1
UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE
MESTRADO EM GESTÃO INTEGRADA DO TERRITÓRIO – GIT
Marcos Vinícius de Mattos Emerick
CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL
DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
Governador Valadares/MG
2021
1
Marcos Vinícius de Mattos Emerick
CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL
DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu em Gestão Integrada do Território
da Universidade Vale do Rio Doce –
UNIVALE, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Gestão Integrada
do Território.
Orientadora: Prof.ª Dra. Sueli Siqueira
Governador Valadares – MG
2021
2
E53c Emerick, Marcos Vinícius de Mattos
Ciberespaço como território e a função social dos fluxos de
informação / Marcos Vinícius de Mattos Emerick. – 2021.
185 f. ; il.
Orientação: Sueli Siqueira.
Dissertação (mestrado em Gestão Integrada do Território) –
UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce, 2021.
1. Ciberespaço. 2. Liberdade de expressão. 2. Fake News.
3. Territorialização. I. Siqueira, Sueli. ll. Título.
CDD-342.81085
3
4
Ao direito à liberdade.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, criador da vida, que nunca me abandonou quando tudo
parecia não ter saída e se fez presente em todas as adversidades.
Desejo expressar minha profunda gratidão ao meu pai, à minha mãe e ao meu
irmão, pessoas que admiro, das quais me orgulho e são a base da minha vida.
Agradeço por sempre me apoiarem e me incentivarem nesta caminhada.
Desejo expressar minha gratidão aos amigos que me apoiaram, nas pessoas
de Lívia Santos Morais, José da Silva Júnior e Élita da Silva Souza, que nas
conversas descontraídas sempre procuravam me animar em tempos
esmorecedores.
Expresso minha gratidão à Prof.ª Dra. Sueli Siqueira, que me recebeu e me
orientou com grande conhecimento e perícia na produção da presente dissertação.
Sou grato pelos conselhos e pela atenção que me dedicou nesse difícil processo.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
que proporcionou meios para a expansão e consolidação do conhecimento.
Ao Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT), agradeço a
todos os profissionais pela competência, dedicação e envolvimento.
À Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), que desde a graduação tem me
guiado nos campos do conhecimento.
6
RESUMO
Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e sua relação
entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Essa é a questão norteadora
deste estudo, realizado por meio de uma abordagem interdisciplinar entre os campos
da Geografia, Globalização, Sociologia, Filosofia e Direito. O objetivo geral da
investigação é identificar a função social dos fluxos de informação do ciberespaço
como uma rede-território, na preservação da liberdade de expressão. O aporte
teórico utilizado foram as reflexões de Haesbaert, geógrafo cujas discussões
sustentam-se na configuração da Geografia Moderna; Émile Durkheim, sociólogo
funcionalista, cujas contribuições possibilitaram a identificação da função social da
rede; Jhon Stuart Mill e John Locke, filósofos que cooperaram com a formação da
concepção de liberdade para o Direito Ocidental. Utilizando-se a metodologia de
pesquisa bibliográfica exploratória, coletaram-se os dados por meio de aportes
teóricos, materiais jornalísticos, bibliografias e documentos, como leis e projetos de
lei, visando responder à questão central e atender aos objetivos deste estudo.
Realizou-se, também, uma pesquisa, por meio dos termos “liberdade de expressão”,
“fake News” e “notícia falsa”, na Plataforma Jusbrasil, por se tratar de uma
plataforma de comunicação que facilita a busca por conteúdo jurídico informativo e
fornece ferramentas que auxiliam e dinamizam o dia a dia dos operadores do Direito,
permitindo a realização de consultas públicas em processos judiciais de tribunais de
todo o País. Para isso, buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos
judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente os
relacionados às fake News, notícias falsas e liberdade de expressão. Procurou-se
identificar os pedidos mais comuns e a quantidade de vezes que foram concedidos,
as principais características das partes envolvidas na demanda e os padrões
argumentativos empregados pelos tribunais no momento de decidir. A partir da
análise dos dados, foi possível concluir que muito além de uma ferramenta de troca
de mensagens, o ciberespaço, um território moderno, possui a função social de
descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios privados, além
de realizar a preservação das liberdades. O estudo contribui para fazer um alerta e
demostrar que o autoritarismo e os governos tirânicos não podem superar as
ferramentas dispostas no sistema democrático.
Palavras-chave: Território. Ciberespaço. Informação. Liberdade de expressão. Fake
News.
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ABSTRACT
What is the social function of information flows in social networks and their
relationship between freedom of expression and censorship in Brazil? This is the
guiding question of this study, carried out through an interdisciplinary approach
between the fields of Geography, Globalization, Sociology, Philosophy and Law. The
general objective of the investigation is to identify the social function of information
flows in cyberspace as a network-territory, in the preservation of freedom of
expression. The theoretical contribution used were the reflections of Haesbaert,
geographer whose discussions are supported by the configuration of Modern
Geography; Émile Durkheim, functionalist sociologist whose contributions enabled
the identification of the social function of the network; John Stuart Mill and John
Locke, philosophers who cooperated with the formation of the conception of freedom
for Western Law. Using the methodology of exploratory bibliographic research, data
was collected through theoretical contributions, journalistic materials, bibliographies,
and documents such as laws and bills, in order to answer the central question and
meet the objectives of this study. A research was also carried out, through the terms
"freedom of expression", "fake news" and "notícias falsas", in the Jusbrasil Platform.
For this, we sought to gather data about the result of lawsuits involving content
available on the Internet, especially those related to fake news, false news and
freedom of expression. We sought to identify the most common requests and the
number of times they were granted, the main characteristics of the parties involved in
the lawsuit, and the argumentative patterns employed by the courts when deciding.
From the data analysis it was possible to conclude, that much more than a tool for
exchanging messages, cyberspace, a modern territory, has the social function of
decentralizing the power of information from governments and private oligopolies, in
addition to carrying out the preservation of liberties. The study contributes to make a
warning and to demonstrate that authoritarianism and tyrannical governments cannot
overcome the tools available in the democratic system.
Keywords: Territory. Cyberspace. Information. Freedom of expression. Fake News.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Processo teórico-metodológico........................................................................19
Figura 2. Percurso teórico-metodológico ........................................................................24
Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969. ..................................................................49
Figura 4. ARPANET em julho de 1977. ..........................................................................50
Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4. ....................53
Figura 6. Mapa dos cabos submarinos...........................................................................54
Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil................71
Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância. ..................................................83
Figura 9. Concentração do PIB dos municípios..............................................................84
Figura 10. Censo demográfico 1940/2000......................................................................84
Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). ....85
Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel................86
Figura 13. Liberdade na internet (2009). ......................................................................158
Figura 14. Liberdade na internet (2019). ......................................................................158
9
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.............................................................20
10
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas
às Fake News..........................................................................................................108
Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças processuais...........................108
Gráfico 3. Resultado das peças. .............................................................................109
Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma
peça processual. .....................................................................................................157
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LISTA DE SIGLAS
AI-5 - Ato Institucional nº 5
ARPA - Advanced Research Projects Agency
ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network
BITNET - Because It’s Time Network
BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico
CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações
CEPINNE - Centro Piloto de Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência
e Tecnologia na Região Norte-Nordeste
CERN - Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire
CGI.BR - Comitê Gestor da Internet
CNPD - Congresso Nacional de Processamento de Dados
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNT ou CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações
CONIN - Conselho Nacional de Informática e Automação
CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
CPF - Cadastro de Pessoa Física
CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito
CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito
CTI - Fundação Centro Tecnológico para Informática
EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações
FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FGV - Fundação Getúlio Vargas
IANA - Internet Assigned Numbers Authority
ICANN - Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números
IPTO - Information Processing Techniques Office
ISP – Internet Service Provider
ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica
LARC - Laboratório Nacional de Redes de Computadores
LNCC - Laboratório Nacional de Computação Científica
MIT - Massachussets Institute of Technology
NIC.BR - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR
ONU - Organização das Nações Unidas
PL - Projeto de lei
PLANIN - Plano Nacional de Informática e Automação
PND, I PND, II PND - (*) Plano Nacional de Desenvolvimento
PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
REDPUC - Rede Acadêmica da PUC
RNP - Rede Nacional de Pesquisa
RNTD - Rede Nacional de Transmissão de Dados
RQN - Requerimento
SEI - Secretaria Especial de Informática
SUCESU-SP - Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de São
Paulo
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
TRANSDATA - Serviço Digital de Transmissão de Dados Via Terrestre
WWW - World Wide Web
12
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................13
1.1 METODOLOGIA.....................................................................................................17
1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES ...................................................................................21
CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPA-
ÇO................................................................................................................................25
2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO......................................................................................25
2.2 TERRITÓRIO ........................................................................................................31
2.3 TERRITORIALIDADE............................................................................................42
2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA..............45
2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL ..................................................................54
CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM
TERRITÓRIO...............................................................................................................73
3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA ...................................................73
3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM?...................................................79
3.2.1 Território estrutural da rede ............................................................................82
3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede ............................................87
3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS .................................90
3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA....................................................91
3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE ................................93
CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES................................97
4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS ...........................................................................97
4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO? ....................................100
4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS - O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE
UM MODELO DE CENSURA....................................................................................104
4.3.1 Liberdade de expressão e censura...............................................................109
CAPITULO 5 – FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM
TERRITÓRIO DE REDE............................................................................................129
5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO........................................129
5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais...........................................132
5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais...........................................134
5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais.....................................137
5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM ......................................139
5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL...................................142
5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL ..........................145
6 CONCLUSÃO.........................................................................................................163
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................168
13
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação foi elaborada seguindo as normas e diretrizes
determinadas pelo Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT)
da Universidade Vale do Rio Doce, estabelecidas na Resolução nº1/2010 – PPGGIT.
A ideia de pesquisar o ciberespaço como um território, por meio do Programa
GIT, foi um processo orgânico. O que iniciou apenas como uma ideia disforme
tomou proporções e estruturas mais complexas, mediante o estudo dos aspectos
territoriais ministrados. Incialmente, a proposta de pesquisa estava vinculada à
temática eleitoral, uma vez que no ciberespaço as fake news se tornaram um grande
problema para o sistema democrático de vários países, ao supostamente induzirem
o eleitorado ao erro, por meio de notícias falsas. Contudo, com o passar do tempo,
ao estabelecer o ciberespaço como um território e com a análise desse fenômeno
pela Geografia de Haesbaert, pelo Funcionalismo de Durkheim e as reflexões acerca
da informação, da verdade e da política, de acordo com Floridi, Mill, Locke e Arendt,
foi possível perceber que, muito além das trocas de informação, o ciberespaço, mais
especificamente a internet em suas redes sociais, tornou-se um território de livre
manifestação e de descentralização do monopólio da informação dos
governos/oligopólios.
Usufruindo da liberdade de expressão, os usuários em rede ficavam
despercebidos até passarem a confrontar diretamente alguns centros de poder, na
figura de personalidades conhecidas do governo e da grande mídia. Diante desse
cenário, emergiram vários movimentos políticos interessados em suprimir/controlar a
liberdade de expressão dos usuários em rede e o fluxo de informação, sob o
pretexto de se combater as fake news. Mediante esse novo fenômeno, o foco do
estudo foi direcionado para responder à seguinte pergunta: qual é a função social
dos fluxos de informação nas redes sociais e a relação entre liberdade de expressão
e censura no Brasil? Para responder a essa questão, o presente estudo teve como
ponto de partida o estabelecimento de vários objetivos. O objetivo geral é identificar
a função social dos fluxos de informação no ciberespaço e entender a relação que
existe entre liberdade de expressão e censura. Como objetivos específicos
apontamos: descrever como se deu o processo de criação da internet e sua
expansão inicial nos EUA e no Brasil; conceituar ciberespaço na perspectiva teórica
de território de Haesbaert; analisar leis relacionadas às tentativas de regulação
14
estatal, sob a justificativa de combater as fake news; analisar qual é a função social
dos fluxos de informação no processo de consolidação da liberdade de expressão,
sob a perspectiva de John Stuart Mill, John Locke e outros filósofos.
Para se alcançar tais objetivos, utilizou-se a metodologia conhecida como
pesquisa bibliográfica exploratória. Trata-se da junção da pesquisa bibliográfica, que
é desenvolvida com base em material já elaborado e publicado (livros e artigos
científicos), com a pesquisa exploratória, que tem por objetivo “explorar” o problema
de pesquisa, quase sempre utilizado em temas/fenômenos recentes e/ou pouco
conhecidos, visando aprimorar e familiarizar com a temática. A metodologia será
aprofundada em um tópico específico desta dissertação. É possível afirmar que a
escolha da metodologia se deu pelo fato de a temática estar ligada à informação e
ciberespaço, e o território ser um fenômeno recente, com poucos dados, constituindo
um campo ainda nebuloso. Utilizou-se a metodologia bibliográfica exploratória como
meio de conhecer ainda mais o fenômeno, a fim de progredir na compreensão do
problema. Uma vez estabelecida a metodologia, por meio da delimitação do tema e
da realização de uma revisão bibliográfica1
, foi possível estabelecer cinco aportes
teóricos que seriam utilizados e entrecruzados para a construção de uma concepção
em que o ciberespaço fosse passível de ser analisado como um território. Por meio
de seus fluxos, considerados a partir do modelo Durkheimiano, identificou-se a
existência da função social.
Para responder à pergunta que norteou a presente dissertação, a pesquisa foi
dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O segundo capítulo estabelece
as bases conceituais da Geografia, sem as quais seria impossível responder à
pergunta norteadora. Portanto, sem os conceitos de território, territorialidade e
ciberespaço, seria impossível conceber o ciberespaço como um território com
multiterritorialidades vívidas fluindo por suas estruturas. Devido ao fato de o objeto
central da dissertação envolver diferentes temáticas como Geografia, Sociologia,
Filosofia, Direito e Globalização, optou-se por introduzir o leitor aos conceitos-base
que seriam aprofundados no dercorrer da dissertação e da reflexão. Ainda no
primeiro capítulo, é realizada a abordagem do contexto histórico da origem e da
expansão da rede, que atualmente é o cerne de grandes incidentes diplomáticos nos
1
Na revisão sistemática bibliográfica foram analisados artigos produzidos em Língua Portuguesa, em
periódicos da CAPES, revisados por pares entre os anos de 2009 e 2019, utilizando-se como termos
de busca “ciberespaço” e “território”.
15
debates e fóruns internacionais da internet. Resumidamente, o primeiro capítulo
equivale à fundação de uma obra que passaria a ser construída, logo em seguida,
no capítulo segundo.
No capítulo terceiro, as concepções abordadas no capítulo primeiro de forma
individualizada, passam a se entrecruzar, ou seja, os conceitos passam a questionar
o “porquê” de o ciberespaço constituir um território com multiterritorialidades
passíveis de estudos. Nesse sentido, ao dialogar com alguns dos geógrafos, ao
expôr algumas das características da rede e ao estabelecer o ciberespaço como um
território, realiza-se a divisão do território em rede, a partir de sua estrutura e a partir
de sua territorialidade humana. Dessa forma, desenvolveu-se o diálogo da
territorialidade humana a partir da concepção de cibercultura, centros de interesses
e espaço de fluxos de Pierre Lévy, Castells e outros filósofos. Por fim, inicia-se uma
breve discussão sobre as consequências de se manipular os centros de interesse,
ou seja, os perigos de aproximar apenas aqueles que pensam de forma semelhante
e afastar aqueles que pensam de forma diferente.
No capítulo quarto aborda-se uma grande problemática presente nas redes de
informação da modernidade: as fake news. As fake news demostram ser um grande
problema em diversas democracias ao redor do mundo, forçando alguns governos a
realizarem a regulação específica para a questão. Contudo, ao se aprofundar nos
conceitos de Informação e desinformação, percebeu-se que o fenômeno das fake
news tornou-se elemento essencial para entender a função social dos fluxos de
informação, posto que sua proibição, por meio da regulação, implicaria, direta ou
indiretamente, na criação de um órgão hierárquico para decidir/estabelecer o que é
ou não verdade. Uma vez que o ciberespaço é o espaço que se legitima por meio da
comunicação e sua capilarização nas camadas mais distintas e vastas do globo
passou a ser um incômodo para centros de poder que detinham o monopólio da
informação, as fake news, um termo amplo e indefinido, surgiram como um pretexto
perfeito para regular o conteúdo que circula nas redes sociais. Por meio de medidas
arbitrárias/autoritárias semelhantes às de países ditatoriais, vislumbra-se controlar
toda e qualquer informação que passe pelos fluxos. As redes sociais estabelecem
relações em diferentes pontos do Globo, possuindo um papel central e oculto na
relação entre liberdade de expressão, censura e preservação da liberdade e é essa
função social a que se pretende investigar.
16
No quinto capítulo utiliza-se o modelo durkheimiano para definir os fluxos de
informação como um fato social, mediante a caracterização de sua generalidade,
coercitividade e exterioridade. A partir dessa caracterização, analisa-se a função
social dos fluxos de informação, diante de diversas dinâmicas e diálogos dos mais
variados autores no que diz respeito à regulação, além de se realizar uma breve
comparação entre os projetos de lei que estão em tramitação e as leis que já estão
em vigor em países em que a rede não é livre, de acordo com a organização
Freedom House. Nesse sentido, sendo o Direito, conforme Durkheim, um dos
melhores indicadores da forma de uma sociedade, posto que a sociedade só se
estende ao limite estabelecido pela lei, foi possível situar como a jurisdição brasileira
tem lidado com os fluxos de informação em rede. Torna-se perceptível, sobretudo
em relação aos movimentos dos centros de poder, a tentativa de supressão e
controle dos fluxos de informação, sob o pretexto de se estar combatendo o “terror
das fake news”, tornando a sociedade brasileira em rede mais próxima do modelo de
censura de países autoritários.
Por fim, os aportes teóricos explorados para desenvolver a presente
dissertação foram divididos em cinco categorias: aportes da Geografia, da
Globalização, da Sociologia, da Filosofia e aportes do Direito. No aporte da
Geografia recorreu-se aos geógrafos Haesbaert e Yves Lacoste para a temática da
dissertação – o ciberespaço como território. Yves Lacoste, da Geográfica Crítica, foi
pesquisado para distanciar o leitor de um conceito pré-concebido de território estatal
que está ligado ao modelo de Ratzel. No pós-guerra, introduziu-se o princípio da
inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força e novos meios de
guerra surgiram em diferentes dimensões, dentre elas a guerra tecnológica. É nesse
momento que se introduz Haesbaert, por meio de sua concepção de território-rede,
palco de diversas relações humanas modernas. Nesse sentido, foi possível
estabelecer o ciberespaço como um território passível de estudo da Geografia.
Já no aporte teórico relacionado à Globalização, abordou-se Pierre Lévy, por
meio de sua concepção de cibercultura e centros de interesses, elementos
essenciais para realizar a análise da multiterritorialidade em rede e as relações de
poder ali existentes. A pesquisa também se beneficiou das concepções de Castells
para demonstrar o quanto a tecnologia em rede dominou os instrumentos sociais
centrais da sociedade humana, como por exemplo, o trabalho. Castells é
indispensável para demonstrar como o trabalho e os meios de produção, agora
17
intimamente ligados aos instrumentos de comunicação, modificaram algumas
relações do ser humano/sociedade com o espaço, em que o sociólogo afirma
existirem os espaços de fluxos.
No aporte da Sociologia, lançou-se mão do sociólogo Durkheim, por meio de
seu modelo de análise dos fatos sociais, elemento central para se descobrir a função
social dos fluxos de informação. Recorreu-se, também, aos filósofos da liberdade,
Jhon Stuart Mill e John Locke, ambos essenciais para os debates acerca dos limites
da liberdade e da tolerância. Quanto aos aportes teóricos da Filosofia, citou-se
Luciano Floridi e Hannah Arendt, ambos basilares para as reflexões acerca da
informação, da desinformação e da verdade, que são elementos que se tornaram
grande fonte de poder dos oligopólios e governos.
Por fim, no aporte do Direito, uma vez que grande parcela dos autores
fundamentais tratados na Filosofia e na Sociologia são as fontes do Direito
Ocidental, utilizou-se, além de Jhon Stuart Mill e John Locke, as diversas leis e
documentos oficiais publicados/produzidos pelos agentes governamentais do Brasil,
além de abordar superficialmente as legislações Chinesa e Russa.
Este estudo foi realizado em apoio aos direitos fundamentais da liberdade e
pela proteção das liberdades das instituições. Destaca-se que o estudo dos diversos
aspectos do fenômeno contribuirá para as reflexões e para a construção de uma
melhor abordagem da problemática vivenciada na atual crise da informação.
1.1 METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica exploratória, a fim de
realizar a análise de diversas concepções acerca do problema. Nesse sentido,
evoca-se Gil (2002, p. 44) para elucidar o que é uma pesquisa bibliográfica.
[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já
elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de
trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas
exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos
estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas
bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que
se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um
problema, também costumam ser desenvolvidas quase
exclusivamente mediante fontes bibliográficas.
18
Na presente dissertação será possível observar grande quantidade de fontes
bibliográficas que foram utilizadas como aportes teóricos. Nesse sentido, por meio
da definição do tema e da realização de uma revisão bibliográfica, estabeleceu-se
cinco aportes teóricos, sendo eles:
1. Aportes da Geografia
2. Aportes da Globalização
3. Aportes da Sociologia
4. Aportes da Filosofia
5. Aportes do Direito
Com os aportes e o diálogo realizado por meio do entrecruzamento de suas
concepções, observou-se não só o ciberespaço como um território, como também se
identificou a função social dos fluxos de informação. Nesse passo, é possível
abordar os objetivos e concepções de uma pesquisa exploratória como metodologia.
Conforme Selltiz et al. (1967, p. 63),
Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade
com o problema, com vistas a tomá-lo mais explícito ou a constituir
hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo
principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições.
Seu planejamento é portanto, bastante flexível, de modo que
possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao
fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a)
levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram
experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de
exemplos que “estimulem a compreensão”.
Devido ao fato de a atual crise das fake news, presente nos fluxos de
informação, ser um fenômeno novo, a pesquisa exploratória foi escolhida como
método ideal para abordar a temática. Uma vez estabelecidos os aportes, passou-se
a explorar suas concepções, como estas se relacionam à temática e dialogam entre
si de forma harmoniosa diante do contexto inserido.
A partir do diálogo demonstrando o ciberespaço como um território e
estabelecendo os fluxos de informação como alvo de desejo dos centros de poder,
foi possível analisar os fluxos de informação, utilizando o modelo durkheimiano, por
meio das regras do método sociológico, da concepção de fato social e da
demonstração de como os fluxos de informação se caracterizam. Adquirindo o status
de um fato social, os fluxos de informação foram analisados de forma a identificar
quais são suas funções no corpo social. Com essa análise, tornou-se perceptível
19
que, além de trocar dados e mensagens, a rede possui a função social de
descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios empresariais e
realizar a preservação das liberdades. O organograma a seguir demonstra o
percurso teórico metodológico percorrido.
Figura 1. Processo teórico-metodológico.
Fonte: Elaboração Própria, Processo teórico metodológico. 10 de dez. de 2021.
Ademais, com o fim único de enriquecer a discussão a respeito das fake news
no judiciário, foram utilizados modelos quantitativos para observar a judicialização
das causas envolvendo fake news, notícias falsas e liberdade de expressão. Nesse
sentido, realizou-se uma pesquisa na Plataforma Jusbrasil para a identificação de
três grandes aspectos relacionados à judicialização das fake news, e para tanto,
visualizar os resultados em quatro gráficos presentes no decorrer da dissertação.
Buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo
conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente em relação:
1 – à identificação dos pedidos mais comuns e à quantidade de vezes que
foram concedidos;
2 – às principais características das partes envolvidas na demanda;
3 – aos padrões argumentativos empregados pelos Tribunais, no momento de
decidir.
Com o intuito de captar a maior quantidade de dados possíveis, este estudo
pesquisou decisões judiciais, tanto em primeira quanto em segunda instância, tanto
na esfera cível quanto nas demais esferas existentes. Foram analisadas decisões de
primeira e segunda instâncias de todos os Tribunais de Justiça Estaduais, da Justiça
Federal e dos seguintes tribunais: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal
Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral,
Tribunal de Contas dos Estados, Tribunal de Contas da União, Turma Nacional de
Uniformização, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal Militar e Tribunal de
Justiça Militar.
20
Com o objetivo de abranger o máximo de decisões possíveis, foram
aproveitados dois blocos de termos de busca combinados entre si, sendo o primeiro
ligado à disseminação de notícias falsas, com os termos fake news e notícia falsa, e
o segundo ligado ao direito à liberdade de expressão, com o termo liberdade de
expressão. A combinação resultou em 240 jurisprudências catalogadas no período
de 1º de janeiro de 2015 a 25 de novembro de 2020. É necessário ressaltar que a
última atualização do banco de dados ocorreu em 21 de dezembro de 2020, sendo
importante observar a pontuação nessa data, uma vez que a morosidade de alguns
tribunais pode atrasar a publicação de algumas decisões ocorridas no período citado
acima.
As 240 decisões encontradas foram então analisadas individualmente, para
que aquelas que não diziam respeito ao objeto de pesquisa fossem descartadas.
Foram excluídas as decisões em que:
1 – não havia menção expressa e direta de pelo menos dois dos três termos
concomitantes em qualquer parte do conteúdo, seja como argumento do polo
ativo, seja como parte da fundamentação da decisão;
2 – não havia menção expressa do processo de origem disponibilizado on-
line, uma vez que teria que se especular a respeito do conteúdo que está
sendo julgado;
3 – o Tribunal apenas abordou questões processuais;
4 – se repetiram.
Do total de 240 decisões encontradas, 30 foram descartadas com base nos
itens 1, 2 e 3 acima, restando 210. Posteriormente, foram descartadas as decisões
que eram repetidas. Das 210 restantes, 22 foram excluídas em conformidade com o
item 4, restando 188 decisões para análise. As 188 decisões analisadas tiveram
origem nos Tribunais indicados na tabela 1, abaixo.
Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.
TRIBUNAL DE ORIGEM
TRIBUNAL DE JUSTIÇA 76
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL 70
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 26
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 13
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 1
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1
TOTAL 188
Fonte: Elaboração Própria. Tribunal de origem. 20 de jan. de 2021.
21
Destaca-se ainda que, em nove dessas 188 decisões, duas ou mais partes
recorreram na mesma ocasião, fato este que será considerado individualmente na
análise de cada recurso. Uma vez que se analisou o engajamento das partes, seus
fundamentos e seus resultados, essas nove decisões geraram 11 possibilidades a
mais de análise. Contudo, uma dessas possibilidades foi eliminada com base no
item 3 (Tribunal abordou questões processuais), restando apenas dez possiblidades
de análise.
Diante das categorias de análise, foi elaborada uma planilha única e geral
com os mais variados instrumentos e remédios jurídicos, como: apelações, agravos
de instrumentos, acórdãos, decisões monocráticas, agravos regimentais, embargos
de declaração, embargos infringentes, habeas corpus, ações diretas de
inconstitucionalidade, recursos inominados e outros tipos processuais.
1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES
Todas as decisões foram classificadas de acordo com uma série de critérios
que permitisse a identificação do/a:
1 – Data da publicação
2 – Órgão julgador
3 – Polo ativo/passivo
4 – Fundamentação
5 – Resultado
Em relação aos atores envolvidos, estes podem ser classificados como: polo
ativo e polo passivo. Os polos, nessa metodologia, não têm a mesma base
conceitual jurídica. Polo ativo representa qualquer pessoa, seja ela física, jurídica,
pública ou política, que interpôs peça processual, seja essa peça a inicial, seja
recurso ou remédio processual. A escolha dessa metodologia se deu para a
realização de uma análise geral quantitativa, baseada na qualificação das partes.
Por meio dessa medida, é possível observar, por exemplo, se a classe política alça
maiores vantagens nas decisões judiciais, pela quantidade de vezes que suas
interposições procedem.
Os polos ativos das demandas foram classificados em sete categorias. Essas
categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas essas
características:
22
1 – Pessoas Físicas
2 – Pessoas Jurídicas
2.1 – Pessoa Jurídica Pública
2.2 – Pessoa Jurídica Privada
2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado
3 – Pessoa Pública
4 – Pessoa Política
5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas
6 – Provedor de busca (Google, Bing, Yahoo)
7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter)
8 – Produtores de conteúdo off-line, como redes de televisão
Os polos passivos foram classificados em quatro categorias. Essas categorias
são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características:
1 – Pessoa física
2 – Pessoa Jurídica
2.1 – Pessoa Jurídica Pública
2.2 – Pessoa Jurídica Privada
2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado
2.4 – Autoridade Coatora
3 – Pessoa Política
4 – Pessoa Pública
5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas
6 – Administrador de Sistema Autônomo
7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter)
8 – Provedor de Busca (Google, Bing, Yahoo)
9 – Produtores de Conteúdo off-line, como redes de televisão
10 – Produtores de softwares e jogos
Com relação aos fundamentos utilizados pela parte ativa da demanda, foram
identificadas as categorias abaixo relacionadas. Essas categorias são cumulativas,
ou seja, um processo pode apresentar todas estas características:
1 – Direito à honra
2 – Direito à imagem
3 – Violação da privacidade/intimidade
4 – Violação da liberdade de expressão/imprensa
23
5 – Propaganda/notícia irregular
6 – Exceção da verdade
Com relação aos resultados, foram identificadas as categorias mencionadas
abaixo. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar
todas estas características:
1 – Indenização por dano moral
2 – Indenização por dano material
3 – Remoção de conteúdo
4 – Direito de resposta/retratação
5 – Suspensão de conteúdo
6 – A interposição não prosperou e foi encaminhada para prosseguimento
7 – A Interposição prosperou (completa ou parcialmente) e foi encaminhada
para prosseguimento
8 – Condenação em multa
O esquema abaixo ilustra o percurso teórico-metodológico seguido.
24
Figura 2. Percurso teórico-metodológico.
Fonte: Elaboração própria. Percurso teórico-metodológico. 20 de jan. de 2021.
25
CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPAÇO
2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO
Para melhor introduzir as concepções que serão tratadas no decorrer da
presente dissertação e antes de adentrar propriamente à especificidade da temática,
há de se entender alguns dos aspectos da Geografia. Para isso, deve-se aprofundar
em um de seus principais objetos, o espaço.
Para os geógrafos, o espaço é uma concepção basal de estudo. Segundo
Santos (1996, p. 49), “o espaço, portanto, é parte da realidade, sendo esta a
portadora da totalidade”. Abstrai-se da afirmação que, para a Geografia o espaço é o
portador de todos os elementos de estudo e análise, ou seja, o espaço é o portador
dos territórios, das regiões, dos lugares e das paisagens. A partir dessa observação,
há de se destacar duas grandes divisões dentro da Geografia que oferecem
diferentes concepções para o objeto de estudo denominado “espaço”, sendo elas:
Geografia Física e Geografia Humana.
De acordo com Oliveira Latuf (2007, p. 205),
A distinção entre Geografia Física e Geografia Humana foi sendo
realizada sob diversas óticas. De um lado, os naturalistas e
geógrafos ditos “físicos” deram uma expressiva contribuição para
esta divisão, devido à necessidade de classificar, mapear, enquadrar,
compreender e modelar as relações ecológicas, biogeográficas,
hidro-climáticas e geomorfológicas por meio da observação e
compreensão da natureza e seus processos formadores. De outro
lado, evoluía uma Geografia voltada para a compreensão das formas
e processos da sociedade, pautada nas Ciências Humanas, como
por exemplo, a Economia, a Sociologia, a Antropologia, dentre
outras.
De fato, essa divisão dentro da Geografia tomou forma durante um longo
decurso histórico-temporal como, por exemplo, Heródoto (485 a.C. - 425 a.C.), que
em sua obra intitulada “Euterpe”, descrevia a Geografia Física e Humana do Egito.
Já Aristóteles (384 a.C. - 323 a.C.) demonstrou cientificamente que a Terra tinha
uma forma esférica. Durante o Renascimento (1400 a 1600 d.C.), vários
exploradores como Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Fernando Magalhães e
Jacques Cartier adicionaram contribuições importantes tanto para a Geografia
Humana quanto para a Geografia Física, por meio de seus diários de bordo, mapas
cartográficos e descrições dos mais variados e distintos pontos do Globo. Por meio
26
de várias escolas, como as Escolas Francesa, Alemã, Inglesa e Norte-Americana,
essa divisão dentro da Geografia se consolidou. Na presente dissertação, inicia-se a
análise do espaço a partir dessa divisão, a começar pela Geografia Física.
De acordo com Nascimento (2004, p. 167),
Entende-se por Geografia Física o estudo da organização
espacial dos geossistemas, de vez que essa organização se
expressa pela estrutura conferida pela distribuição e arranjo
espacial dos elementos que compõem o universo do sistema, os
quais são resultantes da dinâmica dos processos atuantes e das
relações entre os elementos.
Observa-se que, na Geografia Física, o espaço geográfico é o espaço
concreto ou físico presente na estrutura de elementos que compõem o sistema,
resultantes das dinâmicas estruturais do globo terrestre, ou seja, os elementos que
compõem o Globo, dentro da dinâmica ecológica, biogeográfica, hidroclimática e
geomorfológica. Apesar de a Geografia Física oferecer uma vasta quantidade de
informações sobre os elementos espaciais, sobretudo na modernidade, em que a
tecnologia facilita a captação de tais dados, é possível iniciar a análise da Geografia
Física a partir de Humboldt.
Para a maioria dos geógrafos, a construção da Geografia como uma ciência
técnica e metodológica emergiu das obras dos alemães Alexander Von Humboldt,
importante geólogo, botânico e naturalista, Karl Ritter, historiador e filósofo, e
Friedrich Ratzel, geógrafo e etnólogo.
Para Camargo e Reis Júnior (2007, p. 83),
[...] somente nos meados do século XIX, na Alemanha, com A. von
Humboldt, K. Ritter e F. Ratzel, que ela passou a ter status de
ciência, sendo, a partir dessa época, ensinada e praticada nas
universidades. Formou-se então uma corrente de pensamento no
seio da geografia que ficou conhecida como “escola alemã”, cuja
característica central era o fato de ser iminentemente determinista e
naturalista.
Humboldt (1845–1862), por meio de seu tratado de 1845 sobre a ciência da
natureza, intitulado “Kosmo”, que é um compilado de suas aulas ministradas na
Universidade de Berlim, instituiu de maneira sólida alguns dos aspectos da
Geografia Física. Na introdução de sua obra, é possível observar a abordagem da
Física pelo estudo dos processos físicos, e a abordagem da Geografia Física
27
presente na paisagem, por meio do estudo dos elementos da natureza. Humboldt
(1982), em sua obra, introduzia o conceito de paisagem, e a partir disso traçava um
paralelo por meio da conexão desses elementos da natureza com os processos
físicos.
