estes crimes também provocam danos sociais significativos a longo prazo. Em muitos casos, as crianças sofrem abusos sexuais perpetrados por pessoas que conhecem, em quem confiam e das quais estão dependentes, o que torna estes crimes particularmente difíceis de prevenir e de detetar. Há indícios de que a crise da COVID-19 exacerbou o problema, principalmente no caso das crianças que vivem com os seus agressores. Além disso, as crianças passam hoje em dia mais tempo em linha do que antes, possivelmente sem supervisão. Embora tal lhes permita prosseguir os estudos e manter o contacto com os seus pares, há sinais que apontam para um aumento do risco de entrarem em contacto com predadores sexuais em linha. Havendo mais agressores isolados em casa, a procura de material com imagens de abusos sexuais de crianças aumentou (até 25 % em alguns Estados-Membros), o que também gerou um aumento da procura de novos materiais e, consequentemente, novos abusos.
O Conselho da Europa estima que, na Europa, uma em cada cinco crianças seja vítima de alguma forma de violência sexual. O abuso sexual e a exploração sexual das crianças podem revestir múltiplas formas e ocorrer em linha (por exemplo, obrigando uma criança a participar em atividades sexuais por transmissão em direto e em contínuo ou trocando material com imagens de abusos sexuais de crianças na Internet) e fora de linha (por exemplo, participando em atividades sexuais com uma criança ou instigando a participação de uma criança na prostituição infantil). Quando os abusos também são registados e partilhados em linha, perpetuam-se os danos. As vítimas têm de viver com a consciência de que as imagens e os vídeos dos crimes que mostram os piores momentos da sua vida estão em circulação e de que qualquer pessoa, incluindo amigos ou familiares, os pode ver.
O desenvolvimento exponencial do mundo digital permitiu tornar este crime verdadeiramente global e, infelizmente, facilitou a criação de um mercado mundial de materiais pedopornográficos. Nos últimos anos, registou-se um aumento drástico das denúncias de abusos sexuais de crianças em linha associados à UE (por exemplo, imagens trocadas na UE, vítimas residentes na UE, etc.): de 23 000 em 2010 para mais de 725 000 em 2019, incluindo mais de três milhões de imagens e vídeos. O aumento foi semelhante a nível mundial: de um milhão de denúncias em 2010 para quase 17 milhões em 2019, incluindo quase 70 milhões de imagens e vídeos. Os dados indicam que a UE se tornou a maior base de material com imagens de abusos sexuais de crianças a nível mundial (com mais de metade destes materiais em 2016 e mais de dois terços em 2019).
Recentemente, uma investigação sobre o abuso sexual de crianças na Alemanha resultou na descoberta de potencialmente mais de 30 000 suspeitos que utilizavam serviços de conversa em grupo e de mensagens instantâneas para trocar materiais, incitarem-se mutuamente a criar novos materiais e partilharem dicas e sugestões para aliciar as vítimas e ocultar as suas ações. A utilização da cifragem de ponta a ponta dificulta, quando não impossibilita, a identificação dos criminosos. Neste caso particular, só se identificaram 72 suspeitos na Alemanha e 44 vítimas até à data.
A introdução da cifragem de ponta a ponta, embora contribuindo para assegurar a privacidade e a segurança das comunicações, também facilita o acesso dos autores dos crimes a canais seguros onde podem ocultar das autoridades policiais práticas como a partilha de imagens e vídeos. A utilização de tecnologias de cifragem para fins criminosos requer, por conseguinte, uma abordagem imediata mediante possíveis soluções que permitam às empresas detetar e denunciar o abuso sexual de crianças nas comunicações eletrónicas cifradas de ponta a ponta. As eventuais soluções teriam de garantir a privacidade das comunicações eletrónicas e a proteção das crianças contra o abuso sexual e a exploração sexual, bem como a proteção da privacidade das crianças representadas no material pedopornográfico.
A luta contra o abuso sexual de crianças é uma prioridade para a UE. Tanto o Parlamento Europeu como o Conselho apelaram para a adoção de novas medidas concretas. Várias instâncias realizaram apelos semelhantes a nível mundial, incluindo os meios de comunicação social, já que se tornou evidente que o mundo no seu conjunto está a perder a batalha contra estes crimes e a não conseguir proteger eficazmente o direito de todas as crianças a uma vida sem violência. A UE deve, portanto, reavaliar e consolidar os seus esforços.
Esta estratégia tem por objetivo dar uma resposta eficaz, a nível da UE, à luta contra o abuso sexual de crianças. Fornece um quadro para o desenvolvimento de uma resposta firme e abrangente a estes crimes tanto em linha como fora de linha. Define oito iniciativas para aplicar e desenvolver o quadro jurídico adequado, reforçar a resposta dos serviços de aplicação da lei e catalisar uma ação coordenada entre as várias partes interessadas em matéria de prevenção, investigação e assistência às vítimas. Estas iniciativas utilizam todos os instrumentos disponíveis a nível da UE, tanto em matéria de direito material da União (secção I) como de financiamento e cooperação (secção II). A estratégia deverá ser aplicada nos próximos cinco anos (2020-2025).
I. APLICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE UM QUADRO JURÍDICO ADEQUADO PARA PROTEGER AS CRIANÇAS
Em 2011, a UE deu um passo importante com a adoção da Diretiva Abuso Sexual de Crianças (2011/93/UE), cuja aplicação nos Estados-Membros cumpre agora concluir com urgência. Paralelamente, é necessário suprir as lacunas legislativas identificadas recorrendo aos meios mais adequados.
1.Assegurar a aplicação cabal da legislação atual (Diretiva 2011/93/UE)
A Diretiva Abuso Sexual de Crianças foi o primeiro instrumento jurídico global da UE que estabeleceu regras mínimas relativas à definição dos crimes e sanções no domínio do abuso sexual e da exploração sexual de crianças, do material com imagens de abusos sexuais de crianças, abrangendo a prevenção, a investigação e ação penal relativas a estes crimes, bem como a assistência e proteção das vítimas.
