Um boné usado pelo presidente Lula, integrantes do governo federal e aliados no Congresso Nacional vem gerando polêmica no meio político e também desconforto junto a migrantes e demais envolvidos na temática migratória no Brasil.
Na terça-feira (4), Lula apareceu em um vídeo nas redes sociais usado um boné azul com o slogal “O Brasil é para os brasileiros”. O acessório foi promovido pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que disse ter recebido a sugestão de moradores da periferia da Zona Sul de São Paulo. A escolha da frase, por sua vez, coube ao atual ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Sidônio Palmeira, que chegou com a missão de remodelar a forma como o governo federal divulga suas ações junto à sociedade.
O uso dos bonés foi uma forma de responder na mesma moeda ao que políticos de oposição ao governo fizeram na sessão de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, no sábado (1), quando utilizaram acessórios com a mensagem “”Comida barata novamente – Bolsonaro 2026”. Antes disso, ainda em janeiro, o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, também de oposição ao Planalto, usou um boné com a frase “Make America Great Again”, símbolo das campanhas de Donald Trump, para celebrar a posse do republicano como presidente dos Estados Unidos.
Reações
A resposta dada pelo governo à chamada “guerra dos bonés”, no entanto, gerou embates dentro do próprio governo e junto a aliados. Os defensores da ideia sustentam que o Planalto conseguiu atingir o objetivo ao viralizar nas redes sociais. Já os críticos da frase “O Brasil é para os brasileiros” viram no slogan a mesma repetição da estratégia de Trump nos Estados Unidos, sem uma reflexão crítica sobre o fato dessa mensagem soar excludente com migrantes pessoas que vivem no Brasil.
“Sobre o boné lançado pelo ministro Padilha: o slogan é o mesmo utilizado pela extrema direita xenofóbica em países como Itália, Portugal e Hungria. A falta de senso crítico é impressionante. É fundamental refletir sobre as consequências de cada ação”, afirmou Paulo Illes, ex-diretor de política migratória do Ministério da Justiça e atual Diretor de Relações Institucionais do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante).
O fundador e diretor da ONG Educação Sem Fronteiras, Adriano Abdo, acrescenta. “A retórica de defesa da soberania nacional (explícita no slogan) contradiz a tradição diplomática brasileira de defesa da livre circulação humana. Enquanto o acessório sugere exclusividade territorial, o Brasil mantém 82 acordos migratórios bilaterais e multilaterais, incluindo o Mercosul ampliado, que preveem direitos transfronteiriços. Ao adotar estratégia simbólica espelhada (cores partidárias vs MAGA caps), o governo replica a lógica maniqueísta que critica”.
Em entrevista à TV GGN, a professora Cilene Victor, docente da Universidade Metodista de São Paulo e líder do grupo de pesquisa Jornalismo Humanitário e Media Interventions (HumanizaCom), também viu a estratégia do governo como equivocada e considera que o Planalto, na verdade, caiu em uma armadilha.
“Temos de tomar bastante cuidado. Fico pensando se a equipe do governo se atentou ao ciclo de notícia desse boné. A frase é muito perigosa porque ela beira o nacionalismo. O Brasil vai sediar a COP 30 neste ano [em novembro, em Belém (PA)], sabemos o quanto o mundo se preocupa com a Amazônia e o quanto isso pode ser explorado diante dessa frase “O Brasil é dos brasileiros”. O Brasil é daqueles que estão neste país – dos brasileiros, venezuelanos, ucranianos, afegãos, bolivianos e outras nacionalidades aqui presentes”.
Visão migrante
Congolês naturalizado brasileiro e delegado eleito para a segunda Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), Daniel Diowo Otshudi disse entender qual foi a intenção do governo em encampar o slogan, mas ressaltou que a mensagem final escolhida não é apropriada e tem um caráter excludente.
“Ele [o governo federal] está certo se posicionar contra o imperialismo. Mas está equivocadíssimo em ignorar que essa terra (o Brasil) é de quem a constrói, sendo cidadão brasileiro ou de qualquer outra nacionalidade. Esse nacionalismo é perigoso”.
Otshudi ainda mostra preocupação com o posicionamento que a atual gestão federal vem apresentando sobre a pauta migratória no Brasil. “Olhando as leis de restrição de entrada e agora tá deixando tudo para a sociedade civil sem orçamento e nem apoio do governo”, disse ele, fazendo menção a duas medidas recentes adotadas pelo governo: as restrições às solicitações de refúgio feitas no aeroporto de Guarulhos (SP), em vigor desde o final de agosto, e a emissão de vistos humanitários a haitianos e afegãos condicionada ao acolhimento por parte de uma entidade da sociedade civil e sem apoio estatal.
Outros migrantes ouvidos pelo MigraMundo – que preferiram não se manifestar publicamente – se dividiram a respeito do boné. Enquanto alguns deles consideraram a mensagem do boné excludente e inapropriada, outros disseram não terem se sentido ofendidos pelo slogan e que ele se insere numa lógica de tentar responder à oposição.
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