Vejamos:
Após uma longa ausência do meu país natal, ao tentar desenvolver
os fenômenos físicos do Globo e a ação simultânea das forças que
permeiam as regiões do espaço, experimento uma dupla causa de
ansiedade. O assunto perante mim é tão inesgotável e tão variado,
que receio cair na superficialidade do enciclopedista ou cansar a
mente do meu leitor com aforismos que consistem em meras
generalidades revestidas de formas secas e dogmáticas. [...] ao
acatarmos o estudo dos fenômenos físicos, não apenas na sua
orientação para as necessidades materiais da vida, mas na sua
influência geral sobre o avanço intelectual da humanidade,
consideramos que o seu resultado mais nobre e mais importante é o
conhecimento da cadeia de ligação, pela qual todas as forças natais
estão ligadas entre si e se tornam mutuamente dependentes umas
das outras. É a percepção dessas relações que exalta os nossos
pontos de vista e enobrece os nossos prazeres2
(HUMBOLDT, 1864,
p. 1, tradução nossa).
Além disso, o geógrafo realizou várias viagens que contribuíram para
conceber algumas de suas principais ideias, utilizando seu método comparativo de
estudo científico das paisagens, que confrontava de forma sistêmica as diferenças e
similaridades de diversas paisagens.
Observa-se que, a princípio, o objeto de estudo da Geografia Física era
limitado apenas à paisagem e se estudava os elementos que a compunham.
Contudo, a partir da análise científica, a Geografia Física expandiu as possibilidades
de análise do espaço. Aprofundou seus processos e fenômenos físicos, biológicos e
químicos, sendo, portanto, uma forte corrente presente no estudo da ciência
geográfica. É possível observar que, atualmente, a Geografia Física dividiu-se em
alguns ramos de especialização como a Geomorfologia, Hidrologia, Glaciologia,
2
In attempting, after a long absence from my native country, to develope the physical phenomena of
the globe and the simultaneous action of the forces that my reader by aphorisms consisting of mere
generalities clothed in dry and dogmatical forms. (...) In considering the study of pervarde the regions
of space, I experience a twofold cause of anxiety. The subject before me is so inexhaustible and so
varied, that I fear either to fall into the superficiality of the encyclopeadist, or to weary the mind of
physical phenomena, not merely in its bearings on the material wants of life, but in its general
influence on the intelectual advancement of mankind, we find its noblest and most importante result to
be a knowledge of the chain of connection, by which all natual forces are linked together, and made
mutually dependente upon each other, and it is the perception of these relations that exalts our views
and ennobles our enjoyments.
28
Biogeografia, Climatologia, Pedologia, Paleogeografia, Orografia, Geografia
Litorânea e Geografia Astronômica (Idem).
Nesse momento, pode-se introduzir o conceito de espaço na Geografia
Humana, que em sua concepção originária procurava elucidar a organização
espacial, os padrões de distribuição espacial e as relações que conectam diferentes
pontos do espaço e sua relação com o homem. Para isso, é possível observar as
importantes contribuições de Karl Ritter e Ratzel que, em suas obras, propõem um
estudo mais direcionado à relação entre o homem e a superfície terrestre. Para
Ritter (1865), a compreensão da relação do homem com a superfície era um meio de
se aproximar de uma moral transcendente, uma vez que o homem só seria passível
de compreender a plena liberdade, por meio do conhecimento do espaço finito que o
cerca.
Assim, só ele pode compreender o pensamento sublime de sua
própria liberdade, a independência de sua própria vontade no reino
da natureza, e aprender a majestade de seu próprio espírito; pois o
conhecimento dessa liberdade, que é o mais nobre de todos os dons
de Deus para ele, é a chave mais direta para alcançar aquele lugar
no presente, e aquele destino no futuro, que Deus designou para o
homem. Aquele que não conhece o terreno não pode conhecer o
celestial; quem não conhece o finito não pode conhecer o infinito3
(RITTER, 1865, p. 19, tradução nossa).
Nesse sentido, a Geografia precisava entender a lógica dos comportamentos
dos agentes sociais para poder elucidar a localização das atividades humanas, os
fluxos das pessoas e sua relação com o espaço natural. Assim sendo, é possível
observar novamente Ritter abordar uma análise de como o espaço influi em um povo
ao mesmo passo em que o povo influi no espaço.
As regiões montanhosas tiveram, portanto, uma grande influência na
história e no desenvolvimento da humanidade, ainda maior do que os
planaltos mais monótonos, que em geral abrigam raças nômades e
dão pouco incentivo aos povos permanentemente assentados. Por
essa razão, o geógrafo não pode, como o geólogo, classificar
planícies altas e montanhas juntas; ele não pode tirar as mesmas
inferências do platô e da cordilheira; para o geógrafo, o planalto não
é um tipo inferior de montanha, mas os dois, em suas relações com o
3
Thus, alone can he compass the sublime thought of his own freedom, the independence of his own
will in the kingdom of Nature, and learn the majesty of his own spirit; for the knowledge of that
freedom, which is the most noble of all God's gifts to him, is the most direct key to the attainment of
that place in the present, and that destiny in the future, which God has appointed for man. He who
knows not the earthy, cannot know the heavenly; he who knows not the finite, cannot know the infinite.
29
homem e com a história, sugerem resultados inteiramente diferentes
e condicionam processos inteiramente diferentes4
(RITTER, 1865, p.
91, tradução nossa).
Observa-se que Ritter (1865), em sua comparação das paisagens
montanhosas em relação aos planaltos, afirma que o ambiente resulta em diferentes
tipos de sociedade, uma vez que, por exemplo, os planaltos dão pouco incentivo aos
assentamentos permanentes, induzindo o povo a ser nômade, diferentemente das
regiões de cadeias montanhosas, que possuem os elementos necessários e
favoráveis à permanência.
Já Friedrich Ratzel (1906) destacou-se por dar maior ênfase ao homem em
suas concepções geográficas. Nota-se grande ímpeto em analisar a Geografia sob a
ótica de sua formação antropológica, sobretudo em sua obra Über geographische
Bedingungen und ethnographische Folgen der Völkerwanderungen. Por meio da
tradução de Jörn Seemann (2012), é possível afirmar que Ratzel observava as
organizações dos homens. Vejamos:
Não podemos fugir de certas influências do nosso ambiente,
sobretudo daquelas que atuam sobre o nosso corpo; lembro-me
daquelas [influências] do clima e da alimentação. É sabido que o
espírito também está sobre a influência do caráter geral do cenário
que nos cerca. Mas, para outros, esse grau de influência que essas
[forças] exercem depende em grande medida da força de vontade
que se opõe a elas. Podemos nos defender dela, contanto que o
queiramos. Um rio grande que forma uma linha fronteiriça para um
povo indolente não representa uma barreira para um povo
determinado. [...]. Assim se mede as influências, que estamos
inclinados a atribuir às circunstâncias externas na história dos povos,
na sua totalidade pela força da vontade pertencente a esses povos.
Quanto mais forte e mais duro esse [povo], menores os impactos
daqueles [efeitos da natureza] (SEEMAN apud RATZEL, 2012, p.10).
Partindo dessa concepção, estudava-se o espaço a partir das organizações
resultantes da relação homem/natureza. De acordo com Sorre (2003, p. 139), “Em
boa parte, a Geografia Humana apresenta-se como uma ecologia do homem.
Examinemos cada um dos termos dessa relação”. Observa-se que o objeto de
4
Mountain regions have therefore had a great influence in history and in the development of humanity,
even greater than the more monotonous plateaus, which in general harbor nomadic races and give
little encouragement to permanently settled people. For this reason, the geographer cannot, like the
geologist, classify high table-lands and mountains together; he cannot draw the same inferences from
the plateau as from the mountain range; to the geographer the plateau is not a lower type of mountain,
but the two, in their relations to man and to history, suggest entirely different results and condition
entirely different processes.
30
estudo da Geografia Humana é, portanto, a totalidade das interações humanas e
seus desdobramentos, ou seja, o espaço de estudo na Geografia Humana se limita
aos próprios atos humanos em sua relação com o natural, uma vez que o
comportamento humano exerce tanta influência sobre o espaço quanto a própria
natureza.
Em meados da década de 1970, por meio de um movimento crítico originário
da Escola de Frankfurt, rompeu-se com a ideia de neutralidade científica para fazer
da Geografia Humana uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade
capitalista, pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza. Por
meio da teoria crítica, iniciou-se um movimento que alterou a ótica da ciência
humana, sobretudo após a publicação da obra "A Geografia – isso serve, em
primeiro lugar, para fazer a guerra", de Yves Lacoste. De acordo com o geógrafo,
A geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a
um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que
exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas,
heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a
razão de ser e a importância, se não se enquadra no bem
fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. São tais
práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne
necessária, ao Chefe Supremo, àqueles que são os donos dos
aparelhos do Estado (LACOSTE, 1985, p. 23).
Nota-se que o conceito de espaço foi totalmente redefinido pela Geografia
Crítica, uma vez que é perceptível, por meio dos posicionamentos de Yves Lacoste,
que os estudos geográficos se voltaram para uma crítica social, sobretudo na
relação entre Estado, sociedade e espaço. Assim como a Cultura, a Política e a
Economia são instâncias da sociedade passíveis de serem estudadas por meio das
metodologias científicas dominantes em cada área, também seria possível acontecer
com o estudo do espaço como um produto social, uma vez que o mesmo reflete os
processos e conflitos sociais ao mesmo tempo em que influi neles.
Nesse sentido, o espaço geográfico expandiu seu objeto de estudo para além
da relação homem/natureza, abrangendo a relação homem/homem por meio do
espaço social resultante das relações das pessoas, das instituições e da paisagem
entre si. A partir dessa concepção, a Geografia passou a se engajar em estudos
políticos na defesa da diminuição das desigualdades regionais e a se envolver em
outras áreas de especialização como Economia, Direito, Ciências Médicas, etc.
31
Como ramos de especialização da Geografia Humana é possível observar a
Geografia Econômica, Geografia Cultural, Geografia do Trabalho, Geografia Social,
Geografia Histórica, Geografia Rural, Geografia Ambiental, Geografia Médica,
Geopolítica, Urbanismo e Ecologia Humana (idem.).
Destaca-se, nesse momento, que tanto o capítulo um quanto o capítulo dois
do presente estudo, firmarão as bases conceituais para conceber a ideia de
ciberespaço como um território, para que nos capítulos três e quatro se estabeleça
um diálogo acerca da função social dos fluxos de informação presentes no espaço
cibernético e as implicações que uma regulação poderia acarretar no
desenvolvimento do território. A partir da abordagem dos espaços, será possível
introduzir as concepções relacionadas a território e à territorialidade, elementos
essenciais para compreender como é a configuração espacial em rede.
2.2 TERRITÓRIO
Uma vez que o espaço é o objeto de estudo da Geografia e sendo esta a
portadora da realidade, é necessário observar a concepção de território, que
constitui um dos elementos presentes no espaço. A abordagem da concepção de
território, contudo, será feita tão somente no tocante à Geografia Humana, uma vez
que o objeto deste estudo, o ciberespaço, não é elemento puramente físico ou
predeterminado da natureza. Além disso, é necessário pontuar que, apesar de o
território possuir elementos materiais presentes no espaço geográfico, sua existência
depende diretamente de uma ação humana, fruto de um processo de interesses
sociais e políticos.
Não é difícil afirmar que o conceito de território diverge e se altera de acordo
com a dinâmica espaço/tempo, uma vez que as sociedades, as políticas, as
pesquisas e as jurisdições se modificam. Para o pesquisador Haesbaert, o conceito
de território apresenta uma face abrangente. Segundo o pesquisador,
Território tem sido uma expressão ambígua, que pode designar
desde um espaço social qualquer, como predomina no senso comum
e entre alguns geógrafos, até um espaço marcado e defendido por
determinadas espécies animais, seu espaço de sobrevivência, como
é definido pela etologia. Pode ter tanto um sentido totalmente
abstrato, como o “território da filosofia”, quanto muito concreto, o
“território dos Estados-nações.” (HAESBERT, 1997, p. 32).
32
Nesse sentido, é possível perceber que tal conceito é mutável e aplicável de
várias formas. Porém, para conduzir melhor a dissertação, diante da ambiguidade e
das várias possibilidades modernas de aplicação da concepção de território, a
análise desses conceitos iniciará a partir da etimologia da palavra. Le Berre (1992, p.
618) elucida o conceito de território da seguinte forma: “Originário do latim territorium
(por sua vez derivado de terra), o termo figurava nos tratados de agrimensura
significando ‘pedaço de terra apropriada’ e só se difundiu efetivamente na Geografia
no final dos anos 70”.
Nota-se que a concepção de território, em sua efetiva aparição em meados
dos anos 70, estava intimamente atrelada à apropriação de uma porção de terras
para fins de uso específico, sendo presumido um processo social e/ou político diante
de determinadas ações. Contudo, como dito anteriormente, tal concepção se
modificou no lapso temporal, sendo possível observar conceitos deveras
semelhantes no decorrer das épocas como, por exemplo, a palavra “província”, que
vem do latim pro, “à frente”, mais vincere, “vencer”, que em sua concepção romana
definia os territórios sob o domínio de um magistrado que controlava uma porção de
terra em nome do Império. Temos também, como exemplo, a palavra patriarcado,
que deriva das palavras gregas, patér, “pai”, mais arkhé, “poder”. Em seu período,
essa palavra determinava uma porção de terra governada pelo patriarca, o líder de
uma unidade que comandava a estruturação das ações administrativas, judiciárias e
religiosas a serem desempenhadas por todos que compartilhavam aquele espaço
sob a jurisdição do patriarca.
Nesse sentido, é sempre perceptível junto à figura do território, a presença de
uma relação de poder dos indivíduos sobre o espaço. Observa-se que a concepção
de território foi construída no decorrer das épocas, como um fruto da organização do
espaço, segundo os interesses e objetivos dos indivíduos que ali se localizavam.
Aprofundando-se ainda mais no conceito, é possível afirmar que o território é, por si
só, o receptáculo de uma entidade governamental formada e estruturada pelos
indivíduos que se apropriam e estruturam o espaço, a partir de um objetivo coletivo.
Diante da relação de poder existente na formação do território, pode-se presumir a
existência de um conjunto de leis e normas que regem o comportamento dos
indivíduos dentro dos limites da jurisdição.
Apesar de o termo território ser de difícil definição, sob a ótica do Direito
existe um consenso entre os juristas em dizer que o território é um dos três
33
principais elementos para a formação de um Estado. Nesse sentido, Bonavides
(2000, p. 122) consente da seguinte forma "a doutrina de mais peso se inclina para a
consideração do território como elemento essencial ao conceito de Estado". Tal
concepção do Direito também é compartilhada na Geopolítica. Ratzel (1990) sempre
ressaltava a importância do território como um dos elementos essenciais para a
formação de um Estado e afirmava que,
Mesmo que a ciência política tenha ignorado as relações de espaço
e a posição geográfica, uma teoria de Estado que fizesse abstração
do território não poderia jamais, contudo, ter qualquer fundamento
seguro. [...] sem território, não se poderia compreender o incremento
da potência e a solidez do Estado (RATZEL, 1990, p. 73-74).
Essa concepção possui uma origem no sistema de leis advindas do Império
Romano, onde a fixação dos limites de um território era condição fundamental para
exercer o domínio sobre determinado espaço e impor suas leis. Ratzel corrobora as
afirmações anteriores.
Como o Estado não é concebível sem território e sem fronteiras,
constituiu-se bastante rapidamente uma geografia política, e ainda
que nas ciências políticas em geral se tenha perdido de vista com
frequência a importância do fator espacial, da situação etc.,
considera-se, entretanto, como fora de dúvida que o Estado não
pode existir sem um solo. Abstraí-lo numa teoria do Estado é uma
tentativa vã que nunca pôde ter êxito senão de modo passageiro
(RATZEL, 1983, p. 93).
Percebe-se que o território é condição sine qua non5
para que a soberania de
um povo se torne legítima como um Estado, sendo este um dos principais motivos
de conflito em algumas regiões do mundo. Como exemplo de conflitos entre povos
envolvendo o mesmo espaço, no que tange à definição de um território, temos Israel
e Palestina, em que não há consenso pela demarcação dos territórios em um
mesmo espaço. Sendo assim, cada povo reivindica o mesmo espaço como um
território para exercer seus objetivos, impor suas leis, realizar suas atividades,
ampliar sua cultura, etc. O conflito entre os dois povos causa incidentes diplomáticos
sob a ótica internacional, no que diz respeito ao reconhecimento de um dos povos
como um Estado.
5
Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão do latim que pode ser traduzida como “sem
a/o qual não pode ser”. Refere-se a um ato/elemento cuja condição é indispensável e essencial para
o ser/existência de algo.
34
A ideia do território como um receptáculo dos elementos componentes de um
Estado se intensificou com Ratzel, sobretudo ao cunhar o termo “Geografia Política”,
que atrelou a percepção de território intensamente à figura de um Estado que
domina e controla uma porção de terra. Nesse sentido, o “Lebensraum”, traduzindo
do alemão, “espaço vital”, surgiu como um conceito inovador e uma das principais
proposições de Ratzel. O espaço vital inaugurou algumas das concepções da
Geografia Política moderna, em que se disseminava a ideia de que deveria haver o
equilíbrio entre a demografia populacional e a disponibilidade de recursos espaciais.
Nota-se que a dinâmica territorial em Ratzel muito se assemelha à concepção
territorial adotada pelas doutrinas majoritárias relacionadas ao Direito, sobretudo, no
que tange aos elementos de formação do Estado. Ratzel agrega uma importância ao
território como fonte de poder Estatal como nunca antes visto.
No mais tardar, a ideia de espaço vital iria influenciar diretamente o Reich
alemão em sua expansão, uma vez que a concepção de espaço vital justificava a
invasão de povos “primitivos” como meio de satisfazer as necessidades de um povo
“superior”. Font e Rufi (2006, p. 59), em um breve comentário sobre o espaço vital,
afirmam que:
Renunciar à luta, renunciar ao espaço vital, significará a decadência
de um povo. Esta lógica é a que marcará a dinâmica territorial do
Estado, uma lógica de caráter hobbesiano em que o conflito fica
legitimado por um direito natural, o de dar segurança e satisfação às
necessidades da população. Com isto, Ratzel afasta-se da posição
determinista intransigente que pouco a pouco tinha adquirido.
Segundo ele, apenas as sociedades frágeis e primitivas sofrem de
submissão ao meio; as restantes movem-se na marca do
possibilismo, lutando pelo território de acordo com suas
necessidades e capacidades. De fato, toda a teoria do lebensraum é
expressão deste possibilismo.
Denota-se que a luta pelo território como fonte de poder expandiu as
dimensões de análise do espaço, uma vez que o estudo geográfico assumiu uma
forma mais política e governamental, sobretudo por meio do planejamento jurídico e
estratégico militar, cujo objetivo expansionista era almejado pelos Estados
Nacionalistas da época, posto que o território, por si só, era considerado uma fonte
de poder e controle sobre tudo que existia sobre e sob a porção do espaço. De
acordo com Queiroz e Bachiega (2020, p. 194),
35
Com Ratzel, inicia-se o estudo sistemático da dimensão geográfica
da política, que tem como corolário basilar a premissa de que a
expansão territorial de um povo é justificável se o espaço almejado
for capaz de prover os meios para a satisfação de suas
necessidades — portanto, a espacialidade ou a territorialidade do
Estado era o principal objeto de preocupações. Essa premissa
indicava a ideia do que seria o Estado e sua ligação com o território
como uma fonte de poder — e passou a ser utilizado por líderes
políticos como justificativa para aventuras expansionistas em busca
do equilíbrio entre as necessidades de uma dada população e a
disponibilidade de recursos que o meio oferece para supri-las.
O conceito de espaço vital influenciou totalmente o século XX e toda a sua
posteridade, uma vez que tal concepção inspirou, voluntária ou involuntariamente, os
moldes da Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o aspecto regulador de um
território quanto à sua delimitação, por meio do Direito Internacional, tomou
proporções ainda maiores. Segundo Alves (1988, p. 14),
Foram os nacionais-socialistas alemães, tendo à sua frente a figura
carismática de Adolfo Hitler, que exaltaram, robusteceram e
projectaram, entre o início dos anos vinte e o término da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, mas, fundamentalmente, entre os anos de
1933 e de 1942, o conceito de espaço nacional – o então designado
“espaço vital” (lebensraum), tornando-o por outro lado “maldito” pelos
estudiosos da Geopolítica e pelos que, mais ou menos directamente,
tiveram de arrostar com os efeitos decorrentes da tentativa da sua
execução.
Apesar de o século XX ter sido marcado pelas grandes guerras mundiais, são
inegáveis os avanços tecnológicos e jurídicos alçados durante o período, sobretudo
com relação à solidificação dos direitos do homem e a fortificação dos Estados como
entidades soberanas, por intermédio do Direito Internacional. Pode-se dizer que foi
Ratzel que deu duas definições distintas ao termo “território”. A primeira, o espaço
material delimitado sob alguma metodologia humana, e o segundo, o território sob o
aspecto jurídico governamental, em que a entidade Estado habita o receptáculo do
território. Como bem pontuado por Ratzel, um Estado só possui solidez por meio do
território, que é a base de toda uma sociedade soberana. A partir dessa concepção
mais sólida, é possível estabelecer uma jurisdição de leis, comportamentos, culturas,
etc. A figura do território como sendo a base de uma relação de poder estatal será
importante no decorrer da presente dissertação, sobretudo quando se analisar os
novos modelos de guerra, principalmente a tecnológica. Veremos que a informação
36
assumiu o “status” de um novo modelo de controle e uma nova dinâmica de poder,
por meio do controle do “espaço vital”, que na modernidade está intimamente ligado
às dinâmicas digitais.
Contudo, convém abordar como se deu o avanço da concepção de território e
sua delimitação no pós-guerra, período inclusive em que ocorreu o nascimento da
internet e solidificou o ciberespaço. Como dito anteriormente, a concepção de
território é mutável no decorrer do espaço/tempo. Sendo assim, foi possível perceber
como aconteceu a consolidação dos territórios até a guerra. Nesse sentido, após o
desfecho da Segunda Guerra Mundial, a dinâmica de expansão e conquista
territorial pelos Estados por meio da guerra ou força foi reduzida de maneira
estrondosa com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma
organização intergovernamental designada para promover a cooperação
internacional.
Originada da Liga das Nações, a Organização foi instituída em 24 de outubro
de 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de se evitar
que outra guerra nas mesmas proporções ocorresse. A ONU e o Direito
Internacional surgiram como entidades que julgam os conflitos territoriais dos países,
valendo-se do princípio6
da “inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra
ou força”. Sob as mesmas orientações da ONU, a Carta da Organização dos
Estados Americanos (OEA), que foi celebrada na IX Conferência Internacional
Americana, de 30 de abril de 1948, ocorrida em Bogotá, estabeleceu normas
específicas aos seus assinantes. No que se refere ao território, em seu artigo 21, o
tratado assim dispõe:
O território de um Estado é inviolável; não pode ser objeto de
ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro
Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo, embora
de maneira temporária. Não se reconhecerão as aquisições
territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por
qualquer outro meio de coação. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS
AMERICANOS - OEA, 1967, s. n).
Nota-se que no pós-guerra, a delimitação territorial dos Estados assume uma
forma totalmente política e sólida, em que o princípio da “inadmissibilidade da
6
No Direito, as definições mais amplas de um “princípio” o concebem como sendo o fundamento de
uma norma jurídica. São conhecidas como as “vigas” do Direito, que não estão definidas em nenhum
diploma legal, mas são verdades fundantes de um sistema de conhecimento já admitidos.
37
aquisição de território pela guerra ou força” rege totalmente as relações territoriais
das entidades estatais. A violação dos princípios estabelecidos pelos Estados
Membros da ONU e OEA, por exemplo, gera consequências aos interesses políticos
dos Estados, com sanções e embargos internacionais. As sansões, sejam
diplomáticas, econômicas, militares, desportivas ou contra indivíduos, tornaram as
guerras expansionistas onerosas aos cofres estatais, desestimulando os moldes de
expansão do século passado.
Diante de tal cenário, a estrutura dos territórios e das guerras mudou
completamente, principalmente no cenário da globalização, em que as delimitações
do espaço, apesar de existirem, se tornaram facilmente transponíveis pelos
indivíduos, favorecendo a integração dos povos e beneficiando ainda mais os novos
modelos de guerra, em que o comércio, a informação, a ciência e a cultura se
constituíram nos novos meios de controle territoriais.
Nesse sentido, observa-se como exemplo recente, a guerra comercial entre a
China e os EUA, que ocorreu em 2018, e vem apresentando consequências no
cenário global até o presente momento. A guerra comercial entre os países teve
início quando o presidente norte-americano, Donald Trump, com base na Lei de
Comércio de 1974, nas acusações de práticas comerciais desleais e roubo de
propriedade intelectual americana por parte dos chineses, anunciou em 22 de março
de 2018, uma lista de tarifas avaliadas em US$ 50 bilhões de dólares que seriam
impostas às importações provenientes da China. Em resposta às medidas
ordenadas pelo governo norte-americano, o governo chinês impôs tarifas em vários
produtos importados dos EUA, como a soja, que é uma das mais importantes
exportações estadunidenses. Conforme publicação realizada pelo Escritório do
Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR),
Sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão
empenhados em reequilibrar a relação comercial Estados Unidos-
China para alcançar um comércio mais justo e recíproco. Após anos
de diálogos Estados Unidos-China que produziram resultados
mínimos e compromissos que a China não honrou, os Estados
Unidos estão tomando medidas para confrontar a China por causa de
suas transferências forçadas de tecnologia, práticas de propriedade
intelectual e ciberintrusões de redes comerciais que distorcem o
mercado dos Estados Unidos.7
(USTR, 2018, s.n, tradução nossa).
7
Under President Trump’s leadership, the United States is committed to rebalancing the U.S.-China
trade relationship to achieve more fair and reciprocal trade. After years of U.S.-China dialogues that
produced minimal results and commitments that China did not honor, the United States is taking action
38
Também é possível observar uma guerra tecnológica e informacional entre os
dois países, com o objetivo de expandir seus poderes pelos mais variados territórios
modernos. Além dos territórios comerciais, observa-se a busca constante pelo
domínio dos territórios digitais, sendo notório o uso de dados de usuários para fins
políticos de controle de um determinado espaço. Conforme o U.S. Department of
Commerce,
Em resposta às Ordens Executivas do presidente Trump, assinadas
em 6 de agosto de 2020, o Departamento de Comércio (Comércio)
anunciou hoje as proibições de transações relacionadas a aplicativos
móveis (apps) WeChat e TikTok para salvaguardar a segurança
nacional dos Estados Unidos. O Partido Comunista Chinês (PCC)
demonstrou os meios e motivos para usar esses aplicativos para
ameaçar a segurança nacional, a política externa e a economia dos
EUA8
(U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE, 2020, s.n, tradução
nossa).
É possível constatar, também, a guerra tecnológica e informacional entre a
China e a Índia, quando o governo Indiano, em 29 de Junho de 2020, proibiu
aproximadamente 59 aplicativos chineses em seu território, sob a justificativa de que
eles ofereciam risco à soberania e à segurança nacional, por meio da captação de
dados.
O Ministério de Tecnologia da Informação, invocando seu poder sob a
seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, leu as disposições
relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e
Salvaguardas para Bloqueio do Acesso à Informação pelo Público) de
2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear
59 aplicativos (ver apêndice), uma vez que, em vista das informações
disponíveis, eles desenvolvem atividades prejudiciais à soberania e
integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem
pública 9
(PRESS INFORMATION BUREAU GOVERNMENT OF
INDIA, 2020, s.n, tradução nossa).
to confront China over its state-led, market-distorting forced technology transfers, intellectual property
practices, and cyber intrusions of U.S. commercial networks.
8
In response to President Trump’s Executive Orders signed August 6, 2020, the Department of
Commerce (Commerce) today announced prohibitions on transactions relating to mobile applications
(apps) WeChat and TikTok to safeguard the national security of the United States. The Chinese
Communist Party (CCP) has demonstrated the means and motives to use these apps to threaten the
national security, foreign policy, and the economy of the U.S.
9
The Ministry of Information Technology, invoking it’s power under section 69A of the Information
Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and
Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent
nature of threats has decided to block 59 apps ( see Appendix) since in view of information available
they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India,
security of state and public order.
39
Além disso, em 02 de setembro de 2020, o governo indiano, após o aumento
das tensões na disputa territorial entre os dois países, bloqueou mais 118 aplicativos
sob a mesma justificativa.
Vejamos:
O Ministério de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Governo
da Índia, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia
da Informação, lida com as disposições relevantes das Regras de
Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para
Bloqueio de Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista
da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 118
aplicativos móveis (ver apêndice), visto que as informações
disponíveis, eles estão envolvidos em atividades que são prejudiciais
à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do
Estado e ordem pública10
(MINISTRY OF ELECTRONICS & IT, 2020,
s.n, tradução nossa).
Diante da impossibilidade da realização de guerras, os novos campos de
batalha são os espaços da informação, do comércio, da cultura, e outros espaços
que cada vez mais se tornam legítimos na modernidade.
Nesse sentido, o governo chinês possui um modelo de controle dos fluxos de
informação em seu território quase que total. Parte de seu modelo é criticado pelos
líderes mundiais. Conforme exposto anteriormente, com relação aos aplicativos
chineses, as soberanias ao redor do Globo criticam, sobretudo, um dispositivo de lei
que obriga a cooperação de cidadãos e corporações com a Lei de Inteligência
Nacional Chinesa, sendo que as corporações dominam os aplicativos digitais.
Assim sendo, parte dos líderes mundiais temem a possibilidade de o artigo 7º
da Lei de Inteligência Nacional Chinesa e o artigo 77 da Lei de Segurança Nacional
Chinesa permitirem o uso dos dados de usuários, que deveriam ser sigilosos, em
prol do governo chinês. Vejamos os polêmicos artigos 7º e 77.
LEI DE INTELIGÊNCIA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA
Artigo 7º Qualquer organização e cidadão deve, de acordo com a lei,
apoiar, ajudar e cooperar com o trabalho de inteligência do Estado e
manter os segredos do trabalho de inteligência do Estado que
10
The Ministry of Electronics and Information Technology, Government of India invoking it’s power
under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the
Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public)
Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 118 mobile apps (see
Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to
sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
40
cheguem ao seu conhecimento.
O Estado deve dar proteção aos indivíduos e organizações que
apoiam, ajudam e cooperam com o trabalho de inteligência do
Estado (REDE DO CONGRESSO NACIONAL DO POVO DA CHINA,
2018, s.n).
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA
Capítulo VI. Obrigações e direitos dos cidadãos e organizações
Artigo 77: Os cidadãos e as organizações devem cumprir as
seguintes obrigações para salvaguardar a segurança nacional.
(1) Cumprir as disposições relevantes da Constituição, leis e
regulamentos sobre segurança nacional.
(2) Comunicar em tempo útil pistas de atividades que ponham em
perigo a segurança nacional.
(3) Fornecer provas de atividades que ponham em perigo a
segurança nacional de que tenham conhecimento.
(4) Fornecer instalações ou outra assistência para o trabalho de
segurança nacional.
(5) Prestar o apoio e assistência necessários aos órgãos de
segurança do Estado, órgãos de segurança pública e órgãos
militares relevantes.
(6) Guardar segredos de Estado que cheguem ao seu conhecimento.
(7) Outras obrigações estipuladas por leis e regulamentos
administrativos.
Nenhum indivíduo ou organização pode agir contra a segurança do
Estado, ou prestar qualquer apoio financeiro ou assistência a
indivíduos ou organizações que ponham em perigo a segurança do
Estado (MINISTÉRIO DA DEFESA DA REPÚBLICA POPULAR DA
CHINA, 2016, s.n).
De acordo com Geoff Mulgan (2005, p. 205), “O governo sempre se
preocupou com a informação e a comunicação tanto quanto com o controle e a
coerção”. O dispositivo da lei em questão, acima disposto, é mais um exemplo de
como o cenário da expansão territorial mudou e como os Estados lidam com os
novos cenários e organizações espaciais, em que a informação se tornou símbolo de
poder, tal qual a expansão territorial era na Segunda Guerra Mundial. O dispositivo
em questão é um dos motivos de os Estados Unidos e a Índia terem banido vários
aplicativos chineses de seu território, posto que a possibilidade de o governo chinês
estar captando informações, direta ou indiretamente, é plenamente possível, visto
que todas as corporações devem colaborar com o serviço de inteligência nacional.
Tal captação resulta em informações privilegiadas sobre a expansão comercial,
tecnológica, cultural, etc. Percebe-se que os conflitos territoriais se expandiram para
outros patamares.
41
Diante do cenário pós-guerra, em que o princípio da inviolabilidade dos
territórios e o princípio da inadmissibilidade de expansão por meio de guerra ou força
se tornaram a norma regente dos conflitos internacionais, e a aplicação de sanções
tornaram a expansão por guerra deveras dispendiosa, o avanço das tecnologias da
informação possibilitou a realização de guerras em outras dimensões territoriais.
Dessa forma, é possível relembrar a ambiguidade do conceito de território
proposto por Haesbaert (1997), uma vez que, na modernidade, é possível afirmar a
existência de territórios “imateriais”, por meio dos elementos comerciais,
tecnológicos, culturais, etc. Nesse passo, é possível relembrar, também, Yves
Lacoste (1985), em sua proposição sobre a Geografia ser, a princípio, uma arma
eficiente para “fazer guerra”, e o estabelecimento de guerras entre os Estados
nesses territórios “imateriais” já ser uma realidade. Nesse sentido, Lacoste (1985)
pontua que, tanto a Geografia Física quanto a Humana, (por meio dos aspectos
econômicos, sociais, demográficos, políticos, e na modernidade, por meio dos
territórios digitais, comerciais e culturais), servem para o controle do Estado, sob a
organização dos homens e para a guerra.
A geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto
sob os aspectos que se convencionou chamar "físicos", como sob
suas características econômicas, sociais, demográficas, políticas
(para nos referirmos a um certo corte do saber), deve absolutamente
ser recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções
que exerce o aparelho de Estado, para o controle e a organização
dos homens que povoam seu território e para a guerra (LACOSTE,
1988, p. 23).
Nesse modelo moderno de território, percebe-se o interesse cada vez maior
dos Estados em expandir seu domínio comercial, cultural e tecnológico, sobretudo
no ciberespaço, que é a maior fonte de dados e informação das massas. A
ampliação das possibilidades de relação de controle do espaço pelos territórios e do
surgimento de novos horizontes de controle territorial alçou novos patamares no pós-
guerra e durante a guerra fria, com a criação da internet, quando a informação se
tornou uma das mais poderosas ferramentas de domínio territorial nas áreas
econômicas, tecnológicas e culturais.
