A mobilização feita por coletivos de migrantes contra uma exposição fotográfica em São Paulo que gerou polêmica pela forma como retratou pessoas migrantes em situação análoga à escravidão em oficinas de costura foi transformada em documentário.
Intitulada “Nossa Dor Não é Arte”, a produção tem cerca de 10 minutos de duração e é coordenada pelo coletivo Cholitas de Babilônia, que também organizou o ato em dezembro passado. O vídeo está disponível de forma gratuita e livre no YouTube. O título é o mesmo do manifesto lançado após o ato de repúdio à mostra.
O documentário traz imagens tanto da intervenção cultural que levou ao fechamento da mostra quanto da reação violenta de agentes da Guarda Civil Metropolitana para dispersar a manifestação. O vídeo ainda fala da repercussão que o caso alcançou junto à mídia, incluindo reportagens do MigraMundo, do portal Bolívia Cultural e do jornal Folha de S.Paulo.
“Apesar desta realidade de exploração de mão de obra ser verídica e de conhecimento da comunidade que é atravessada pelo setor de confecções e têxteis, a maneira que se denuncia as explorações em oficina de costura pelas mídias de caráter sensacionalista não sensibiliza a sociedade. Ao contrário só alimenta um estigma, xenofobia, violência e estereótipos”, explica o coletivo na descrição do documentário no YouTube.
Entenda o caso
No último dia 5 de dezembro foi lançada na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, a exposição fotográfica “Oficina do Suor”, promovida e organizada pelo Sinait (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho), com imagens do fotógrafo e auditor fiscal do trabalho Sérgio Carvalho e curadoria de Rosely Nakagawa. A mostra era parte ainda da programação da 55ª Casa de Criadores, considerado um dos maiores eventos de moda autoral do Brasil.
A exposição tinha como objetivo declarado o de denunciar a precariedade das condições de trabalho realizados por imigrantes andinos, além de abordar a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho contra essa condição degradante. No entanto, seu anúncio foi acompanahdo de críticas nas redes sociais, que questionaram se as pessoas migrantes ali retratadas tinham dado algum tipo de consentimento para terem suas imagens presentes na exposição.
Além disso, também questionaram o quanto coletivos culturais migrantes teriam sido ouvidos para o processo de elaboração da atividade. Por fim, o resultado final foi considerado desrespeitoso e desvalorizador da comunidade migrante que trabalha no setor têxtil na Grande São Paulo.
Em outubro de 2023, a mesma mostra já havia sido montada na Oficina Cultural Oswald de Andrade, também sendo alvo de críticas. Nesse caso, os responsáveis pelo local cederam espaço para que a comunidade migrante manifestasse seu descontentamento.
Manifestação e repercussão
Segundo o Cholitas de Babilônia, ocorream seguidas tentativas de diálogo com o artista, curadoria e responsáveis da exposição. O coletivo relatou ainda que chegou a ocorrer uma conversa sob mediação da Casa de Criadores, mas que não foi finalizada por divergências sobre como tratar o tema. Com isso, o anúncio de abertura da expoisção com um coquetel acabou sendo a gota d’água.
Como resposta, o coletivo Cholitas de Babilônia e outras organizações migrantes promoveram um ato na hora e no local do lançamento da exposição. Além de levarem cartazes e da wiphala, bandeira que simboliza a união dos povos andinos, os participantes jogaram tinta vermelha nas imagens como forma de expressar repúdio. Em seguida, a manifestação foi dispersada por agentes da GCM. Três integrantes do protesto foram agredidos, segundo a organização do ato.
Além da exposição de fotos, estava previsto para ocorrer em 10 de dezembro um workshop, com carga horária de 4 horas, sobre a promoção de trabalho decente na indústria da moda, do qual deveriam participar 60 estilistas da Casa de Criadores. Essa atividade também foi cancelada.
Por meio de nota em seu site oficial, o Sinait-SP se disse alvo de censura e que a proposta da exposição não foi entendida pelos críticos. O sindicato também criticou a Casa de Criadores pelo desmonte da exposição após o protesto e considerou o ato “uma validação dos atos de vandalismo ocorridos” e que “eclipsa o real sentido da exposição que é chamar a atenção para a ocorrência de trabalho escravo na indústria da moda em algumas das milhares de oficinas do suor que se multiplicam em São Paulo”.
“Entendemos os pontos levantados pelos manifestantes durante o ato”, disse a Casa de Criadores por meio de nota após o incidente. A entidade disse ainda que “repudia todo e qualquer ato de violência e buscou a resolução pacífica da situação.”
A exposição e a manifestação que levou a seu encerramento pela Casa de Criadores polarizou opiniões nas redes sociais, incluindo na postagem feita pelo MigraMundo sobre o ocorrido. Enquanto parte das manifestações demonstra apoio à ação dos coletivos migrantes, outra parte expressa repúdio ao protesto e o considera uma censura à arte.
Com informações do Bolívia Cultural
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