Os crimes incluem situações em linha e fora de linha, como a visualização e a distribuição de material com imagens de abusos sexuais de crianças na Internet, o aliciamento (ou seja, o estabelecimento de uma ligação emocional com a criança em linha para fins de abuso sexual) e os abusos sexuais via câmara Web. Para além do direito penal material e processual, a diretiva exige igualmente que os Estados-Membros adotem medidas administrativas (ou seja, não legislativas) de grande alcance, como o intercâmbio de registos criminais através do Sistema Europeu de Informação sobre Registos Criminais (ECRIS) no âmbito da investigação pré-recrutamento para o provimento de vagas que impliquem contactos diretos e regulares com crianças, ou a formação de profissionais suscetíveis de entrar em contacto com crianças vítimas de abuso sexual. Estas medidas requerem a participação e a coordenação de múltiplos intervenientes de vários domínios da administração pública (por exemplo, autoridades policiais, cuidados de saúde, educação, serviços sociais, autoridades de proteção das crianças, sistema judicial e profissionais da justiça), bem como de entidades privadas (nomeadamente as empresas e a sociedade civil).
Os Estados-Membros realizaram progressos substanciais na aplicação da diretiva, mas ainda há um longo caminho a percorrer até se concretizar o seu pleno potencial mediante a aplicação cabal de todas as suas disposições por parte dos Estados-Membros. Subsistem dificuldades nos domínios da prevenção (em particular, programas de prevenção para os autores dos crimes e para as pessoas que temam poder vir a cometê-los), do direito penal (especialmente a definição dos crimes e do nível das sanções) e das medidas de assistência, apoio e proteção das crianças vítimas de crimes. Em 2019, para assegurar a plena aplicação da diretiva, a Comissão iniciou procedimentos de infração contra 23 Estados-Membros.
A Comissão continuará a trabalhar em estreita cooperação com os Estados-Membros para resolver todos os problemas ainda existentes, com caráter prioritário, e a assegurar a plena aplicação e cumprimento da diretiva em toda a UE. A Comissão também apoiará o trabalho dos Estados-Membros neste domínio, continuando a facilitar o intercâmbio de boas práticas e de ensinamentos.
Principal ação:
ðOs Estados-Membros devem concluir a aplicação da Diretiva Abuso Sexual de Crianças com caráter prioritário. A Comissão continuará a exercer os poderes de execução que lhe são conferidos pelos Tratados através de procedimentos de infração, conforme necessário, a fim de assegurar a rapidez da aplicação.
2.Assegurar que a legislação da UE permite uma resposta eficaz
A Comissão avaliará a eventual necessidade de atualizar a Diretiva Abuso Sexual de Crianças, levando em conta o estudo referido na iniciativa n.º 3 em baixo. Além desse diploma, há todo um leque de instrumentos legislativos a nível da UE que apoiam e moldam a luta contra o abuso sexual de crianças, nomeadamente no que diz respeito ao papel que o setor privado desempenha na prevenção e no combate do problema.
As propostas relativas às provas eletrónicas, apresentadas pela Comissão em abril de 2018, são fundamentais para permitir um acesso rápido a provas essenciais detidas pelo setor privado, como a identidade das pessoas que carregaram e partilharam material com imagens de abusos sexuais de crianças. A Comissão reitera o apelo para uma adoção célere das propostas.
A Comissão comprometeu-se a apresentar propostas sobre o quadro legislativo dos serviços digitais, que teriam implicações para a luta contra o abuso sexual de crianças em linha. O pacote legislativo relativo aos serviços digitais, a propor até ao final de 2020, clarificará e melhorará as regras em matéria de responsabilidade e de segurança aplicáveis aos serviços digitais. Neste contexto, a Comissão avaliará a necessidade de eliminar desincentivos a ações voluntárias para combater os conteúdos, bens ou serviços ilícitos intermediados em linha, em especial no que respeita às plataformas de serviços em linha.
A Comissão considera que a luta contra o abuso sexual de crianças em linha exige obrigações vinculativas claras de o detetar e denunciar, a fim de proporcionar maior clareza e segurança ao trabalho das autoridades policiais e dos intervenientes relevantes no setor privado para combater os abusos em linha. Começará a preparar legislação setorial específica para combater mais eficazmente este problema, no pleno respeito dos direitos fundamentais, nomeadamente o direito à liberdade de expressão, à proteção dos dados pessoais e à privacidade. Os mecanismos destinados a assegurar a responsabilização e a transparência serão elementos-chave da legislação, podendo o centro referido na iniciativa n.º 6 ter um papel a desempenhar neste contexto.
O Regulamento Europol, que determina o âmbito das atividades da Europol, também é pertinente. A Comissão anunciou no seu programa de trabalho para 2020 que apresentaria uma proposta legislativa para reforçar o mandato da Europol de forma a melhorar a cooperação policial operacional. A Europol vê-se limitada no apoio que pode prestar devido ao rápido crescimento do problema do abuso sexual de crianças. Além disso, a capacidade da Europol para apoiar os Estados-Membros é prejudicada pela impossibilidade de receber dados pessoais diretamente do setor privado, cujas infraestruturas são usadas abusivamente pelos autores dos crimes para alojar e partilhar material com imagens de abusos sexuais de crianças. A Comissão Europeia avaliará mais aprofundadamente estas questões no âmbito da futura revisão do mandato da Europol, cuja adoção está prevista para o quarto trimestre de 2020.
Estas possíveis alterações legislativas serão coerentes com a política da UE em matéria de luta contra o abuso sexual de crianças e deverão contribuir para um quadro legislativo que autorize e ajude as partes interessadas pertinentes a prevenir, detetar, denunciar e agir eficazmente para proteger as crianças em qualquer situação de abuso sexual de menores.
Principais ações:
ðNuma primeira fase, a Comissão proporá, a título prioritário, a legislação necessária para assegurar que os fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas possam prosseguir as suas atuais práticas voluntárias de deteção de abuso sexual de crianças nos respetivos sistemas após dezembro de 2020.
ðNuma segunda fase, até ao segundo trimestre de 2021, a Comissão proporá a legislação necessária para combater eficazmente o abuso sexual de crianças em linha, inclusivamente exigindo que os fornecedores de serviços em linha pertinentes detetem os conteúdos de pornografia infantil conhecidos e os denunciem às autoridades públicas.
3.Identificar lacunas legislativas, boas práticas e ações prioritárias
As medidas de transposição que os Estados-Membros comunicaram à Comissão incluem medidas que, não sendo especificamente exigidas pela Diretiva Abuso Sexual de Crianças, foram consideradas necessárias pelos Estados-Membros para combater o abuso sexual de crianças. Tal sugere que podem existir questões relevantes que a diretiva não aborde suficientemente. A Comissão organizou uma sessão de trabalho com peritos, em setembro de 2019, para recolher mais informações sobre estas possíveis lacunas legislativas, tendo concluído que era necessário um trabalho suplementar para obter mais provas.