Uma vez que se abordou a concepção de território e sua evolução recente,
em que não é mais admitida a expansão forçada por meio da guerra, é possível
estabelecer as bases conceituais que definirão o ciberespaço como um território,
42
onde, atualmente, estão presentes relações de poder marcadas pelos interesses
econômicos, políticos, ideológicos, culturais e outros. Este é, pois, o território sobre o
qual esta dissertação versará, o ciberespaço, a nova dimensão, “palco” das
modernas disputas pela expansão. Nesse sentido, é válido pontuar que esse “palco”
possui seus agentes, que interagem e constroem por meio da comunicação, a
cultura, a política e a economia, formando assim, uma territorialidade, elemento
essencial que passaremos a abordar.
2.3 TERRITORIALIDADE
Uma vez discorrido sobre o conceito de território, é possível introduzir a
concepção de territorialidade. Tal entendimento será fundamental no transcorrer da
presente dissertação, uma vez que será um dos principais objetos de estudo: a
territorialidade humana em rede. Inicia-se a abordagem mediante sua origem, que se
deu na Ornitologia, um ramo da zoologia dedicado ao estudo das aves.
Diferentemente de território, a territorialidade possui uma concepção mais
subjetiva. De acordo com Raffestin (1993, p. 159), o conceito foi definido em 1920
por um ornitólogo inglês chamado Henry E. Howard, como sendo "a conduta
característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e
defendê-lo contra os membros de sua própria espécie"11
. Apesar de o termo ter sido
cunhado no ramo da zoologia, a territorialidade surgiu como uma concepção
aplicável para as mais variadas espécies, uma vez que era possível observar tal
comportamento em outros seres, pelo instinto biológico natural, inclusive nos
humanos.
De acordo com Brunet (1993, p. 481),
A territorialidade tem alguma coisa de animal (ou de vegetal, vide o
termo raízes) e o progresso da humanidade consistiu notadamente
em se despojar da territorialidade exacerbada ou a relacioná-la a um
campo na escala de todo o globo. Um pouco de territorialidade cria a
socialidade e a solidariedade, muita territorialidade as assassina.
Estudar os territórios é um bom modo de lutar contra o terrorismo do
territorialismo.
11
O texto original de Howard concebe a territorialidade ao tratar do comportamento da ave Lapwing.
Vejamos: O Lapwing, quando em seu território, mostra hostilidade para com outros machos de sua
própria espécie, mas quando em terreno neutro, trata-os com indiferença (HOWARD, 2010, p. 109).
43
Verifica-se que Brunet reconhece as origens instintivas e animalescas da
territorialidade, contudo, pontua que o equilíbrio constitui elemento essencial para a
prosperidade humana, uma vez que basta um pouco de territorialidade para que
surja o instinto de solidariedade e integração humana. Mas, quando a territorialidade
é supervalorizada, este pode ser o motivo de sua ruína, por meio da exclusão dos
diferentes de uma mesma espécie. Aplicando tal concepção da zoologia na
sociedade humana, a territorialidade pode ser definida como a forma por meio da
qual um grupo de pessoas, ou indivíduos, controla um determinado espaço/território.
Nesse passo, com o intuito de se aproximar mais dos geógrafos e aplicar tais
conceitos à sociedade humana, é possível introduzir a visão de Edward Soja a
respeito de territorialidade.
Fenômeno de comportamento associado à organização do espaço
em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados,
considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por
seus ocupantes ou pelos que os definem (SOJA, 1993. p. 159).
Nota-se que a territorialidade, tanto para a Zoologia quanto para a Geografia
Humana, assume uma face diretamente ligada a uma ação humana localizada no
espaço e no tempo, com o intuito de tomar posse e desenvolver suas atividades e
funções. Não muito diferente da concepção de Soja, Raffestin (2011, p. 144) afirma
que territorialidade é
[...] um conjunto de relações que se originam num sistema
tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. [...]
Essa territorialidade resume, de algum modo, a maneira pela qual as
sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local,
uma carga demográfica e um conjunto de instrumentos também
determinados, suas necessidades em energia e em informação.
Para Raffestin (1993, p. 158), “a territorialidade reflete a
multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade nas
sociedades em geral”, ou seja, o indivíduo “territorializa” um determinado local ao se
apropriar do espaço e desenvolver suas atividades, seus símbolos, suas condutas,
suas práticas e suas normas, por meio do convívio no espaço dentro de um sistema
de relações de poder. Nesse passo, é possível realizar a análise da territorialidade
em diferentes dimensões, sejam elas econômicas, culturais, políticas, sociais, dentre
44
outras. Segundo Saquet (2007, p. 57),
[...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente
relacionadas e em unidade, efetivam o território, o processo social,
no e com o espaço geográfico, centrado e emanado na e da
territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades,
temporalidades e territorialidades. Os processos sociais e naturais, e
mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com a territorialidade
cotidiana. É aí, neste nível, que se dá o acontecer de nossa vida e é
nesta que se concretiza a territorialidade.
Observa-se a partir de Saquet, que as várias dimensões do espaço
influenciam diretamente o cotidiano e a formação de diferentes temporalidades e
territorialidades dos agentes que tomam posse de um espaço. A exemplo disso,
Saquet utiliza as dimensões políticas, econômicas e culturais, em que é possível
observar a formação de diferentes centralidades, a partir das mais variadas
dimensões.
Na dimensão digital, a territorialidade assume um papel ainda mais decisivo
na configuração da rede. Devido à sua característica muito semelhante a um espaço
urbano, em que é possível percorrer, comprar, conversar com pessoas/grupos de
pessoas, construir amizades e encontrar grupos de interesses, o ciberespaço possui
milhões de territorialidades compostas pelos mais variados tipos de usuários,
resultando na existência da multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2011, p. 343-
344),
Multiterritorialidade (ou multiterritorialização se, de forma mais
coerente, quisermos enfatizá-la enquanto ação ou processo) implica
assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao
mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através
de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico,
quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades
mesmo sem deslocamento físico, como nas novas experiências
espaço-temporais proporcionadas através do ciberespaço.
Dessa forma, pode-se afirmar que as territorialidades sobrepõem umas às
outras por intermédio dos indivíduos que as compõem, posto que tais indivíduos
pertencem aos mais variados grupos de interesses. Devido a essas configurações
mais flexíveis, pode-se observar, também, dentro da rede, o que Turra Neto (2013,
p. 01) chamou no espaço urbano de microterritorialidades.
45
O tema das microterritorialidades nas cidades remete a estratégias
de uso, apropriação e defesa de pequenas porções do espaço
urbano por parte de grupos sociais, como jovens, mulheres,
homossexuais, travestis, negros, entre tantas outras alteridades,
quase sempre invisibilizadas, seja pela sociedade em geral, seja
pelas políticas públicas e pela ciência, mas que, subterraneamente,
também produzem a cidade, tanto material quanto imaterialmente,
porque produzem espaços e formas culturais de convivências
específicas.
Diante de um território tão vasto e de várias territorialidades que se estruturam
e desestruturam em um processo constante de movimento da rede, verificam-se as
microterritorialidades, por intermédio do que Pierre Lévy (2010) chamou de centros
de interesses, em que usuários formam grupos de interesses em comum, dentro ou
fora de uma mesma territorialidade. Pesquisar as formações desses grupos de
interesses na rede, baseados na construção de suas territorialidades e
microterritorialidades, será essencial para entender o movimento em rede e para
esculpir formas mais sólidas de entendimento que servirão de base para o presente
estudo.
Tendo caracterizado e demostrado as concepções de espaço, de território e
de territorialidade, é pertinente destacar, a seguir, a origem e a evolução histórica do
ciberespaço sobre o qual se assenta o objeto central desta dissertação. Logo em
seguida, será desenvolvida a concepção de ciberespaço como um território e
analisada a territorialidade que se forma a partir dessa nova dimensão em que, de
acordo com Lévy (1994), está funcionando a humanidade atualmente.
2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA
Contextualizar a origem da rede e seu rápido crescimento é essencial para
entender como esse instrumento dominou vários dos aspectos da sociedade no
mundo contemporâneo. Para tanto, expõe-se resumidamente a origem da internet e
posteriormente se discutirá o impacto e as consequências dessa na sociedade.
De acordo com Castells (2019), as primeiras formulações para a criação de
uma rede destinada a comunicações entre pontos distintos foram pensadas no
Estados Unidos, em meados da década de 50, após o lançamento do primeiro
Sputnik. Uma das estratégias era desenvolver um conceito elaborado por Paul Baran
de um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares.
46
De acordo com Oliveira (2011, s.n),
A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da
Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em
maio de 1961, no MIT, uma tese de doutorado com uma teoria que
mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a
informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos
antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a
internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand
Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra
Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também
demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais.
Objetivando a construção do almejado sistema de comunicação, o psicólogo e
cientista de computação estadunidense, Joseph Carl Robnett Licklider, se tornou um
dos principais impulsionadores da Advanced Research Projects Agency Network
(ARPANET), a primeira rede de conexão de computadores, sendo que muitas das
ideias para a formulação da internet expressadas por Joseph C. R. Licklider na
época são costumeiras nos dias atuais. De acordo com Gessi (2016, p. 2),
A origem da internet teve início em meados de agosto de 1962
quando J. C. R. Licklider pesquisador do MIT (Massachussets
Institute of Technology) fez os primeiros registros de interações
sociais nos quais essas interações poderiam ser realizadas através
de redes. Licklider previu que poderia ser construída uma rede de
computadores interconectados globalmente, pelos quais seria
possível a comunicação, acesso de dados e programas de qualquer
ponto dessa rede global.
Conforme Oliveira (2011), em outubro de 1962, a Advanced Research
Projects Agency (ARPA) contratou Licklider. O pesquisador ficou famoso pelos seus
memorandos, em que descrevia seus colegas como “membros da comunidade
intergaláctica de computadores”. Devido aos seus estudos e artigos, tornou-se o
primeiro chefe do Escritório de Técnicas de Processamento de Informações (Sigla
em ingês - IPTO), onde permaneceu até julho de 1964. Nesse passo, Licklider, Ivan
Sutherland, Robert William Taylor e Lawrence G. Roberts continham sob suas
responsabilidades, a construção do sistema que iria mudar os rumos da
humanidade.
Em uma entrevista a James Pelkey (1988, p. 5), Licklider, apesar de ter saído
da ARPA em julho de 1964, antes de se concretizar boa parte do que a ARPANET
viria a se tornar, afirmou que: “Saí do Escritório de Técnicas de Processamento de
47
Informações em julho, mas isso não mudou meu entusiasmo em nada”. Apesar da
saída, Ivan Suetherland e Robert William Taylor continuaram particularmente
interessados no conceito da rede. De acordo com Licklider, em uma entrevista
concedia a Pelkey,
“Após a minha partida, em julho de 64, Ivan Southerland tornou-se diretor
do escritório [...]. Quando Bob Taylor veio atrás de Ivan, então Bob
procurou a grande coisa para realizar e ficou entusiasmado com a ideia
da rede, e deixou de ser engraçado; começou a ser sério: ‘Onde podemos
realmente conseguir o dinheiro e as pessoas e assim por diante para
trabalhar nisto?’ Acho que, quando Bob foi lá, não tenho certeza do
momento, Larry Roberts e Tom Merrill fizeram algumas experiências entre
Lincoln e, eu acho, a SDC, e Larry ficou muito sério sobre isso. Então, ele
foi ser o cientista chefe de Bob Taylor. E então quando Bob Taylor saiu
Larry tornou-se chefe do escritório. E eu acho que a ARPANET foi a
principal coisa em que ele pensou. (Tradução nossa).”12
(PELKEY, 1988,
p. 2, tradução nossa).
Em 1965, Robert William Taylor convenceu Charles Herzfeld, diretor da
ARPA, a financiar um projeto de rede chamado Advanced Research Projects Agency
Network (ARPANET). Hiltzik (1999, p. 44) afirma que,
Um dia, em fevereiro de 1966, Taylor bateu no escritório do diretor da
ARPA, o físico nascido na Áustria, Charles Herzfeld, armado com
pouco mais do que esta vaga noção de uma rede digital ligando
bandas de time-sharers por todo o País. Em qualquer outra agência,
esperava-se que ele produzisse resmas de documentação
racionalizando o programa e projetando os seus custos para o
próximo milénio; não na ARPA. "Não tinha propostas formais para a
ARPANET", relatou ele mais tarde. "Acabei de decidir que iríamos
construir uma rede que ligasse essas comunidades interativas a uma
comunidade maior, de tal forma distante que um utilizador de uma
comunidade pudesse ligar-se a uma comunidade distante como se
esse utilizador estivesse no seu próprio sistema local".13
(tradução
12
After I left, in July of '64, and Ivan Southerland became director of the office [...]. When Bob Taylor
came after Ivan, then Bob looked around for the great thing for him to accomplish, and he got excited
about the network idea, and it ceased to be funny; it started to be serious: "Where can we really get
the money and the people and so forth to work on this?" I guess about the time Bob went there, I'm
not sure of the timing here, Larry Roberts and Tom Merrill did some experiments between Lincoln and,
I think, SDC, and Larry became really dead serious about this, so he went to be the chief scientist to
Bob Taylor, and then when Bob Taylor left, Larry became head of the office, and I think the Arpanet
was the main thing he thought about.
13
One day in February 1966 Taylor knocked at the office of ARPA's director, the Austrian-born physicist
Charles Herzfeld, armed with little more than this vague notion of a digital web connecting bands of
time-sharers around the country. At any other agency he would have been expected to produce reams
of documentation rationalizing the program and projecting its costs out to the next millennium; not
ARPA. "I had no formal proposals for the ARPANET," he recounted later. "I justdecided that we were
going to build a network that would connect these interactive communities into a larger community in
48
nossa).
De acordo com Abbate (1999), em 1965, Roger Scantlebury apresentou em
Gatlinburg, Tennesse. Em outubro de 1967, Donald Davies demonstrou a pesquisa
sobre comutação de pacotes no Simpósio sobre Princípios de Sistemas
Operacionais (SOSP), organizado pela Association for Computing Machinery (ACM),
uma das mais prestigiadas conferências acadêmicas sobre sistemas. Na
conferência, o sistema chamou a atenção dos desenvolvedores da ARPANET, visto
que a comutação de pacotes possibilitaria a comunicação ao interligar dois ou mais
pontos entre si.
Em 03 de junho de 1968, de acordo com Kleinrock (2019), a ARPANET teve
seu relatório completo aprovado para a execução de suas primeiras fases. Após a
aprovação da ARPA, em julho de 1968, uma Request for quotation (RFQ), ou seja,
uma solicitação de cotação foi emitida para 140 possíveis licitantes.
Segundo Froehlich (1991, p. 347),
O serviço de suprimentos de defesa - Washigton (DSS-W) concordou
em ser o agente de compras do ARPA. No final de julho de 1968, a
solicitação de cotação (RFQ) para uma rede de IMPs foi enviada a
140 licitantes em potencial que expressaram interesse em recebê-la.
Ao todo, 12 grandes propostas foram efetivamente recebidas pelo
DSS-W, apresentando uma tarefa de avaliação impressionante para
o IPTO, que na época normalmente concedia contratos em base
única. Na tentativa de avaliar as propostas “estritamente pelo livro”,
um comitê de avaliação nomeado pela ARPA retirou-se para
Monterey, Califórnia, para realizar sua tarefa. O ARPA ficou
agradavelmente surpreso com o fato de vários entrevistados
acreditarem que poderiam construir uma rede com desempenho até
cinco vezes melhor do que a restrição de atraso fornecida na RFQ14
(tradução nossa).
A proposta era muito nova e completamente estranha aos licitantes por se
tratar de uma tecnologia embrionária e inovadora na época. A proposta consistia em
such away that a user of one community could connect to a distant community as though that user
were on his own local system."
14
The defense Supply servisse – Washigton (DSS-W) agreed to be the procurement agente for
ARPA. At the endo f July 1968 the requesto f quotation (RFQ) for a network of IMPs was mailed to
140 potential bidders who had expressed interest in receiving it. In all, 12 large proposals were
actually received by DSS-W, presenting na awesome evaluation task for IPTO, which at that time
normally awarded contracts on a sole-source basos. Attempting to evaluate the proporsals “strictly by
the book,” na ARPA-appointed evaluation committee retired to Monterey, California, to carry out their
task. ARPA was pleasantly surprised that several of the respondentes belive that they could
constructo a network that performed as much as five time better than the delay constraint given in the
RFQ.
49
construir, literalmente, uma rede. Segundo Kleinrock (2019), apenas doze dos
convidados apresentaram seus pareceres. Dos doze, apenas dois foram
considerados aptos a realizá-los dentro dos parâmetros da ARPANET, sendo que
fora outorgado o contrato para construir a rede para a BBN Technologies, em 7 de
abril de 1969. O território estrutural da rede iniciou-se timidamente ao oeste dos
Estados Unidos. A rede conectou um computador em Utah com três computadores
na Califórnia, conforme FIGURA 3.
Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969.
Fonte: HEART, Frank et al. ARPANET relatório de conclusão. 1978. p. III-79.
A partir dessa etapa, a ARPANET seria implementada e expandida não só em
sua estrutura (por meio de centrais de servidores, cabos e redes), como também em
sua territorialidade (capacidade de fluxo de informação e interações), alcançando,
em 1970, o leste dos Estados Unidos. De acordo com Baruah (2002, p. 90), “Em
dezembro de 1969, a ARPANET foi declarada ‘operacional’, interligando quatro
computadores localizados em diferentes locais”. A Agência de Comunicações de
Defesa assumiu o controle, uma vez que a ARPA pretendia financiar pesquisas
avançadas.
De acordo com a FIGURA 4, em 1977, a rede alcançou a seguinte expansão:
50
Figura 4. ARPANET em julho de 1977.
Fonte: HEART, Frank et al. ARPANET relatório de conclusão. 1978. p. III-89.
De acordo com Balbino (2020), por ser produto direto do Departamento de
Defesa norte-americano, a ARPANET foi operada pelos militares e blocos
acadêmicos, com exclusividade, durante quase duas décadas posteriores à de sua
existência.
A Arpanet era uma garantia de que a comunicação entre militares e
cientistas persistiria, mesmo em caso de bombardeio. Eram pontos
que funcionavam independentemente de um deles apresentar
problemas. A partir de 1982, o uso da Arpanet tornou-se maior no
âmbito acadêmico (BALBINO, 2020, p. 14).
Era utilizada como meio de comunicação entre pontos estratégicos, com o
objetivo de facilitar a troca de informações e elaborar estratégias de guerra. Nota-se,
portanto, que a territorialidade da ARPANET compreendia unicamente o território
estadunidense. Com a rede, os centros militares e os centros avançados de
pesquisa poderiam continuar se comunicando, mesmo se ocorresse a destruição em
um dos nós de comunicação (centros de comando que abrigavam servidores), visto
que a rede poderia funcionar mesmo se um dos nós de comunicação falhasse, uma
vez que eram pontos independentes entre si, por meio da comutação de pacotes.
De acordo com Regis (2000), em 1983, a velha ARPANET foi dividida em dois
setores, sendo eles, a MILNET, relacionada a ações militares da Defense Data
Network, e uma outra chamada ARPANET, voltada para pesquisa e
desenvolvimento em centros universitários. O termo Internet surgiu no mesmo
51
período e era utilizado para se referir a toda a rede, ou seja, a MILNET e a
ARPANET. Em 1989, Tim Berners-Lee escreveu uma proposta de sistema de
gerenciamento de informação da rede chamado ENQUIRE. Por meio desse sistema,
a rede reconhecia e armazenava informações nela dispostas. O projeto serviu de
base de desenvolvimento para a World Wide Web (Rede mundial de computadores -
WWW) e posteriormente a Web Semântica, que permite computadores e humanos
trabalharem em cooperação para o desenvolvimento da internet. A ideia principal era
possibilitar a qualquer pessoa manipular as informações na rede, conforme a
necessidade. Segundo Berners-Lee (1989, p. 06),
O sistema deve permitir a introdução de qualquer tipo de informação.
Outra pessoa deve ser capaz de encontrar a informação, por vezes
sem saber o que procura. Na prática, é útil que o sistema esteja
ciente dos tipos genéricos das ligações entre itens (dependências,
por exemplo) e os tipos de nós (pessoas, coisas, documentos...),
sem impor quaisquer limitações15
(tradução nossa).
Tim Berners-Lee, por meio do seu artigo “Information Management: A
Proposal”, já havia construído todas as ferramentas do sistema, ou seja, o
navegador, o servidor e as primeiras páginas web. Tais ferramentas são
fundamentais e permanecem até hoje na web. Em 30 de abril de 1993, a
Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN) anunciou que a World Wide
Web seria livre para todos, sem qualquer custo.
De acordo com a Webfoundation (2009, s.n),
Portanto, Tim e outros defenderam garantir que o CERN
concordasse em disponibilizar o código subjacente sem royalties,
para sempre. Esta decisão foi anunciada em abril de 1993 e
desencadeou uma onda global de criatividade, colaboração e
inovação nunca vista antes. Em 2003, as empresas que
desenvolveram novos padrões da web se comprometeram com uma
Política de Royalty Free para seu trabalho.
Com os anos, a rede passou a ser usada principalmente no meio acadêmico.
A partir da década de 1990, as entidades governamentais afastaram-se da Internet,
dando lugar a empresas privadas, que começaram a fornecer serviço de provimento
15
The system must allow any sort of information to be entered. Another person must be able to find
the information, sometimes without knowing what he is looking for. In practice, it is useful for the
system to be aware of the generic types of the links between items (dependences, for example), and
the types of nodes (people, things, documents.) without imposing any limitations.
52
de internet a diversas pessoas. Um dos primeiros grandes marcos da popularização
da rede foi o lançamento do navegador Mosaic, em 22 de abril de 1993, que
disponibilizou uma interface gráfica de mídia acessível à sociedade civil, semelhante
aos navegadores atuais.
De acordo com Coelho (2013, p. 23),
E a evolução da interface de navegação web faz parte da história
recente da sociedade. O primeiro browser gráfico da Internet foi o
Mosaic, lançado em abril de 1993. Antes disso, existiram no início da
década de 90 alguns navegadores de modo texto. No ano seguinte
ao lançamento do Mosaic, a Netscape apresentou ao mercado um
navegador que levava o nome da própria empresa. Em abril de 1995,
surge o Opera. No mesmo ano, em agosto, a Microsoft que até então
havia ignorado a Internet, entrou na disputa de mercado com o
Internet Explorer, por meio da compra do códigofonte do Mosaic,
dando início à Guerra dos Navegadores16
.
Desse marco até os dias atuais foram infinitas evoluções, sobretudo no
tocante às redes sociais, que ditaram muito da organização socioespacial atual e
influenciaram a expansão material e imaterial do ciberespaço. Nos dias atuais, a
extensão territorial do ciberespaço ocorre por meio de cabos, servers, tolkens,
celulares, smartphones e instrumentos de rede, sendo que são infinitamente mais
numerosos do que nos tempos da ARPANET. Em 2012, um hacker anônimo criou
um botnet chamado Carna botnet. O Carna botnet se infiltrava em dispositivos
ligados à internet por meio de endereços IPv417
(Protocolo de Internet versão 4). O
hacker chamou tal acontecimento de Internet Census of 2012 (censo da internet de
2012).
Conforme Maan (2014, p. 02),
O Carna Botnet foi criado pelo autor anônimo do IC (Internet Census)
para distribuir o processo de digitalização. Para construir este botnet
e realizar a varredura, o Nmap Scripting Engine (NSE) foi usado. De
acordo com o artigo que acompanha o CI, foram utilizados cinco
métodos de digitalização. Eles são chamados de Ping ICMP, DNS
reverso, Nmap, testes de serviço e Traceroute. O resultado desses
métodos resultou em vários conjuntos de dados chamados traces,
que são combinados no CI. Os dados coletados pelo Nmap são
16
A Guerra dos Navegadores foi um período na história da Internet em que a empresa Netscape,
produtora do navegador de mesmo nome, disputou a liderança do mercado de softwares dessa
categoria com a empresa Microsoft, produtora do Internet Explorer.
17
IPv4 significa versão 4 de protocolos; é a tecnologia que permite que nossos aparelhos se
conectem à Internet.
53
divididos em rastreamentos ‘hostprobes’, ‘syncscan’ e ‘TCP / IP
fingerprint’. 18
(Tradução nossa).
Os resultados revelaram um mapa incrível, em que foram esquematizados
460 milhões de endereços IPv4 que responderam às requisições ICMP (Internet
Control Message Protocol) ping requests, conforme a FIGURA 5.
Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4.
Fonte: CARNABOTNET, Mapa do mundo de 24 horas do uso médio de endereços IPv4,
observando/ usando pedidos de ping ICMP pelo Carna botnet, Junho – Outubro 2012.
É possível observar o quão capilarizada a rede se tornou. A FIGURA 5 revela
todos os dispositivos conectados na internet por meio do endereçamento IPv4.
Percebe-se que a evolução da rede, cada vez mais domina o cotidiano, e a
tendência é que a influência e o controle sobre os instrumentos de acesso à rede
sejam cada vez maiores. A FIGURA 6 retrata de forma atualizada, até o dia 25 de
setembro de 2019, a configuração dos cabos submarinos de rede, que são
responsáveis por grande parcela das comunicações transoceânicas feitas no mundo.
18
The Carna Botnet was created by the anonymous author of the IC, to distribute the scanning
process. In order to construct this botnet and perform the scan, the Nmap Scripting Engine (NSE) was
used. According to the paper that accompanied the IC, five scanning methods were used. These are
called ICMP Ping, Reverse DNS, Nmap, Service probes and Traceroute. The outcome of these
methods resulted in several datasets, called traces, which are combined in the IC. The data gathered
by Nmap is split in traces ‘hostprobes’, ‘syncscan’, and ‘TCP/IP fingerprint’.
54
Figura 6. Mapa dos cabos submarinos.
Fonte: TELEGEOGRAPHY, SUBMARINE CABLE MAP, last updated on Janueary 7, 2021.
Após décadas de evolução e aprimoramento, a rede alcançou a
essencialidade das atividades humanas, em que os instrumentos de acesso são o
centro das mais variadas formas de relações humanas, como as sociais, culturais,
trabalhistas, políticas, entre outras configurações de interações humanas com seu
meio. A partir da origem do ciberespaço, é possível observar a expansão estrondosa
que a rede possui, sobretudo em sua estrutura, que se expandiu de quatro
computadores localizados nos Estados Unidos para o mundo.
Ressalta-se, ainda, que já é possível, neste momento, identificar que a rede
deixou de ser um mero elemento dos territórios soberanos, passando a exercer
influência direta em todos os aspectos da sociedade moderna. Mensurar a expansão
da rede e entender o quanto ela influencia diretamente o comportamento humano
será essencial para estabelecer o ciberespaço como um território e compreender
como as informações que fluem nas territorialidades atendem a uma função social.
2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL
A evolução da rede no Brasil está intimamente ligada à expansão da
telecomunicação nacional. Por meio das metas estabelecidas por Juscelino
Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, conforme Pereira Filho (2002, p. 35),
“Nos anos 60 criaram-se uma série de conselhos pelos governos Juscelino
Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart para formular uma nova política para o
55
setor, a partir das metas desenvolvimentistas”. Diante de uma malha de
comunicação, que na época era ineficaz e incapaz de atender a toda extensão
territorial, o governo se empenhou em encaminhar uma série de decretos e leis para
que o Estado se tornasse o agente engajado em modernizar as malhas de
comunicação no território nacional.
De acordo com Pereira Filho (2002, p. 34),
Na década de 60 não havia uma única empresa que cobrisse todo o
território nacional. A subsidiária norte-americana atuava nos estados
do Rio Grande do Sul e Paraná, enquanto a companhia canadense
detinha cerca de 80% da telefonia do país e operava na região
economicamente mais desenvolvida do Brasil, englobando os
estados da Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo
e São Paulo. Esse quadro fazia que o setor tivesse um perfil
concentrado em duas companhias e fosse, ao mesmo tempo,
pulverizado em outras centenas de empresas de caráter municipal,
estadual e regional.
Durante seu breve mandato, de janeiro a agosto de 1961, Jânio Quadros, o
então presidente do Brasil, por meio do Decreto Nº 50.666, de 30 de maio de 1961,
criou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CNT ou CONTEL), órgão
diretamente subordinado ao Presidente da República.
Decreto nº 50.666, de 30 de maio de 1961
Cria o conselho de Telecomunicações e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe
confere o artigo 87, item I, da constituição, DECRETA:
Art. 1º Fica criado, diretamente subordinado ao Presidente da
República, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CNT), cuja
composição, finalidade e atribuições são fixadas no presente decreto.
(BRASIL, 1961, p. 4884).
Logo em seguida, ao término do mandato de Jânio Quadros, em 1962, entrou
em vigor o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), elaborado pelo CONTEL,
por meio da Lei Nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, sancionada por João Goulart. A
CONTEL seria de extrema importância para o desenvolvimento da telecomunicação
no Brasil.
Nesse sentido, vale destacar quais seriam suas principais finalidades.
56
Decreto Nº 50.666/61
Art. 2º O Conselho Nacional de Telecomunicações tem por
finalidade:
a) Estudar e definir o problema nacional de telecomunicações e suas
ligações no âmbito internacional, assessorando o Presidente da
República na fixação da Política de Telecomunicações.
b) Rever, coordenar e propor legislação sôbre Telecomunicações e
seus órgãos de planejamento, execução e contrôle, devendo
apresentar dentro de três meses após sua instalação anteprojeto do
Código Nacional de Telecomunicações e, dentro de seis meses,
anteprojeto de lei complementar sôbre radiodifusão.
c) Delinear os grandes troncos do Sistema Nacional de
Telecomunicações, enuciando seus principais componentes e
diretrizes gerais de exploração.
d) Coordenar e fomentar a indústria brasileira de Telecomunicações
e o ensino técnico profissional. (BRASIL, 1961, p. 4884).
Dessa forma, além do engajamento estatal em melhorar a malha de
comunicação, é possível observar um grande marco alçado ainda nos anos 60 pelas
instituições acadêmicas. Por meio do engajamento de algumas academias
brasileiras em modernizar seus equipamentos de transmissão de dados e do
investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a
Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) se tornou a primeira universidade
do Brasil e da América Latina a adquirir um equipamento de computação. A
academia instalou em suas dependências um Computador Burroughs 205.
No início da década de 1960, a Universidade começou a buscar sua
excelência na geração de conhecimento científico. Numa atitude
absolutamente pioneira para uma universidade particular, a PUC-Rio,
utilizando recursos próprios, montou seus primeiros laboratórios,
contratou seus primeiros docentes em tempo integral e passou a
desenvolver pesquisa de forma sistemática. Por isso, quando o então
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) resolveu,
por meio do Fundo de Desenvolvimento Técnico Científico
(FUNTEC), apoiar a pós-graduação e a pesquisa em universidades,
a PUC-Rio foi uma das entidades escolhidas para receber este
apoio. [...] PUC-Rio e CCS Ainda nos anos 1960, a PUC-Rio instalou
em suas dependências um Computador Burroughs 205, o primeiro
da América Latina em universidades e o primeiro do Brasil (PUC
RIO, 2018, s.n).
Em 1964, os militares assumiram o poder e se mobilizaram, sobretudo, para
incrementar a infraestrutura brasileira. Percebendo que a comunicação era de
extrema importância para manter a coalizão nacional, os militares se atentaram
57
também para melhorar e modernizar as estruturas da telecomunicação nacional. De
acordo com Moacir Santos (2013, p. 3), “O período de maior expansão dos meios de
comunicação de massa no Brasil iniciou-se com o golpe militar de 1964”. Nota-se
que a comunicação, que até então era classificada como precária e ineficaz, passou
a ter um status maior devido à sua importância estratégica para o controle Estatal e,
sobretudo, para a Segurança da Soberania Nacional. De acordo com Pereira Filho
(2002, p. 36),
Somente com o regime militar é que as telecomunicações tornaram-
se uma meta estratégica do Estado. Com a tomada do poder pelos
militares em 1964, ocorreu um reforço da Doutrina de Segurança
Nacional e as telecomunicações passaram a ser, mais
enfaticamente, uma questão estratégica para a soberania e a
segurança nacionais.
Diante do cenário de Guerra Fria e de instabilidade política interna e externa,
a comunicação se tornou instrumento essencial para os militares manterem a
soberania, a coalizão, a integração e a segurança nacional. De acordo com
Bernardo Felipe Estellita Lins (2017, p. 19),
Os militares, sobretudo, manifestavam preocupação com a
precariedade das comunicações no País, e as disposições do CBT
concernentes à criação de uma infraestrutura pública para a
comunicação de longa distância, com a criação de uma empresa
estatal, a Embratel, eram a expressão definitiva dessa preocupação.
Segundo Pereira Filho (2002), diante de uma iniciativa privada incapaz de
cobrir todo o território nacional, os militares se empenharam em estimular a
concretização do CTB e as metas estabelecidas pela CONTEL, resultando, em
1965, na criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL).
Empresa pública criada em 16 de setembro de 1965, instituída pela Lei nº 4.117, de
27 de agosto de 1962. De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV,
2009, s.n),
Quando a Embratel iniciou suas atividades em 1965, o Brasil contava
com apenas 1,3 milhão de telefones, três sistemas de microondas e
alguns circuitos-rádio, ligando Brasília às capitais dos estados. Para
as comunicações internacionais só havia 39 circuitos de voz e alguns
canais telegráficos. Com o apoio do Fundo Nacional de
58
Telecomunicações (FNT), a empresa lançou-se à tarefa de interligar
todas as capitais e principais cidades brasileiras por troncos de
microondas, recebendo ainda a missão de conectar o país ao
sistema mundial de comunicações por satélite do consórcio Intelsalt.
Em 13 de fevereiro de 1967, foi publicado o Decreto-Lei Nº 162, de Castello
Branco, que passou definitivamente para a União todos os serviços de telefonia que
eram explorados pelos estados e municípios, centralizando ainda mais as redes de
telecomunicação, que até então, eram diversificadas em centenas de empresas
privadas locais.
DECRETO-LEI Nº 162, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1967
Dispõe sôbre a exploração dos serviços de telecomunicações.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe
confere o artigo 9º, § 2º, do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro
de 1966, DECRETA:
Art. 1º Compete à União explorar, diretamente ou mediante
autorização ou concessão, os serviços de telecomunicações.
1º A União substituirá automàticamente os podêres concedentes
estaduais e municipais em todos os serviços telefônicos, até então
sob a jurisdição estadual ou municipal (BRASIL, 1967, p. 1787).
