Valesca conseguiu um emprego fixo em uma farmácia após um ano desempregada. Ela está animada para começar seu primeiro dia de trabalho e pagar suas dívidas, e suas colegas prometem ensiná-la bem em seu novo trabalho na manipulação de medicamentos.
1. O alívio da carteira assinada outra vez
PORTO ALEGRE, TERÇA-FEIRA, 3/05/2005 ZERO HORA26 | | ECONOMIA
Empregos& OPORTUNIDADES Zero Hora acompanha o primeiro dia de trabalho de Valesca Souza, depois de um ano sem emprego
SEBASTIÃO RIBEIRO
Uma semana depois de en-
frentar a fila por uma vaga na
agência central do Sistema Na-
cional de Emprego (Sine), em
Porto Alegre, Valesca Souza fi-
nalmente sai de casa aliviada.
– Tchau, filhote. Não vai cho-
rar, que mamãe está indo traba-
lhar – despede-se com um afago,
às 8h30min, de Átila, seu cão de
raça cocker, pelagem branca e
orelhas compridas.
Ontem, Valesca encerrou um
período de dois meses de
contas a pagar e angústia. Até en-
tão, se virou com dois empregos
temporários. Há um ano espera por
um fixo. Os passos leves pela es-
cadaria que liga sua casa, no morro
Santo Antônio, na Capital, à para-
da de ônibus denotam mais a tran-
qüilidade de quem aos 28 anos já
foi recepcionista, operadora de call
center, assistente administrativa e
estagiária de auxiliar enfermagem
do que o nervosismo de quem pela
primeira vez vai preparar medica-
mentos em uma farmácia de mani-
pulação.
As mãos ocupadas lembram que
o dia será longo – na esquerda, le-
va os materiais do curso de auxiliar
de enfermagem e, na direita, uma
sacola com agasalho e salgadinhos
para se prevenir do frio e da fome
à noite. Longo, mas o mais fácil de
enfrentar nos últi-
mos tempos.
As idas ao Sine,
como a relatada por
Zero Hora na terça-
feira passada, dia
26, pelo menos duas
vezes por semana,
as seis entrevistas
de emprego sem
resposta, o crochê e
o bordado que aju-
daram a passar as
tardes e a leitura an-
siosa dos classifica-
dos, no domingo –
tudo isso já faz
parte do passado.
O mesmo destino que, “se Deus
quiser”, também terão as dívidas
com o ortodontista, a loja de rou-
pas e o curso de auxiliar de enfer-
magem.
– Já estava angustiada, porque
sou tri certinha com contas e pas-
sava um mês, passava dois, e eu
não tinha como pagar. Alívio tam-
bém vai ser no domingo, que eu
não vou ter de ver aquele monte de
anúncio sem que
nenhum se encaixe
no meu perfil.
A realidade ago-
ra é a farmácia
Miligrama, no
bairro Moinhos de
Vento, aonde Vales-
ca chega às
9h15min. Os cabe-
los pretos e cachea-
dos ainda es-
tão molhados,
cheirando a
xampu. Mas
nem parece o
primeiro dia.
Um teste, há
uma semana, serviu para que se
aclimatasse e tecesse os primeiros
laços de amizade.
– Bom dia, Cris. Bom Dia, Vil-
ma – disse na chegada.
O nome das colegas está na pon-
ta da língua, e Valesca sobe as es-
cadas, lava com capricho o ante-
braço e as mãos, coloca a touca, o
protetor de pé e o avental.
– Hoje nós vamos tirar o couro
dela. Tá pensando que é moleza? –
brinca a farmacêutica Giselle Gas-
parini.
Em 10 minutos, Valesca está
pronta para começar. Tem a mes-
ma expressão que conquistou a do-
seus primeiros passos nas tarefas
de manipulação.
Às 18h30min, Valesca se despe-
de dos novos colegas e começa ou-
tra jornada: dois ônibus a levarão
ao curso. Até as 22h30min, estuda-
rá ao lado dos amigos que desco-
briu em momentos de dificuldade
nos últimos dois me-
ses. Para que Valesca
economizasse no ôni-
bus, não recusaram
carona.
– A turma foi bem
legal. Sabia que eu
estava procurando
emprego e ajudava.
Às vezes, eu levava
30 sanduíches e ven-
dia todos.
Somente às 23h, a
nova empregada de
Porto Alegre voltará
para casa para rever o marido,
Leonardo, e o cão Átila, do qual
hoje, bem cedo, se despedirá de
novo com um afago na cabeça.
[email protected]
s A Região Metropolitana de
Porto Alegre (RMPA) tem 262 mil
desempregados. O número
representa 14,5% da população
economicamente ativa.
s Os trabalhadores levam em média
41 semanas procurando emprego
até encontrar uma vaga.
s Dos 1,554 milhão de ocupados,
a maioria (777 mil) está no setor de
serviços.
s A carga horária média dos
trabalhadores no emprego principal é
de 43 horas semanais.
s O rendimento médio dos
trabalhadores assalariados do setor
privado é de R$ 777 por mês.
Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego na
Região Metropolitana de Porto Alegre divulgada pela
Fundação de Economia e Estatística
O cenário
na da farmácia, Marilda Cunha,
durante o teste: um ar seguro e de-
terminado. Aliás, só o que fez a
proprietária titubear em contratá-la
já durante o teste foi a perspectiva
de largar a farmácia ao terminar o
curso de auxiliar de enfermagem
no final do ano.
Valesca garantiu
que não. Precisa de
estabilidade por mais
uns dois ou três anos
até ao menos colocar
as contas em dia. Ga-
nhou a vaga.
– Ela tem iniciati-
va, é inteligente, tem
potencial – conta
Marilda.
Já no laboratório,
Valesca fica atenta a
nomes que lhe serão
familiares de agora
em diante – álcool cetoestearílico
etoxilado, MEG, álcool cetílico,
estearato de octila, propilenoglicol.
É a veterana Vilma Costa, 51 anos,
em tom terno, quase um sussurro,
ensinando a nova funcionária, em
Acabou o bico: Valesca vendia sanduíches aos colegas do curso de auxiliar de enfermagem para aumentar sua renda
ADRIANA FRANCIOSI/ZH
Teste: Valesca mostra segurança Ponta do lápis
Valesca tem dívidas de
RR$$ 550000
aproximadamente.
No novo emprego,
receberá em torno de
RR$$ 445500,,
vale-transportee
assistência médica.
ARIVALDO CHAVES/ZH
Sine: Valesca na ZH, terça-feira