Uma vez que a diretiva foi adotada em 2011, deve avaliar-se também a sua aplicação na prática em termos de eficácia, eficiência, pertinência, coerência e valor acrescentado da UE, entre outros critérios. Esta avaliação deve considerar, em particular, a vertente em linha destes crimes, num momento em que há dúvidas sobre se o quadro atual é adequado à sua finalidade após nove anos durante os quais ocorreram alterações tecnológicas significativas e houve um crescimento exponencial da partilha em linha. Devido à tecnologia, é mais fácil do que nunca para os autores dos crimes estabelecer contactos com crianças, partilhar imagens de abusos, ocultar a sua identidade e os seus lucros e concertarem-se para evitar a responsabilização e cometer mais crimes.
Além disso, os autores dos crimes utilizam de forma cada vez mais sofisticada tecnologias e capacidades técnicas que incluem a cifragem e o anonimato (por exemplo, a partilha de ficheiros parceiro-a-parceiro e a utilização da Internet obscura). Esta atividade criminosa cria problemas para a sociedade em geral e, em particular, para as autoridades policiais no seu papel de protetoras da sociedade.
Tendo em conta o que precede, a Comissão iniciará a título prioritário um estudo para identificar lacunas legislativas e de aplicação, boas práticas e ações prioritárias a nível da UE, de forma a avaliar:
·se a atual legislação da UE resolve os problemas que estiveram na origem da sua adoção, e
·se existem outros problemas relacionados com estes crimes que a legislação atual não aborde ou aborde apenas parcialmente.
O estudo terá em conta o trabalho em curso do Conselho da UE com vista à aplicação efetiva das suas conclusões de outubro de 2019 sobre a luta contra o abuso sexual de crianças, que poderá culminar na criação ou atualização de planos de ação nacionais para coordenar as medidas a nível nacional. Terá igualmente em conta a resolução de novembro de 2019 do Parlamento Europeu, o relatório de dezembro de 2017 do Parlamento Europeu sobre a transposição da Diretiva Abuso Sexual de Crianças e o trabalho do Comité de Lanzarote do Conselho da Europa.
Principal ação:
ðA Comissão irá lançar, até ao final de 2020, um estudo alargado para identificar lacunas legislativas, boas práticas e ações prioritárias a nível da UE na luta contra o abuso sexual de crianças em linha e fora de linha.
II. REFORÇO DA RESPOSTA DAS AUTORIDADES POLICIAIS E DA COOPERAÇÃO ENTRE TODAS AS PARTES INTERESSADAS
A luta contra o abuso sexual de crianças tem de ser travada em muitas frentes, nomeadamente na sociedade em geral. Apenas serão possíveis progressos reais intensificando os esforços relacionados com a prevenção, a denúncia, a sinalização, a investigação, a proteção e identificação, o tratamento e o seguimento de todos os casos. Os serviços sociais, os profissionais de saúde, os académicos, os investigadores, os educadores, o sistema judicial, as autoridades policiais, as crianças, as famílias, as ONG, os meios de comunicação social e a sociedade em geral têm um papel a desempenhar no âmbito de uma abordagem verdadeiramente multilateral e pluridisciplinar.
4.Consolidar os esforços de aplicação da lei a nível nacional e da UE
O abuso sexual de crianças exige uma resposta competente e abrangente das autoridades policiais tanto a nível nacional como europeu. A crise da COVID-19 evidenciou a necessidade de melhorar as capacidades digitais das autoridades policiais para que estas mantenham a capacidade de proteger eficazmente os cidadãos, como salientado no Plano de Recuperação de maio de 2020.
As forças policiais nos Estados-Membros apresentam estruturas diferentes na luta contra o abuso sexual de crianças. A fim de assegurar a proteção das crianças aquém e além-fronteiras, os Estados-Membros devem poder dispor de unidades especializadas, devidamente equipadas e dotadas de pessoal com formação adequada, nas estruturas de policiamento nacionais. Em resposta a uma vaga recente de casos em grande escala, vários Estados-Membros decidiram aumentar o número de profissionais ativos na prevenção e combate do abuso sexual de crianças, facto que a Comissão saúda vivamente.
Os Estados-Membros devem estudar a possibilidade de criar equipas de identificação das vítimas no âmbito destas unidades. Se já existirem equipas deste tipo, os Estados-Membros devem ponderar alargar, a nível nacional, a capacidade existente às equipas regionais e locais pertinentes.
Para combater eficazmente estes crimes, os Estados-Membros devem também poder participar em esforços colaborativos europeus e internacionais para identificar crianças juntamente com o Centro Europeu da Cibercriminalidade (EC3) da Europol ou através da base de dados internacional sobre a exploração sexual de crianças (ICSE) alojada na Interpol. Os recursos que cada Estado-Membro afeta à luta contra a ameaça do abuso sexual de crianças devem também ter em conta a capacidade nacional para apoiar a colaboração internacional neste domínio.
Os casos de abuso sexual de crianças, em especial os que envolvem conteúdos digitais, raramente dizem respeito apenas a um Estado-Membro. Por conseguinte, além de manterem bases de dados nacionais de informações, os Estados-Membros devem investir no encaminhamento sistemático das informações pertinentes para a Europol, enquanto polo central de informação em matéria penal na UE, a fim de se apoiarem mutuamente no combate aos casos transfronteiriços.
Um combate eficaz ao abuso sexual de crianças também exige capacidades técnicas de ponta. Em alguns casos, as equipas nacionais de investigação não dispõem dos conhecimentos e/ou dos instrumentos necessários para, por exemplo, detetar material com imagens de abusos sexuais de crianças num vasto conjunto de fotografias ou vídeos apreendidos, localizar vítimas ou autores de crimes ou realizar investigações na Internet obscura ou em redes parceiro-a-parceiro. A fim de apoiar o desenvolvimento de capacidades nacionais para acompanhar a evolução tecnológica, a Comissão disponibiliza financiamento aos Estados-Membros através do Fundo para a Segurança Interna (FSI-Polícia). Além disso, a Comissão disponibiliza fundos a título do FSI-Polícia através de ações da União, que incluem, por exemplo, convites à apresentação de propostas e contratos públicos para combater as vertentes em linha e fora de linha do abuso sexual de crianças. Haverá um novo convite à apresentação de propostas no domínio da luta contra o abuso sexual de crianças até ao final de 2020. A Comissão também financia projetos de investigação no âmbito do Horizonte 2020 para apoiar o desenvolvimento de capacidades nacionais (em matéria de aplicação da lei e não só) com vista a combater o abuso sexual de crianças. Serão lançados outros convites à apresentação de propostas ao abrigo do novo programa-quadro de investigação e inovação Horizonte Europa, para combater estes crimes.