Nesse mesmo ano, com o objetivo de otimizar as ações e de estabelecer
novos regimes administrativos, criou-se, por meio do Decreto-Lei n. 200, de 15 de
fevereiro de 1967, o Ministério das Comunicações, que assumiu as atribuições da
CONTEL, e em junho do mesmo ano, a EMBRATEL foi formalmente vinculada à
nova pasta.
DECRETO-LEI Nº 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967
Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece
diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.
O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o
art. 9°, § 2º, do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966,
decreta:
Art. 35. Os Ministérios de que são titulares Ministros de Estado (Art.
20), são os seguintes:
Ministério das Comunicações
59
Art. 165. O Conselho Nacional de Telecomunicações, cujas
atribuições, organização e funcionamento serão objeto de
regulamentação pelo Poder Executivo, passará a integrar, como
órgão normativo, de consulta, orientação e elaboração da política
nacional de telecomunicações, a estrutura do Ministério das
Comunicações, logo que êste se instale, e terá a seguinte
composição: [...] (BRASIL, 1967, p. 4).
Conforme Lins (2017), ainda no ano de 1967 já era constatado um sistema de
telefonia estatal verticalizado sob o gerenciamento do governo, que até então era
militar. Nesse sentido, a estatização da telefonia e a unificação de todo o sistema de
telefonia no âmbito Federal já era exequível, sendo posto em operação em 1972. A
EMBRATEL foi essencial para alçar a verticalização da telecomunicação. Contudo, a
demanda por serviços locais de telecomunicação ainda se apresentava como um
grande empecilho para o desenvolvimento da comunicação nacional. Buscando
solucionar tais problemas, o Governo Federal criou a Telecomunicações Brasileiras
S.A. - Telebrás, por intermédio da Lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972.
De acordo com Lins (2017, p. 25),
Em 1970 e 1971, foi elaborada uma nova Política Nacional de
Telecomunicações no âmbito do Ministério das Comunicações,
alinhada com as diretrizes de planejamento estatal e de segurança
nacional características do governo militar. Uma das suas
preocupações era a de superar a qualidade deficiente da telefonia
local, em oposição à telefonia de longa distância que vinha ganhando
eficiência com os investimentos da Embratel.
O presidente da República, general Emílio Médici, por meio da Lei n.º 5.792,
aprovou a criação da Telebrás e transformou a EMBRATEL em uma sociedade de
economia mista para ser subsidiária da Telebrás. De acordo com o Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil,
Encaminhado ao Congresso em 9 de junho de 1972, o projeto de
criação da Telebrás recebeu várias emendas, visando a reintroduzir
a competência dos estados na exploração dos serviços de
telecomunicação, reduzir os poderes da holding e mesmo do
Ministério das Comunicações. Contudo, o projeto governamental foi
aprovado quase na íntegra, dando origem à Lei n.º 5.792,
sancionada pelo presidente Médici, em 11 de julho de 1972. Além da
criação da Telebrás a lei autorizou a transformação da Embratel em
sociedade de economia mista, subsidiária da nova empresa
(CPDOC, 2009a, s.n).
60
A partir desse momento, a Telebrás formou em cada Estado uma empresa,
por meio de diversas incorporações de companhias já existentes, ampliando ainda
mais seus acervos e ações.
De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil,
O sistema de microondas em visibilidade passou a contar com
troncos paralelos à rede básica nas rotas de maior densidade de
tráfego, alcançando uma extensão de 27 mil quilômetros
aproximadamente em 1979. Outra meta alcançada foi a expansão da
rede nacional de telex, operada pela Embratel a partir de convênio
firmado em novembro de1974 com a Empresa de Correios e
Telégrafos (ECT) (CPDOC, 2009b, s.n).
Com os equipamentos de informática, passou-se cada vez mais a aumentar a
demanda pela comunicação de dados, sobretudo nas indústrias nacionais e setores
sensíveis do governo, onde as redes de telecomunicação e telex estavam sendo
utilizadas para transmitir dados de forma mais dinâmica. Nesse mesmo passo, em
1972, com o aumento da demanda por regulação na área, resultado do aumento do
uso de equipamentos eletrônicos, criou-se, por meio do Decreto nº 70.370, de 05 de
abril de 1972, a Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento
Eletrônico (CAPRE). Ainda é válido pontuar que a transmissão de dados no Brasil
assumiu uma posição, sobretudo industrial, em que sua finalidade era apenas
voltada para grandes empresas e polos estratégicos do governo. De acordo com
Dantas (1988, p. 51),
O mercado de transmissão de dados também crescia, embora muito
aquém do mercado mundial. O presidente da Embratel, engenheiro
Haroldo Corrêa de Mattos, previa que em 1975 mais da metade dos
computadores instalados no mundo trabalhariam com
teleprocessamento. No Brasil, apareciam os primeiros usuários: a
rede bancária; as empresas de transporte aéreo (a Varig integrava
uma rede internacional de transmissão de dados, que centralizava
em Atlanta, nos Estados Unidos, seu sistema de reserva de
passagens); as prestadoras de serviço como o Serpro, Light, INPS, a
própria Embratel e a Cedag; o Senado Federal; o Ministério da
Aeronáutica (que estava implantando o seu Sistema de Defesa
Aérea e Controle de Tráfego); a IBM (ligando Maynard e White
Plains, nos Estados Unidos, ao Rio e à fábrica em Campinas); e
empresas do porte de uma Petrobrás, Volkswagen e Vale do Rio
Doce.
61
O apelo ao desenvolvimento da indústria nacional foi uma das principais
forças motrizes para a implementação e engajamento político para a modernização
da rede, uma vez que a indústria estaria mais alinhada ao desenvolvimento
internacional, se soubesse o que estava ocorrendo nos países centrais. Nesse
sentido, a informática brasileira utilizaria os limitados recursos nacionais para
coordenar projetos de desenvolvimento de software, tanto no setor público quanto no
privado, por meio do remanejamento e compartilhamento dos hardwares existentes.
Para isso, a Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico de Dados
(CAPRE) começou a obter dados desse novo terreno a ser explorado – a rede de
dados.
Em 1973, o vice-diretor do Rio Data Centro, formado no Instituto Tecnológico
de Aeronáutica (ITA) em 1960, Luís Martins, a pedido do secretário-executivo da
CAPRE, passou a coletar dados para levantar informações a respeito da situação
dos recursos humanos voltados para o setor de informática no Brasil.
De acordo com Dantas (1988, p. 43),
Ao todo, havia 700 computadores em 636 instalações. A então
Guanabara e São Paulo concentravam 68,9% do total. Sessenta e
três por cento das instalações eram consideradas pequenas.
Somadas com as médias, davam 88,5%. Dos 700 computadores,
467 eram pequenos, 185 médios, 23 grandes e 25 de muito grande
porte. Estavam ocupados 13,59 horas, em média, por dia. O setor
empregava 4.090 analistas, 3.733 programadores e 3.302
operadores, num total de 11.125 profissionais. Destes, 9.958
estavam nos CPDs. Uma comparação com a população de
profissionais existente nos Estados Unidos (560 mil) e na França (55
mil) em 1970, indicava o grande atraso do Brasil. Diante das
necessidades do país, o estudo de Martins apontou os seguintes
déficits: 13,5% de operadores, 22,6% de programadores e 10,9% de
analistas.
A partir dos dados obtidos, foram realizadas várias recomendações
relacionadas aos recursos humanos, quando buscou-se formar mais profissionais na
área. Além de estar atrasado no que tange às tecnologias de dados, o Brasil ainda
enfrentava algumas inconsistências políticas. Nesse mesmo período, ocorreram
alguns desencontros na política de estruturação, quando os executivos da
EMBRATEL e da Telebrás buscaram criar subsidiárias à parte, para cuidarem da
tecnologia e expansão da estrutura de dados.
62
Em setembro de 1973, Iberê Gilson, então presidente da Embratel,
declarou que no mês seguinte seria constituída a Etelbrás,
subsidiária da Embratel para as áreas de telegrafia, telex e
teleprocessamento de dados. No dia 27 de agosto do ano seguinte,
em reunião da diretoria da Telebrás, foi criada a Telebrás Telégrafos
S. A. - Teletel. Livro II (título provisório). Originais de livro entregue
pelo entrevistado à entrevistadora em março de 2005, como subsídio
para preparação da entrevista. De acordo com o entrevistado, o livro
é a segunda parte de Renascem as telecomunicações, São José dos
Pinhais, Editel Gráfica e Editora, 1992 (FGV, 2005, s.n).
Ocorre que a criação de ambas as subsidiárias não vingou, forçando o
Ministério das Comunicações intervir por meio da Portaria nº 301, de 03 de abril de
1975, para acelerar a modernização, colocando fim às pretensões de criação das
subsidiárias, ao designar a EMBRATEL como monopolista da instalação e
exploração da comunicação de dados.
No Brasil, desde 1970, a teleinformática era objeto de discussão e de
estudos, mas somente em abril da 1975, pelo decreto 301, a
Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) recebeu a
incumbência de instalar e explorar uma rede nacional de transmissão
de dados (BENAKOUCHE, 1997, p. 127).
Diante disso, o Ministério das Comunicações passou a observar os novos
meios de comunicação que surgiam. De acordo com Benakouche (1997, p. 126),
Já em 1975, com a intensificação do uso de equipamentos de
informática no país, o Ministério das Comunicações (Minicom)
começou a se ocupar com a questão da transmissão eletrônica de
dados, também chamada na época de teleinformática ou telemática.
Essas novas denominações procuravam dar conta da convergência
que estava ocorrendo, nos países centrais, desde o início nos anos
60, entre as tecnologias de telecomunicação e a informática.
A partir de Benakouche (1997), percebe-se que a convergência que estava
ocorrendo na década de 1970 no Brasil, já acontecia desde a década de 1960 nos
países centrais, evidenciando a grande diferença industrial e tecnológica que
precisava ser superada. A superação da diferença tornou-se um dos principais
motivos apontados para a implementação das redes de comunicação de dados no
País. Em 1975, de acordo com Carvalho (2006), o Brasil, pela primeira vez, teve
acesso à ARPANET, por meio do I Seminário Latino-Americano de Comunicação de
Dados, que ocorreu durante o VIII Congresso Nacional de Processamento de Dados
63
(CNPD), organizado pela Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de
São Paulo (SUCESU-SP). Em seu livro, Vera Dantas (1988), ao discorrer sobre a
história da Scopus Tecnologia S.A., empresa brasileira do ramo de desenvolvimento
de eletrônicos, relata como se deu o difícil processo para se conectar à ARPANET,
quando o então presidente da SUCESU-SP, Samuel Konishi, teve de encomendar a
produção de um terminal apropriado para que o conferencista norte-americano
pudesse fazer suas demonstrações. Coube à Scopus Tecnologia S.A produzir o
terminal, fato que foi um grande “empurrão” em favor da divulgação da empresa.
O empurrão definitivo veio através do presidente da Sucesu-SP, o
ex-iteano Samuel Konishi, que precisava de um terminal para ser
conectado à rede internacional de comunicação de dados Arpanet,
no próximo Congresso da Sucesu. O conferencista norte-americano,
convidado a dar uma palestra sobre a rede, queria fazer uma
demonstração ao vivo de seus recursos, precisando de um terminal
para acessar bancos de dados nos Estados Unidos. Konishi
percorrera todas as multinacionais instaladas no país, mas nenhuma
dispunha, aqui, do equipamento apropriado. Então, contatou a
Scopus e propôs a fabricação do terminal. Dinheiro não havia, o
prazo era dois meses, mas esta poderia ser uma boa oportunidade
para divulgar a empresa. A Scopus aceitou o desafio (DANTAS,
1988, p. 128).
Nesse passo, é possível observar uma aproximação da telecomunicação com
a teleinformática, sobretudo por meio da realização de pesquisas e estudos voltados
para a área, fomentados pelas próprias monopolistas do setor, que na época,
conduziram diversos painéis para a divulgação de estudos na área. Ainda em 1975,
o Ministério das Comunicações, através da EMBRATEL, começou a trabalhar na
Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), por meio da proposição de vários
estudos sobre a estrutura e a política de tarifas dos sistemas de operação.
Em 1975, o Minicom criou um grupo de trabalho encarregado de
apresentar estudo que propusesse soluções para problemas de
política tarifária, estrutura do sistema e método de operação da então
chamada Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), bem
como definição e especificação das atribuições das diversas
entidades envolvidas em um sistema de teleprocessamento (DE
CARVALHO, 2006, p. 63).
Tais estudos foram importantes porque no início dos anos 1970, o déficit da
balança comercial relacionado à importação de bens de informática era crescente,
64
levando o governo a impor barreiras na forma de controle administrativo sobre esses
equipamentos.
Devido a isso, de acordo com Lins (2017, p. 36),
Foi criada em 1975 uma comissão destinada a examinar os pedidos
de importação e racionalizar a aplicação de soluções computacionais
na 37 administração pública, a Comissão de Coordenação das
Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE).
Em 1979, a CAPRE foi extinta e substituída pela Secretaria Especial de
Informática (SEI), criada por meio do Decreto Nº 84.067, de 2 de outubro de 1979,
como órgão complementar do Conselho de Segurança Nacional, no governo do
Presidente João Figueredo.
Nessa época, a então toda-poderosa Secretaria Especial de
Informática (SEI), considerando a importância da informática na
implantação da nova rede, resolveu intervir também na questão.
Assim, em julho de 1980, através da portaria 006, criou a Comissão
Especial nº 14/ Teleinformática. Seu objetivo era o de examinar a
situação da teleinformática nacional e orientar a SEI e o Minicom no
estabelecimento das grandes linhas de uma política global para o
desenvolvimento do serviço (...) (BENAKOUCHE, 1997, p. 127).
Nesse mesmo passo, com o objetivo de fomentar o setor industrial e em
cumprimento ao II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que tinha como
finalidade consolidar até 1980 a sociedade industrial moderna, foi criado o Grupo
Executivo Interministerial de Componentes e Materiais (GEICOM), com funções
consultivas na busca pela autonomia tecnológica. Nesse sentido, o relatório do SEI,
de acordo com Maciel, foi desanimador diante do II PND.
Esse balanço revelou uma situação decepcionante: constatava-se
que o país encontrava-se ainda numa etapa muito inicial do
desenvolvimento da teleinformática, etapa talvez comparável àquela
do final dos anos 60 nos países desenvolvidos
(BENAKOUCHE apud MACIEL, 1997, p. 127).
Apesar do cenário desanimador, a Secretaria Especial de Informática (SEI)
fez diversas recomendações que tinham por objetivo o desenvolvimento da
comunicação nacional, atendendo às demandas da indústria eletroeletrônica, às
necessidades dos grandes usuários e mantendo o controle do Estado sobre o setor.
65
Devido aos avanços tecnológicos presenciados pelo mundo, o tema fluxo de dados
passou a ser recorrente na ONU. Conforme Dantas (1988, p. 143),
Teleinformática, ou mais precisamente, o fluxo de dados
transfronteiras (FDT), emergiu, por essa época, como um dos mais
polêmicos assuntos a nível mundial. O tema inseria-se em um debate
aberto pela ONU em torno de "uma nova ordem mundial para a
informação" e abrangia, tanto dados de computador quanto
comunicação social. Os países onde estão 90% dos bancos de
dados do mundo e as sedes do cartel das agências de notícias
internacionais defendem o livre fluxo de informações como uma
extensão do liberalismo comercial. Os países do Terceiro Mundo
rejeitam essa posição, argumentando que razões de ordem política,
econômica, tecnológica e cultural justificam um certo controle sobre
as informações que fluem para dentro e para fora de suas fronteiras
nacionais.
O tenente-coronel Joubert Brízida, na Primeira Conferência Mundial sobre
Fluxo de Dados, realizada em junho de 1980, em Roma, proferiu as seguintes
palavras:
A informática não é neutra, isto é, traz em si a cultura de quem a
originou. Portanto, é fundamental que cada país exerça crítica sobre
as informações que lhe atravessam as fronteiras... O país que não se
preocupa com o controle das informações estratégicas que utiliza
corre o risco de se tornar intoleravelmente dependente, através das
telecomunicações, dos interesses de grupos políticos e econômicos
fora de suas fronteiras (DANTAS, 1988, p. 143).
Em 1981, buscou-se expandir o controle da SEI sobre a coordenação de
orientação, planejamento, supervisão e fiscalização, em articulação com os órgãos
específicos, a coordenação da pesquisa, do desenvolvimento e da produção de
componentes eletrônicos: semicondutor, opto-eletrônicos e assemelhados. De
acordo com Figueiredo (1986, p. 288),
O decreto que estabeleceu a SEI foi substancialmente ampliado,
expandindo a área de influência da SEI em alguns aspectos, como o
da coordenação de P&D e produção de componentes eletrônicos. A
SEI também passou a atuar no assessoramento e preparação, em
conexão com outras agências, da elaboração do Plano Nacional para
a Microeletrônica.
De acordo com Banekouche (1997), em 1980, um ano antes da publicação do
decreto da SEI, a RNTD foi oficialmente inaugurada. Nesse mesmo período, o
66
serviço passou a ser chamado de Serviço Digital de Transmissão de Dados Via
Terrestre (TRANSDATA), abrangendo aproximadamente 33 centros de transmissão.
Conforme De Carvalho (2011, p. 27),
Em maio de 1980, a Embratel introduz no Brasil o primeiro serviço
exclusivo de comunicação de dados da América do Sul, o Transdata.
É inaugurado também o cabo submarino Brasil–USA. Em 1984 é
ativada a Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação
de Pacotes (RENPAC).
Como meio de apoiar as pesquisas nessa área, o governo instituiu, em 1981,
o Prêmio Jovem Cientista Brasileiro, que teve nas telecomunicações o seu primeiro
tema de premiação. Em 1982, aconteceu o XV Congresso Nacional de Informática
da SUCESU, paralelamente à II Feira Internacional de Informática. Além disso, a
EMBRATEL lançou o Projeto Ciranda, voltado aos próprios funcionários, que seria
posteriormente ampliado pelo Projeto Cirandão. Conforme Carvalho (2006, p. 64),
Em 1982, a Embratel criou o Ciranda, um projeto piloto de uma rede
de serviços de informações, restrito aos funcionários da empresa
que, para viabilizá-lo, colocou microcomputadores compartilhados
para acesso em seus escritórios e financiou a aquisição de
microcomputadores Prológica CP-500 (e modems) para os
funcionários participantes instalaremnos em suas casas. O
computador central era um COBRA 530 capaz de atender a 300
usuários simultâneos 7. Participaram desse projeto cerca de 2.100
funcionários distribuídos por mais de 100 cidades, constituindo assim
a primeira comunidade teleinformatizada do país.
Em 1982, o Governo regulamentou, por meio da SEI, a área de software, e
instituiu o Centro Tecnológico para Informática (CTI) para promover o
desenvolvimento científico no setor. Contudo, tal ato foi executado de maneira
morosa, o que resultou na dominação de aplicativos estrangeiros no território
nacional, que foram livremente transportados sem qualquer tipo de regulação.
Estes eram os ambiciosos planos da SEI para software e
microeletrônica. Quase nada disso se realizou. Não levou muito
tempo para a SEI começar a perceber que o fato de estar abrigada
sob o manto do Conselho de Segurança Nacional e respaldada pelo
interesse pessoal dos ministros-chefes do SNI e da Casa Militar em
relação à informática não lhe bastava para colocar em prática a sua
vontade. No que dependia do seu próprio poder, tudo corria às mil
maravilhas. Mas no momento em que suas ações dependiam da
anuência e participação de outras áreas de governo, especialmente
67
as econômicas, para a concessão de incentivos, criação de
mecanismos de fomento e desenvolvimento de recursos humanos,
os passos tornavam-se lentos e até mesmo conflitantes. (...) Por
exemplo, a necessária portaria conjunta com o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial para criar o registro de programas só saiu no
final de 1982, quando o mercado já estava inteiramente invadido por
aplicativos estrangeiros, livremente importados – ou, pura e
simplesmente, pirateados (DANTAS, 1988, p. 145).
A fim de otimizar e regular o setor de informática, que já tomava maiores
proporções, sobretudo no tocante ao fluxo de dados, em 1984, o governo enviou ao
Congresso o projeto para o estabelecimento de Política Nacional de Informática, Lei
nº 7.232, de 29 de outubro de 1984.
LEI Nº 7.232, DE 29 DE OUTUBRO DE 1984.
Dispõe sobre a Política Nacional de Informática, e dá outras
providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO
NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, objetivos e diretrizes da Política
Nacional de Informática, seus fins e mecanismos de formulação, cria
o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, dispõe
sobre a Secretaria Especial de Informática - SEI, cria os Distritos de
Exportação de Informática, autoriza a criação da Fundação Centro
Tecnológico para Informática - CTI, institui o Plano Nacional de
Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e
Automação (BRASIL, 1984, p. 15841).
Com a aprovação da Lei, criou-se o Conselho Nacional de Informática e
Automação (CONIN). Instituiu-se o Plano Nacional de Informática e Automação e o
Fundo Especial de Informática e Automação. Conforme De Carvalho (2006, p. 65),
no mesmo ano,
[...] a Embratel lançou a Rede Nacional de Comunicação de Dados
por Comutação de Pacotes (RENPAC). [...] No final da década 80, a
Embratel implementou também o acesso internacional à RENPAC,
passando a comunicá-la com as redes de dados de outros países
através do nó internacional da rede INTERDATA.
Em 1985, a partir da instauração da Nova República, os planos de expansão
da rede seguiram crescendo. No ano seguinte, foi publicada a Lei nº 7.463, de 17 de
abril de 1986, que dispõe sobre o I Plano Nacional de Informática e Automação
68
(PLANIN), que buscou executar os objetivos estabelecidos na Lei 7.232, de.29 de
outubro de 1984.
LEI Nº 7.463, DE 17 DE ABRIL DE 1986.
Dispõe sobre o I Plano Nacional de Informática e Automação -
PLANIN.
Art. 1º Fica aprovado o I Plano Nacional de Informática e Automação
- PLANIN, pelo período de 3 (três) anos.
Art. 2º Fica o Poder Executivo autorizado, ad referendum do
Congresso Nacional, a introduzir anualmente modificações no Plano
a que se refere o artigo anterior, observados os princípios, objetivos
e diretrizes da Política Nacional de Informática, estabelecidos pela
Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984 (BRASIL, 1986. p. 5621).
Com a modernização da telecomunicação, o próximo passo seria o
estabelecimento da rede de internet. No Brasil, a rede iniciou seu processo de
expansão de forma sutil e sem grandes ostentações. Depois desse longo decurso de
tempo, em 1979, a rede deixou de ser um assunto exclusivamente estatal e passou
a ser almejado pelas academias brasileiras.
Apesar de várias tentativas que não saíram do papel, em 1979 foi instituído o
Laboratório Nacional de Redes de Computadores (LARC), tendo como membros
fundadores a SESU/MEC, INPE/MCT, UFRGS, UFMG, UFPE, UFCG (Antiga UFPB
Campus Campina Grande), UFRJ, USP, PUC-Rio e UNICAMP.
ART. 1º - O LABORATÓRIO NACIONAL DE REDES DE
COMPUTADORES é uma associação, sem fins lucrativos, tendo
como objetivo:
I - Integrar os esforços institucionais na área de redes de
computadores, gerando um "Know-how" de âmbito nacional nesta
área de conhecimentos.
II - Promover o intercâmbio de "software" e informação científica,
através da interligação de laboratórios de computação locais.
III - Promover, através do intercâmbio científico, o desenvolvimento
de capacitações locais que conduzam todas as instituições membros
a uma plena participação no esforço global do LABORATÓRIO.
IV - Possibilitar o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares e
de âmbito nacional compatíveis com os programas locais das
entidades membros do LABORATÓRIO.
V - Promover, em âmbito nacional, a formação de recursos humanos
e o desenvolvimento de tecnologia especializada no setor.
VI - Promover a aquisição de experiência na gestão dos programas
científicos e tecnológicos de âmbito nacional e alto grau de
sofisticação (LABORATÓRIO NACIONAL DE REDES DE
COMPUTADORES, 1979, s.n).
69
A partir de 1979, iniciou-se uma série de pesquisas voltadas para a criação de
uma rede acadêmica como, por exemplo, o projeto Rede Anel da NCE/UFRJ. Em
1981, teve início o projeto de uma rede local experimental de Rede em Anel, na
Universidade de Cambridge. No ano seguinte, de acordo com Cardoso Junior
(2008), criou-se a Rede Acadêmica da PUC (REDPUC), com o engajamento da
PUC/RJ, Telebrás, EMBRATEL e USP. Além disso, foi criado o Centro Piloto de
Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência e Tecnologia na Região
Norte-Nordeste (CEPINNE), para interligar a comunidade acadêmica das regiões
Norte e Nordeste.
Durante vários anos e com várias experiências, muitas academias brasileiras
tentaram desenvolver uma Rede Nacional. Contudo, apenas em 1987, por meio da
iniciativa da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), que as entidades se engajaram e trabalharam de fato em algo mais
concreto.
Em reunião realizada durante o VII Congresso da Sociedade
Brasileira de Computação (SBC), em julho de 1987, em Salvador
(BA), Michael Stanton convocou uma reunião informal (“birds of a
feather”) para discutir a importância das redes acadêmicas e trocar
informações acerca das experiências que começavam a acontecer
pelo País. Estiveram presentes cerca de quarenta pessoas, contando
com representantes da SEI, Embratel, CNPq, SERPRO, FAPESP,
LARC e instituições acadêmicas e de pesquisa (UFCE, UFPB, UFRJ,
PUC/RJ, LNCC, INPE, ITA, USP, UNICAMP, CTI, UFSCar e
UFRGS). [...]O representante do CNPq reconheceu o grande
interesse no assunto e sugeriu que fosse realizada uma nova reunião
para um estudo mais aprofundado do assunto. Nesse contexto, foi
realizada uma importante reunião, patrocinada pelo CNPq, nos dias
14 e 15 de outubro de 1987, no prédio da Escola Politécnica da USP
(DE CARVALHO, 2006, p. 78).
Em diversas reuniões que foram sendo realizadas, a LARC, em 1988,
elaborou um anteprojeto para a Rede Nacional de Pesquisa (RPN), que recebeu
apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Conforme matéria de Adriana Lutfi (1999), vinculado ao Jornal Folha de São
Paulo, em 1988, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)
conseguiu se conectar à Universidade de Maryland para troca de mensagens. No
mesmo ano, em São Paulo, de acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (FAPESP) (2014), por meio da liderança de Oscar Sala, um
70
físico nuclear ítalo-brasileiro, a fundação se conectou ao Fermi National Accelerator
Laboratory (FERMILAB), localizado em Chicago. Em 1989, de acordo com a RNP
(2009), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também se conectou à
Universidade da Califórnia, em Los Angeles. É válido pontuar que todos esses o
fizeram por meio da Because It’s Time Network (BITNET 19
).
Em 1989, o Ministério de Ciência e Tecnologia criou a RNP, uma organização
social que foi o Backbone20
para que a rede acadêmica expandisse, além de ser o
responsável pelo preparo do Brasil para uma chegada mais sólida da internet. O
primeiro backbone brasileiro foi inaugurado em 1991 e destinado exclusivamente à
comunidade acadêmica.
De acordo com a RNP (2014, s.n),
A RNP foi criada em 1989 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia
(MCT) com o objetivo de construir uma infraestrutura de rede Internet
nacional para a comunidade acadêmica. A rede começou a ser
montada em 1991. Em 94, já atingia todas as regiões do país. Entre
2000 e 2001, a rede foi totalmente atualizada para oferecer suporte a
aplicações avançadas. Desde então, o backbone RNP, como é
chamado, possui pontos de presença em todos os estados
brasileiros.
Nota-se, conforme a FIGURA 7, que o backbone da RNP, em 1992, já
interligava 11 Estados a partir do Point of Presence21
, onde o ISP22
mantém o
equipamento necessário para permitir o acesso local dos seus usuários à Internet. A
partir desses pontos foram criados alguns backbones regionais, a fim de integrar as
instituições de outras cidades à Internet, como por exemplo, a RedeRio que, de
acordo com a RNP (2009a), “[...] conecta cerca de 200 instituições no Estado do Rio
de Janeiro. Esta rede possui um canal de comunicação com a RNP de 1 Gbps e um
link internacional próprio”.
Vejamos sua evolução de 1992 a 2015.
19
A BITNET foi uma rede remota criada em 1981, visando proporcionar um meio rápido e barato de
comunicação para os meios acadêmicos.
20
BACKBONE, ou Espinha dorçal, designa o esquema de ligações centrais de um sistema de redes
mais amplo, tipicamente de elevado desempenho e com dimensões continentais.
21
O Point of Presence, ou PoP, é o local onde o ISP (Internet Service Provider) mantém o
equipamento de telecomunicações necessário para permitir o acesso local dos seus
clientes/utilizadores à Internet.
22
Um Fornecedor de Acesso à Internet ou Provedor de Serviço Internet é qualquer organização que
ofereça serviços de acesso, participação ou utilização da Internet.
71
Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil.
Fonte: RNP, Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica da RNP – ano 1992 e ano
2005.
O uso comercial da Internet teve início em dezembro de 1994, a partir da
EMBRATEL, quando foi autorizado o acesso à Internet por meio das linhas
discadas23
.
De acordo com Maceira (apud CARVALHO, 2006, p.137),
Em 1994, a Embratel começou a analisar a questão do uso comercial da
Internet nos Estados Unidos e decidiu ver como poderia participar disso
também, aqui no Brasil. Fui designado para integrar um grupo de três
pessoas, formado por mim, pelo Hélio Daldegan e pelo Aloysio Xavier,
criado com a missão de analisar a oportunidade de negócio nisso tudo. [...]
No final de 1994, a diretoria da Embratel recebeu a proposta de iniciar a
prestação de serviços Internet e começamos a testar isso através de
usuários convidados por nós. [...] Terminado esse trabalho, começamos a
montar a rede e a desenvolver o serviço. Foi justamente quando o grupo
se solidificou, cresceu, tornando-se uma estrutura de gerência em serviços
Internet.
Em 1995, foi iniciada pela RNP um processo de expansão do backbone em
relação à velocidade e aos números de PoPs, a fim de suportar o tráfego comercial
de futuras redes. A partir de então, a backbone passou a se chamar Internet/BR.
Ainda no mesmo ano, em virtude da criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.Br),
o Brasil conheceu a internet como uma tecnologia que mudaria completamente a
rotina de todo cidadão brasileiro.
23
Linha discada, dial-up internet access, internet discada, ou simplesmente dial-up é uma forma de
acesso à internet que usa a rede pública de telefonia, comutada para estabelecer uma conexão com
um provedor de acesso à internet, através de um número de telefone para com uma linha de telefone.
72
De acordo com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR
(NIC.BR),
O acesso à internet nas residências brasileiras cresceu em 2019,
com 74% da população já conectada, segundo a pesquisa TIC
Domicílios, que afere informações sobre conexão à internet no país.
Em 2018, o percentual da população que se dizia conectada era de
70%. Com o avanço do indicador, agora são 133,8 milhões de
usuários de internet no Brasil, apontou a pesquisa divulgada nesta
terça-feira (26). O levantamento, um dos principais no país, é feito
todos os anos pelo Centro Regional de Estudos para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC) (NIC.BR,
2020b, s.n).
Observa-se que, no Brasil, apesar de o processo de modernização ter sido
mais lento, os meios de comunicação conquistaram grande parte da população.
Atualmente, 74% dos brasileiros já se encontram conectados à rede, sendo que, o
meio de comunicação digital alcançou a centralidade das atividades humanas.
Com a intenção de buscar argumentos para responder à questão central
deste estudo, ou seja, “Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes
sociais e sua relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil?”, neste
capítulo, realizou-se, a partir de um referencial teórico, tendo como base central
Haesbaert e Lacoste, uma reflexão voltada aos conceitos de Espaço, Território e
Territorialidade. Além disso, abordou-se a origem e expansão do objeto central de
estudo, o ciberespaço, por meio da internet. Por intermédio das bases construídas
no primeiro capítulo será possível avançar no propósito de estabelecer o
ciberespaço como um território passível de análise e que cumpre uma função social.
É pertinente destacar, neste momento, que no capítulo segundo será
evidenciada a conexão desses conceitos com a linha de pesquisa do Programa de
Mestrado em Gestão Integrada do Território, em que o ciberespaço será, por meio
do diálogo entre alguns autores, caracterizado como um território-rede. Dando
sequência ao fio condutor desta análise e argumentação, no próximo capítulo, a
partir do aporte teórico de Pierre Levy, Virílio, Haesbaert e Castells, discutir-se-ão os
conceitos de ciberespaço, cibercultura, divisão do ciberespaço, bolhas sociais e
algoritmo de bolha como antolhos da sociedade.
73
CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM
TERRITÓRIO
3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA
Uma vez que se abordou a concepção de espaço para a Geografia Humana e
para a Geografia Física, além de discorrer sobre o conceito de território e como se
deu o processo de evolução da rede, é possível observar onde o ciberespaço se
localiza na Geografia e como esse espaço virtual é passível de estudo. Diante das
mais variadas abordagens realizadas até o presente momento, para compreender
como se dá a configuração do espaço no ciberespaço é necessário, a princípio,
entender seu conceito base.
A palavra ciberespaço foi inventada em 1984, por William Gibson (2015), em
seu romance de ficção científica chamado “Neuromancer”. No livro, o ciberespaço
era descrito como um espaço quase que físico, composto por milhares de redes e
mundos digitais. Essas redes eram palco de guerras e batalhas entre as
multinacionais, em busca da dominação e controle das “novas fronteiras”
econômicas, culturais e sociais.
De acordo com Pierre Levy (2010, p. 17), ciberespaço ou rede é
(...) o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial
dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura
material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de
informações que ela abriga, assim como os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo.
Nesse passo, é notório que Pierre Levy inclui como componentes
legitimadores do espaço cibernético, tanto as redes de comunicações formadas pela
interação dos usuários quanto os instrumentos de comunicação em si, ou seja, a
infraestrutura que compõe a rede. Já para Monteiro (2007, p. 14), o ciberespaço é
(...) como um mundo virtual, onde são disponibilizados variados
meios de comunicação e interação em sociedade. Um universo
virtual onde se encontram quantidades massivas de dados,
informações e conhecimento em que os textos são "mixados" a
imagens e sons, em um hipertexto fluido e cheio de possibilidades,
ou seja, um ambiente não físico, mas real, um espaço aberto, cheio
de devires, onde tudo acontece instantaneamente, em tempo real e
de durabilidade incerta.
74
Nota-se que a definição de vários dos pensadores é muito semelhante à
descrição do livro “Neuromancer”, em que o ciberespaço é de fato um espaço onde
fluem dados, informações e conhecimento. Ressalta-se, aqui, que esta é uma de
suas principais funções: a troca desses elementos entre os usuários. Os dados, as
informações e o conhecimento são um de seus principais elementos de formação.
