A transcendência da arte contemporânea de “Ex Africa” no CCBB
Adriano Macedo*
Um sonho asfixiado; o pior medo que a mente não consegue imaginar; a tentativa de apagar o inevitável destino que assombra a si mesmo; a condição de estar do lado de fora, sem interior, vedado a toda a forma de existência; uma cidade de pulsos cortados; a realidade como se as ruas tivessem passado por uma hemorragia; a eternidade dos mares e a eternidade dos céus. Essas metáforas, do artista angolano Kiluanji Kia Henda, são como uma prosa poética sonora, presentes na videoinstalação “Afectos de Betão” ou Afeição de Concreto (2014), sobre um indivíduo que vive o impasse de abandonar a sua terra natal, assombrado por pesadelos e pela realidade dos bairros já esvaziados, enquanto caminha pelas ruas de uma cidade vazia de gente, porém cheia de edificações e significados.
Kiluanji Kia Henda, ao lado de artistas de outros países africanos (África do Sul, Benin, Gana, Egito, Nigéria, Senegal e Zimbábue), e dos afro-brasileiros Arjan Martins e Dalton Paula, está na mostra “Ex Africa”, no CCBB, em Belo Horizonte. Trata-se de um convite para uma viagem experiencial, em que o visitante vai se deparar com a expressão artística contemporânea de nomes que vêm chamando atenção internacional, mas pouco conhecidos no Brasil.
Em comum, a superação de uma barreira invisível que costuma associar o trabalho autoral africano ao artesanato e às referências etnográficas. São trabalhos que valorizam a diversidade como a principal marca da identidade africana moderna, em que há um diálogo entre o tradicional e o contemporâneo, o colonial e o pós-Colônia, o local e o global, a memória e a página em branco, a raiz e a ausência de chão, o individual e o coletivo. Este último diálogo presente, por exemplo, na obra do nigeriano Abdulraq Awofeso, “Mil homens não conseguem construir uma cidade” (2017).
O humano é o centro da exposição, nas suas dimensões plurais e expressões cheias de sentidos como a angústia, o medo, a raiva, a tristeza, a alegria, o entusiasmo, a generosidade, a compaixão, a resiliência, o esforço, a superação e a transcendência. Essas dimensões permeiam a mostra, mesmo nos espaços preenchidos apenas com objetos, que parecem esquecidos ou com o propósito de nos remeter a uma época em que humanos eram mercadorias, como na instalação “Exchange for Life” (2017), de Ndidi Dike. São reflexões atuais num momento em que a herança africana volta a estar em evidência, pouco menos de um ano antes da celebração dos 130 anos da abolição da escravatura no Brasil.
Viver esta experiência é atravessar um oceano Atlântico imaginário e conhecer a arte de diferentes criadores que escrevem, ouvem e cantam as próprias aldeias, tornando-se, portanto, protagonistas e universais, compartilhando suas visões e emoções de mundo. Nesse continente de possibilidades em plena Belo Horizonte, “Ex Africa” reúne muitas vozes que expressam o lugar do outro para pensar o próprio lugar na existência. Nada mais polifônico e em sincronia com correntes de pensamento contemporâneas que difundem a consciência da felicidade e da sustentabilidade, que passa pela empatia, pela percepção do outro como parte do todo. Nesse ponto, uma das respostas vem, também, da África do Sul: “Ubuntu”, expressão originária das línguas das etinias xhosa e zulu que significa “Eu sou porque nós somos” ou “Eu só existo porque nós existimos”.
* Jornalista e escritor. Pós-graduado em Gestão de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (FDC). Executivo de Comunicação da ArcelorMittal Brasil. Membro e cofundador do Instituto Movimento pela Felicidade.
Ótimo o texto! Enquanto não percebermos que esta Tudo conectado, que estamos uno com o todo, estaremos gerando sofrimento para nós e para o planeta. Incrível ter essa leitura através da arte! Parabéns!
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7 aExcelente texto! Parabéns!!