5. As frutas baixas da árvore da Ciência Aberta - Jornal da Ciência
JC Notícia
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5. As frutas baixas da árvore da Ciência Aberta

“Tornar a ciência um pouco mais aberta não é um bicho de sete cabeças, e está ao alcance de qualquer um de nós”, escreve Olavo B. Amaral, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo para o Jornal da Ciência 

O conceito de ciência aberta é uma das ideias mais poderosas surgidas no meio científico nas últimas décadas. Com o objetivo de tornar o conhecimento acessível e  reutilizável para todos, o movimento em prol da abertura  traça metas ambiciosas para um mundo em que a informação científica esteja não apenas disponível, mas organizada e estruturada de forma eficiente, ampliando em muito seu impacto potencial para a sociedade.

A ideia é tão poderosa, porém, que por vezes assusta alguns. Parte do susto vem de razões egoístas: a maior parte dos artigos científicos segue em acesso fechado por conta dos paywalls de editoras comerciais que buscam maximizar seus lucros. Da mesma forma, cientistas podem manter dados e protocolos fechados por preferirem usá-los para seu próprio avanço acadêmico do que para contribuir com o coletivo.

Outra parte dos pés atrás, porém, tem razões absolutamente válidas. Abrir o conhecimento – e mais do que isso, fazê-lo de forma útil – envolve trabalho e custos que não são triviais. Para serem compartilhados de maneira efetiva, dados precisam de curadoria e estruturação – o que envolve trabalho humano – e têm de ser armazenados em algum lugar – o que envolve infraestrutura. Tais custos podem fazer com que a pressão pela ciência aberta exacerbe desigualdades já existentes no mundo científico.

Afora isso, existem preocupações legítimas e necessárias com dados potencialmente sensíveis, como os pertencentes a sujeitos de pesquisa. Tudo isso faz com que a mera menção de “abrir dados” possa causar resistência em pesquisadores ou agências de fomento que se preocupam com a carga de trabalho envolvida, os custos associados, ou o risco de eles caírem em mãos erradas.

Nessas horas, porém, cabe uma reflexão importante: uma ciência plenamente aberta é um ideal ao qual aspiramos, provavelmente impossível de ser atingido. Mas há muitos frutos a serem colhidos no caminho para essa utopia, mesmo que não se chegue ao destino final. A ciência aberta, afinal, existe em uma escala contínua, e cada pequeno gesto em prol da abertura contribui seus dez centavos para um mundo melhor.

E a boa notícia é que existem muitos frutos fáceis de colher: práticas que envolvem esforço mínimo, custo pequeno (ou já pago por alguém mais), pouca expertise e nenhum risco. Qualquer pessoa inserida no ambiente científico deve ter acesso a pelo menos algumas delas, o que significa que todos temos espaço para melhorar.

Para pesquisadores, gestos simples envolvem o cuidado em manter pelo menos uma versão de sua produção científica disponível em acesso aberto. Cientistas costumam espernear sobre taxas de publicação, mas disponibilizar um preprint ou pós-print em um repositório é fácil, gratuito, e aceito por quase todos os periódicos científicos. Com isso, o fato de quase um terço da produção científica brasileira permanecer em acesso fechado parece injustificável, e poderia ser resolvido com um mínimo de esforço.

Da mesma forma, compartilhar dados pode ser custoso para pesquisadores que trabalham com petabytes deles, ou com informações ultrassensíveis. Mas para a enorme gama de projetos em que um banco de dados é uma planilha com algumas dezenas de linhas e colunas – e em que o objeto de pesquisa não é um ser humano ou uma informação secreta – tornar isso acessível é trivial. Existem inúmeros repositórios gratuitos disponíveis em inúmeros formatos, e a falta de compartilhamento costuma ocorrer mais por inércia do que por limitações reais. O mesmo vale para protocolos (que não precisam ficar restritos ao espaço exíguo das seções de métodos), materiais digitais, código de análise e outros elementos de pesquisa.

Mas as pequenas práticas que fazem diferença não estão restritas aos pesquisadores. Instituições de pesquisa – sejam elas universidades, departamentos, pós-graduações ou financiadores – também têm inúmeras intervenções gratuitas ao seu dispor: a começar pela valorização de práticas abertas e transparentes na avaliação de seus pesquisadores. Dizer explicitamente que se espera que artigos e dados disponíveis não custa nada além de saliva (ou tinta, se feito por escrito). Ainda assim, temos gasto bem menos saliva e tinta com transparência do que com “produtividade”, “impacto” e outras palavras da moda, o que nem sempre favorece a integridade científica.

E por fim, existe a parte mais simples e barata de todas: a de simplesmente tocar no assunto. Valorizar ciência aberta é algo a ser feito no dia a dia, seja na educação e orientação de alunos, seja na criação de uma cultura mais saudável em nossos grupos de pesquisa, na qual métodos transparentes e íntegros – mais do que resultados revolucionários, ou alinhados com a visão do orientador – sejam o que realmente importa.

Mais do que isso, promover a ciência aberta é assumir uma postura permanente de que sempre há o que melhorar em termos de tornar nossa pesquisa mais transparente e acessível. E lembrar que essa melhora tem de acontecer em pequenos passos: este que vos fala têm sua própria lista deles, mas há muitas mais por aí, aplicáveis a diferentes áreas de pesquisa.

É claro que todos temos nossas visões do que seria um ambiente científico ideal. Mas não deveríamos tornar o ótimo inimigo do bom, ao colocar metas tão ambiciosas que acabem por fazer com que as deixemos para mais adiante. Ou pior, que façam com que nos sintamos impotentes para mudar algo e joguemos a responsabilidade da mudança sobre os outros – uma postura infelizmente comum no meio acadêmico.

Se você tem fome de uma ciência mais aberta, como deveria ter, comece pelas frutas baixas do pé: aquelas que você pode colher com as próprias mãos. Com um pouco de criatividade, há um banquete a ser colhido, e todos os outros passos vêm depois desse primeiro.

Sobre o autor:

 

Olavo Bohrer Amaral é médico especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem e doutor em Bioquímica (2007) pela UFRGS. É embaixador da ASAPbio, organização dedicada a promover a transparência e acessibilidade de resultados de pesquisa nas ciências da vida, e coordenador do No-Budget Science.