Dados são um conjunto de códigos, observações e medições que são
documentados a partir do mundo físico, comportamental e sensorial. De acordo com
Rezende (2015, s.n), os “dados são os registros soltos, aleatórios, sem quaisquer
análises”. Informação é um conjunto de dados estruturados em seu estado bruto.
Como afirma Rezende (2015, Apud Le Coadic, 1996, s.n), “ela é um registro, em
suporte físico ou intangível, disponível à assimilação crítica para produção de
conhecimento”. A partir da interpretação das informações, abstraímos o
conhecimento que são constructos mais complexos de associações de informações,
aliados às experiências adquiridas no “mundo-da-vida”. Conforme afirma Cândido
(2007, p. 16), “Quando esta informação é trabalhada por pessoas ou recursos
computacionais possibilitando a geração de novos cenários chamamos a isso de
conhecimento”.
Todo indivíduo, ao entrar na rede do ciberespaço, insere seus dados que
produzem informações. Por intermédio da computação, tornou-se possível
automatizar a captação e a interpretação desses dados, a partir de cada movimento
que o usuário faz na rede. Por meio da rede mundial de computadores é possível
observar novos paradigmas se formando. Nesse sentido, é perceptível que, desde
sua concepção, o ciberespaço tem cada vez mais alcançado sua legitimidade como
um território, mediante a capilarização de seu alcance. Nota-se que o ciberespaço se
torna legítimo por meio da troca de informações entre os usuários, ou seja, por meio
do fluxo de dados, informações e conhecimentos. A partir dessa concepção é
possível observar que o ciberespaço possui inúmeras facetas.
Conforme Guimarães (2000, p. 141),
É importante sublinhar que esta definição não circunscreve o
Ciberespaço a redes de computadores, mas sim percebe como suas
instâncias diferentes aparatos de telecomunicação, desde
teleconferências analógicas, passando por redes de computadores,
"pagers", comunicação entre radioamadores e por serviços do tipo
"tele-amigos". A Internet, portanto, apesar de ser a mais presente,
não é a unica instancia de CMC e, por extensão de suporte ao
75
Ciberespaço.
Apesar de possuir inúmeras facetas, a mais evidente e destacada atualmente
é a Internet, sendo que esta possui maior alcance em escala mundial e maior
integração e capilarizarão de usuários. Os atores ou usuários são aqueles que estão
diretamente ligados ao meio digital e movimentam o espaço. São afetados direta e
indiretamente por qualquer movimento e atualização realizados no meio digital e
podem ser classificados como Empresas, Sociedade civil, Universidades e Governo.
Constata-se, portanto, que o espaço geográfico, no ciberespaço, é a
totalidade do espaço material e virtual, ou seja, tanto a estrutura por trás da rede e
sua localização, quanto os fluxos e movimentos sociais que correm a partir dessa
estrutura. Nesse sentido, é tão possível realizar um estudo do espaço em rede
quanto na própria realidade, uma vez que a rede se apresenta como um simulacro
da realidade. Assim, observa-se que o ciberespaço é passível de ser analisado sob
a perspectiva geográfica, por meio do conceito de espaço da Geografia Humana.
Diante disso, inicia-se tal abordagem a partir de Virilio (1984, p. 109), quando este
afirma que: “O espaço não está mais na geografia – está na eletrônica. (...) Está no
tempo instantâneo dos postos de comando, nos quartéis-generais das
multinacionais, nas torres de controle etc”.
Corroborando também, Lévy (1994), em uma palestra ministrada no Brasil
sobre o tema, afirma que
[...] o espaço cibernético é um terreno onde está funcionando a
humanidade, hoje. É um novo espaço de interação humana que já
tem uma importância enorme sobretudo no plano econômico e
científico e, certamente, essa importância vai ampliar-se e vai
estender-se a vários outros campos, como por exemplo na
Pedagogia, Estética, Arte e Política (LÉVY, 1994, p. 1).
Nota-se, também, tal abordagem em Manuel Castells, mediante seu conceito
de espaço dos fluxos, quando busca analisar os processos espaciais da sociedade
diante dos fluxos de informação, a partir dos processos econômicos, culturais,
históricos e sociais.
Proponho a ideia de que há uma nova forma espacial característica
das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede: o
espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização material das
práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de
76
fluxos. Por fluxos, entendo as sequências intencionais, repetitivas e
programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente
desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas
econômica, política e simbólica da sociedade (CASTELLS, 2019, p.
494).
Percebe-se uma abordagem espacial da rede em Haesbaert, por intermédio
do que ele chamou de territórios-rede, uma concepção criada para abordar os novos
processos informacionais da sociedade.
Vistas como componentes dos territórios, as redes podem assim
estar a serviço tanto de processos sociais que estruturam quanto de
processos que desestruturam territórios. Mas a dinâmica do
elemento rede tornou-se tão importante no mundo “pós-moderno”
(ou, pelo menos, nas áreas em que a ideia de pós-modernismo foi
proposta) que não parece equivocado afirmar que a própria rede
pode tornar-se um território. Existiria mesmo, poderíamos afirmar, um
tipo radical de território rede que se aproxima de uma noção de
‘rede-território’, tamanha a importância da rede na formação territorial
[...]” (HAESBERT, 2011, p. 298).
A partir das afirmações de Virilio (1984), Lévy (2003), Castells (2019) e
Haesbaert (2011), percebe-se que o ciberespaço ampliou novos horizontes aos
sujeitos, por intermédio de um espaço virtual abstrato, não-pessoal e invisível que se
legitima a partir do fluxo de informação e comunicação, formado pela estruturação
da tecnologia da informação em uma rede de interações sociais, em que pessoas
dos pontos mais diversos do Globo se unem e formam laços e relações. Uma vez
que o ciberespaço está intimamente ligado à troca de informações provenientes das
interações humanas, pode-se observar que essa rede não consiste de uma “terceira”
divisão da Geografia, mas de uma extensão da Geografia Humana nas redes de
informação, na medida em que o espaço foi criado pelo homem para atender à sua
necessidade de compartilhamento/recebimento de informações. Nesse sentido, é
necessário realizar uma breve observação sobre como o ciberespaço passou a
exercer influência direta na sociedade moderna, sobretudo nos aspectos
econômicos, culturais e políticos.
Dessa forma, as falas de Castells tornam a discussão ainda mais detalhada,
pois é possível observar, por exemplo, que os processos de comunicação
influenciam diretamente fatores culturais.
77
Nossos meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas
metáforas criam o conteúdo da nossa cultura. Como a cultura é
mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto
é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos
são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema
tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo
(CASTELLS, 2019, p. 414).
Apesar de a estruturação espacial da rede aparentar ser simples, ela é na
verdade demasiadamente complexa, sendo alvo de grandes conflitos e discussões
diplomáticas nos fóruns internacionais24
. Dessa forma, é válido ressaltar que os
fóruns internacionais não se preocupam com a rede unicamente devido à sua
extensão ilimitada e sem fronteiras no aspecto da cibercultura, mas, acima de tudo,
devido ao seu potencial diante dos mais variados dilemas sociais modernos que
serão abordados posteriormente. A princípio, é importante ressaltar que a rede de
internet não possui oficialmente um dono, ou órgão, ou instituição que decide como
usá-la, como bem pontuado por Castells. Diversas instituições e mecanismos
improvisados foram criados durante todo o desenvolvimento da internet. Uma delas
e a mais importante é a chamada Governança da Internet.
Segundo o Itamaraty,
O conceito de “governança da Internet” foi consagrado na segunda
fase da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS, da sigla
em inglês). A governança da Internet, na visão endossada pela
WSIS, pressupõe “o pleno envolvimento de governos, setor privado,
sociedade civil e organizações internacionais” (§ 29 da Agenda de
Túnis). Ao prever que os diferentes “stakeholders” possuem papéis e
responsabilidades diferenciados, o conceito de multissetorialismo
abriga geometria variável de configurações possíveis (e igualmente
legítimas) para tratar de questões de naturezas diferentes
(ITAMARATY - MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2014,
s.n).
É importante observar alguns apontamentos realizados por Castells, ao
analisar como se deu o processo de Governança da Internet durante seu
desenvolvimento. Vejamos:
24
A Internet Governance Forum, mais conhecido pelo acrônimo IGF, é um fórum que reúne múltiplos
atores para discussão de políticas em aspectos de Governança da Internet A instituição do IGF foi
formalmente anunciada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas em julho de 2006, e o primeiro
fórum aconteceu em outubro do mesmo ano.
78
Uma vez privatizada, a internet não contava com nenhuma
autoridade supervisora. Diversas instituições e mecanismos
improvisados, criados durante todo o desenvolvimento da internet,
assumiram alguma responsabilidade informal pela coordenação das
configurações técnicas, pela corretagem de contratos de atribuição
de endereços da internet. Em janeiro de 1992, numa iniciativa da
National Science Foundation, foi outorgada à Internet Society,
instituição sem fins lucrativos, a responsabilidade sobre as
organizações coordenadoras já existentes, a Internet Activities Board
e a Internet Engineering Task Force. Internacionalmente, a função
principal de coordenação continua sendo os acordos multilaterais de
atribuição de endereços de domínios no mundo inteiro, assunto bem
polêmico. Apesar da criação, em 1998, de um novo Órgão regulador
com sede nos EUA (IANA/ICANN), em 1999 não existia nenhuma
autoridade clara e indiscutível sobre a internet, tanto nos EUA quanto
no resto do mundo – Sinal das características anarquistas do novo
meio de comunicação tanto tecnológica quanto culturalmente
(CASTELLS, 2019, p. 102).
Diante das observações de Castells, é importante ressaltar que a rede possui
impasses e dificuldades de proporções diplomáticas. Contudo, tais dificuldades são
o exemplo perfeito para demonstrar como funciona o território do ciberespaço.
Apesar de a extensão da rede ser global, um desses empasses se resume à
territorialidade material da rede, mais especificamente em relação a alguns dos
principais “nós”. Como é possível constatar por meio das descrições de Castells,
apesar de a rede não possuir oficialmente um dono, a localização de seus principais
“nós”, como por exemplo, os servidores-raiz (que abrigam a internet em si), a
localização da Internet Assigned Numbers Authority (IANA) e a localização da
corporação da internet para atribuição de nomes e números (ICANN) (que é
responsável pela alocação do espaço de endereços do Protocolo da Internet IPv4 e
IPv6) são elementos de suma importância, no que tange ao controle desse espaço
em rede, uma vez que as leis válidas a serem aplicadas sobre internet como um
todo (apesar de sua governança ser internacional) são a do lugar onde está
localizada em seu estado físico.
A exemplo do ICANN, localizado em Marina Del Rey, California, Estados
Unidos, por estar localizado em solo norte-americano, obedece às leis
estadunidenses da Califórnia, fato que não agrada a toda comunidade internacional
que deseja sua localização física em território neutro. Em matéria vinculada ao
Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br, criado para
implementar as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil –
CGI.br, Luca (2009, s.n) afirma que o maior problema do novo acordo está em
79
Reafirmar o compromisso de manter a sede da ICANN em solo
americano. Sujeito, portanto, às leis da Califórnia. Muitos
representantes do GAC 25
defendiam a transferência da sede para
um território neutro, com tradição diplomática, como alguns países
europeus ou escandinavos.
A partir disso, pode-se concluir que o ciberespaço se divide em dois grandes
grupos territoriais. O primeiro é a territorialidade material, relacionada à localização
dos instrumentos de acesso à rede mundial de computadores, conhecidos como
Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, e o segundo é a territorialidade
imaterial, composta das comunidades culturais que se legitimam nos espaços da
informação, que Pierre Lévy atribuiu o nome cibercultura, conceito que veremos
mais detalhadamente à frente. Relembrando o proposto por Haesbaert (2011), é
possível, pela lógica zonal e pela lógica reticular, estabelecer o ciberespaço como
território.
3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM?
Para introduzir a concepção de ciberespaço como território-rede, é preciso
primeiro entender o que é um território-rede, e para isso, deve-se observar as
reflexões de Haesbaert (2011, p. 279) no que diz respeito aos territórios modernos.
Segundo o geógrafo,
Talvez seja esta a grande novidade da nossa experiência espaço-
temporal dita pós-moderna, onde controlar o espaço indispensável à
nossa reprodução social não significa (apenas) controlar áreas e
definir ‘fronteiras’, mas, sobretudo, viver em redes, onde nossas
próprias identificações e referências espaçosimbólicas são feitas não
apenas no enraizamento e na (sempre relatividade) estabilidade,
mas na própria mobilidade [...] Assim, territorializar-se significa
também, hoje, construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referências
simbólicas num espaço em movimento, no e pelo movimento.
Observa-se, a partir das concepções expostas acima, que o território-rede
está diretamente relacionado à mobilidade de um território, principalmente na
experiência social contemporânea de globalização, em que os sistemas de
transporte e de comunicação conectam-se e desconectam-se em pontos distintos,
25
O GAC, de acordo com o próprio site <gac.icann.org>, é um comitê consultivo da ICANN, criado de
acordo com o Estatuto da ICANN. Ele aconselha a ICANN sobre aspectos de políticas públicas de
suas responsabilidades, com relação ao Sistema de Nomes de Domínio da Internet (DNS).
80
em tempo real. Nesse sentido, é válido pontuar que o território-rede não é
exclusividade do presente século. Haesbaert (2011) demonstra, por exemplo, que a
forma mais tradicional de territórios-rede existia e ainda existe entre os nômades que
exerciam/exercem o controle de um determinado espaço, por meio do movimento
entre certos pontos.
Contudo, Haesbert (2011, p. 280) pontua que “O que ocorre nos dias atuais é
que esta forma de território moldado fundamentalmente através do elemento ‘rede’
passou a dominar”. Dessa forma, Haesbaert (2011, p. 290) propõe como meio
eficiente de analisar a territorialização na modernidade a análise de dois elementos:
a Zona e a Rede. Por meio da lógica zonal (Zona) e da lógica reticular (Rede), seria
possível constatar duas formas de territorialização, sendo elas: “Pela lógica zonal, de
controle de áreas e limites de fronteiras”, em que se controla o espaço material por
meio de fronteiras e a “outra, pela lógica reticular, de controle de fluxos e polos de
conexão ou redes”, em que se controla o movimento.
Nesse sentido, Lima (2011, p. 16) esclarece ainda mais a demanda.
Os indivíduos ou grupos ocupam pontos variados nesse espaço e se
distribuem de forma aleatória, regular ou concentrada, conforme as
distâncias e as acessibilidades, resultando na interação entre os
locais. Essa interação se dá por meio da política, da economia, da
cultura e da própria ação social dos grupos e indivíduos envolvidos
no jogo da oferta e da procura permanentes. ‘Isso conduz a sistemas
de malhas, de nós e de redes que se imprimem no espaço e que
constituem, de algum modo, o território’.
Verifica-se que o estabelecimento de duas dimensões de análise adere
perfeitamente ao estudo do ciberespaço como território, posto que por meio da
lógica zonal seria possível analisar a estrutura material da rede, e pela lógica
reticular, analisar as interações e territorialidades que se formam por meio do
movimento em rede.
Diante da percepção de que o espaço digital é passível de estudo geográfico
e tomando o modelo de análise de Haesbaert, é possível analisar as duas grandes
divisões presentes na rede. A princípio, para entender como se dá o território em
rede, far-se-á uma analogia desta com as estradas, que muito se assemelham às
redes digitais. Para isso, retornaremos às estradas romanas que foram construídas a
partir de 300 a.C. As estradas romanas eram infraestruturas físicas consideradas
vitais para a manutenção e desenvolvimento do Estado Romano. Elas eram não só
81
um símbolo de dominação, mas uma visível marca da expansão e consolidação da
República Romana e do Império Romano. A expressão popular “todos os caminhos
levam a Roma” originou-se justamente desse marco. De acordo com Rodrigues
(2004, p. 15),
A construção de estradas foi indubitavelmente uma das grandes
preocupações da civilização romana e talvez um dos seus maiores
legados. A edificação destes eixos, que numa fase incipiente
assentava em fins estratégico-militares, foi um factor manifestamente
determinante para a romanização e desenvolvimento de redes
comerciais no território que dominavam.
Nesse passo, é necessário ainda pontuar que, de acordo com Soutinho
(2004), os romanos construíam diferentes tipos de vias para as mais diversas
finalidades como, por exemplo, a Via Publicae, estradas que tinham finalidades
militares e/ou consulares, e a Viae Agrari, estradas que tinham a finalidade de
atender às propriedades agrícolas e/ou privadas.
Destaca-se, entre as vias, uma das principais e mais importantes para a
manutenção de Roma, os cursus publicus, as vias destinadas ao serviço postal
romano. Por meio delas, o correio imperial assegurava o transporte de encomendas
e documentos oficiais/administrativos no Império Romano. Observa-se que a malha
de rede viária romana era uma estrutura física que permitia os fluxos de
mercadorias, pessoas e informações. A partir desses fluxos, era possível observar a
formação de culturas e a construção de novas relações políticas e sociais.
O motivo de voltar na história é simples. O conceito que se quer estabelecer
de território do ciberespaço muito se assemelha às malhas de redes de estradas
romanas, sendo possível observar o território estrutural da rede a partir de sua
existência material. Tal qual as estradas romanas, que possuíam estruturas viárias
com finalidades militares, comerciais, etc, temos as backbones com finalidades
comerciais, acadêmicas, etc.
Além disso, a partir da estruturação da malha viária romana, foi possível
estabelecer os terrirórios/territorialidades humanos(as), em que se estabeleceu o
fluxo de pessoas, culturas, mercadorias e suas atividades/relações, a partir do
espaço. Assim como na malha de rede viária romana, na malha em rede pode-se
observar a formação de territórios/territorialidades humanos(as), que estabelecem
relações comerciais, políticas, sociais e etc. Nesse passo, a partir da analogia das
82
estradas, é possível aprofundar nas duas grandes divisões existentes no
ciberespaço, a começar pelo território estrutural.
3.2.1 Território estrutural da rede
Para compreender o território estrutural da rede, deve-se entender a sua
origem, seu significado, sendo que, de acordo com o Dicionário Dicio (2009, s.n),
rede é um “tecido de malha com aberturas regulares, feita pelo entrelaçamento de
fibras que são ligadas por nós ou entrelaçadas nos pontos de cruzamento”. Após
verificar tal definição, pode-se estabelecer a rede como um grande território
estrutural, em que as fibras equivalem aos sinais de satélites, cabos de fibra, micro-
ondas e fios que se entrecruzam e se conectam por meio dos nós, que são as
Tecnologias da Informação e comunicação (TICs), ou seja, os computadores, os
servidores, os smartphones e outros instrumentos. Uma vez que a rede por si só
corresponde ao que nesta dissertação chamamos de território estrutural, é viável
afirmar que esta é o receptáculo da territorialidade humana que se forma por meio
do estabelecimento dessas estruturas.
Apesar de a rede possuir um papel fundamental na globalização, na
integração dos blocos econômicos e na aproximação dos Estados, sua disposição
geográfica possui grandes desafios para conciliar a vontade das entidades
internacionais. Diante do fato de que a origem da rede ocorreu em território
estadunidense, é provável afirmar que o ciberespaço é substancialmente dominado
pelos EUA.
Como dito anteriormente no item 2.1, as leis válidas a serem aplicadas na
utilização da internet, por meio da ICANN e da IANA, são as do lugar onde está
localizada em seu estado estrutural, apesar de sua governança ser internacional.
Diante de uma rede que se fez global, o território estrutural da rede ou território dos
elementos de estrutura da rede tornou-se demasiadamente importante no contexto
global, transformando-se em objeto de desejo das mais variadas nações e
corporações privadas. Na modernidade, o enorme fluxo de informação converteu-se
no novo espaço vital ou lebensraum para os Estados, tal qual a definição de Ratzel
(1990) abordada no capítulo primeiro da presente dissertação. Ratzel (1990) já
afirmava a necessidade de haver equilíbrio entre a extensão territorial e seus
recursos em relação à quantidade demográfica. Nesse sentido, a configuração
83
espacial dos elementos da rede mundial de computadores tornou-se assunto de
Estados.
Ademais, o território estrutural não se resume aos grandes impasses globais.
Observa-se a importância no dia a dia de cada pessoa, da disposição de certos
serviços que se transformaram em ferramentas estratégicas de condução do ciclo
diário de vida de cada indivíduo, em que os meios de comunicação se tornaram
essenciais para movimentar os grandes centros de poder.
Tal processo é perceptível em grande parcela do mundo, sobretudo nos
grandes centros de poder, onde os governos e a iniciativa privada buscam
constantemente modernizar suas redes de comunicação. No Brasil, a expansão do
território estrutural da rede teve origem no engajamento estatal, sobretudo com a
iniciativa militar por meio da EMBRATEL, que modernizou as redes de
telecomunicação e, aos poucos, se empenhou em transformá-la em redes
teleinformáticas para a troca e para o fluxo de dados.
Nota-se que a disposição geográfica dos elementos estruturais da rede segue
a lógica do fluxo de poder econômico, político, social e cultural. É possível observar,
a partir de sua disposição, que os grandes centros de poder são onde se passa
grande fluxo de dados, informação e comunicação. A exemplo disso, podemos ver a
backbone brasileira e sua estrutura localizada nas cidades que possuem grande
poder econômico, político, cultural e/ou social.
Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância.
Fonte: Infraestrutura Backbones de Longa Distância. TELECOMUNICAÇÕES, Atlas
brasileiro. Converge Comunicações/Teletime. Ipsis, São Paulo, 2014.
84
Figura 9. Concentração do PIB dos municípios.
Fonte: Agência de Notícias IBGE. Concentração do PIB dos municípios. 2018.
Figura 10. Censo demográfico 1940/2000.
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2000 e Sinopse do Censo Demográfico 2010. In:
IBGE. Sidra: sistema IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro, 2011.
85
Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia).
Fonte: Elaboração própria. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8
(Demografia). 20 de jan de 2021.
Percebe-se que os nós da rede estão quase sempre localizados em grandes
centros demográficos e grandes polos econômicos, sobretudo em seus pontos de
interconexão. Nesse sentido, é possível observar que, na modernidade, o território
estrutural da rede é parte essencial para o desenvolvimento de uma sociedade, uma
vez que a troca de informação e a comunicação é fundamental para a tomada de
decisão. Nesse Sentido, Pierre Lévy (2010, p. 170) afirma que “O ciberespaço,
interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal
infraestrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos”.
É válido pontuar, também, que o território estrutural da rede está em
constante mudança. Segundo a concepção de Haesbaert (2011), os territórios-rede
se estruturam e se desestruturam de acordo com a dinâmica espaço/tempo. Tais
movimentos se dão em consequência de diversos fatores, dentre eles os sociais,
políticos, econômicos, tecnológicos, etc. Percebe-se os movimentos estruturais da
rede mediante os estudos relacionados ao ciclo de vida das tecnologias de Bent
(2002). Nesse passo, constata-se a ascenção e a queda das TICs relacionadas à
indústria da telecomunicação móvel à medida que novas tecnologias são produzidas
e introduzidas no mercado.
86
Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel.
Fonte: BENT, Dalum; ØSTERGAARD, C.; VILLUMSEN, G. Ciclos de vida tecnológicos:
Clusters regionais que enfrentam perturbações. (DRUID Working Paper, No. 10), 2002, p. 5.
A afirmação de Haesbaert (2011) no que tange ao movimento de a rede se
estruturar e se desestruturar toma por influência Deleuze e Guattari (1997), filósofos
que se atentaram aos processos constantes de desterritorialização e
reterritorialização no espaço. Para estes, o território se encontra em um processo
constante de tornar-se e desfazer-se. Diante dessa influência, Haesbaert (2011) vê
que os territórios que passam por essas constantes transformações darão lugar a
uma sociedade da informação globalizada ainda mais dinâmica, entrando em cena,
na modernidade, o conceito de território-rede em que predominam os processos de
desterritorialização e reterritorialização em grande velocidade, por meio de
complexas redes flexíveis e fluxos constantes de informação que conectam pontos
distintos no espaço.
Nesse momento, é possível afirmar, assim como Haesbaert (2011) em sua
concepção sobre rede-território, que a rede passa a assumir papel tão importante na
sociedade moderna e atinge uma extensão tão extraordinária, que passa a ser, per
si, um território que passaremos a chamar de território estrutural da rede. Uma vez
abordado o primeiro elemento do espaço digital, é possível introduzir o seu segundo
elemento de formação, que Pierre Lévy (2010) chama de cibercultura, e aqui
chamaremos de territorialidade humana da rede.
87
3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede
Para Haesbaert (2011, p. 279), “é possível identificar um ‘território no
movimento’ ou ‘pelo movimento’, onde poderíamos afirmar, um tipo radical de
território-rede que se aproxima de uma noção de ‘rede-território’, tamanha a
importância da rede na formação territorial [...]”. Nesse sentido, observa-se que a
rede já possui uma importância considerável na formação territorial moderna, uma
vez que esta se faz presente na vida de grande parte da população e movimenta
grande parcela da economia, da cultura e das relações na sociedade moderna.
Como dito anteriormente, o ciberespaço é formado pelos dados, pelas
informações e pelo conhecimento, sendo a transferência destes entre os usuários,
uma de suas principais funções. Usuários ou utilizadores são pessoas, entidades,
agentes ou organizações que usufruem de um determinado tipo de serviço e podem
ser classificados segundo a área de interesse. Nesse sentido, o território estrutural
da rede, tal qual uma grande cidade, possui seus habitantes que transitam, fazem
compras, conversam, trabalham e se manifestam, de acordo com seus interesses de
busca. Valendo-se da analogia, é possível afirmar, também, que os usuários são
como os habitantes da grande cidade em rede, ou seja, são os habitantes do
território estrutural da rede.
Uma vez concebida a ideia de um território estrutural da rede como o
receptáculo da territorialidade humana, percebe-se com mais facilidade o movimento
humano presente na rede. Diante dessa concepção analógica da cidade, pode-se
afirmar que, se a estrutura da rede corresponde a uma cidade, as interações dos
usuários da rede resultam na formação da territorialidade e, consequentemente, no
estabelecimento de um território digital dos mais distintos grupos humanos. Tal
afirmação relembra as concepções de Turra Neto, ao dispor sobre a formação
organizacional das microterritorialidades em espaços urbanos.
Nota-se que a territorialidade digital possui características sui generis, uma
vez que apresenta uma extensão global e seus membros transitam pelas mais
variadas dimensões de territorialidades, tornando-se um território legítimo no
movimento e pelo movimento dos dados, das informações, do conhecimento e da
comunicação entre os usuários. Sobre isso, passaremos a discorrer a seguir.
88
Segundo Haesbaert (2011, p. 348),
A condição pós-moderna, podemos afirmar, inclui uma outra
multiterritorialidade, resultante do domínio de um novo tipo de
território, o território-rede em sentido estrito ou, no seu extremo, a
rede território. Aqui a perspectiva euclidiana de um espaço-superficie
contínuo praticamente sucumbe à descontinuidade, à fragmentação
e à simultaneidade de territórios que não podermos mais distinguir
claramente onde começam e onde terminam ou, ainda, onde irão
“eclodir” [...]. As redes, principalmente as redes informacionais ou
virtuais, possibilitam – dependendo da classe e do grupo social – um
jogo territorial inédito, onde existe a potencialidade, a todo momento,
de recombinar (e “descombinar) territórios em uma nova
multiterritorialidade.
Observa-se, segundo a afirmação do geógrafo, que na pós-modernidade, a
complexidade de seus territórios resultou na sobreposição de diferentes lógicas e
dimensões organizacionais. Nesse passo, não é difícil afirmar que diferentemente
dos territórios “convencionais”, os territórios em rede se formam a partir de diferentes
lógicas, sendo a principal diferença, a formação a partir dos centros de interesses
que surgem por meio da comunicação de diferentes usuários. De acordo com
Baitello Junior (1998, p. 11), “o que se denomina ‘comunicação’ nada mais é que a
ponte entre dois espaços distintos”. Diante disso, é possível compreender que a
territorialidade humana em rede se forma a partir da comunicação entre os usuários
da rede que se conectam nos mais distintos pontos do espaço, e que por meio da
troca de informações e conhecimentos, estabelecem vínculos de interesses.
A territorialidade humana da rede, apesar de suas mais variadas dimensões,
se dá sobretudo por meio do que Lévy (2010, p. 17) chamou de cibercultura.
Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos
de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço.
Os vínculos de interesses em comum formam as “comunidades” sociais na
rede, ou seja, os usuários ocupam e se apropriam dos espaços em rede para formar
e legitimar seus territórios históricos, simbólicos, identitários, culturais (idem), de
forma fluida e muitas vezes sobrepostas, em que os usuários se unem por meio das
centralidades de “gostos em comum”.
89
De acordo com Lévy (2010, p. 103),
Ao dar uma visibilidade a estes grupos de discussão, que são feitos e
desfeitos o tempo todo, o ciberespaço torna-se uma forma de
contatar pessoas não mais em função de seu nome ou de sua
posição geográfica, mas a partir de seus centros de interesses. É
como se as pessoas que participam das conferências eletrônicas
adquirissem um endereço no espaço móvel dos temas de debates e
dos objetos de conhecimento.
Nesse sentido, é possível observar a formação de milhões de
microterritorialidades e multiterritorialidades baseadas em centros de interesses.
Ainda é válido pontuar que, na dinâmica de rede, as territorialidades humanas se
formam e se desfazem de forma mais dinâmica, posto que a consistência desses
grupos depende dos vínculos que se formam a partir dos interesses.
Segundo Haesbaert (2004, p. 372),
[...] o que está dominando é a complexidade das reterritorializações,
numa multiplicidade de territorialidades nunca antes vista, dos limites
mais fechados e fixos da guetoficação e dos neoterritorialismos aos
mais flexíveis e efêmeros territórios-rede e multiterritórios da
globalização.
Sendo a rede um processo constante de tornar-se e desfazer-se, de
desterritorializar-se e reterritorializar-se, em uma multiplicidade e capilaridade nunca
antes vista, é possível observar que Virilio (1984), Lévy (2003), Haesbaert (2011) e
Castells (2019) foram precisos em suas concepções de território no mundo digital.
Na modernidade, ou pós-modernidade, os territórios em rede ou territórios humanos,
citados nesta dissertação, são extremamente fluidos, o que nos remete a Bauman
(2001), ao abordar os conceitos de Richard Sennett.
Na clássica definição de Richard Sennett, uma cidade é um assenta-
mento humano em que estranhos têm chance de se encontrar. Isso
significa que estranhos têm chance de se encontrar em sua condição
de estranhos, saindo como estranhos do encontro casual que termi-
na de maneira tão abrupta quanto começou. [...] No encontro de es-
tranhos não há uma retomada a partir do ponto em que o último en-
contro acabou, nem troca de informações sobre as tentativas, atribu-
lações ou alegrias desse intervalo, nem lembranças compartilhadas:
nada em que se apoiar ou que sirva de guia para o presente
encontro. O encontro de estranhos é um evento sem passado. Fre-
quentemente é também um evento sem futuro (BAUMAN, 2001, p.
121).
90
É possível observar que, apesar da volumosa quantidade de fluxo de
usuários, as interações entre os indivíduos, tal qual em uma grande cidade, quase
sempre se limitam, inicialmente, aos interesses, visto que a formação de um grupo
necessita do engajamento de alguns desconhecidos. Contudo, a formação de
grupos em rede foi impulsionada pelos algoritmos das redes sociais que se
popularizaram em todas as camadas, onde o sistema busca aproximar os usuários
com interesses semelhantes e afastar aqueles com diferentes interesses.
Dessa forma, os processos de interações humanas com base no interesse
resultam em organizações territoriais que impactam diretamente na realidade do
mundo de vida, por meio da massificação da cultura e do conhecimento, da
dispersão de um denominador comum da inteligência coletiva. Nesse passo, as
centralidades de usuários que possuem uma grande densidade de fluxos em um
único sentido de interesse, acabam por polarizar a organização espacial na rede e
na realidade, sendo este um dos principais problemas tratados na presente
dissertação: a territorialidade humana na rede e como o excesso de grandes
densidades de interesses homogêneos reagem na realidade cotidiana da sociedade,
demonstrando que muito mais que uma ferramenta de comunicação, os fluxos em
rede possuem uma função na preservação da liberdade de expressão.
Uma vez que os usuários em rede são os indivíduos que vivem no mundo de
vida, é possível afirmar que ciberespaço compreende um espaço que é capaz de
gerar mudanças territoriais significativas no mundo de vida, sobretudo no tocante ao
comportamento humano e à influência de seus atos, ou seja, as territorialidades
humanas em rede se estendendo aos territórios materiais do mundo de vida.
3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS 26
Algoritmos são uma sequência finita de ações executáveis que visam obter
uma solução para um determinado tipo de problema. Apesar de estar se tratando de
concepções geográficas em rede, não se deve esquecer que os centros de interesse
em rede são regidos por códigos de computadores, linhas de programações e
26
Bolha social é um fenômeno que ocorre no meio digital em virtude de um algorítimo que aproxima
pessoas que pensam de forma igual e afasta pessoas que pensam de forma diferente. Seu uso é
muito comum em redes sociais que procuram aproximar as pessoas através de seus interesses em
comum.
91
algoritmos, sendo importante novamente relembrar Haesbaert (2011), no que tange
às novas lógicas dos territórios e territorialidades pós-modernos.
A internet, tendo por objetivo o compartilhamento de informações entre os
usuários, possui, sobretudo nas redes sociais, o algoritmo baseado na aproximação
de pessoas com gostos semelhantes e no distanciamento de pessoas que possuem
gostos diferentes. De acordo com Junior e Pellizzari (2019, p. 57),
Como os algoritmos são abastecidos de dados pessoais,
geográficos, padrões de uso das aplicações informáticas e uma série
de outros insumos gerados pela utilização das ferramentas
computacionais dos usuários das aplicações de internet, há uma
probabilidade bastante elevada de que esses algoritmos confinem,
cada qual, num ambiente moldado exclusivamente pelo reflexo de si
próprio.
Uma vez que as territorialidades se formam a partir dos centros de interesse,
é possível observar que as redes sociais facilitam e induzem esse processo de
busca, em que o algoritmo aprisiona o usuário entre seus semelhantes. Para uma
rede social, o algoritmo de bolha pode ser vantajoso, já que muitos dos usuários
tendem a consumir mais tempo em suas plataformas quando acessam conteúdo
relacionados aos seus gostos.
A partir da formação dos centros de interesse e das milhões de
territorialidades humanas em rede, que passamos a chamar de multiterritorialidade
humana, é possível verificar, também, que os movimentos em redes com base nos
algoritmos favorecem transformações diretas no mundo de vida. Apesar de as
bolhas sociais contribuírem, quase sempre, com uma visão uníssona, percebe-se
em alguns casos, as bolhas de interesse “estourando” e superando as barreiras do
ciberespaço, atingindo toda comunidade virtual em um ciberativismo 27
e
transpassando o mundo de vida.
