Por Bianca Medeiros
Novo ano, “novas” propostas, mas ainda a grande e velha xenofobia da capital do croissant!
No mesmo ritmo das demais capitais europeias, a proposta do governo francês em 2025 é a de endurecer a legislação migratória e, incluir o prolongamento do período de detenção de imigrantes indocumentados, mas até aí nenhuma novidade. A questão, no entanto, em torno dessa “mudança” é a justificativa apresentada, sendo esta uma resposta à necessidade de “controle fronteiriço e proteção da cultura nacional”, e aí eu te pergunto: Que cultura?! e, no mesmo embalo, te respondo: “a cultura narcisista europeia 2.0”
Os últimos anos na União Europeia, tem sido permeado pela discussão cada vez mais acalorada dos processos de regularização e manutenção de migração. Decisões, cada vez mais alinhadas a do governo francês, são parte de um fenômeno, atravessado por narrativas culturalistas e securitárias, que legitimam a exclusão de populações migrantes enquanto reforça identidades nacionais homogêneas e excludentes. Foi assim que começou lá pelas bandas da Alemanha, também. Alguém lembra?!
Fato é, que a xenofobia institucional, conforme argumentado por Balibar (1991), não se manifesta necessariamente em discursos explicitamente racistas, mas em práticas administrativas e jurídicas que reforçam desigualdades.
Na França, o conceito de laïcité (secularismo), frequentemente evocado como pilar da identidade republicana, tornou-se uma ferramenta de exclusão porque valida políticas que restringem a visibilidade religiosa de comunidades muçulmanas, como a proibição do uso do véu em espaços públicos, refletem um padrão mais amplo de marginalização cultural. A nova legislação proposta reforça essa dinâmica ao categorizar migrantes indocumentados como uma “ameaça”, legitimando políticas de controle rígidas que desumanizam essas populações.
Essa lógica também está presente em países como a Hungria, o governo de Viktor Orbán promove políticas abertamente contrárias à imigração, justificando medidas como a construção de cercas fronteiriças sob o argumento de proteger a “civilização cristã europeia”.
A Itália, sob Giorgia Meloni, restringiu operações de resgate no Mediterrâneo e criminalizou ONGs que ajudam migrantes, apresentando essas ações como uma defesa dos valores nacionais.
As justificativas para essas políticas frequentemente invocam a necessidade de proteger a cultura nacional, uma ideia que, como argumenta Anderson (1983) em Comunidades Imaginadas, está enraizada na construção histórica das nações como comunidades homogêneas.
Na prática, a defesa da cultura nacional serve como um mecanismo para excluir aqueles que não se encaixam na narrativa dominante de pertencimento. No caso da França, a integração é frequentemente apresentada como uma via de mão única, em que os imigrantes são responsabilizados por se adaptar, enquanto as barreiras estruturais à inclusão são ignoradas.
Como apontado por Sayad (1999), essas políticas não promovem a igualdade, mas reafirmam as hierarquias sociais e culturais existentes.
Para Giorgio Agamben (1998) os Estados modernos utilizam o estado de exceção para justificar a suspensão de direitos fundamentais, tratando certas populações como “vidas nuas” – vidas que podem ser reguladas, controladas e descartadas sem repercussões legais. Na Europa, os imigrantes frequentemente ocupam essa posição, sendo alvos de vigilância constante, detenções prolongadas e deportações sumárias. No Reino Unido, por exemplo, o discurso em torno do Brexit foi fortemente moldado pela ideia de retomar o controle das fronteiras, o que resultou em políticas migratórias que priorizam trabalhadores altamente qualificados e descartam outros migrantes como indesejáveis.
Essa visão dos imigrantes como um “problema” ignora suas contribuições econômicas e sociais. Dados da OCDE (2020) mostram que os migrantes desempenham papéis essenciais em setores como saúde, agricultura e construção civil, frequentemente preenchendo lacunas deixadas pela mão de obra local. Na Alemanha, a crise demográfica forçou o governo a reconhecer a importância dos trabalhadores estrangeiros para a manutenção do crescimento econômico. No entanto, mesmo em países que dependem fortemente da força de trabalho imigrante, como a Alemanha, os discursos nacionalistas continuam a influenciar políticas restritivas e a perpetuar estereótipos negativos.
Alem disso, outra questão absolutamente ignorada nas narrativas é que os imigrantes contribuem mais para os sistemas de bem-estar social do que consomem em benefícios. Estudos do Banco Mundial (2018) destacam que os migrantes, na maioria dos casos, são economicamente produtivos e ajudam a financiar sistemas de seguridade social envelhecidos, como os de muitos países europeus.
A verdade, é que o impacto das políticas de exclusão não se limita aos migrantes; ele também prejudica a democracia e os valores fundamentais das sociedades europeias. Como argumenta Mouffe (2000), as democracias liberais dependem de um pluralismo que reconhece e valoriza as diferenças. Quando os governos europeus promovem políticas que excluem sistematicamente os imigrantes, eles minam o princípio do pluralismo e reforçam a homogeneização cultural, incompatível com os valores democráticos que afirmam defender.
Traduzindo isso tudo, o que acontece é que ao priorizar a segurança sobre os direitos humanos, essas políticas criam uma cultura de medo que não só marginaliza os migrantes, mas também ameaça os direitos e liberdades de todos os cidadãos.
Ou seja, a proposta francesa é mais do que uma resposta administrativa; ela é uma manifestação de um projeto político que busca consolidar fronteiras simbólicas e literais contra aqueles considerados “estrangeiros”. Essa abordagem reflete uma Europa que luta para reconciliar seus compromissos com os direitos humanos e a inclusão com pressões internas por homogeneidade cultural e segurança. O resultado é um continente cada vez mais dividido, em que a exclusão dos migrantes é usada como ferramenta para reforçar narrativas nacionalistas e autoritárias.
Pior ainda, a exclusão muitas vezes vem dos pares que por estarem nos “países de acolhimento” a mais tempo, acham que já fazem da “cultura” que está sendo protegida. Coitados!
Sobre a autora
Bianca da Silva Medeiros é Doutoranda em Direito na Universidade Nova de Lisboa – UNL, mestre em Ciências da Sociedade com ênfase em direitos humanos, sociedade e cidadania ambiental pela Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Oeste do Pará – Ufopa. Especialista em Direito Constitucional Aplicado e Relações Internacionais com ênfase em Direito Internacional Público. Pesquisadora, Consultora Jurídica e Gestora de Projetos no Terceiro Setor. Amazônida, latina, filha da educação pública e defensora dos direitos humanos.
Referências
AGAMBEN, G. (1998). Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life. Stanford University Press.
ANDERSON, B. (1983). Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. Verso Books.
BALIBAR, É. (1991). Race, Nation, Class: Ambiguous Identities. Verso Books.
DE GENOVA, N. (2017). The Borders of “Europe”: Autonomy of Migration, Tactics of Bordering. Duke University Press.
MOUFFE, C. (2000). The Democratic Paradox. Verso Books.
OECD. (2020). International Migration Outlook. OECD Publishing.
SAYAD, A. (1999). La Double Absence: Des Illusions de l’Emigré aux Souffrances de l’Immigré. Seuil.
SCOTT, J. W. (2007). The Politics of the Veil. Princeton University Press.
World Bank. (2018). Moving for Prosperity: Global Migration and Labor Markets. World Bank Group.