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sábado, fevereiro 22, 2025

Suspensão de verba dos EUA a agência da ONU para migrações gera tensão e incerteza no Brasil e no exterior

Operação Acolhida e ONGs no Brasil que atuam com migração são afetadas pela suspensão dos recursos; especialista vê círculo vicioso se formando em relação à migração indocumentada

Atualizado às 17h20 de 28.jan.2025

“Eu ainda estou tentando assimilar essa decisão e vai ser catastrófico”. Assim o representante de uma ONG brasileira que atua junto a migrantes – que falou ao MigraMundo em condiçao de anonimato – resumiu o sentimento após o anúncio do governo dos Estados Unidos de suspender por 90 dias os repasses de recursos para ações internacionais de ajuda humanitária.

A medida, anunciada nesta segunda-feira (27), afeta tanto a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) quanto as Nações Unidas como um todo, o que inclui a OIM, a Agência da ONU para as Migrações. E em consequência, atinge os programas de entidades no Brasil que dependem de recursos direitos e indiretos dessas entidades.

Durante esse período de 90 dias, o Departamento de Estado dos EUA vai revisar todos os programas em andamento. O objetivo é garantir que a assistência humanitária esteja de acordo com os objetivos de política externa do governo Trump.

“O clima é de tensão mesmo entre as agências e organizações humanitárias”, descreveu um funcionário de uma agência da ONU ao MigraMundo, que também falou na condição de anonimato”. O nome da entidade também é mantido em sigilo, para prevenir eventuais futuras represálias.

Impacto sobre a OIM

Segundo informações divulgadas pelo portal g1, só a OIM vai deixar de receber US$ 5 milhões no período. A agência da ONU tem 60% de seu orçamento dependente dos repasses do governo dos Estados Unidos.

O ACNUR também será afetado pelos cortes, mas conta com outras fontes internacionais de recursos que permitem uma melhor equalização de atividades.

Em nota enviada ao MigraMundo, a OIM se disse ciente da atual situação, mas também afirmou confiar em um diálogo construtivo com os Estados Unidos, que figuram entre os países fundadores da entidade, em 1951. Ela passou a fazer parte do Sistema ONU em 2016.

“Estamos cientes da decisão do governo dos EUA de suspender todos os financiamentos de assistência externa e estamos cumprindo todas as ordens legais, assim como fazemos com todas as diretrizes de nossos Estados-membros. Embora continuemos a analisar os impactos dessa ação, a OIM tem um histórico de longa data de colaboração com uma ampla variedade de governos de nossos Estados-membros ao redor do mundo. Como um dos membros fundadores da OIM, os EUA têm sido um parceiro fundamental, e trabalhamos com todas as administrações desde a nossa fundação. Continuamos comprometidos com o diálogo construtivo com as lideranças dos EUA e do Brasil para destacar os benefícios mútuos da colaboração.

Desde outubro de 2023 a OIM é presidida pela estadunidense Amy Pope, que teve passagem pela Casa Branca na área de migrações durante os governos democratas de Barack Obama e Joe Biden. Ela ingressou na entidade em setembro de 2021.

Operação Acolhida afetada no Brasil

No Brasil, os impactos do corte anunciado por Donald Trump não se resumem à sociedade civil. Isso porque a OIM é uma das principais parceiras do governo federal na execução e manutenção da Operação Acolhida, em operação desde 2018 em Roraima com o intuito de organizar a migração venezuelana em direção ao território brasileiro.

“A suspensão parcial das atividades da OIM no Brasil representa um desafio significativo para o gerenciamento da crise humanitária envolvendo migrantes e refugiados. Nossa infraestrutura e operações ficam muito comprometidas com a redução de capacidades e recursos em centros de acolhimento e atendimento. Teremos impacto direto na manutenção, no custeio e no funcionamento de estruturas físicas e recursos humanos da OIM no Brasil”, destacou a agência em comunicado enviado ao governo federal.

Em resposta, o governo federal convovou uma reunião de emergência no Ministério da Casa Civil nesta segunda-feira (27) para tentar mitigar os efeitos dessa suspensão de verbas. A alternativa adotada foi a de custear de forma emergencial a Operação Acolhida, enquanto busca um novo parceiro.

“Nos últimos tempos, temos enfrentado desafios significativos decorrentes de impactos das políticas migratórias e do cenário geral”, disse o Comando da Força-Tarefa Logística Humanitária da Operação Acolhida, em Boa Vista, em nota citada pelo jornal Folha de S.Paulo. “Reconhecemos que tais situações podem ter reflexo na continuidade de alguns serviços, mas reiteramos que estamos trabalhando diariamente para conter os riscos e assegurar a manutenção das operações”.

Além da Operação Acolhida, a OIM, junto com o ACNUR, foi uma das entidades apoiadoras da segunda edição da Comigrar, que ocorreu em novembro de 2024 em Brasília, sob promoção do governo federal.

Impactos mundo afora

O secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou preocupação com a suspensão dos repasses para ajuda humanitária internacional por parte de Washington. Ele disse que esses recursos são “essenciais para as comunidades mais vulneráveis ​​ao redor do mundo cujas vidas e meios de subsistência dependem desse apoio”.

Victor Del Vecchio, advogado de direitos humanos e mestre em direito internacional pela USP, recorda que os recursos provenientes dos EUA para financiamento de organizações que atuam com migração têm, dentre seus objetivos, imprimir uma melhor gestão de fluxos migratórios não só no Brasil, mas em diversos outros países que podem acabar absorvendo esses contingentes. E que a suspensão dos repasses deve gerar ainda mais fluxo forçado em direção justamente aos EUA.

“Esse corte de orçamento deve tornar os sistemas de acolhimento menos capazes, o que desencorajaria muitos migrantes a permanecerem nesses países e, possivelmente, buscando como alternativa, o ingresso justamente nos EUA. É possível que tenhamos como consequência destas medidas de Trump, um aumento no número de pessoas que tentarão cruzar, de forma irregular ou não, a fronteira sul dos EUA”.

Del Vecchio ainda acrescenta que essa suspensão vai apenas piorar um cenário global que se tornou ainda mais hostil às populações em situação vulnerável com a própria volta de Donal Trump à Casa Branca. “A receita de piora no cenário de países que absorvem fluxos migratórios locais, de piora nos programas de desenvolvimento para as populações destes países somado à securitização de fronteiras e dificuldade de acesso a processos migratórios regulares nos EUA é a fórmula certo do aumento da imigração irregular, do fortalecimento de redes que lucram com esse processo e, sobretudo, de vulnerabilização destes milhões de pessoas que buscam uma vida melhor, ou mesmo a sobrevivência, em outras nações”.


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