3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA
Com a expansão e a multiplicação dos territórios e territorialidades em rede
baseados em centros de interesse, é possível observar os próprios usuários
engajados em trocar ideias, debater questões, denunciar abusos e exigir direitos,
27
Ciberativismo é um tipo de ativismo, que utiliza as redes cibernéticas como a Internet para a
organização, mobilização e divulgação de causas políticas, culturais, sociais ou ambientais.
92
sendo esses movimentos legítimos e democráticos. Nesse sentido, é válido lembrar
o fenômeno da Primavera Árabe, que de acordo com matéria vinculada no site da
Agence France-Presse (2013), iniciou na Tunísia, quando um jovem tunisiano
chamado Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto
contra as condições de vida em seu país.
As imagens tiradas de seu protesto “estouraram” as bolhas das mais variadas
territorialidades em rede, desencadeando uma série de revoltas e manifestações
contra o governo, advinda dos mais variados grupos de pessoas/usuários, forçando
o presidente Zine el-Abdine Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita. O alcance e as
consequências do que hoje chamamos de Primavera Árabe jamais teriam sido tão
impactantes sem a presença da internet e do ciberativismo, formado por meio de
grupos em rede, unidos por centros de interesses.
Dessa forma, Soengas-Pérez (2001, p. 52) afirma que:
Os jovens árabes tiveram um papel importante na gestão e no
desenvolvimento das revoltas de 2011, por meio da Internet e das
redes sociais. E partimos da hipótese de que a contribuição deles
para a mudança política e social, por meio das redes sociais,
continua sendo decisiva. Então, agora, depois de mais de cinco
anos, é interessante ver qual é o papel do ciberativismo em uma
sociedade conturbada e qual é a opinião dos ciberativistas da época
sobre a situação atual28
(tradução nossa).
O poder do ciberespaço de encaminhar a formação de territorialidades
humanas baseadas em grupos de interesses é tão intenso, e seu impacto no mundo
de vida é tão real que o governo do Egito, beirando o colapso, ao perceber o poder
do ciberativismo em coordenar as massas por meio dos grupos de interesses,
“desligou” a internet em todo o seu território como uma tentativa de cessar os fluxos
de trocas de informação entre os usuários. Segundo Pavlik (2011, p.15), “no Egito,
as autoridades tentaram acabar com os distúrbios ao cortar o serviço da Internet.
Ironicamente, esta ação poderá ter alimentado ainda mais a revolta, ao tornar os
cidadãos mais raivosos”.
28
los jóvenes árabes han tenido un protagonismo importante en la gestación y en el desarrollo de las
revueltas de 2011 a través de Internet y de las redes sociales. Y partimos de la hipótesis de que su
contribución al cambio político y social a través de las redes sociales sigue siendo determinante. Por
eso ahora, pasados más de cinco años, interesa comprobar cuál es el papel del ciberactivismo en una
sociedad convulsa, y cuál es la opinión de los ciberactivistas de entonces sobre la situación actual.
93
Diante de tal reação e de novos paradigmas e sujeitos de direito, é possível
observar como a tecnologia se tornou essencial para a manutenção e melhoramento
da democracia e como a formação da multiterritorialidade em rede e o fluxo de
informação possuem um papel essencial no progresso da liberdade.
3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE
De fato, a formação de bolhas, à primeira vista, não representa nenhum mal,
já que aproxima pessoas com visões, concepções e percepções semelhantes e gera
mudanças significativas na realidade. Contudo, é possível observar, em uma
segunda via, a formação de uma segregação baseada em objetos inerentes à
personalidade humana, como as ideias, as visões políticas, as visões ideológicas,
dentre outras, formando o que hoje chamamos de polarização.
Antolhos é o nome que se dá ao acessório que se coloca no animal de
montaria ou carga para limitar sua visão e forçá-lo a olhar apenas para a frente.
Devido a esse acessório, o animal caminha apenas no sentido que o condutor
direciona sua cabeça. Quando os usuários diariamente veem suas ideias e
percepções serem afirmadas e reafirmadas pelos seus centros de interesses, pela
sua bolha social e pelos outros usuários que se aproximam devido ao algoritmo, é
perceptível um claro desequilíbrio pela ausência de um contraponto, de um debate
ou de uma discussão, favorecendo o enraizamento de uma única e inflexível visão,
efeito semelhante aos antolhos que se coloca em animais de montaria. John Stuart
Mill, um grande filósofo defensor da liberdade e economista britânico, realça em
suas ideias o valor do debate. Para ele, as pessoas,
[...] na ausência de debate, não apenas se esquecem os
fundamentos das opiniões, mas ainda, muito frequentemente, o
próprio significado delas. As palavras que as exprimem cessam de
sugerir ideias, ou sugerem só uma pequena parte das que
originalmente se destinavam a comunicar. De uma concepção
energética e de uma crença viva, sobram apenas umas poucas
frases sabidas de cor, ou, se sobra mais, é a casca, o invólucro
somente do significado, que se retém, perdendo-se a essência mais
pura (MILL, 2019, p. 74).
No mesmo sentido, Jhon Locke, importante filosofo inglês, ao discorrer sobre
a opinião como ferramenta para se combater a guerra das religiões, afirma que
94
Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a
recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se
poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que
se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião (LOCKE,
1983, p. 27).
Diante de um ambiente cada vez mais hostil aos que pensam diferente, onde
a percepção uníssona, sem contraponto e sem debate se enraíza, é possível
observar uma forma moderna do fenômeno da mídia hostil. De acordo com Vallone
(1985), o fenômeno da mídia hostil foi um estudo 29
que buscava entender a
percepção humana diante das notícias do massacre de Sabra e Chatila, a partir de
seus posicionamentos pessoais. Para contextualizar a pesquisa, o massacre de
Sabra e Chatila foi efetuado contra os refugiados civis palestinos e libaneses pe-
la milícia cristã, como retaliação pelo assassinato do presidente eleito do país. O
evento ocorreu nos campos palestinos de Sabra e Chatila, situados na periferia sul
de Beirute, área que se encontrava então sob ocupação das forças
armadas de Israel. Cada grupo culpou o outro pelo ataque; os Israelenses culparam
os Libaneses e os Palestinos culparam os Israelenses.
Dessa forma, os pesquisadores utilizaram a cobertura do massacre de Sabra
e Chatila, feita pela imprensa, para analisar a percepção humana. Os pesquisadores
apresentaram exatamente os mesmos noticiários para pessoas que se dividiam em
três grupos: o primeiro grupo possuía opiniões neutras; o segundo grupo era pró-
Israel e o terceiro grupo era pró-Árabe.
Assim,
O nosso objetivo era estudar as respostas dos observadores pró-
árabes e pró-israelenses a uma amostra específica, bastante extensa
e altamente absorvente de cobertura da mídia: determinar
29
Os sujeitos que participaram da pesquisa foram 144 alunos da Universidade de Stanford que
tinham opiniões iniciais variadas sobre o Oriente Médio e foram recrutados em um período de 6
semanas após esses eventos, para participar de um "estudo da cobertura da mídia sobre o conflito no
Líbano". Membros de associações estudantis pró-árabes e pró-israelenses foram recrutados
especificamente para aumentar a amostra básica de alunos tirada de aulas introdutórias de
psicologia. Antes de ver os segmentos de notícias gravados em vídeo, os participantes responderam
a um questionário no qual avaliavam, entre outras coisas, seu conhecimento factual sobre o
massacre de Beirute e seus antecedentes históricos. No estudo, foram utilizados seis segmentos de
notícias da cobertura da televisão durante o período que começa com a mudança de Israel para o
oeste de Beirute, em 15 de setembro de 1982. Esses seis segmentos de cobertura gravados em
vídeo, foram apresentados em ordem cronológica, oferecendo 36 minutos dedicado quase
exclusivamente ao massacre de Beirute e as questões da responsabilidade israelense pelas vítimas
civis. Mais detalhes da pesquisa disponível em: < https://www.ssc.wisc.edu/~jpiliavi/965/hwang.pdf>
Acesso em: 04 de jan. de 2021.
95
exatamente como as suas percepções e avaliações dessas
apresentações na mídia diferiam, e como tais diferenças se
relacionavam com as percepções do viés da mídia 30
(VALLONE,
1985, p. 579, tradução nossa).
Os resultados da pesquisa revelaram que a consciência de certo fato resultou
em diferentes vertentes de percepções, de acordo com as preferências pré-
concebidas, como por exemplo, preferências políticas e ideológicas. Nesse sentido,
os pesquisadores concluíram que o grupo de pessoas, “pró-árabes geralmente viam
os programas como tendenciosos a favor de Israel”; já o grupo de pessoas “pró-
israelenses viram os mesmos programas como tendenciosos contra Israel”; e o
grupo de pessoas neutras “mantiveram pontos de vista sobre o viés da mídia que
está a meio caminho entre os pontos de vista dos dois grupos”. Nota-se que assim
como o fenômeno da mídia hostil em que a percepção de mundo se direciona de
acordo com os conceitos pré-estabelecidos dos indivíduos, a bolha favorece o
fortalecimento de uma percepção uníssona e desequilibrada do próprio
indivíduo/usuário.
Segundo Junior e Pellizzari (2019, p. 58),
É possível afirmar que os usuários estão sendo levados a uma
experiência de entropia que, para a psicologia social (MOUAMMAR;
BOCCA, 2011, p.442), inspirada na segunda lei da termodinâmica da
física moderna, se refere ao princípio de que, a cada novo
ajustamento ou transformação na conduta social, a energia
disponível para futuros ajustamentos declina cada vez mais, até um
ponto em que todo o comportamento tornar-se-á estático. E o
conceito de estático deve aqui ser compreendido como um legítimo
confinamento virtual, no qual o algoritmo aprisiona os indivíduos em
bolhas narcísicas, entre seus iguais. Necessário salientar que não foi
a Sociedade da Informação quem criou a tendência gregária entre os
humanos de procurarem seus similares, seus iguais para convívio,
estreitamento dos laços sociais, partilha de visões de mundo ou
ideologia. O que diferencia o momento atual é que esse
confinamento virtual é conduzido pelo algoritmo.
Ainda mais nocivos que o fenômeno da mídia hostil em que os indivíduos
interpretam o mundo com base em suas visões e opiniões de modo inflexível, os
algoritmos de bolha induzem os usuários a perderem o senso crítico e a reafirmarem
30
Our goal was to study the responses of pro-Arab and pro-Israeli observers to a specific, fairly
extensive, and highly engrossing sample of media coverage: to dermine exactly how their perceptions
and evaluations of these media presentations differed, and how such differences related to
perceptions of media bias.
96
cada vez mais suas opiniões e percepções.
Em consonância, Ribeiro (2018, p. 78) afirma que
Grande parte do conteúdo que circula por esses sites é produzido
por sites de notícia, mas o alcance das matérias depende
principalmente dos usuários que decidem o que compartilhar com
seus “amigos” e “seguidores”. A proliferação das chamadas notícias
falsas está intimamente ligada a uma dinâmica de polarização da
esfera pública que transforma o debate público num embate entre
duas narrativas.
Devido à ausência de um contraponto e até mesmo a indução de uma certa
rivalidade entre os usuários que pertencem a grupos distintos, prevalece o ambiente
perfeito para a disseminação das chamadas fake news, notícias criadas com o
propósito de confundir, desinformar, difamar, caluniar e/ou injuriar aqueles que
pensam diferente. Diante desse cenário próspero para a disseminação de fake
news, em que a polarização dividiu as massas e suprimiu qualquer possibilidade de
as pessoas discutirem ideias e debaterem questões de forma séria, a regulação
através do Direito/jurisdição surgiu como uma proposta eficaz para lidar com tal
problemática. Contudo, a questão é mais sensível do que aparenta ser, uma vez que
a jurisdição trabalha com termos e concepções e, nesse sentido, pergunta-se: o que
é fake news?
Compreender o que é fake news e entender o “porquê” de sua regulação se
tornou o objetivo dos centros de poder e será essencial para identificar qual é a
função dos fluxos de informação em rede. É exatamente este o tema que será
abordado no capítulo seguinte.
97
CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES
4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS
“Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Esta frase, em vários
artigos, livros e publicações é atribuída a Joseph Goebbels (1897-1945), o Ministro
da Propaganda do regime nazista. Não existem fontes que permitam confirmar a
autoria de Goebbels em relação à frase 31
, contudo, ela representa a grande
dificuldade proporcionada pela capilaridade da rede formada pela internet. Em uma
sociedade moderna, em que grande parcela dos indivíduos de uma população
possui acesso à rede, o disparo de notícias falsas acaba por se tornar “verdade”32
na
boca do povo em questão de segundos, tornando sua disseminação nociva,
especialmente nas multiterritorialidades humanas do ciberespaço, que compartilham
informações em seus grupos de interesses.
Diante desse novo desafio, as entidades jurídicas utilizam seu poder para
tentar diminuir e controlar esse fluxo de informação entre os usuários, sendo que tais
movimentos se tornaram uma das agendas prioritárias de alguns dos políticos, os
principais afetados pelo fenômeno que vem se estendendo desde 2016 e os que
mais veem o perigo de uma “ameaça totalitária” advinda do ciberespaço. Para
entender melhor a respeito desse fenômeno, deve-se abordar suas origens e
31
Não existem fontes que permitam confirmar a autoria de Goebbels em relação a frase: “Uma
mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Contudo, um artigo da autoria do ministro nazista
datado de 1941, se aproxima muito do conceito. No artigo, Goebbels acusa Churchill de usar a
técnica da "grande mentira", onde a autoridade repetia certas mentiras ou meias verdades até que se
“tornassem” as verdades compartilhadas pela boca do povo. De acordo com o Ministro Nazista; “O
espantoso é que o Sr. Churchill, um genuíno John Bull, mantém suas mentiras, e de fato as repete
até que ele mesmo acredite nelas. Esse é um velho truque inglês. O Sr. Churchill não precisa
aperfeiçoá-lo, pois é uma das táticas familiares da política britânica, conhecida em todo o mundo.
Eles fizeram bom uso do truque durante a Guerra Mundial, com a diferença que a opinião mundial
acreditava na época, o que não pode ser dito hoje.” Fonte: “Aus Churchills Lügenfabrik,” Die Zeit ohne
Beispiel (Munich: Zentralverlag der NSDAP, 1941), pp. 364-369.
32
Sabe-se que a discussão acerca da concepção da verdade é transcendental e histórica. Platão e
Aristoteles concebiam a verdade como sendo a exata correspondência de um enunciado com a
realidade da coisa por ele proferida. O rabino Jesus atrelou o conceito da verdade ao divino quando
afirmou; “eu sou a verdade e a vida”. Tomás de Aquino dizia que a verdade é a adequação entre o
intelecto e as coisas. Nota-se que a verdade é discutira em várias óticas diferentes, sobretudo através
da filosofia. Os ilustres examinadores, ressaltaram a importância de estabelecer uma abordagem
filosófica sobre a concepção da verdade para uma melhor análise sobre as fake news, contudo, na
presente pesquisa, optou-se por limitar o debate acerca da concepção da verdade unicamente
através de sua discussão sob a ótica política, uma vez que discorrer sobre a concepção filosófica
sobre a verdade extenderia a presente pesquisa a níveis mais profundos, os quais, não seria possível
abordar satisfatoriamente dentro do prazo estabelecido.
98
características.
De acordo com Ribeiro (2018, p. 72),
O conceito de “notícias falsas” é bastante disputado e não há, na
literatura acadêmica ou no discurso jornalístico uma definição que
seja amplamente aceita. Embora encontremos usos anteriores, foi na
cobertura da eleição presidencial americana de 2016 que o termo se
difundiu no seu sentido corrente. [...] A literatura hoje se divide entre
os que defendem o uso deste conceito, forjado no debate político e
na cobertura jornalística, e os que acham que ele é tão impreciso e
leva a tantos mal-entendidos que seria melhor encontrar algum termo
mais adequado.
No mesmo sentido, Gelfert (2018, p. 85), em consonância com Ribeiro,
destaca o quanto o termo fake news é controverso e necessita de esmerilhação.
É, com certeza, bastante natural que um termo tão recente e
controverso como fake news seja usado de uma variedade de
maneiras (às vezes conflitantes), tornando assim a análise conceitual
mais difícil. No entanto, se alguém sustentar que o termo se refere a
um fenômeno distinto e identificável, é ainda mais importante tentar
chegar a um entendimento conceitual com ele e, se necessário,
propor uma definição que pode então ser refinada no curso do futuro
debate acadêmico33
(tradução nossa).
Diante de um termo deveras conflitante, posto que sua definição abre margem
para diversos questionamentos, faz-se necessário pontuar que as fake news, apesar
de sua relevância nas eleições americanas de 2016, não são exclusividade do
presente século, sendo possível perceber sua evolução com o passar dos tempos.
Apesar de ser difícil identificar com precisão sua origem, é possível observar sua
“versão embrionária” para fins políticos ainda na República Romana, quando o
general político Marco Antônio (83–30 a.C.), da gens Antônia, motivado por rumores
e notícias falsas de que Cleópatra havia morrido, cometeu suicídio.
Segundo Apoliana Pereira da Silva (2008, p. 160),
Ao saber que Otávio estava rumando para Alexandria, Cleópatra
mandou Cesário para outra cidade com seu tutor, Coptos. Cleópatra
e Marco Antônio uniram suas cavalarias e, a princípio, conseguiram
33
It is, of course, quite natural that a term as recent and controversial as ‘fake news’ should be used in
a variety of (sometimes conflicting) ways, thereby making conceptual analysis more difficult. However,
if one holds that the term refers to a distinct and identifiable phenomenon, it is all the more important
to attempt to come to conceptual grips with it and, if necessary, put forward a definition that can then
be refined in the course of future scholarly debate.
99
conter as forças de Otávio. Porém, surgiram alguns rumores que
Cleópatra estava morta. Desesperado, Marco Antônio decidiu se
suicidar. Cleópatra, finalmente, percebendo que estava tudo perdido,
tentando evitar a sua humilhação perante Roma, tentou seduzir
Otávio. Ele resiste. Não tendo opções dignas, Cleópatra decidiu
suicidar-se.
Torna-se perceptível que, nos tempos da República Romana, os “rumores”
que conduziam as políticas internas muito se assemelhavam ao que hoje chamamos
de fake news. Ainda é possível observar, na República Romana, as fake news para
fins eleitorais. Quintus Tullius Cícero (102 a.C.–43 a.C.), um político e general
romano da gens Túlia, que atuou sob o comando de Júlio César durante as Guerras
Gálicas, em uma de suas cartas a seu irmão Marcus Tullius Cícero (106–43 a.C.),
intitulada como Commentariolum Petitionis ou "Pequeno comentário sobre eleições",
articula algumas técnicas para garantir uma vitória em certames eleitorais. Suas
articulações, apesar de terem sido realizadas há mais de dois milênios, são tão
modernas quanto nunca. A começar pela publicidade e a propaganda que possuem
uma ênfase especial durante toda sua obra, onde Cícero faz o seguinte comentário a
respeito do alcance das notícias sobre a campanha:
Você deve pensar constantemente em publicidade. Venho falando
disso ao longo de toda esta carta, mas é vital que você use todos os
seus recursos para espalhar a notícia da sua companha ao público
mais amplo possível. Seu talento de orador é crucial, assim como o
apoio daqueles que executam contratos públicos (CICERO, 2013, p.
110).
A publicidade é uma importante ferramenta em uma campanha eleitoral, e
desde aquela época, o alcance das campanhas eleitorais era de extrema
importância. Elas buscavam alcançar as mais diversas centúrias, desde as classes
plebeias até os aristocratas. Insta salientar que o objetivo das campanhas é
justamente angariar o máximo de pessoas possível a seu favor. Na modernidade,
por meio da capilaridade do território digital, a disseminação de campanhas e
informações se tornou mais fácil, chegando ao alcance de milhões de pessoas das
mais variadas camadas da sociedade, bastando apenas um ‘click’ para que as
notícias se espalhem pelas mais diferentes multiterritorialidades humanas em rede.
Para Cícero, o alcance da campanha era o ponto vital de uma vitória, não
muito diferente de hoje. Contudo, o que chama a atenção na carta de Cícero (2013,
100
p. 113) é a seguinte afirmação a respeito de como um candidato deveria se referir a
seus opositores: “Tampouco seria ruim fazê-las recordar que tipo de pilantras são
seus inimigos e difamar esses homens em toda a oportunidade por meio de crimes,
escândalos sexuais e corrupção que atraíram sobre si”.
Observa-se, a partir do tratado, que não muito diferente dos dias atuais, as
campanhas eleitorais eram munidas a partir da difamação do opositor, justamente o
mesmo aspecto que tornou as fake news um incômodo no período eleitoral
moderno, sobretudo para os políticos que participavam do pleito e reclamavam dos
danos causados à sua honra e reputação.
E é nesse momento que se indaga: qual o motivo da explosão de fake news
no mundo a partir de meados do ano de 2016? Cícero (2013, p. 110), em seu
tratado, já respondeu a essa pergunta, conforme sua supracitada ponderação: “[...] é
vital que você use todos os seus recursos para espalhar a notícia da sua companha
ao público mais amplo possível”.
Como dito anteriormente, a ferramenta mais importante de uma campanha é a
publicidade, isso se dá justamente devido a uma necessidade do candidato de
espalhar e alcançar o máximo de pessoas possível com suas propostas e
mensagens. Ocorre que, na modernidade, com o auxílio da rede mundial de
computadores, espalhar as campanhas e as difamações que geralmente escoltam o
palanque do discurso político, se tornou sobremodo fácil, devido à capilarização
resultante do acesso à rede, por meio das TICs.
4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO?
Como já exposto anteriormente, o ciberespaço é um local que se legitima por
meio da comunicação em virtude da troca de informações entre os usuários. Nesse
passo, inicia-se uma discussão epistemológica a respeito da informação. Como dito
antes, a definição de fake news possui raízes problemáticas, uma vez que não há
um consenso para sua definição. Diante disso, faz-se necessário entender o que é
informação e o que é desinformação, para logo em seguida, compreender a
concepção de fake news.
De acordo com as concepções do filósofo italiano Luciano Floridi (2002, p.
123), a filosofia da informação é
101
[...] o campo filosófico preocupado com a investigação crítica da natureza
conceitual e dos princípios básicos da informação, incluindo sua
dinâmica, utilização e ciências, e a elaboração e aplicação de
metodologias teóricas e computacionais de informação a problemas
filosóficos34
(tradução nossa).
Com relação ao ambiente da Filosofia da Informação, Floridi (2002, p. 138)
afirma que “Sobre o seu ambiente, a Filosofia da Informação é determinante e legisla
sobre o que pode ser contado como informação e como a informação deve ser
adequadamente criada, processada, gerenciada e usada” (Tradução de Ripoll,
2020). Diante dessa apresentação, é possível afirmar que a Filosofia da Informação
é a área da filosofia que produz conhecimento, com o objetivo de definir o que é uma
informação e articular o uso, a criação, o gerenciamento e o processamento da
informação de forma adequada.
De acordo com Ripoll (2020, p. 223),
Um dos pressupostos para o combate ou proteção das pessoas e
grupos sociais contra o avanço da desinformação é a diferenciação
entre a informação legítima e a falsa informação, ou má informação.
Por isso, o conceito de informação, sendo rigoroso a este ponto,
jamais poderia permitir a inclusão de informação falsa em seu
escopo.
Em seus estudos, Floridi faz uso de cinco grandes áreas da Filosofia da
Informação para abordar dezoito grandes problemas vitais existentes a respeito da
própria informação, sendo elas: Informação, semântica, inteligência, natureza e
valores. Dessas cinco áreas citadas, a mais importante é a semântica que circunda a
área de interesse ligada às fake news e o filósofo Floridi faz os seguintes
questionamentos: “Como os dados adquirem significado? Como um dado com
conteúdo adquire o valor de verdadeiro? A informação pode explicar a verdade? A
informação pode explicar o significado?” (RIPOLL Apud FLORIDI, 2020, p. 220).
Percebe-se, a partir dos problemas semânticos, que o valor da verdade é um
dos grandes dilemas filosóficos da informação, sobretudo no que concerne ao como
uma informação adquire o valor da verdade. Como dito anteriormente, ao citar
Rezende (2015, s.n), os “Dados são os registros soltos, aleatórios, sem quaisquer
34
[...] the philosophical field concerned with the critical investigation of the conceptual nature and basic
principles of information, including its dynamics, utilisation, and sciences, and the elaboration and application
of information-theoretic and computational methodologies to philosophical problems.
102
análises”. Diante do conceito-base de dados, deve-se relembrar as falas de Cândido
(2007, p. 16), ao afirmar que “Quando esta informação é trabalhada por pessoas ou
recursos computacionais possibilitando a geração de novos cenários chamamos a
isso de conhecimento [...]”. Com essa lógica, é possível assegurar que os dados são
objetos essenciais para a formação das informações e as informações são objetos
essenciais para a construção do conhecimento. Diante dessa disposição lógica de
estruturação, pode-se dizer que, para que uma informação seja verdadeira, deve-se,
a priori, ter um dado verdadeiro.
De acordo com Floridi (2013, p. 104), em seu livro, The philosophy of
information,
Dados bem formados e significativos podem ser de baixa qualidade.
Dados que estão incorretos (de alguma forma viciados por erros ou
inconsistências), imprecisos (noções básicas sobre como medir a
repetibilidade dos dados coletados) ou inacurados (precisão se refere
a quão próximo o valor médio dos dados está do valor 'verdadeiro')
ainda são dados, e muitas vezes são recuperáveis, mas, se não
forem verdadeiros, só podem constituir desinformação35
(tradução
nossa).
A condição para que uma informação seja verdadeira depende unicamente do
dado e não de sua decodificação. Dessa forma, Floridi entende que o conceito de
informação é falho em sua neutralidade, ou seja, no valor da verdade. De acordo
com o conceito de informação disseminado atualmente, esta acabaria por englobar
tanto a informação quanto a desinformação dentro de seu conceito. De acordo com
Ripoll (2020, p. 225),
Mesmo sendo falsa, a desinformação possui um significado que pode
ser apreendido e interpretado. Aí reside seu aspecto mais perigoso,
aliás, a confusão entre significatividade e verdade. Buscando
esclarecer possíveis confusões conceituais, é preciso ressaltar que o
conteúdo (content) é uma característica dos dados mesmo antes de
ser informação, e é por isso que a desinformação possui conteúdo
semântico (detém significado em um vocabulário), mas, por não ser
verdadeira factualmente, não corresponde a uma informação
semântica. Ou seja, não corresponde realmente a uma informação.
35
Well-formed and meaningful data may be of poor quality. Data that are incorrect (somehow vitiated
by errors or inconsistencies), imprecise (understanding precisions to how measure of the repetability
of collected data) or inaccurate (accuracy refers to how close the avarage data value ins to the 'true"
value) are still data, and they are often recoverable, but, if they are not truthful, they can only
constitute misinformation.
103
Nota-se que a diferença entre uma informação e uma desinformação é o que
se chama de verdade factual. Tal base remete justamente ao pensamento filosófico
de Hannah Arendt em suas concepções filosóficas sobre a verdade diante da
perspectiva política, em que a filósofa exalta a verdade factual.
Os factos estão para além do acordo e do consentimento, e toda a
discussão acerca deles - toda a troca de opiniões que se funda sobre
uma informação exacta - em nada contribuirá para o seu
estabelecimento. Pode-se discutir uma opinião importuna, rejeitá-la
ou transigir com ela, mas os factos importunos têm a exasperante
tenacidade que nada pode abalar a não ser as mentiras puras e
simples. O aborrecido é que a verdade de facto, como toda a
verdade, exige peremptoriamente o reconhecimento e recusa a
discussão enquanto que a discussão constitui a própria essência da
vida política (ARENDT, 1967, p. 13).
Nesse ritmo de análise puramente filosófico, é possível observar que as
notícias, por muitas vezes utilizarem dados inverídicos, se enquadram como
desinformação. Nesse passo, conclui-se que a primeira característica das fake News
é a ausência da verdade factual. Contudo, as notícias falsas não ganharam fama
única e exclusivamente devido à sua falta de veracidade, mas pelos interesses
escusos em sua disseminação para fins políticos.
Dessa forma, é necessário voltar a atenção para a segunda característica
presente nos moldes das fake News: a motivação e/ou finalidade. Para isso, deve-se
observar Lawrence Martin-Bittman, que foi vice-chefe da divisão de desinformação
da inteligência tcheca, que relata em seu livro The KGB and Soviet Disinformation:
Desinformação não é reconhecida como uma palavra no dicionário
do novo mundo do webster e, até recentemente, a imprensa
americana evitava o termo e falava em ação de conversão ou, mais
diretamente, "truque sujo". Na disputa etimológica sobre o
significado, muitas pessoas rejeitam a "desinformação" em favor da
"informação incorreta". O Dicionário Webster define desinformação
como informação falsa ou enganosa baseada em erro ou ignorância.
A grande enciclopédia soviética oficial define desinformação como "a
divulgação (na imprensa, rádio, etc.) de informação falsa com o
intuito de enganar a opinião pública". A interpretação é ligeiramente
distorcida porque a opinião pública é apenas um dos alvos
potenciais. Muitos jogos de desinformação são projetados apenas
para manipular a elite decisora, e não recebem publicidade. A
desinformação é um vazamento de mensagem falsa cuidadosamente
construída para o sistema de comunicação de um oponente para
enganar a elite que toma decisões ou o público. A desinformação
pode ser de natureza política, econômica, militar ou mesmo
104
científica. Para ter sucesso, toda mensagem de desinformação deve
corresponder, pelo menos parcialmente, à realidade ou aos pontos
de vista geralmente aceitos, especialmente quando a vítima é um
veterano experiente em tais práticas de propaganda36
(BITTMAN,
1985, p. 49, tradução nossa).
Diante da concepção aplicável ao que concebemos como fake news
atualmente, é possível pontuar que elas não passam de uma mera desinformação.
As fake news cumprem um papel de manipulação do público para um fim específico
e premeditado, como por exemplo, para fins eleitorais. Uma vez que o cenário
político se encontra desgastado por escândalos de corrupção e o algoritmo de bolha
tornou as pessoas incapazes de discutirem ideias, a desinformação encontrou o
ambiente perfeito para prosperar em rede. Nesse passo, é possível definir de modo
mais claro o termo fake news, como sendo notícias intencionalmente sem a verdade
factual, maquiadas pela credibilidade de um ente, órgão, jornal, associação (Idem) e
disseminada nas redes sociais como Twitter, Facebook, Whatsapp, etc, com
propósitos específicos. A partir dessa definição, constata-se o quão difícil perfaz uma
regulação para proibir a circulação dessas notícias. Trataremos disso, a seguir.
4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS – O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE UM
MODELO DE CENSURA
No Brasil, o fenômeno das fake news nas políticas eleitorais foi tão alardeado
pela mídia, que no dia 04 de setembro de 2019, de acordo com o portal de notícias
do Senado Federal, se instaurou a chamada Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPMI) das fake news, que tem por objetivo investigar a criação de perfis falsos e
ataques cibernéticos nas diversas redes sociais, com possível influência no processo
eleitoral e debate público. Nesse sentido, é válido destacar o quanto a territorialidade
36
Disinformation is not recognized as a word in webster's new world dictionary, and until recently, the
america press avoided the term and spoke of convert action or, more directly, "dirt tricks." In the
etymological disputer over meaning, many people reject "disinformation" in favor of "misinformation".
Webster's Dictionary defines misinformation as false or misleading information based on error or
ignorance. The oficial great soviet encyclopedia defines desinformation as "the dissemination (in the
press, radio, etc.) of false information with the intention to deceive public opinion." The interpretation is
slightly distorted because public opinion is only one of the potetial targets. Many desinformation game
are designed only to manipulate the decision-making elite, and receive no publicity. Disinformation is a
carefully constructed false message leak into an oponent's communication system to decive the
decisions-making elite or the public. Disinformation can be of political, economic, military or even
scientific nature. To succeed, every disinformation message must at least partially correspond to
reality or generally accepted views, especially when an intended victim is seasoned veteran of such
propaganda practices.
105
em rede, por meio de seus usuários, e o mundo de vida estão diretamente ligados à
origem das fake news, que resultaram em consequências, não só no sistema
eleitoral, mas também no sistema jurídico/político do mundo de vida. Nesse sentido,
é válido relembrar que, conforme pontuado no capitulo segundo da presente
dissertação, a territorialidade em rede se forma a partir da comunicação entre os
usuários. Esse movimento humano em rede de compartilhamento de informações,
somado ao algoritimo de bolha que forma os centros de interesses, resulta em uma
espécie de fenômeno da mídia hostil em rede, em que os usuários compartilham
com seus semelhantes apenas aquilo que agrada às suas ideologias e pensamentos
pré-concebidos, e isto quando não interpretam a notícia de forma tendenciosa.
Esse fenômeno, que ocorre no ciberespaço por meio da territorialidade
humana, tem gerado grandes debates no que tange à norma jurídica, visto que a
linha entre liberdade de expressão, controle da rede, proteção de dados e censura, é
muito tênue. O ciberespaço se firmou principalmente como um espaço de liberdade
de expressão. Contudo, diante desses novos paradigmas proporcionados pelo
fenômeno das fake news, a organização Freedomhouse percebeu novos
movimentos políticos, que são subprodutos desse fenômeno, em que os agentes
públicos, sob o discurso de combater às fake news, se aproveitam da situação para
impor o autoritarismo e passar leis de controle da rede, com o intuito de inibir a livre
expressão dos usuários. Devido a isso, a organização Freedomhouse, por meio do
pesquisador Shahbaz (2018), emitiu o seguinte parecer: “Ao longo do ano, os
autoritários usaram alegações de ‘notícias falsas’ e escândalos de dados como
pretexto para se aproximar do modelo chinês”37
.
Diante da nota emitida pela Freedomhouse, é perceptível que, apesar de a
caça às bruxas das chamadas fake news se tornar até certo ponto necessária, e
apesar de possuir uma motivação nobre, transformou-se no instrumento perfeito de
controle dos fluxos, de perseguição e de censura política.
Nesse sentido, Haesbaert (2011, p. 302), ao abordar os territórios rede,
afirma:
Como controlamos os fluxos? Não basta, sabermos muito bem
estabelecer barreiras físicas do tipo paredes, muros, cercas, limites-
fronteiras, embora estes continuem importantes e, em alguns casos,
37
Throughout the year, authoritarians used claims of ‘fake news’ and data scandals as a
pretext to move closer to the China model.
106
como no controle de fluxos migratórios, decisivos. Os fluxos
anteriormente dominantes eram principalmente fluxos materiais de
pessoas e mercadorias. Hoje as relações de poder mais relevantes
envolvem controle sobre fluxo de informações (ou de capitais fictício
‘informatizado’, como o que gira em torno de paraísos fiscais e
bolsas de valores) [...].