O recurso a técnicas de investigação encoberta em linha constitui um instrumento importante para a infiltração nas redes que se escondem atrás deste tipo de tecnologia. Estes métodos revelaram-se muito eficazes para compreender o comportamento e a interação dos autores dos crimes nos fornecedores de serviços em linha e facilitaram, em última instância, o encerramento dos canais de comunicação utilizados por estes infratores, bem como a sua acusação. Nestes espaços, há uma necessidade crescente de a atividade policial incluir a capacidade de infiltração eficaz em grupos particularmente perigosos de agressores em linha. Para o efeito, podem utilizar-se métodos vários a que, de momento, só um número reduzido de Estados-Membros e de parceiros de países terceiros tem acesso. É importante analisar formas de disponibilizar esta capacidade por toda a UE para perseguir os criminosos de forma mais eficaz sem depender de outros parceiros. Os valores e os direitos fundamentais da UE devem permanecer no centro de quaisquer medidas futuras.
A Europol criará um polo e laboratório de inovação para facilitar o acesso dos Estados‑Membros a ferramentas e conhecimentos técnicos desenvolvidos a nível da UE. Esta iniciativa permitirá igualmente identificar as necessidades dos Estados-Membros para fazer face aos desafios das investigações digitais, o que ajudará a determinar a afetação de fundos europeus para a investigação, a inovação e o desenvolvimento das capacidades policiais.
O polo e laboratório de inovação facilitará o acesso dos Estados-Membros aos recursos e à experiência do Centro Europeu da Cibercriminalidade (EC3) da Europol. Desde a sua criação, o EC3 desempenha um papel importante no apoio aos Estados-Membros para combater o abuso sexual de crianças. Este apoio assume, por exemplo, as seguintes formas:
·O EC3 contribui para os esforços de identificação das vítimas desde 2014. As ações colaborativas com os Estados-Membros e os países parceiros, mediante acordos operacionais através dos grupos de trabalho de identificação de vítimas da Europol, e a utilização de diversas abordagens de investigação, incluindo a base de dados ICSE, conduziram à identificação de quase 360 crianças e 150 autores de crimes.
·A Europol (muitas vezes em cooperação com a Eurojust) ajudou a coordenar diversas investigações bem-sucedidas.
·Todos os anos, com o apoio da Europol, se aplicam planos de ação operacionais (PAO) sobre a luta contra o abuso e a exploração sexuais de crianças no âmbito do ciclo político da UE / EMPACT para lutar contra a criminalidade internacional grave e organizada
.
·A Europol tem sido determinante na recolha, compilação e publicação de relatórios como os da avaliação da ameaça da criminalidade grave e organizada (SOCTA) e da avaliação da ameaça da criminalidade organizada dinamizada pela Internet (IOCTA), que incluem secções específicas sobre a luta contra o abuso sexual de crianças.
·A Europol também trabalhou com os seus parceiros internacionais para prestar aconselhamento sobre segurança em linha a pais e cuidadores, a fim de ajudar a manter as crianças seguras em linha durante a crise da COVID-19, e publicou três relatórios de informações semanais para públicos específicos.
ðA Europol criará um polo e laboratório de inovação e a Comissão providenciará financiamento para permitir o desenvolvimento das capacidades nacionais, a fim de acompanhar a evolução tecnológica e garantir uma resposta eficaz das forças policiais contra estes crimes.
5.Permitir que os Estados-Membros protejam melhor as crianças pela prevenção
Alguns dos artigos da Diretiva Abuso Sexual de Crianças cuja plena aplicação está mais atrasada nos Estados-Membros são os que exigem a introdução de programas de prevenção, os quais requerem a atuação de um leque variado de partes interessadas.
No que diz respeito à prevenção destinada a (potenciais) autores de crimes, as dificuldades dos Estados-Membros estão relacionadas com programas em todas as etapas: antes de uma pessoa cometer um crime pela primeira vez, durante ou após os processos penais, e dentro e fora da prisão.
A investigação sobre o que leva as pessoas a cometerem estes crimes é escassa e fragmentada e a comunicação entre profissionais e investigadores é mínima:
·O atual défice de investigação torna mais difícil elaborar e aplicar programas eficazes em todas as etapas. Os poucos programas em vigor raramente são avaliados em termos de eficácia.
·Além disso, os vários tipos de profissionais neste domínio (por exemplo, as autoridades responsáveis por programas de prevenção para as pessoas que temem poder vir a cometer estes crimes, as autoridades públicas responsáveis por programas de prevenção nos estabelecimentos prisionais, as ONG que oferecem programas de apoio à reintegração dos agressores sexuais) não comunicam suficientemente entre si a respeito da eficácia dos programas, incluindo os ensinamentos obtidos e as boas práticas.
Para fazer face a estas dificuldades, a Comissão estudará a possibilidade de criar uma rede de prevenção constituída por profissionais e investigadores de renome e perícia pertinente, a fim de ajudar os Estados-Membros a introduzir medidas de prevenção utilizáveis, rigorosamente avaliadas e eficazes que diminuam a prevalência do abuso sexual de crianças na UE e promovam a troca de boas práticas. Concretamente, a rede teria por objetivos:
1.Permitir um círculo virtuoso da prática para a investigação e da investigação para a prática:
·Os investigadores disponibilizariam aos profissionais iniciativas cientificamente comprovadas e os profissionais facultariam aos investigadores um retorno contínuo da informação sobre as iniciativas de prevenção de modo a contribuir para um reforço da base de provas científicas. As perspetivas e os pontos de vista das vítimas também fariam parte do trabalho da rede.
·O trabalho da rede, embora abrangendo todos os domínios relacionados com a prevenção do abuso sexual de crianças, colocaria uma forte ênfase nos programas de prevenção para os agressores sexuais e para as pessoas que temem poder vir a sê‑lo, já que este é o domínio em que os Estados-Membros enfrentam mais dificuldades.
