DECISÕES SOB INCERTEZA
Num discurso famoso, proferido em 2004, Alan Greenspan, então presidente do Federal Reserve (Fed) disse, em tradução livre: “A incerteza não é apenas uma característica dominante do cenário de política monetária; é a característica definidora desse cenário”. É bom ter em mente a definição do Greenspan para entender as decisões de política monetária de hoje nos Estados Unidos e no Brasil.
Nos Estados Unidos, o Comitê de Política Monetária (FOMC) do Fed decidiu, como esperado, deixar a taxa básica de juros inalterada e, como antecipado, reduzir o ritmo de redução do seu balanço, o chamado Quantitative Tightening. Ao mesmo tempo, foi divulgado um novo Sumário de Projeções Econômicas (SEP) dos membros do Comitê. Quando comparado ao anterior SEP (dezembro), houve redução das projeções de crescimento do PIB, elevação marginal da taxa de desemprego e inflação mais elevada, principalmente em 2025. E em termos de projeções para a trajetória da política monetária, o FOMC manteve, pela mediana, os cortes previstos para o período 2025-2027. E no Comunicado e na coletiva do seu presidente, Jay Powell, houve menções reiteradas ao aumento da incerteza em torno do cenário econômico, basicamente pelo ruído introduzido pela nova administração. Como entender a decisão do Comitê?
Pensando apenas no tema das tarifas, ele pode ser considerado como um choque negativo de oferta, e nesse sentido ele seria recessivo e inflacionário. Isso seria compatível com diminuição da projeção de crescimento e a elevação da projeção de inflação que se observa no novo SEP. Mas, se é assim, por que manter a projeção de cortes de juros? Eis aqui que entra a incerteza. E neste caso, o bom senso sugere que você mantenha seu plano original até a incerteza diminuir. Não teria sentido, neste momento, promover mudanças nesse plano. Melhor esperar até ter mais informação. Não deveríamos entender a sinalização do Fed como disposição a cortar juros em qualquer cenário. Apenas explicitou que prefere esperar.
E no Brasil, o Comitê de Política Monetária (COPOM), como esperado por todos, elevou a taxa de juros em um ponto percentual, em decisão unânime. Foi a quinta elevação consecutiva da taxa de juros, e a terceira de um ponto percentual, totalizando 3,75 pontos percentuais de alta. O interesse maior estava na sinalização dos próximos passos, e nesse sentido o Comunicado informou que “diante da continuidade do cenário adverso para a convergência da inflação, da elevada incerteza e das defasagens inerentes ao ciclo de aperto monetário em curso, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, um ajuste de menor magnitude na próxima reunião”. Por que não uma sinalização mais explícita, como a de dezembro, quando sinalizou altas de um ponto percentual nas seguintes duas reuniões?
Novamente a incerteza aparece, mas não apenas no cenário externo, ao qual se refere o parágrafo citado. Após subir os juros em 3,75 pontos percentuais, é natural que o COPOM passe a ter uma postura mais cautelosa, pois a ideia é apertar a política monetária o suficiente, mas não mais do que isso. Há uma incerteza grande em relação a qual será o efeito sobre a economia do aperto já feito, portanto se justifica a diminuição do ritmo de ajuste dos juros. Note-se que o Comitê está informando que os juros devem subir; porém sem se comprometer com um valor específico. E isso por quê? Para ter flexibilidade de calibrar a alta a partir das informações que terá disponíveis na próxima reunião (maio). Em outras palavras, se as coisas melhorarem, fará menos; e se não melhorarem, fará mais. Novamente, parece a resposta apropriada perante a incerteza sobre os efeitos do que já foi feito. E por último, dado que ele entende que precisa dessa flexibilidade em maio, não teria nenhum sentido fazer qualquer sinalização para as próximas reuniões, bastante a reiteração da disposição de fazer o que tiver que ser feito para colocar a inflação na meta no horizonte relevante.
Resumindo, como dizia Greenspan, a incerteza é a característica fundamental do cenário no qual os banqueiros centrais tomam as suas decisões. Eles não se podem dar ao luxo de decidir olhando apenas para o cenário mais provável. A tal incerteza não deixa. Por consequência eles têm que ser prudentes e calcular muito bem os passos que dão e os sinais que emitem. Acreditamos que hoje tanto o FOMC quanto o COPOM decidiram baseados nesses princípios.