Tal fato se confirma principalmente por meio das tentativas constantes de
minar as garantias de proteção do usuário na rede, positivadas por meio da Lei nº
12.965/14 (BRASIL, 2014). A exemplo de tais tentativas, temos os projetos de lei
(PLs) que tramitam/tramitavam acerca do tema que, por exemplo, propõem a
exigência de utilização de cadastro de pessoa física (CPF) para usar WhatsApp
(Senado Federal - Projeto de Lei nº 113, de 2020), ou até mesmo a criação de
entidades verificadoras para avaliar o que é verdadeiro e o que é falso (Câmara dos
Deputados - Projeto de Lei nº PL 1.429/20), que muito se assemelham ao modelo
chinês de censura da internet conhecido como Great Firewall. É perceptível a
mesma justificativa de “proteger a sociedade das informações erradas” na criação da
Great Firewall chinesa.
De acordo com Chandel (2019, p. 111),
De acordo com a definição do governo chinês, a intenção por trás do
Projeto Escudo Dourado é apenas filtrar e censurar informações
erradas provenientes de fora da China para proteger a sociedade de
sua influência. Desde o seu início, há duas décadas, o projeto
evoluiu e se tornou um sistema altamente seguro e fortemente
monitorado, que é muito bem descrito pelo termo "o Grande
Firewall", pois fascina o resto do mundo38
(Tradução Nossa).
A priori, tais medidas parecem inofensivas e até mesmo nobres. Contudo, o
que começa como um simples controle para evitar a disseminação de falsas
informações por Facebook, Twitter e Whatsapp, ou o controle do que é verdadeiro e
do que é falso, caminha em direção à criação do que George Orwell chamava em
seu romance “Distópico”, 1984, de “Ministério da verdade”. Segundo a trama, o
Ministério da Verdade é o órgão responsável pela falsificação de documentos e
literaturas do passado. Esses documentos sempre têm que condizer com o que o
38
According to the definition of the Chinese government, the intention behind the Golden Shield
Project is only to filter and censor wrong information originating from outside of China to protect the
society from its influence. From the time of its inception two decades ago, the project has evolved and
turned into a highly secure, heavily monitored system which is very well described by the term, ‘the
Great Firewall’ as it mesmerizes the rest of the world.
107
Partido afirma ser verdade no presente. Seguindo essa lógica, o Partido seria
infalível aos olhos das pessoas, pois ele nunca erra e os documentos apresentados
às pessoas atestam tal infalibilidade.
A ficção não está muito distante da realidade quando se observa o que
Shahbaz (2018) chama de “modelo Chinês e Russo de Censura à internet”, visto
que ambos os países, Russia por meio da RuNet e China por meio da Great Firewall
se interessam em expandir sua rede internet própria e interna para facilitar o controle
dos fluxos de informação em seu território. No Brasil, alguns membros da CPMI
buscam quebrar o sigilo de identidade dos perfis na rede, ignorando a proteção dos
dados e dos pseudônimos sob o pretexto desses perfis não usarem uma identidade
verdadeira e, consequentemente, estarem violando a proibição do anonimato. Tais
resoluções propostas pela CPMI das fake news criam precedentes que dão base
para a perseguição que “escapa” do mundo digital para a realidade.
Precedentes são, de acordo com Larenz (1997, p. 611), “resoluções em que a
mesma questão jurídica sobre a qual há que decidir novamente, já foi resolvida uma
vez por um tribunal noutro caso”. Dito isso, é possível observar que os atos
praticados pelas autoridades devem sempre seguir as mesmas resoluções. Uma vez
que a proposição da regulação dos fluxos de rede causaria grande revolta à
comunidade de usuários, os políticos intentam regular a rede por meio da criação
dos precedentes, e da judicialização de causas relacionadas às fake News. Os
políticos tentam a todo momento se imunizar de críticas e silenciar as pessoas que
se manifestam na internet e cada vez mais buscam meios para tal.
Nesse sentido, para auxiliar os estudos sobre a função social dos fluxos de
informação, e consequentemente da liberdade de expressão em rede, realizou-se
uma pesquisa com os termos “liberdade de expressão”, “fake news” e “notícia falsa”,
na Plataforma Jusbrasil. Os resultados são demonstrados no GRÁFICO 1.
108
Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas
às Fake News.
Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil –Quem mais se engajou em movimentar
peças processuais relacionadas às fake news - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº:
188.
Os agentes mais engajados em mover peças processuais baseadas em fake
News são as pessoas políticas, com 60% das causas catalogadas, seguidas das
pessoas físicas, com 15%. Ainda é válido observar quem mais figurou como alvo das
peças processuais. Vejamos no GRÁFICO 2.
Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças proessuais.
Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil –Quem mais figurou como alvo das peças
processuais - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº: 188.
109
Observa-se que a maior parte dos alvos das peças processuais são pessoas
políticas, representando 34%, seguidos de pessoas físicas, representando 15%. E,
por fim, mas não menos importante, é necessário observar qual foi o resultado da
ação quando um político movimentava as peças processuais.
Gráfico 3. Resultado das peças.
Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil – Resultado das peças - 21 de dezembro
de 2020. Número base Nº: 188.
Nota-se que 65% das peças processuais movimentadas por políticos não
prosperaram. É nessa anomalia que se encontra a grande dificuldade jurídica de
controlar as fake News. Ao mesmo tempo que se deve garantir a liberdade de
expressão é possível observar, sob o pretexto de se combater as fake news no
âmbito eleitoral, a tentativa política de se aproximar do modelo chinês de censura da
rede para inibir árduas críticas, incluindo aquelas cheias de palavras rudes ou de
baixo calão.
4.3.1 Liberdade de expressão e censura
A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
De acordo com Ulrich (apud CHOMSKY, 2016, p. 319),
Se acredita na liberdade de expressão, acredita na liberdade de
expressão para opiniões de que não gosta. Goebbels era a favor da
liberdade de expressão das opiniões de que gostava tal como Stalin.
110
Se é a favor da liberdade de expressão, isso significa que é a favor
da liberdade de expressão precisamente pelas opiniões que
despreza.39
A definição de Chomsky retrata bem o que é liberdade de expressão, sendo
este um direito que permite às pessoas manifestarem suas ideias e opiniões, sem
medo de sofrer qualquer perseguição que seja justificada pela norma vigente. Nesse
passo, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º e 220 assim dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(BRASIL, 1988, p. 17-18).
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão
qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística (BRASIL, 1988, p. 175).
Nesse sentido, um Estado que garante a liberdade de expressão de seus
cidadãos é aquele que luta contra qualquer tipo de censura e pune aqueles que
intentam fazê-lo. Dessa forma, é oportuno pontuar a concepção de censura, que de
acordo com o Dicionário Aurélio é: “1. Exame crítico de obras lirerárias ou artísticas;
crítica. 2. V. repreensão” (FERREIRA, 2000, p. 144). Segundo o mesmo Dicionário,
censurar é: “1. Exercer censura sobre (1). 2. Proibir a divulgação ou execução de”
(FERREIRA, 2000, p. 144).
É válido ainda pontuar que qualquer tipo de censura também implica em
desinformação. Vejamos:
Segundo o primeiro relato de Floridi (1996, 509), "a desinformação
surge sempre que o processo de informação é defeituoso". A grosso
modo, a desinformação ocorre se o conteúdo semântico for alterado
em algum ponto do "seu ciclo de vida (criação, armazenamento,
recuperação, actualização)" de uma forma que torna mais provável
39
If you believe in freedom of speech, you believe in freedom of speech for views you don’t like.
Goebbels was in favor of freedom of speech for views he liked. So was Stalin. If you’re in favor of
freedom of speech, that means you’re in favor of freedom of speech precisely for views you despise.
111
que as pessoas sejam induzidas ao erro. Este relato capta casos
prototípicos de desinformação, tais como fraude, embustes e
propaganda governamental. Mas, além disso, coisas como a censura
são também desinformação sobre essa conta. Na verdade, Floridi
(1996, 510) afirma mesmo que "cada forma de desinformação não
precisa necessariamente de ser intencional". Assim, erros honestos,
tais como o relatório erróneo do The Chicago Tribune que Dewey
Defeats Truman em 1948, são desinformação por essa razão 40
(FALLIS Apud FLORIDI, 2011, p. 203).
Nesse sentido, existem duas frentes tentando controlar os fluxos em rede: a
frente privada e a frente estatal. Para iniciar a presente reflexão, é necessário
entender o fim do equilíbrio da seção 230, da Communications Decency Act de
1996, do Congresso dos Estados Unidos; a lei, que segundo a electronic frontier
foundation, é a mais importante relacionada à liberdade de expressão em rede.
Nesse passo, é importante destacar que a lei é também o palco da mais recente
polêmica envolvendo as redes sociais Facebook, Twitter e Google. A seção 230
assim determina:
(c) Proteção para "Bom Samaritano" bloqueio e rastreio de material
ofensivo.
(1) Tratamento da editora ou do orador - Nenhum fornecedor ou
utilizador de um serviço informático interativo será tratado como
editor ou orador de qualquer informação fornecida por outro
fornecedor de conteúdos informativos.
(2) Responsabilidade civil - Nenhum fornecedor ou utilizador de um
serviço informático interativo será responsabilizado por causa de...
A) Qualquer ação voluntariamente tomada de boa fé para restringir o
acesso ou a disponibilidade de material que o fornecedor ou
utilizador considere obsceno, lascivo, imundo, excessivamente
violento, assediante ou de outra forma censurável, quer esse
material seja ou não constitucionalmente protegido; ou [...].
(CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS, 1996, s.n).
Resumidamente, se uma plataforma exerce a função de ser apenas o
intermediário do conteúdo de terceiros, esta não será responsável por aquilo que o
40
According to Floridi’s (1996, 509) first account, “disinformation arises whenever the process of
information is defective.” Roughly speaking, disinformation occurs if semantic content is altered at
some point in “its lifecycle (creation, storage, retrieval, updating)” in a way that makes it more likely
that people will be misled. This account captures prototypical instances of disinformation, such as
fraud, hoaxes, and government propaganda. But in addition, things like censorship are also
disinformation on this account. In fact, Floridi (1996, 510) even claims that “each form of disinformation
need not necessarily be intentional.” Thus, honest mistakes, such as The Chicago Tribune’s
erroneous report that “Dewey Defeats Truman” in 1948, are disinformation on this account.
112
terceiro publica em sua plataforma. Por exemplo, o Twitter e o Facebook,
legalmente, não possuem responsabilidade por publicações de terceiros que
venham a causar danos a outrem.
De acordo com a Electronic Frontier Foundation - EFF (2020, s.n),
Esta estrutura legal e política permitiu que os usuários do YouTube e
Vimeo carreguem seus próprios vídeos, Amazon e Yelp para
oferecer inúmeras avaliações de usuários, craigslist para hospedar
anúncios classificados e Facebook e Twitter para oferecer redes
sociais a centenas de milhões de usuários da Internet.
Nesse sentido, uma vez que tais plataformas não exercem função editorial,
apenas de intermediação, elas possuem imunidade legal para expor o conteúdo de
terceiros e tomar a ação voluntária de boa-fé no que tange à censura de conteúdo
considerado obsceno, lascivo, imundo, excessivamente violento, assediante ou de
outra forma, censurável. A grande problemática, contudo, está no desequilíbrio que a
presente seção vem enfrentando. Presume-se que tais plataformas, diante de tão
importante função, qual seja, intermediar a publicação de conteúdos para milhões de
pessoas, deve fazê-lo de forma neutra e imparcial. Porém, as diversas denúncias de
perseguição apontam que as empresas estariam selecionando, limitando e
suprimindo certos discursos, em função de diferenças ideológicas, com base na
seção 230. Com isso, deixam de ser meras intermediárias e passam a exercer
função editorial, impulsionando o conteúdo que lhes agrada e suprimindo o alcance
de conteúdos que vão contra suas concepções.
Nesse sentido, a Casa Branca emitiu o seguinte parecer:
Como o título da seção 230(c) torna claro, a disposição prevê uma
"proteção" de responsabilidade limitada a um fornecedor de um
serviço informático interativo (tal como uma plataforma online) que se
envolve no "bloqueio do bom samaritano" de conteúdos prejudiciais.
Em particular, o Congresso procurou fornecer proteção a plataformas
online que tentaram proteger menores de conteúdos nocivos e
pretendeu assegurar que tais fornecedores não fossem
desencorajados de retirar material nocivo. A disposição visava
também promover a visão expressa do Congresso de que a Internet
é um "fórum para uma verdadeira diversidade de discurso político".
47 U.S.C. 230(a) (3). As proteções limitadas previstas no estatuto
devem ser interpretadas tendo em mente estes propósitos. Em
particular, a alínea (c) (2) aborda expressamente as proteções contra
a "responsabilidade civil" e especifica que um fornecedor de serviços
informáticos interativos não pode ser responsabilizado "devido" à sua
113
decisão de "boa fé" de restringir o acesso a conteúdos que considere
"obscenos, sensual, lascivos, imundos, excessivamente violentos,
assediantes ou de outra forma censuráveis". É política dos Estados
Unidos assegurar que, na medida máxima permitida pela lei, esta
disposição não seja distorcida para fornecer protecção de
responsabilidade para plataformas online que - longe de agirem de
"boa fé" para remover conteúdos censuráveis - se envolvam em
ações enganosas ou pretextuais (muitas vezes contrárias aos seus
termos de serviço declarados) para abafar pontos de vista com os
quais discordam. A seção 230 não se destinava a permitir que um
punhado de empresas se transformasse em titãs controlando vias
vitais para o nosso discurso nacional sob o pretexto de promover
fóruns abertos ao debate, e depois fornecer imunidade geral a esses
gigantes quando usam o seu poder para censurar conteúdos e
silenciar pontos de vista de que não gostam. Quando um fornecedor
de serviços informáticos interativos remove ou restringe o acesso ao
conteúdo e as suas ações não cumprem os critérios da alínea (c) (2)
(A), está empenhado na conduta editorial. É política dos Estados
Unidos que tal fornecedor perca devidamente o escudo de
responsabilidade limitada da alínea (c) (2) (A) e seja exposto a
responsabilidade como qualquer editor e editora tradicional que não
seja um fornecedor em linha (CASA BRANCA, 2020, p. s.n).
Nesse passo, é perceptível que, em função da imunidade proporcionada pelo
princípio do Good Samaritan’ Blocking, as gigantes da informação podem controlar
os fluxos de informação que circulam em rede, sendo de grande importância,
portanto, por meio deste estudo, entender qual é a função social dos fluxos de
informação, para que a imunidade concedida pela seção 230 não seja violada por
pessoas físicas ou jurídicas que detêm o poder dos grandes centros de poder como
os governos e os oligopólios privados.
Se por um lado existe os entes privados buscando controlar os fluxos em rede
para realizar a supressão daquilo que não lhes agrada e moldar a opinião pública
pelo engajamento de certos discursos, temos também a tentativa de controle da
liberdade de expressão por meio da regulação estatal. Ora, uma vez que a liberdade
de expressão é um direito fundamental e que a crítica à pessoa pública e à pessoa
política é defendida pela lei, pergunta-se: como diferenciar, juridicamente, as falas,
as ofensas e os repúdios (ainda que com palavras de baixo calão) proferidos por
civis em rede, de uma fake news, sem violar a liberdade de expressão? Quem vai
avaliar o que é e o que não é fake news? Nesse sentido, é importante salientar que,
ser rude com pessoas públicas/políticas é um direito protegido pela liberdade de
expressão, desde que não extrapole a legalidade e não cause danos.
114
A exemplo disso, temos a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
Territórios TJ-DF: 0029647-46.2015.8.07.0001, que discorre da seguinte forma:
3. As publicações veiculadas, ainda que deselegantes e
exacerbadas, revelam-se como duras críticas à posição política do
parlamentar, não traduzindo a intenção de macular direito de
personalidade. (...) 5. Não se verifica abuso ao direito de liberdade
de expressão a veiculação em redes sociais de publicações
identificadas que manifestem repúdio a parlamentares, ainda que
eivadas de palavras ásperas e de baixo calão, considerando o
contexto acalorado em que tenha sido concebida e a restrição da
opinião à atuação eminentemente política do parlamentar. 6.
Publicações de opinião de rejeição à conduta do parlamentar
constituem fatos corriqueiros da seara política, decorrentes da
submissão ao julgamento público daqueles que atuam pautados no
princípio da representatividade, portanto, sem a menor aptidão para
atrair a proteção da inviolabilidade parlamentar, que pressupõe a
injusta persecução deste por meio de processos e procedimentos
estatais com vistas a impedi-lo de atuar e expressar sua opinião. 7.
A inibição compulsória de manifestações de repúdio ao
parlamentar, observada a inaptidão da opinião para causar lesão
aos direitos de personalidade da pessoa pública, não se harmoniza
com a democracia, sob pena de configurar censura (TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, 2018, s.n).
Já o TJ-SP, por meio da apelação cível 1019305-59.2016.8.26.0529, assim julga:
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO A
DIREITO DA PERSONALIDADE. Inocorrência. Colisão entre
princípios e direitos fundamentais que é resolvida segundo o critério
da ponderação de valores. Autor que é pessoa pública e está mais
sujeito a críticas do que o cidadão comum. Proteção à honra da
pessoa pública que sofre mitigações. Danos morais não
caracterizados. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1019305-
59.2016.8.26.0529; Relator (a): Moacir Peres; Órgão Julgador: 7ª
Câmara de Direito Público; Foro de Santana de Parnaíba - 1ª Vara
Judicial; Data do Julgamento: 13/12/2018; Data de Registro:
13/12/2018) (7ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2018, s.n).
Já na apelação cível 1001845-52.2016.8.26.0596, o TJ-SP assim julga:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Autor que alega ter sido
caluniado, injuriado e difamado pelo réu em rede social -
Improcedência do pedido -Inconformismo - Desacolhimento -
Aplicação do disposto no art. 252 do RITJSP - Autor que é figura
pública, então candidato a Prefeito Municipal de Serrana - Postagens
que têm cunho basicamente eleitoral considerando o atual cenário
político do país - Inexistência de ofensa pessoal à honra do autor -
115
Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível
1001845-52.2016.8.26.0596; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva;
Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Serrana - 1ª
Vara; Data do Julgamento: 29/05/2018; Data de Registro:
29/05/2018) (5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2018, s.n).
O TRE-SE, por meio do Recurso Eleitoral 060004355, assim afirma:
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA
ELEITORAL NEGATIVA. CARÁTER ELEITOREIRO. PROPAGANDA
ELEITORAL ANTECIPADA CONFIGURADA. CONHECIDO E
DESPROVIDO. 1. O regime democrático pressupõe a existência de
ampla liberdade de manifestação, bem assim a possibilidade de se
fiscalizar e criticar a gestão dos detentores de mandato eletivo.
Assim, os gestores da coisa pública estão sujeitos a críticas sem que
daí possa automaticamente ser extraído o intuito difamatório de
quem as formula. 2. No entanto, a livre manifestação do pensamento
não constitui direito de caráter absoluto e encontra limites na
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
(art. 5º, X, da CF/88) – destacando que o Código Eleitoral, no art.
243, IX, dispõe que “não será tolerada propaganda que caluniar,
difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou
entidades que exerçam autoridade pública”. 3. Recurso desprovido
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe,
por unanimidade, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO Aracaju (SE), 06/10/2020 JUIZ RAYMUNDO ALMEIDA
NETO – RELATOR (TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE
SERGIPE TRE-SE, 2020, s.n).
Entretanto, há de se considerar que o movimento político e judicial nos últimos
anos vem diminuindo a importância da liberdade de expressão coletiva, pilar da
democracia, em detrimento de outros direitos individuais, ou seja, a classe judicial
vem se movimentando no sentido de blindar a classe política das críticas. Oliva
(2019), ao analisar decisões judiciais envolvendo liberdade de expressão na internet
abarcando publicações humorísticas, concluiu que,
Em síntese, a pesquisa desenvolvida confirmou as hipóteses de
investigação: nos casos envolvendo conteúdos humorísticos na
internet, a maioria das decisões analisadas admite a restrição à
liberdade de expressão em favor de outros direitos, com o direito à
honra e a imagem. Essa conclusão, inferida em números como os
altos índices de deferimento de pedidos de indenização (71%, no
caso de pessoas comuns, e 50%, no caso de políticos, ambos em
segunda instância), atesta os riscos relativamente elevados de se
fazer humor no Brasil (OLIVA, 2019, p. 40).
116
Vale ressaltar que o maior bem de um usuário da rede no ciberespaço, e um
dos direitos fundamentais que lhe é garantido, é a sua liberdade de expressão,
conforme art. 2º das Leis 12.965/14 e 13.709/18.
A Lei 13.709/18 dispõe sobre a proteção de dados pessoais e a Lei
12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias,
direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Essas leis são o “norte” para as
questões jurídicas que versam sobre direitos no que tange ao espaço digital. Nota-se
no artigo 2º de cada uma das leis, 12.965/14 e 13.709/18, que a rede tem como um
de seus fundamentos a liberdade de expressão.
LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014.
Art. 2º - A disciplina do uso da internet no Brasil tem como
fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como:
(BRASIL, 2014)
LEI Nº 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018.
Art. 2º - A disciplina da proteção de dados pessoais tem como
fundamentos:
III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de
opinião (BRASIL, 2014, p.1).
Com o advento do fenômeno das fake news, é possível observar uma quebra
na harmonia jurídica nacional, iniciando uma caçada constante de seus criadores e
propagadores. Uma vez que não se tem um conceito satisfatório de fake News,
criam-se precedentes perfeitos para as pessoas políticas censurarem e controlarem
a liberdade de expressão em rede, por meio da remoção das notas de repúdio, das
oposições e até mesmo das ofensas realizadas pelo cidadão em ambiente digital.
Nesse sentido, é válido ressaltar a importância da cibercultura na relação
entre a liberdade de expressão e a censura. Uma vez que o ciberespaço se firmou
como um espaço livre para a manifestação do pensamento, que se estende a
todas as camadas sociais e alcança quase todos os indivíduos da sociedade
moderna devido à acessibilidade da internet, a visibilidade de algumas
opiniões/críticas que até então estava fragmentada em alguns poucos indivíduos
no contexto urbano, passaram a se encontrar mediante à visibilidade que a rede dá
aos seus pensamentos.
117
Como exemplo dessa visibilidade que a cibercultura, por meio de seus
usuários, dá às ideias que até então eram ignoradas, temos a ascenção do número
de processos envolvendo conteúdos de humor crítico à política. Thiago Dias Oliva
(2019), ao considerar as decisões judiciais envolvendo a liberdade de expressão na
internet no que tange ao humor, descobriu que:
Considerando o papel de relevância do humor na discussão de
questões de interesse público e na formulação de críticas mordazes,
sobretudo no campo da política, os resultados da pesquisa mostram-
se preocupantes. A situação é especialmente problemática quando
se consideram os pedidos formulados por membros da classe
política, os quais, em decorrência do papel de relevância que
exercem para a sociedade, deveriam ser mais tolerantes ao
escrutínio público (OLIVA, 2019, p. 40).
Nota-se que o movimento judicial tem minado a liberdade de expressão,
fundamento da democracia, em detrimento de direitos individuais, como a honra ou a
imagem, muitas vezes de políticos, criando-se mais precedentes que conduzem à
censura. Temos mais evidências dessa intenção, no Pará, ocasião em que o
governador Helder Barbalho, de acordo com matéria vinculada ao site da revista
Época, sancionou e logo depois revogou uma lei que censurava informações
envolvendo críticas às autoridades. Por mais que a sanção da lei tenha se dado por
equívoco, segundo nota oficial, o simples fato de existir esse tipo de proposta em
tramitação demonstra como há o interesse político no controle da liberdade de
expressão em rede.
Ainda é necessário ressaltar a atuação da Câmara e do Senado. É possível
observar a tramitação constante de Projetos de Lei (PLs) que dão margem à
supressão da crítica em rede, como por exemplo, o PL 2630/2020 (CÂMARA DOS
DEPUTADOS, 2020 e SENADO FEDERAL, 2020) que institui a Lei Brasileira de
Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, avançando com medidas
que atentam diretamente contra a democracia em rede, sobretudo, a liberdade de
expressão e a proteção de dados. Nota-se, por exemplo, no inteiro teor da PL
2630/20, em seu artigo 12, parágrafos primeiro e segundo, que para proteger a
liberdade de expressão do usuário, o provedor de redes sociais deve estabelecer
uma série de medidas para realizar a indisponibilização de conteúdos e contas que
violam o dano de difícil reparação e a segurança da informação ou do usuário.
Vejamos:
118
Art. 12. Os provedores de aplicação de internet submetidos a esta
Lei devem garantir o direito de acesso à informação e à liberdade de
expressão de seus usuários nos processos de elaboração e
aplicação de seus termos de uso, disponibilizando mecanismos de
recurso e devido processo.
§ 1º Em caso de denúncia ou de medida aplicada em função dos
termos de uso das aplicações ou da presente Lei que recaia sobre
conteúdos e contas em operação, o usuário deve ser notificado sobre
a fundamentação, o processo de análise e a aplicação da medida,
assim como sobre os prazos e procedimentos para sua contestação.
§ 2º Os provedores dispensarão a notificação aos usuários se
verificarem risco:
I – de dano imediato de difícil reparação;
II – para a segurança da informação ou do usuário;
§ 3º Deve ser garantido pelo provedor o direito de o usuário recorrer
da indisponibilização de conteúdos e contas.
(CONGRESSO NACIONAL, 2020, p. 5).
Além de não definir o que é o dano de difícil reparação e segurança da
informação, percebe-se que o inciso I implica diretamente na possibilidade de grupos
de usuários ligados por um centro de interesse, denunciarem certo conteúdo com
base no dano imediato à imagem e honra de uma pessoa política e/ou pública com a
qual simpatizam, forçando sua imediata remoção, sem prévia notificação.
Indiretamente, por meio do inciso II, é visível o estabelecimento de um “embrião” de
Ministério da Verdade, pois é dado à empresa o poder de determinar o que é um
conteúdo seguro ou não. Aprofundando mais no romance de Orwell (1957), o
“Ministério da Verdade” é descrito como órgão responsável pela falsificação de
documentos e literatura que possam servir de referência ao passado, de forma que o
referido órgão sempre condiga com o que o Partido diz ser verdade no presente.
Todos os registros foram destruídos ou falsificados, todo livro
reescrito, todo quadro repintado, toda estátua, rua e edifício
rebatizado, toda data alterada. E o processo continua, dia a dia,
minuto a minuto. A história parou. Nada existe, exceto um presente
sem-fim no qual o Partido tem sempre razão. Eu sei, naturalmente,
que o passado é falsificado, mas jamais me seria possível prová-lo,
mesmo sendo eu o autor da falsificação. Depois de feito o serviço,
não sobram provas. A única prova está dentro da minha cabeça, e
não sei com certeza se outros seres humanos partilham minhas
recordações. Apenas naquele caso, em minha vida toda, possuí
prova real, concreta, depois do acontecimento... anos depois
(ORWELL, 1957, p. 113).
119
No livro, a falsificação da verdade para se adequar às narrativas estatais do
“Partido” é essencial para a sobrevivência de suas engrenagens. Nota-se que a
partir do momento que a verdade é monopolizada por qualquer ente, seja estatal ou
privado, como sugerido por vários PLs em tramitação, tem-se o perigo do
crescimento do autoritarismo, e aquele que detém o poder de dizer o que é ou não é
verdade domina direta ou indiretamente uma sociedade, sendo este o motivo de
Hannah Arendt afirmar que a verdade é “odiada pelos tiranos”. Uma vez que se
exclui o erro do processo de refinamento do senso crítico, impera a verdade absoluta
do órgão verificador da verdade, de acordo com o romance de George Orwell.
A mutabilidade do passado é o dogma central do Ingsoc. Argúe-se
que os acontecimentos passados não têm existência objetiva, porém
só sobrevivem em registros escritos e na memória humana. O
passado é o que dizem os registros e as memórias. E como o Partido
tem pleno controle de todos os registros, e igualmente do cérebro
dos seus membros, segue-se que o passado é o que o Partido
deseja que seja. Segue-se também que embora o passado seja
alterável, jamais foi alterado num caso específico. Pois quando é
reescrito na forma conveniente, a nova versão passa a ser o
passado, e nada diferente pode ter existido. Isto se aplica mesmo
quando, como acontece com frequência, o mesmo sucesso tem de
ser alterado várias vezes no decurso de um ano. Todas as vezes o
Partido é detentor da verdade absoluta, e claramente o absoluto não
pode nunca ser diferente do que é agora, verse-a que o controle do
passado depende, acima de tudo, do treino da memória (ORWELL,
1957, p. 156).
Apesar de ser uma ficção, que à primeira vista parece distante, a China
possui um modelo único de controle da rede, onde toda a informação, antes de
chegar ao público, passa pelo crivo estatal. Conhecido como “Projeto Escudo
Dourado”, o modelo de vigilância e de censura é operado pela divisão do Ministério
da Segurança Pública (MSP) do governo chinês.
Os países asiáticos geralmente dominam a lista de países que os
Repórteres sem Fronteiras descrevem como "inimigos da internet".
Sem dúvida, a China tem o melhor sistema aprimorado para
monitorar e censurar a Internet, para restringir a dissidência e
suprimir visões alternativas. Antes de 2003, as autoridades chinesas
supervisionavam os cibercafés e os sites de notícias censuravam o
conteúdo das salas de bate-papo e dos quadros de avisos e
bloqueavam certos sites. Dada a impraticabilidade do monitoramento
em massa da Internet, a China iniciou seu projeto Golden Shield, ou
120
o chamado Grande Firewall da China, em novembro de 2003 41
(NORRIS, 2009, p. 360, tradução nossa).
Percebe-se, a partir da China, que o controle da verdade e da informação é
de interesse público e estatal para firmar-se na relação de poder. Contudo, tal forma
de dominação não é exclusiva do ente estatal, pois as corporações privadas também
buscam se estabelecer no ramo do domínio da verdade. Nesse sentido, de acordo
com o PL 2630/20, poderá o provedor de redes sociais, mediante sua interpretação
do conteúdo, aplicar as chamadas “medidas de moderação”, ou indisponibilização de
conteúdo ou conta, implicando em censura prévia, modelo de repressão da
informação que teve origem no Ato Institucional n.º 5 (AI-5).
De acordo com Reimão (2014, p. 77),
A censura prévia, já anteriormente regulamentada para cinema,
televisão, teatro, espetáculos públicos, música e rádio, e prática
presente em várias revistas e jornais impressos se expandiu, e para
a totalidade do mercado editorial depois da centralização do Serviço
de Censura de Diversões Públicas (SCDP), em Brasília.
Verifica-se que, diferentemente do AI-5, o espaço no qual se busca analisar
os conteúdos mudou, passando para o meio digital. Tais medidas pretendem o maior
controle da rede e de seus usuários. Consequentemente, é perceptível a ascensão
do autoritarismo fantasiado de uma luta pelo bem maior. Nesse passo, deve-se
recordar John Stuart Mill, em seu livro “A Liberdade”:
Quando se proíbe a propagação de um erro, não se arroga maior
infalibilidade do que em qualquer outro ato da autoridade pública
praticado sob o seu exclusivo critério e responsabilidade. O
discernimento é dado aos homens para que o usem. Porque possa
ser usado erroneamente, deve-se dizer-lhes que não o usem em
absoluto? Quando, pois, eles proíbem o que consideram pernicioso,
não pretendem que sejam isentos de erro, mas apenas cumprem o
dever, que lhes incumbe, de agir segundo sua criteriosa convicção
(MILL, 2019, p. 46).
41
Asian nations usually dominate the listo of countries that Reporters without Borders describes as
“enemies of the internet”. China arguably has the best honed system for monitoring and censoring the
internet to restrict dissidence and supress alternative views. Prior to 2003, the Chinese authorities
supervised Internet cafés and News sites, censored chat room and bulletin board contente, and
blocked certain web sites. Given the impracticality of mass monitoring of the internet, China began its
Golden Shield Project, or so-called Great Firewall of China, in November 2003.
121
Observa-se que, segundo John Stuart Mill, o indivíduo tem o direito de
analisar, avaliar e opinar sobre a notícia por si só, sem o auxílio de autoridades. Se a
notícia é ou não falsa, ela não prosperará diante do que Mill chama de falibilidade,
Floridi chama de confiabilidade e Popper chama de falseabilidade. Observa-se,
também, que o homem possui o direito de errar em suas avaliações e opiniões e
isso faz parte do processo de amadurecimento do senso crítico.
Diante da problemática, é possível concluir que o aparato jurídico diante
desse novo fenômeno que ocorre no território digital é frágil, podendo levar a um
autoritarismo, por intermédio da violação dos direitos fundamentais. Nesse sentido,
novamente faz-se necessário pontuar os pensamentos de Hannah Arendt ao
discorrer sobre a Verdade e a Política.
Considerada de um ponto de vista político, a verdade tem um
carácter despótico. Ela é por isso odiada pelos tiranos, que temem,
com razão, a concorrência de uma força coerciva que não podem
monopolizar; e goza de um estatuto relativamente precário aos olhos
dos governos que repousam sobre o consentimento e que
dispensam a coerção (ARENDT, 1967, p. 13).
Arendt (1967), em sua obra, constantemente aponta a má relação existente
entre a verdade e a política. Na modernidade, o fluxo de informação, como já vimos
com o filósofo Floridi, não pressupõe diretamente o fluxo da verdade, mas é possível
afirmar que o fluxo constante de informações pressupõe a possibilidade de se
abordar novas óticas, novos debates e pensamentos. Ao mesmo passo em que o
ciberespaço se expande com as informações, a mídia tradicional enfraquece como
única fonte de informação. É nesse momento que se encontra o porquê de os entes
políticos, apesar de prezarem publicamente pela democracia, não possuem o
mesmo apreço pela proteção da liberdade de expressão em rede.
Pierre Lévy (2010), em seu livro “Cibercultura”, responde:
Aqueles que veem no ciberespaço um perigo de totalitarismo estão
basicamente cometendo um erro de diagnóstico. Por outro lado,
repito que a televisão e a imprensa são instrumentos de manipulação
e desinformação muito mais eficazes do que a internet, já que podem
impor "uma" visão da realidade e proibir a resposta, a crítica e o
confronto entre posições divergentes (LÉVY, 2010, p. 236).