·É sabido que nem todos os agressores sexuais são pedófilos (a exploração para fins financeiros constitui uma das motivações para cometer estes crimes), para além de que nem toda a gente que sofre desta perturbação psiquiátrica se torna um agressor sexual (algumas pessoas procuram apoio para lidar com a sua pedofilia). É necessária investigação de fundo para compreender o processo que leva uma pessoa a cometer estes crimes, incluindo fatores de risco e catalisadores. Algumas estatísticas sugerem que até 85 % das pessoas que veem imagens de abuso sexual de crianças também abusam fisicamente de crianças. A visualização de materiais de abuso sexual de crianças também é um crime, o qual gera procura de novos materiais e, por conseguinte, novos abusos físicos.
·A rede seguiria uma abordagem científica da prevenção. Embora os dados sobre a prevalência sejam escassos, alguns estudos indicam que aproximadamente 3 % da população do sexo masculino poderá sofrer de pedofilia. Os profissionais reconhecem que combater o problema na raiz, reconhecendo este facto delicado e introduzindo medidas preventivas, é a forma mais eficaz de proteger as vítimas e atenuar a carga de trabalho das autoridades policiais.
2.Apoiar o trabalho de sensibilização dos Estados-Membros, criando campanhas nos meios de comunicação social e materiais de formação:
·Tal permitiria o intercâmbio de informações sobre materiais de formação e reforço de capacidades, bem como a recolha de exemplos de boas práticas para inspirar as campanhas na comunicação social e a formação em todos os Estados-Membros. Contribuiria para evitar a duplicação de esforços, viabilizando, por exemplo, a adaptação e a tradução ao contexto nacional de materiais criados noutros Estados‑Membros.
·Além disso, a Comissão, apoiada pela rede, lançaria e apoiaria campanhas de sensibilização para ajudar a informar as crianças, os pais, os cuidadores e os educadores sobre os riscos e os mecanismos e procedimentos preventivos. Estes últimos seriam desenvolvidos juntamente com a rede.
·É necessário envidar esforços de prevenção no que respeita às organizações que trabalham com crianças – centros e clubes desportivos, instituições religiosas, serviços de saúde, escolas ou centros de atividades extracurriculares – a fim de as sensibilizar e informar sobre formas de prevenir os abusos, nomeadamente a prestação de formação específica, a introdução de procedimentos adequados e a utilização do poder legal que lhes é conferido pela legislação da UE para solicitar registos criminais além-fronteiras através do Sistema Europeu de Informação sobre Registos Criminais. Este sistema europeu altamente eficaz é crucial para a prevenção de abusos sexuais, uma vez que permite a realização de verificações dos antecedentes dos eventuais antecedentes criminais de uma pessoa no âmbito de processos de recrutamento para atividades profissionais ou de voluntariado organizadas que impliquem contactos diretos e regulares com crianças. Os profissionais, de todos os setores, que possam estar em contacto com crianças devem obter formação e ferramentas que lhes permitam prevenir e detetar os primeiros sinais de possível violência e abusos sexuais, bem como interagir adequadamente com as crianças e as suas famílias, com base nas necessidades específicas e no interesse superior da criança. Tal inclui também as autoridades policiais e o sistema judicial sempre que as crianças vítimas de crimes estejam envolvidas em investigações penais contra os seus agressores. As famílias e os cuidadores, os profissionais e a sociedade em geral têm de compreender a gravidade destes crimes e o seu efeito devastador nas crianças, obtendo o apoio necessário para denunciar estes crimes e apoiar as crianças que foram deles vítimas. Isto exige informação especializada, campanhas na comunicação social e formação.
·As próprias crianças precisam de dispor do conhecimento e das ferramentas que as possam ajudar, sempre que possível, a não serem confrontadas com os abusos (por exemplo, no tocante a formas de utilizar a Internet em segurança) e têm de aprender que determinados comportamentos não são aceitáveis. A rede de centros para uma Internet mais segura, financiada pela Comissão, sensibiliza o público para a segurança em linha e disponibiliza informações, recursos e assistência através de linhas de apoio e linhas diretas sobre um vasto conjunto de temas de segurança digital, incluindo o aliciamento e as mensagens de índole sexual. A campanha Um em Cinco do Conselho da Europa e a iniciativa «#SayNo»
da Europol são outros exemplos no mesmo sentido. Quando ocorrem abusos, as crianças têm de se sentir seguras e capacitadas para falar, reagir e denunciar, mesmo que os abusos tenham origem no seu círculo de confiança (ou seja, familiares ou outras pessoas que conhecem e em quem confiam), como sucede frequentemente. Necessitam também de ter acesso a canais seguros, acessíveis e adequados à sua idade para denunciar os abusos sem receio. Os esforços de prevenção devem igualmente ter em conta as circunstâncias e as necessidades específicas dos vários grupos de crianças que estão particularmente expostas aos riscos de abuso sexual, como as crianças com deficiência, as crianças migrantes (em particular os menores não acompanhados) e as crianças vítimas de tráfico (a maioria das quais são do sexo feminino).
O objetivo é organizar a rede em grupos de trabalho que promovam o intercâmbio de boas práticas e o trabalho sobre iniciativas concretas para gerar resultados tangíveis. Os grupos de trabalho podem ser organizados por prática (ou seja, por atividade profissional – por exemplo, profissionais de saúde, assistentes sociais, profissionais da educação, forças policiais, autoridades judiciárias, autoridades penitenciárias, decisores políticos e investigadores) e por programa (ou seja, por tipo de grupo-alvo do programa de prevenção – por exemplo, agressores sexuais e pessoas que temem poder vir a sê-lo, ou programas de formação e de sensibilização para as crianças, as famílias e a comunidade).
É essencial maximizar o trabalho para prevenir o abuso sexual de crianças. O aumento exponencial das denúncias de abuso sexual de crianças sobrecarregou as autoridades policiais na UE e no mundo, reafirmando o consenso existente entre profissionais (incluindo das referidas autoridades) de que é impossível resolver este problema exclusivamente mediante medidas de aplicação coerciva da lei, sendo necessária coordenação multilateral.
A rede procuraria reforçar a capacidade da UE para prevenir o abuso sexual de crianças e teria um alcance mundial, baseando-se em todos os conhecimentos especializados pertinentes dentro e fora da UE. Teria, por outro lado, uma sólida presença em linha para facilitar a partilha do seu trabalho na UE e a nível mundial, de modo que todos os países pudessem beneficiar de investigação e de abordagens de ponta.
Em resumo, a rede de prevenção permitiria: a) uma ação mais eficaz na luta contra o abuso sexual de crianças (em linha e fora de linha) na UE; b) uma utilização mais eficaz e eficiente dos recursos (limitados) existentes na UE para prevenir o abuso sexual de crianças; e c) uma cooperação mais eficaz com os parceiros a nível mundial, permitindo à UE beneficiar dos conhecimentos especializados mundiais sem duplicação de esforços.
Principal ação:
ðA Comissão começará de imediato a preparar uma rede de prevenção a nível da UE para promover o intercâmbio de boas práticas e apoiar os Estados-Membros no estabelecimento de medidas de prevenção utilizáveis, rigorosamente avaliadas e eficazes para reduzir a prevalência do abuso sexual de crianças na UE.
6.Centro europeu para prevenir e combater o abuso sexual de crianças
A Comissão começará a trabalhar no sentido da eventual criação de um centro europeu para prevenir e combater o abuso sexual de crianças, com base num estudo e numa avaliação de impacto aprofundados. O centro prestaria um apoio holístico aos Estados-Membros na luta contra o abuso sexual de crianças em linha e fora de linha, assegurando a coordenação para maximizar a utilização eficiente de recursos e evitando a duplicação de esforços.
O Parlamento Europeu apelou à criação de um centro na sua resolução de novembro de 2019 e os Estados-Membros salientaram, nas conclusões do Conselho de outubro de 2019, a necessidade de uma abordagem coordenada e multilateral. O centro poderá tirar partido das boas práticas e dos ensinamentos de centros semelhantes em todo o mundo, como o Centro Nacional de Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) dos EUA, o Centro Canadiano da Proteção de Crianças e o Centro Australiano para a Luta contra a Exploração de Crianças.
Para assegurar um apoio holístico aos Estados-Membros na luta contra o abuso sexual de crianças, e sob reserva de uma avaliação mais aprofundada, as funções do centro poderão abranger três domínios:
1.Aplicação da lei: A Europol é um ator fundamental na luta contra o abuso sexual de crianças, nomeadamente através da análise e da difusão dos relatos de abusos recebidos dos EUA. Tomando por base o papel e a experiência da Europol, o centro poderia trabalhar com as forças policiais na UE e em países terceiros, a fim de assegurar que as vítimas são identificadas e assistidas o mais rapidamente possível e que os agressores sexuais são entregues à justiça. Poderá apoiar os Estados-Membros recebendo denúncias de empresas que prestam serviços na UE relativamente a abusos sexuais de crianças na UE, verificar a sua relevância e encaminhá-las para as autoridades de aplicação da lei para que estas tomem medidas. O centro poderá também apoiar as empresas mantendo, por exemplo, uma base de dados única na UE de material com imagens de abusos sexuais de crianças para facilitar a sua deteção pelos sistemas das empresas, em conformidade com as regras da UE em matéria de proteção de dados. Além disso, poderá apoiar o esforço de aplicação da lei, coordenando e facilitando a retirada de materiais com imagens de abusos sexuais de crianças identificados através de linhas diretas.
O centro poderá funcionar de acordo com mecanismos rigorosos de controlo para assegurar a responsabilização e a transparência. Tem, nomeadamente, potencial para ajudar a velar pela não ocorrência de remoções indevidas ou utilizações abusivas das ferramentas de pesquisa para denunciar conteúdos legítimos (incluindo a utilização abusiva das ferramentas para fins que não a luta contra o abuso sexual de crianças), bem como ao nível da receção de reclamações de utilizadores que considerem que os seus conteúdos foram erradamente removidos. A responsabilização e a transparência serão elementos fundamentais da legislação referida nas principais ações da iniciativa n.º 2.
2.Prevenção: com base no trabalho da rede de prevenção, o centro poderá ajudar os Estados-Membros a introduzir medidas de prevenção multidisciplinares utilizáveis, rigorosamente avaliadas e eficazes que diminuam a prevalência do abuso sexual de crianças na UE, tendo em consideração as diferentes vulnerabilidades das crianças em função da idade, do género, do grau de desenvolvimento e das circunstâncias específicas. Poderá igualmente facilitar a coordenação para apoiar a utilização mais eficiente dos recursos investidos e da perícia disponível em matéria de prevenção em toda a UE, evitando a duplicação de esforços. Enquanto polo destinado a ligar, desenvolver e divulgar os resultados da investigação e os conhecimentos especializados, poderá facilitar e incentivar o diálogo entre todas as partes interessadas pertinentes, bem como ajudar a desenvolver a investigação e o conhecimento de ponta, incluindo dados de melhor qualidade. Poderá ainda proporcionar informações aos decisores políticos a nível nacional e da UE sobre lacunas na prevenção e possíveis formas de as resolver.
3.Assistência às vítimas: o centro poderá trabalhar em estreita colaboração com as autoridades nacionais e os peritos mundiais para garantir que as vítimas recebem apoio adequado e holístico, como exigem a Diretiva Abuso Sexual de Crianças e a Diretiva Direitos das Vítimas, bem como contribuir para o intercâmbio de boas práticas em matéria de medidas de proteção das crianças vítimas. Poderá igualmente apoiar os Estados-Membros realizando investigação (relacionada, por exemplo, com os efeitos a curto e a longo prazo do abuso sexual de crianças nas vítimas) em prol de uma estratégia assente em dados concretos no domínio da assistência e apoio às vítimas e funcionando como um polo de conhecimentos especializados que contribua para uma melhor coordenação e evite a duplicação de esforços. Poderá ainda ajudar as vítimas a removerem as suas imagens e vídeos para proteger a sua privacidade, nomeadamente pesquisando proativamente materiais em linha e notificando as empresas.
O centro poderá reunir todas as iniciativas nesta estratégia possibilitando uma cooperação mais eficaz entre as autoridades públicas (incluindo as autoridades de aplicação da lei), o setor da Internet e a sociedade civil na UE e a nível mundial, tornando-se a entidade de referência na UE em conhecimentos especializados neste domínio:
·Iniciativas centradas na legislação: o centro poderá utilizar os seus conhecimentos especializados para ajudar a Comissão a apoiar os Estados-Membros na aplicação da Diretiva Abuso Sexual de Crianças. Estes conhecimentos especializados, que aumentarão à medida que o centro continue a identificar lacunas e boas práticas na UE e não só, viabilizarão uma estratégia assente em dados concretos da Comissão, que poderá também assegurar uma legislação europeia atualizada conducente a uma resposta eficaz.
·Iniciativas centradas na cooperação e no financiamento: trabalhando em estreita cooperação com a Comissão e com centros semelhantes noutros países e com a Aliança Mundial WePROTECT destinada a pôr termo à exploração sexual de crianças em linha, o centro poderá assegurar a todos os Estados-Membros um acesso imediato e centralizado às boas práticas a nível mundial e garantir que as crianças de todo o mundo possam beneficiar das boas práticas da UE. O centro poderá também aproveitar os resultados da rede de prevenção e a experiência dos centros para uma Internet mais segura.
A Comissão trabalhará em estreita cooperação com o Parlamento Europeu e com os Estados-Membros para explorar as diversas opções de aplicação, incluindo, sempre que se justifique, o recurso a estruturas existentes para o desempenho das funções do centro, com vista a maximizar o seu valor acrescentado, eficácia e sustentabilidade. A Comissão realizará uma avaliação de impacto, com um estudo que será iniciado imediatamente, para identificar o melhor caminho a seguir, incluindo os mecanismos de financiamento e a forma jurídica mais apropriados para o centro.
Principal ação:
ðA Comissão lançará imediatamente um estudo tendo em vista a criação de um centro europeu de prevenção e combate ao abuso sexual de crianças, visando lograr uma resposta abrangente e eficaz da UE contra o abuso sexual de crianças em linha e fora de linha.
7.Galvanizar os esforços das empresas para garantir a proteção das crianças nos seus produtos
Os fornecedores de certos serviços em linha encontram-se numa posição única para prevenir, detetar e denunciar abusos sexuais de crianças que ocorram nas suas infraestruturas ou serviços.
Há neste momento um conjunto de empresas que deteta abusos sexuais de crianças a título voluntário. Só em 2019 o NCMEC recebeu destas empresas quase 17 milhões de denúncias de abuso sexual de crianças. Tais denúncias incluem imagens e vídeos de abusos, mas também situações que representam um perigo iminente para as crianças (por exemplo, pormenores de marcações de encontros para perpetrar abusos físicos contra as crianças ou ameaças de suicídio por uma criança na sequência de chantagem por parte do agressor). Há anos que têm um papel crucial no resgate de crianças de situações de abusos persistentes na UE. Conduziram, por exemplo:
·ao resgate de onze crianças, algumas das quais com apenas dois anos, que eram exploradas por uma rede de agressores na Suécia;
·à maior operação de sempre contra o abuso sexual de crianças na Dinamarca;
·ao resgate, na Roménia, de uma rapariga de nove anos, que fora vítima de abusos cometidos pelo seu pai durante mais de um ano;
·ao resgate, na Alemanha, de uma rapariga de quatro anos e do seu irmão de dez anos, que tinham sido vítimas de abusos cometidos pelo pai;
·à detenção de um agressor em França que aliciou 100 crianças para a obtenção de conteúdos de abusos sexuais;
·ao resgate de duas raparigas na Chéquia, vítimas de abusos cometidos por um homem de 52 anos que tinha registado os abusos e distribuído os registos em linha.
Os esforços desenvolvidos pelas empresas para detetar e denunciar o abuso sexual de crianças variam consideravelmente. Em 2019, uma única empresa, o Facebook, enviou quase 16 milhões de denúncias (94 % do total nesse ano), enquanto outras empresas sediadas nos EUA enviaram menos de 1 000 denúncias e outras menos de 10.
No ano passado, o Facebook anunciou a intenção de aplicar a cifragem de ponta a ponta por predefinição no seu serviço de mensagens instantâneas. Na ausência de medidas de acompanhamento, estima-se que tal possa reduzir o número de denúncias totais de abuso sexual de crianças na UE (e no mundo) em mais de metade e eventualmente em dois terços, uma vez que as ferramentas de deteção, na forma como são utilizadas atualmente, não funcionam em comunicações cifradas de ponta a ponta.
Tendo em conta o papel-chave que certos serviços em linha desempenham na distribuição de materiais de abuso sexual de crianças e a importância real e potencial deste setor na luta contra o abuso sexual de crianças, é essencial que este assuma responsabilidades de proteção das crianças nos seus produtos, em consonância com os direitos fundamentais da UE, nomeadamente no que respeita à privacidade e à proteção de dados pessoais.
Em 2020, a Comissão iniciou um trabalho de apoio aos esforços do setor da Internet para combater o abuso sexual de crianças em linha, no âmbito do Fórum da UE sobre a Internet. Este fórum, que reúne todos os ministros dos Interior da UE, representantes de alto nível de grandes empresas da Internet, o Parlamento Europeu e a Europol, funciona desde 2015 como um modelo para uma colaboração transetorial bem-sucedida no combate aos conteúdos terroristas em linha e foi agora alargado ao abuso sexual de crianças em linha.
Além de continuar a apoiar a luta contra os conteúdos terroristas em linha, o Fórum da UE sobre a Internet proporcionará um espaço comum para partilha de boas práticas e dos desafios que os agentes privados e públicos enfrentam na luta contra o abuso sexual de crianças em linha, a fim de aumentar a compreensão mútua e promover a procura conjunta de soluções. Permitirá também uma coordenação política de alto nível para maximizar a eficiência e a eficácia das ações em toda a UE.
Uma das iniciativas específicas no âmbito do Fórum da UE sobre a Internet em 2020 será a criação de um processo de consulta pericial técnica para identificar e avaliar possíveis soluções que permitam às empresas detetar e denunciar abusos sexuais de crianças em comunicações eletrónicas com cifragem de ponta a ponta, no pleno respeito dos direitos fundamentais e sem criar novas vulnerabilidades que os criminosos possam explorar. Os peritos técnicos do meio académico, as empresas, as autoridades públicas e as organizações da sociedade civil examinarão possíveis soluções centradas nos dispositivos, nos servidores e nos protocolos de cifragem que possam garantir a privacidade e a segurança das comunicações eletrónicas e a proteção das crianças contra o abuso sexual e a exploração sexual.
Principal ação:
ðNo âmbito do Fórum da UE sobre a Internet, a Comissão encetou um processo de consulta pericial com o setor para identificar e pré-avaliar, até ao final de 2020, soluções técnicas possíveis para detetar e denunciar o abuso sexual de crianças nas comunicações eletrónicas com cifragem de ponta a ponta, bem como para enfrentar os desafios e as oportunidades regulamentares e operacionais na luta contra estes crimes.
8.Melhorar a proteção das crianças a nível mundial através da cooperação multilateral
O abuso sexual de crianças é uma realidade mundial, transversal a todos os países e grupos sociais, que ocorre em linha e fora de linha. Estima-se que, em cada momento, existam no mundo mais de 750 000 predadores sexuais em linha que trocam material com imagens de abusos sexuais de crianças, transmitem em direto e em contínuo abusos de crianças, praticam extorsão contra crianças para produzir materiais de índole sexual ou aliciam crianças para abusos sexuais futuros.
O mapa abaixo indica o número de amostras descarregadas em tempo real, num dia, de material com imagens de abusos sexuais de crianças:
Também há dados que mostram que os agressores sexuais se deslocam a países terceiros para tirar partido de quadros legislativos mais permissivos ou de uma menor capacidade de aplicação da lei e, dessa forma, praticar abusos sem receio das autoridades. A possibilidade de exigir que os autores de crimes sexuais contra crianças se registem e cumpram determinadas condições impostas pelos tribunais ou pelos serviços de reinserção após a sua libertação é importante para proteger as crianças.
Há vários anos que a Comissão apoia os esforços a nível mundial, através da cooperação multilateral, por estar ciente da necessidade de uma rede para vencer outra rede. Um exemplo é a base de dados ICSE, financiada pela Comissão e alojada na Interpol, que contém mais de 1,5 milhões de imagens e vídeos e ajudou a identificar 20 000 vítimas em todo o mundo, através dos esforços colaborativos dos mais de 60 países que a ela estão ligados (bem como da Europol). A Comissão também cofinancia a rede INHOPE de linhas diretas oriundas de mais de 40 países, a fim de facilitar a remoção de material com imagens de abusos sexuais de crianças colocado em linha e denunciado anonimamente por cidadãos. A Comissão continuará a apoiar a ação a nível mundial através de financiamento para reforçar a cooperação internacional. Em particular, a União continuará a apoiar a iniciativa «Spotlight» da UE e da ONU para prevenir e erradicar todas as formas de violência contra mulheres e raparigas em cinco regiões do mundo.
Em 2012, a Comissão fundou, juntamente com as autoridades competentes dos EUA, a Aliança Mundial contra o Abuso Sexual de Crianças na Internet, que reuniu 54 países determinados a melhorar a proteção das vítimas, identificar e acusar os autores dos crimes, aumentar a sensibilização e reduzir a disponibilidade de material com imagens de abusos sexuais de crianças em linha. Esta iniciativa agregou-se a uma iniciativa semelhante do Reino Unido, a WePROTECT, criada em 2014, que juntou os governos ao setor da Internet e às ONG. Em 2016, as duas iniciativas decidiram unir forças e formar a Aliança Mundial WePROTECT destinada a pôr termo à exploração sexual de crianças em linha, incluindo atualmente 97 governos, 32 empresas tecnológicas mundiais, 33 organizações da sociedade civil e instituições internacionais e cinco organizações regionais. No final de 2019, a organização tornou-se uma entidade jurídica independente sob a forma de uma fundação de responsabilidade limitada, constituída nos Países Baixos.
A Aliança Mundial WePROTECT deu seguimento ao compromisso dos países com uma resposta mais coordenada para combater o abuso sexual de crianças a nível mundial, com base em avaliações de ameaças mundiais e num modelo de resposta nacional. Estes instrumentos contribuíram para clarificar os desafios e ajudar os países membros a definir objetivos práticos realizáveis.
Enquanto membro do seu conselho estratégico e dado o seu estatuto de cofundadora, a Comissão continuará a apoiar a aliança, nomeadamente através de financiamento. Tal permitirá à Comissão assegurar a coerência com iniciativas mundiais (em especial no âmbito regulamentar), que, por sua vez, apoiarão e reforçarão a eficácia das ações na UE, permitindo o acesso dos Estados-Membros às boas práticas a nível mundial. Em particular, ao participar no conselho estratégico da Aliança Mundial WePROTECT, a Comissão contribui ativamente para elevar as normas de proteção das crianças, a identificação dos agressores e o apoio às crianças vítimas em todo o mundo. Tal concorre para os esforços da UE de partilha de boas práticas e de apoio das autoridades nacionais de países terceiros na aplicação das normas internacionais no espaço em linha (nomeadamente em matéria de proteção das crianças), em conformidade com o Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia 2020-2024. A Comissão tem vindo a apoiar este tipo de cooperação global há anos e considera a Aliança Mundial WePROTECT a organização central para a coordenação e a racionalização dos esforços e das melhorias regulamentares à escala global e para uma resposta mais eficaz a nível mundial.
Principal ação:
ðA Comissão continuará a contribuir para a elevação das normas mundiais de proteção das crianças contra o abuso sexual, promovendo a cooperação entre as várias partes interessadas através da Aliança Mundial WePROTECT e através de financiamento para o efeito.
PRÓXIMAS ETAPAS
A presente estratégia apresenta um quadro para uma resposta abrangente à ameaça crescente do abuso sexual de crianças tanto em linha como fora de linha. Constituirá o quadro de referência para a ação da UE na luta contra o abuso sexual de crianças para o período de 2020-2025. Informará igualmente outras iniciativas conexas da Comissão, como a estratégia da UE sobre os direitos da criança, cuja adoção está prevista para o início de 2021.
Nos meses e anos vindouros, Comissão trabalhará de perto com as empresas, as organizações da sociedade civil, o meio académico, os profissionais, os investigadores, as forças policiais e outras autoridades públicas, bem como com outras partes interessadas pertinentes, tanto na UE (incluindo o Parlamento Europeu e o Conselho) como a nível mundial, com o fito de assegurar uma exploração e aplicação eficazes das oito iniciativas apresentadas na presente estratégia.
Cumpre aplicar o quadro jurídico adequado de modo a permitir uma resposta eficaz, nomeadamente em matéria de investigação, prevenção e assistência às vítimas, por parte dos intervenientes pertinentes, incluindo as empresas.
O abuso sexual de crianças é uma questão complexa que requer a máxima cooperação de todas as partes interessadas, das quais se espera capacidade, vontade e disponibilidade para agir. Atendendo à necessidade urgente de ação eficaz, a Comissão não poupará esforços para velar por que assim seja.
As crianças são o nosso presente e o nosso futuro. A Comissão continuará a utilizar todos os instrumentos ao seu dispor para garantir que nada lhes tolhe esse futuro.