122
Abstrai-se de Pierre Levy, que a mídia tradicional oferece informações
engessadas, que podem facilmente ser manipuladas, uma vez que não gozam do
fator “confronto”, diferentemente da rede que oferece um espaço para críticas e
opiniões variadas. Nesse momento, deve-se aprofundar no que tange ao conceito
estabelecido por Lévy em relação à máquina midiática tradicional para dar
prosseguimento à discussão, uma vez que o ciberespaço como ferramenta de
comunicação e informação tem minado o conceito tradicional da mídia como sendo o
quarto poder. Assim, iniciam-se as pontuações a partir da origem do termo “quarto
poder”, que segundo Geraldo Mainenti (2014, p. 49),
Em 1828, de acordo com Daniel Boortein (1971: 124), surgiu a
expressão “quarto poder”, em referência à imprensa. Um deputado
do parlamento inglês, McCaulay, apontou para a galeria onde
estavam sentados os jornalistas e gritou: “Fourth Estate!” (Quarto
Poder). Nelson Traquina (2005: 46) afirma que McCaulay fazia
menção ao quarto état (termo francês também usado em referência a
poder), tendo como quadro de referência os três etats da Revolução
Francesa: clero, nobreza e troisieme etat – que engloba a burguesia
e o povo. No novo enquadramento da democracia, com o princípio
de “poder controla poder”, a imprensa seria o “quarto” poder em
relação aos outros três: executivo, legislativo e judiciário.
Ressalta-se que, em sua frase, McCaulay eleva o status da mídia para muito
além de uma simples máquina de comunicação de fatos. Para ele, a mídia atendia,
acima de tudo, a uma finalidade social que a equiparava a um poder estatal.
Sobre esse tema, Traquina (2005, p. 47) aborda de maneira eficaz, afirmando:
Os jornais eram vistos como um meio de exprimir as queixas e
injustiças individuais e como uma forma de assegurar a proteção
contra a tirania insensível. Portanto, a legitimidade jornalística está
na teoria democrática e, segundo os seus teóricos, assenta
claramente numa postura de desconfiança (em relação ao poder) e
numa cultura claramente adversarial entre jornalismo e poder.
Considera-se que a mídia, para alguns dos pensadores da comunicação,
possui em sua essência a investigação e a elucidação dos fatos, por meio do
entrecruzamento de relatos, conhecimentos, crenças, opiniões e apreciações. Diante
de tal observação, é possível, novamente, atentar-se para as reflexões de Hannah
Arendt em relação à mídia, em que esta destaca a importância de o “quarto poder”
não se contaminar com questões políticas e se manter fiel à verdade factual.
123
O facto de dizer a verdade de facto compreende muito mais que a
informação quotidiana fornecida pelos jornalistas, ainda que sem eles
nunca nos pudéssemos situar num mundo em mudança perpétua, e
no sentido mais literal, não soubéssemos nunca onde estávamos.
Isso é, certamente, da mais imediata importância política; mas se a
imprensa se tornasse alguma vez realmente o «quarto poder»
deveria ser protegida contra todo o governo e agressão social ainda
mais cuidadosamente do que o é o poder judicial. Porque essa
função política muito importante que consiste em divulgar a
informação é exercida do exterior do domínio político propriamente
dito; nenhuma acção nem nenhuma decisão política estão, ou
deveriam estar, implicadas (ARENDT, 1967, p. 28).
Contudo, a atividade da comunicação como, por exemplo, a jornalística, de
forma objetiva e imparcial, aos moldes do século XIX, já não existe mais. Entra em
cena o seguinte questionamento: por que Pierre Lévy subjuga a credibilidade da
mídia tradicional na pós-modernidade, dizendo que é mais fácil manipulá-la do que
manipular as informações da rede?
Nesse sentido, evoca-se Marcondes Filho (2008, p. 65) para entender o que é
manipulação.
Manipular é contar as coisas à sua maneira: quando eu vou contar a
briga que tive com minha mulher, descrevo os fatos da minha
perspectiva, da maneira como eu a observo, naturalmente, sempre
justificando minha atitude e minhas opiniões. Quando ela relata o
mesmo fato, ela o faz virando a coisa para seu lado, dizendo como
eu estou errado e como a perspectiva dela é a mais correta. Não
existe nenhum que seja correto, se bem que alguém de fora, não
envolvido comigo nem com ela, fará um terceiro julgamento,
igualmente pessoal, distinto dos nossos, apenas menos viciado.
Marcondes Filho (2008), ao discorrer sobre a manipulação, faz-nos perceber
que a resposta está no formato da comunicação realizada pela mídia de massas
considerada tradicional e no formato presente na comunicação do ciberespaço.
Nesse sentido, destaca-se o que Pierre Lévy chama de universal totalizante. Ao
abordar a mídia tradicional, o autor afirma (1999, p. 118): “uma vez que a mensagem
midiática será lida, ouvida, vista por milhares ou milhões de pessoas dispersas, ela é
composta de forma a encontrar o ‘denominador comum’ mental de seus
destinatários”.
No mesmo sentido, Castells (2019, p. 416) sustenta que
124
O sistema dominado pela TV poderia ser facilmente caracterizado
como meio de comunicação de massa ou grande mídia. Uma
mensagem similar era enviada ao mesmo tempo de alguns
emissores centralizados para uma audiência de milhões de
receptores. Desse modo, o conteúdo e formato das mensagens eram
personalizados para o denominador comum mais baixo.
A resposta ao questionamento realizado anteriormente é simples: a presença
de “milhões de terceiros opinantes”. Nesse sentido, Lévy (2010, p. 231) afirma
“Acrescentemos que é muito mais difícil executar manipulações em um espaço onde
todos podem emitir mensagens e onde informações contraditórias podem confrontar-
se do que em um sistema onde os centros emissores são controlados por uma
minoria”. Diferentemente da mídia tradicional, que expõe os fatos e suas opiniões
sem dar margem ao debate das mais variadas óticas, o ciberespaço oferece lugar
para os usuários responderem, fazerem críticas e comentários, debaterem entre si
suas opiniões como uma grande, mundial e moderna ágora. Esse é o motivo de a
classe política não ter o mesmo apreço pela liberdade de expressão em rede: por
ser mais difícil de controlá-la, devido ao seu aspecto orgânico de questionamento. A
rede se firmou como o espaço da liberdade justamente devido ao seu ambiente
favorável ao desenvolvimento do senso crítico, onde é possível as pessoas trocarem
informação entre si, formando o que Lévy (2010) chama de Inteligência coletiva.
Segundo o autor,
Precisamente, o ideal mobilizador da informática não é mais a
inteligência artificial (tornar uma máquina tão inteligente quanto,
talvez mais inteligente que um homem), mas sim a inteligência
coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a criação de
sinergia entre as competências, as imaginações e as energias
intelectuais, qualquer que seja sua diversidade qualitativa e onde
quer que esta se situe. [...]Com esse novo suporte de informação e
de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados,
critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na
produção e tratamento dos conhecimentos. Qualquer política de
educação terá que levar isso em conta (LÉVY, 2010, p. 169).
Observa-se que a inteligência coletiva é tratada por Lévy como uma grande
memória ou inteligência compartilhada, em que cada indivíduo, em sua singularidade
e através de meios eletrônicos, contribui para a construção do saber da humanidade
e partilha seus conhecimentos com outras pessoas. Nesse sentido, é perceptível
que a territorialidade em rede, ao integrar diversas opiniões em um mesmo espaço,
125
promove o compartilhamento de diferentes conhecimentos por intermédio de seus
usuários. Dessa forma, sendo a comunicação parte essencial do constructo cultural,
a inteligência coletiva proposta por Lévy (2010) resulta no que Haesbaert (2011, p.
205) chamou de “Hibridização cultural” ou “Hibridismo cultural”, em que o
ciberespaço atua como agente indutor de uma nova cultura, originada da interação
de diferentes indivíduos de distintas culturas.
Nesse passo, como exemplo do uso da interação dos usuários, unidos por um
mesmo interesse e engajados em desenvolver as atividades voltadas a um objetivo
comum, temos o Foldit, um jogo de computador experimental sobre o dobramento de
moléculas e proteínas, desenvolvido em colaboração entre a Universidade de
Washington e o Departamento da Ciência da Computação, Engenharia e
Bioquímica. Após diversas falhas no experimento dos cientistas em reunir a estrutura
de uma enzima de proteínas semelhante à do HIV, o Dr. Firas Khatib, do
Departamento de Bioquímica da Universidade de Washington, em Seattle, conduziu
um estudo no qual os jogadores on-line do game Foldit resolveram, em três
semanas, o problema relacionado à estrutura da enzima.
Segundo Gray (2011, s.n), em uma matéria vinculada ao site da Universidade
de Washington,
Notavelmente, os jogadores geraram modelos bons o suficiente para
os pesquisadores refinarem e, em poucos dias, determinarem a
estrutura da enzima. Igualmente surpreendente, as superfícies da
molécula se destacaram como alvos prováveis de drogas para
desativar a enzima. "Esses recursos fornecem oportunidades
estimulantes para o projeto de drogas retrovirais, incluindo drogas
contra a AIDS", escreveram os autores de um artigo publicado em 18
de setembro na Nature Structural & Molecular Biology. Os cientistas
e jogadores são listados como coautores42
(tradução nossa).
Nota-se que a rede é capaz de mover os indivíduos para os mais variados
objetivos, não só na dimensão científica e técnica, mas também no progresso social
e na luta contra o autoritarismo. Como exemplo disso, conforme já citado
anteriormente, em 2010 tivemos a Primavera Árabe, que segundo Soengas-Pérez
(2001), foi uma onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no
42
Remarkably, the gamers generated models good enough for the researchers to refine and, within a
few days, determine the enzyme's structure. Equally amazing, surfaces on the molecule stood out as
likely targets for drugs to de-active the enzyme. "These features provide exciting opportunities for the
design of retroviral drugs, including AIDS drugs," wrote the authors of a paper appearing Sept. 18
in Nature Structural & Molecular Biology. The scientists and gamers are listed as co-authors.
126
Oriente Médio e no Norte da África. Os protestos compartilharam técnicas de
resistência civil em campanhas sustentadas por greves e manifestações, bem como
pelo uso intenso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para
organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional.
Temos o movimento Ocupem Wall Street, em 2011, que segundo a Agência
de Notícias Reuters (2011), iniciou com manifestação popular nos EUA, que ganhou
grandes proporções no Twitter, permanecendo por dias como um dos assuntos mais
comentados na rede. O movimento, por intermédio do Facebook, inspirou populares
de diversas cidades ao redor do mundo a realizarem suas versões do movimento.
Observam-se, também, os protestos da Praça Tahrir, em 2011, no Egito,
contra o presidente Hosni Mubarak, que segundo Saleh (2011), reuniram
primeiramente 15 mil pessoas, passando para 2 milhões mediante à repercussão
nas redes sociais, resultando na renúncia do presidente, em 11 de fevereiro do
respectivo ano, após trinta anos no poder.
Igualmente, as manifestações de junho de 2013, que ficaram conhecidas no
Brasil como “Jornadas de Junho”, iniciaram a partir dos atos contra o aumento de 20
centavos em passagens de ônibus e ganharam grandes proporções por meio das
redes sociais, sobretudo com o “levantamento” de hashtags (#) no Twitter, para
denunciar corrupções e gastos excessivos do Governo Federal na Copa do Mundo.
Foram noticiados também: os Protestos de Ferguson, que ocorreram em
2014, nos EUA; a Revolução dos Guarda-Chuvas, que ocorreu em 2014, em Hong
Kong; as Manifestações de 15 de março, que aconteceram no Brasil e muitos outros
casos de manifestações que ganharam grandes proporções a partir das redes,
proporcionando mudanças significativas nas áreas política, social e cultural.
Constata-se que o território digital e suas multiterritorialidades humanas estão
cada vez mais presentes no cotidiano, e por ser um novo paradigma que vem
causando grandes mudanças na realidade cotidiana, pode-se afirmar que esse novo
paradigma jurídico traz dificuldades na abordagem técnica, por ser de difícil ou
impossível regulação, pelo enfrentamento de dilemas e anomalias jurídicas. Nota-se
que, devido ao fato desses fluxos de informação estarem afetando diretamente a
realidade material, sobretudo a dimensão política, a busca pelo controle da
territorialidade humana em rede tornou-se agenda prioritária na atualidade, fato este
que pode resultar em danos irreparáveis de controle e opressão.
127
A regulação da rede, como pontuado durante toda a dissertação, demonstra
uma sensibilidade da norma jurídica, uma vez que ao regular a rede com o intuito de
combater as fake news, pode-se com muita facilidade, subjugar os direitos
fundamentais de liberdade de expressão, por meio da monopolização da verdade,
seja por ente estatal ou privado. Assim sendo, observa-se que a ficção 1984 de
George Orwell não é uma realidade distante, a exemplo da China. O projeto de
controle da internet da China, segundo Qiang (2008), teve início em 1998 e em
2003. Primeiro foi introduzida a fase de aplicação prática e só em 2006 o projeto
Golden Shield teve seu pleno funcionamento anunciado. Foram necessários oito
anos para implementar o controle total da internet com um sistema eficiente de
censura.
No livro “A Liberdade”, John Stuart Mill descreve diversas concepções
filosóficas, sendo que a discussão acerca das fake news muito tem a agregar, posto
que Mill (2019) contemplou os limites da liberdade de expresão, mesmo que se
tratasse de uma ideia errada.
Nunca podemos estar seguros de que a opinião que procuramos
sufocar, seja falsa; e, se estivéssemos seguros, sufocá-la seria ainda
um mal. Primeiramente, a opinião que se tenta suprimir por meio da
autoridade talvez seja verdadeira. Os que desejam suprimi-la negam,
sem dúvida, a sua verdade, mas eles não são infalíveis. Não têm
autoridade para decidir a questão por toda a humanidade, nem para
excluir os outros das instâncias do julgamento. Negar ouvido a uma
opinião porque se esteja certo de que é falsa, é presumir que a
própria certeza seja o mesmo que certeza absoluta (MILL, 2019, p.
44).
Ainda na época, John Stuart Mill defendeu o direito das pessoas de se
expressarem, mesmo que estivessem absolutamente erradas, sendo que via na
falibilidade a oportunidade da promoção do debate e, assim, evitar a ascensão de
um dogma autoritário. Em parte de suas obras, o filósofo discorreu sobre a liberdade
dos direitos individuais e seus desdobramentos. No mesmo sentido, John Locke
(1978), ao tratar da tolerância religiosa, chega a afirmar que aquele que é cruel e
implacável diante do outro devido às opiniões religiosas discordantes, não serve ao
reino de Deus.
Mas se alguém age contraditoriamente, pois enquanto é cruel e
implacável para com os que discordam de sua opinião, tolera os
128
pecados e vícios morais que não condizem com a denominação de
cristão -, não obstante toda a sua tagarelice acerca da Igreja,
demonstra claramente que seu objetivo é outro reino, e não o reino
de Deus (LOCKE, 1978, p. 4).
É possível também observar a posição de Karl Popper (1966) no que ficou
conhecido como paradoxo da tolerância, quando aborda como lidar com uma ideia
intolerante.
A tolerância ilimitada deve levar ao desaparecimento da tolerância.
Se estendermos tolerância ilimitada mesmo àqueles que são
intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma
sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os
tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles. — Nesta
formulação, não quero dizer, por exemplo, que devemos sempre
suprimir o enunciado de filosofias intolerantes; contanto que
possamos rebatê-los por meio de argumentos racionais e mantê-los
sob controle pela opinião pública, a supressão certamente seria
muito imprudente43
(POPPER, 1966, p. 543).
Como verificado, a tentativa estatal de suprimir as fake news, uma ideia
intolerante ou qualquer outro tipo de expressão, pode ser um grande equívoco nas
demais dimensões, uma vez que se cria precedentes que violam a liberdade de
expressão como um todo. Nesse sentido, a tentativa constante de o ente
público/privado dominar a rede como um instrumento de poder demonstra que os
fluxos de informação, muito mais do que uma ferramenta de troca de informação,
atende a uma função social a ser reconhecida e zelada pela sociedade. Para isso,
faz-se necessário entender o que é função sob a ótica dos mais variados sociólogos,
sobretudo Durkheim.
43
Unlimited tolerance must lead to the disappearance of tolerance. If we extend unlimited tolerance
even to those who are intolerant, if we are not prepared to defend a tolerant society against the
onslaught of the intolerant, then the tolerant will be destroyed, and tolerance with them. —In this
formulation, I do not imply, for instance, that we should always suppress the utterance of intolerant
philosophies; as long as we can counter them by rational argument and keep them in check by public
opinion, suppression would certainly be most unwise.
129
CAPITULO 5 - FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM
TERRITÓRIO DE REDE
5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO
A concepção de função social assume um papel importante na corrente
funcionalista das Ciências Sociais, modelando o desenvolvimento de toda a análise.
Resumindo, o funcionalismo é basicamente o estudo das funções dos fatos sociais e
suas consequências. De acordo com Thomas Ford Hoult (1969), “Uma função
social é a contribuição que um fenômeno provê a um sistema maior do que aquele
ao qual o fenômeno faz parte”. Herbert Spencer, que junto de August Comte, deu
base ao funcionalismo de Durkheim, dispôs a concepção de função a partir da
analogia orgânica. Na perspectiva de Spencer, função designava o “porquê” de uma
estrutura.
De acordo com Lemos (2013, p. 178),
Na esteira de tal visão, posteriormente, Herbert Spencer (1820-
1903), ao fazer uma analogia entre sociedade e organismo biológico,
cunhou uma diferenciação que se tornou recorrente no campo das
Ciências Sociais, o de estrutura significando configuração da
totalidade social e o de função significando transformação.
Já August Comte (2001), por meio da função, direcionou seus estudos para
compreender a propriedade privada. Para o sociólogo, a propriedade e o proprietário
cumpriam uma função perante a sociedade. O filósofo conclui que a função social da
propriedade é o desenvolvimento de atividades voltadas para gerir o capital e
produzir riqueza para a próxima geração.
Este princípio universal deve certamente se estender à propriedade,
em que o positivismo vê antes de tudo uma função social
indispensável, destinada a formar e administrar o capital com o qual
cada geração prepara o trabalho da seguinte44
(COMTE, 2001, p.
162, tradução nossa).
Para Durkheim (1999, p. 13), além de representar um “sistema de
movimentos vitais”, a função também obedecia a uma “relação de correspondência
44
Ce príncipe universel doit certainement s'étendre jusqu'à la propriété, où le positivisme voit surtout
une indispensable fonction sociale, destinée à former et à administrer les capitaux par lesquels
chaque génération prépare les travaux de la suivante.
130
que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo”, sendo
esta última a que se procurava entender.
Por sua vez, Bronisław Malinowski, um dos fundadores da Antropologia
Britânica, em seu estudo das tribos Trobrianeses, no Pacífico Sul, buscou, de acordo
com De Macedo (1998, p. 72), “explicar cada fato cultural em função de outras
estruturas sociais mais abrangentes”, sendo conhecido por sua postura teleológica
de explicar uma coisa em função de outra.
De acordo com De Macedo (1998), para Malinowski, cada fato social possuía
em si a função de satisfazer as necessidades humanas, como por exemplo, os
rituais religiosos, que tinham a função de agradar ao desejo pela transcendência. Já
a família possuía a função de reprodução; os símbolos econômicos possuíam a
função de viabilizar o trabalho coletivo.
De acordo com a biografia vinculada à base de dados NNDB de Alfred
Reginald Radcliffe-Brown, (lembrado como pai do Funcionalismo Estrutural, e que,
junto de Bronisław Malinowski é considerado cofundador da Antropologia Britânica),
este desenvolveu a teoria estrutural-funcionalista do social, que se opôs ao
funcionalismo de Bronisław Malinowski. Para o funcionalismo estrutural, a sociedade
é uma entidade composta por instituições funcionalmente interdependentes.
Conforme Oliveira (2014, p. 236),
O Estrutural-funcionalismo enquanto uma escola antropológica surgiu
em início do século XX muito em reação aos evolucionistas e
difusionistas, rejeitando os seus modelos teóricos e analíticos, tendo
como seu principal expoente Alfred R. Radcliffe-Brown. Distinguindo-
se também do funcionalismo e sua abordagem teórica, a maneira de
compreender as sociedades, construindo um modelo teórico e
analítico partido da análise da estrutura social, entendendo a
estrutura como sendo as relações sociais estabelecidas na
sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de
sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico
no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da
estrutura, está se relacionando diretamente com aquela.
Portanto, conforme De Oliveira (2014), Radcliffe-Brown analisava o peso que
a estrutura detém ou é determinante sobre o indivíduo. Ele utilizava a análise da
estrutura social, análise da forma estrutural e o método comparativo para a
realização de sua pesquisa. Após observar algumas concepções sociológicas, torna-
se perceptível que o funcionalismo procura explicar aspectos da sociedade em
131
termos de funções. A partir da perspectiva funcionalista, pretende-se analisar a
função do fluxo de informações para além de suas concepções primárias. Contudo,
para discorrer sobre o conceito de função, antes é preciso entender o que é um fato
social, e para isso, é necessário observar as concepções funcionalistas do
sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês Émile
Durkheim.
Diante do exposto, evocam-se seus livros “As Regras do Método Sociológico”
e “Da divisão do Trabalho Social”, em que o sociólogo buscou traçar a metodologia e
a aplicação dessa concepção de função em um estudo sociológico. No livro “Da
divisão do Trabalho Social”, por exemplo, Durkheim buscou encontrar a função
social da divisão do trabalho e concluiu que tal fenômeno envolvia questões muito
mais amplas do que simplesmente impulsionar a ascensão financeira e a produção
de luxos. Para realizar tal análise de forma sólida e metodológica, Durkheim (2004)
tinha a convicção de que o fato social era um elemento tão importante quanto um
artifício físico e/ou biológico intrínseco à natureza humana, ou seja, os fenômenos
sociais a serem analisados assumiram uma forma de exercer uma coerção,
induzindo os sujeitos a procederem de uma certa forma.
Para Durkheim (2004), o fato social poderia ser identificado com base na
coerção social compulsória imposta a um único ou mais sujeitos. Resumidamente,
só poderia ser considerado um fato social o acontecimento que contivesse: A
Generalidade – o acontecimento que fosse identificado em todo o corpo social; A
Exterioridade – um acontecimento que fosse exterior à vontade dos sujeitos; E a
Coercitividade – um acontecimento que apresentasse uma força externa aos sujeitos
e que lhes impusesse um comportamento em prejuízo das vontades individuais.
Para Durkheim (2004, p. 38), “esses tipos de conduta ou de pensamentos não
apenas são exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força
imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer queira, quer não”.
Após compreender a divisão do trabalho como fato social, Durkheim descobriu que,
muito além de gerar riquezas e luxos, a divisão do trabalho possuía uma função
mais ampla, que resultava na solidariedade social e na integração em uma
densidade populacional.
Nesse sentido, serão caracterizados os fluxos de informação como fato social
segundo a perspectiva teórica de Durkheim, ou seja, sua generalidade, exterioridade
e sua coercitividade. Logo em seguida à análise, possuindo os fluxos de informação
132
as três principais características, será possível pesquisar o fato social sob a
perspectiva da sociologia jurídica, por meio das Ciências Sociais Aplicadas. Nesse
sentido, será possível observar como esse fato social e sua função se comportam
diante das regulamentações impostas pelos centros de poder, por meio do Direito
em relação à limitação de seus fluxos.
5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais
Como dito anteriormente, um dos elementos necessários para se identificar
um fato social é a generalidade.
De acordo com Durkheim (2010, p. 8),
Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de
estar no todo por estar nas partes. Isso é sobretudo evidente nas
crenças e práticas, que nos são transmitidas inteiramente prontas
pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque,
sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas
estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos
ensinou a reconhecer e a respeitar.
Nas concepções mais simplórias, generalidade é uma característica que se
estende para um grande grupo de indivíduos ou mesmo para a totalidade de uma
dada sociedade. De acordo com Castells (2019), na sociedade moderna, a mente
humana tornou-se uma força de produção direta, através dos fluxos de informação
no meio digital, por meio dos computadores, sistemas de decodificação e
programação. Diante desse cenário, Castells (2019, p. 135) afirma que,
Ao transformarem os processos de processamento da informação, as
novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da
atividade humana e possibilitam o estabelecimento de conexões
infinitas entre diferentes domínios, assim como entre os elementos e
agentes de tais atividades.
Nota-se que, ao figurar como elemento essencial em todas as atividades
humanas modernas, por estar presente nos principais instrumentos da sociedade
como, por exemplo, o trabalho, os fluxos de informação, assim como concebidos por
Durkheim (2010), são gerais, porque estão no todo e, consequentemente, em cada
parte.
133
Ao utilizar os fluxos de informação digital para as mais variadas atividades
modernas e nas mais variadas dimensões humanas (desde o trabalho até as
interações sociais), é possível afirmar que os fluxos de informação alcançaram o que
Durkheim definiu como generalidade. Pode-se observar, por exemplo, que a União
Internacional de Telecomunicações, uma agência especializada da ONU, estimou
que 3,2 bilhões de pessoas estariam utilizando a internet até 2015.
Conforme Sanou (2015, p. 01),
Em 2015, havia mais de 7 bilhões de assinaturas de celulares móveis
em todo o mundo, ante menos de 1 bilhão em 2000. Globalmente,
3,2 bilhões de pessoas estão usando a Internet, das quais 2 bilhões
são de países em desenvolvimento. As TICs terão um papel ainda
mais significativo na agenda de desenvolvimento pós-2015 e no
alcance das metas futuras de desenvolvimento sustentável, na
medida em que o mundo se move cada vez mais rápido em direção a
uma sociedade digital45
(tradução nossa).
Com esse fato, pode-se identificar a generalidade dos fluxos de informação,
posto que a internet é acessada pela metade da população global por meio das mais
variadas TICs, além de ser utilizada para diferentes finalidades. Não apenas na
quantidade de indivíduos/coletivos acessando os fluxos de informação que se pode
identificar a generalidade, mas também é possível observar o seu envolvimento com
o espaço em rede. Nesse sentido, de acordo com o site DataReportal, especializado
em dados, em parceria com a Kepios, com a Hootsuite e com a We Are Social,
identificou-se que o engajamento dos usuários em rede tem aumentado, conforme o
Relatório Digital outubro de 2020 – Global Statshot.
Mais de 4 bilhões de pessoas em todo o mundo usam agora as
mídias sociais a cada mês, e uma média de quase 2 milhões de
novos usuários estão se juntando a elas todos os dias. O mundo
também está gastando mais tempo com as mídias sociais, com o
usuário típico passando agora cerca de 15% de sua vida acordada
usando plataformas sociais46
(KEMP, 2020, s.n, tradução nossa).
45
In 2015 there are more than 7 billion mobile cellular subscriptions worldwide, up from less than 1
billion in 2000. Globally 3.2 billion people are using the Internet of which 2 billion are from developing
countries. ICTs will play an even more significant role in the post 2015 development agenda and in
achieving future sustainable development goals as the world moves faster and faster towards a digital
society.
46
More than 4 billion people around the world now use social media each month, and an average of
nearly 2 million new users are joining them every day. The world is spending more time on social
media too, with the typical user now spending roughly 15 percent of their waking life using social
platforms.
134
Percebe-se que, muito além da quantidade de adesão aos fluxos de
informação, o engajamento dos usuários também tem aumentado globalmente,
demonstrando que não se trata de um fenômeno passageiro, mas de um fato social
que interfere diretamente nos rumos da sociedade. Nesse passo, é possível analisar
a exterioridade dos fluxos de informação. Compreender a função social dos fluxos de
informação no ciberespaço é uma das das pretensões deste estudo. Uma vez que
boa parte da população já possui acesso às redes sociais, se comunica e
compartilha suas opiniões por meio dessas ferramentas, torna-se possível observar
que estudar tais fluxos sem levar em consideração sua função no denvolvimento da
liberdade pode gerar consequências que induzem ao autoritarismo. A generalidade é
um dos aspectos que torna a função social sensível a qualquer tipo de regulação ou
controle forçado de seu movimento, posto que os atores vinculados a partir deste
não afetam apenas um indivíduo, mas toda a coletividade.
5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais
A exterioridade, em sua concepção mais simples, também constitui um
elemento para se identificar um fato social e pode ser vista como a independência do
fenômeno em relação à ação individual. Segundo Durkheim (2007, p. 02),
O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento,
o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os
instrumentos de crédito que utilizo em minhas relações comerciais,
as práticas observadas em minha profissão, etc. funcionam
independentemente do uso que faço deles. Que se tomem um a um
todos os membros de que é composta a sociedade; o que precede
poderá ser repetido a propósito de cada um deles. Eis aí, portanto,
maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável
propriedade de existirem fora das consciências individuais.
Observa-se, sob a concepção de exterioridade de Durkheim, que os fatos
sociais ocorrem de forma independente da ação individual, ou seja, são exteriores
ao indivíduo porque não dependem de sua vontade ou de sua adesão. Nesse passo,
os fluxos de informação, assim como o sistema de moedas, os instrumentos de
créditos, as práticas comerciais, dentre outros, funcionam independentemente da
adesão do indivíduo. Aliás, o que seriam os fluxos de informação em meio digital se
não fosse a otimização do processo de comunicação, que por si só, já é exterior aos
135
indivíduos?
Independentemente da forma, os indivíduos de uma sociedade continuarão
trocando informações e se comunicando, e tal processo não depende da adesão
individual, pois faz parte do processo evolutivo e permanecerá fluindo no espaço e
no tempo por meio do corpo social, que irá, cada vez mais, procurar meios para
otimizar ainda mais tal processo. Uma vez que a tecnologia alcançou as estruturas
sociais, como a política, o trabalho e as relações sociais, como aparato essencial
para executar tais atividades, é plenamente possível afirmar que os fluxos de
informação em rede se enquadram como um fato social que possui a exterioridade.
Nesse sentido, quando o indivíduo nasce, a sociedade já está organizada, com suas
leis, seus padrões, seu sistema financeiro, etc. Cabe ao indivíduo aprender a lidar
com tais dinâmicas. Dessa forma, a Educação (em seu modelo coercitivo) surge
como um bom identificador da exterioridade de um determinado fato social, posto
que sua função é conduzir o indivíduo a se adequar aos aspectos de uma
sociedade.
Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de
cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro
deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no direito
e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus
sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade deles,
esta não deixa de ser objetiva; pos não fui eu que os fiz, mas os
recebi pela educação (DURKHEIM, 2007, p. 1-2).
Nesse sentido, uma vez introduzidas as TICs na sociedade e tendo estas
integrado à centralidade de quase todas as atividades humanas, é possível observar
o papel da Educação em inserir os indivíduos na tecnologia.
Conforme afirma De Almeida (2008, p. 26),
Em 1983, a Secretaria Especial de Informática – SEI do governo do
Brasil estruturou a Comissão Especial de Informática na Educação, a
partir de seminários nacionais realizados nos anos de 1981 e 1982,
promovidos em conjunto com o Ministério da Educação – MEC, e
que contaram com a participação da comunidade científica, a qual
recomendou a realização de experimentos piloto com a finalidade de
criar referências para uma adequada utilização, antecedendo a
disseminação massiva. O primeiro programa de informática na
educação do Brasil, Projeto EDUCOM – Educação com Computador,
implementado em 1984 pelo MEC, promoveu a criação de centros-
piloto em cinco universidades públicas brasileiras, com a finalidade
de realizar pesquisa multidisciplinar e capacitar recursos humanos
136
para subsidiar a decisão de informatização da educação pública
brasileira.
Observando a história do desenvolvimento da telecomunicação e da rede de
internet no Brasil, é possível afirmar que a Educação foi essencial para o
desenvolvimento da rede brasileira, por meio da formação de técnicos e engenheiros
da informática. Nesse passo, o que antes era visto como um marco histórico da
informação, hoje comumente vemos como aulas de informática, que educam e
moldam os novos indivíduos para se locomoverem pelos fluxos de informação em
rede.
Nesse sentido, conforme Luciana Alvarez (2014, s.n), em matéria vinculada à
Revista Educação,
Para crianças que só conheceram um mundo onde computadores,
celulares e outros eletrônicos que estão espalhados por toda parte,
usar a tecnologia é algo que aprendem tão facilmente quanto usar
roupas ou talheres. Elas manipulam esses objetos com desenvoltura,
pois eles fazem parte de um aprendizado da vida em sociedade, da
cultura onde estão imersas. Sem precisar dispensar esforços para
tornar as crianças exímias usuárias da tecnologia, as escolas vinham
até recentemente se preocupando em mostrar como usá-la de forma
produtiva e com visão crítica. Cada vez mais instituições, no entanto,
passaram a enveredar por um caminho diferente e a integrar em
seus currículos o ensino de alguma forma de programação. É um tipo
de aprendizado que permite que elas sejam não apenas
consumidoras de tecnologia, mas também produtoras. Os defensores
do ensino de programação, que têm aumentado em escala global,
argumentam que o aprendizado dessa linguagem ajuda na
autonomia na hora de resolver problemas, incentiva o trabalho
colaborativo e aumenta a capacidade de pensar de forma
sistematizada e criativa.
Portanto, a Educação é um dos indicadores mais claros da exterioridade. O
ensino da programação, por exemplo, tem se tornado uma grande tendência,
demonstrando que, diante de uma exigência cada vez maior do desenvolvimento
das tecnologias da Informação e comunicação, os novos indivíduos precisam ser
ensinados a se portar diante de um sistema de normas e costumes já construído.
Nesse sentido, é válido pontuar que a ação deficitária da Educação em prover
recursos para que o indivído se adeque ao meio digital pode resultar na chamada
“Exclusão digital”, conforme Marcus Almeida e Maria Freitas (2013, p. 108) afirmam:
137
Um parceiro importante no combate à exclusão digital é a educação.
A educação é um processo e a inclusão digital é um elemento
essencial deste processo. Instituições de ensino, tanto públicas como
particulares, devem contribuir para o aprendizado e interação dos
cidadãos com as novas tecnologias, sendo para isso necessária a
atuação governamental e da própria sociedade.
Também é importante ressaltar que o núcleo familiar, ao dar plena liberdade
dos novos indivíduos de “vagar” pelas redes, também exerce um papel de introduzi-
los nos fluxos de informação, orientando os filhos sobre como se portar e agir.
Segundo a NIC.BR (2020a, s.n),
A maior parte dos pais e responsáveis (80%) diz que conversa sobre
o que as crianças e adolescentes fazem na internet; 77% dizem que
ensinam jeitos de usar a rede social com segurança; e, 57%, que
sentam junto com eles enquanto usam a internet, falando ou
participando do que estão fazendo.
Nota-se que, sendo a Educação instrumento social de formação de novos
cidadãos, é plenamente viável afirmar que, ao cumprir seu papel de introduzir os
novos cidadãos às normas, leis e regras de convivências, inclusive nos meios
digitais, esta também (além do núcleo familiar) exerce a exterioridade dos fluxos de
informação. Nesse sentido, faz-se necessário compreender a coercitividade, uma
vez que constitui a mais importante e imponente característica de um fato social.
5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais
Para identificar um fato social é necessário também identificar o que Durkheim
chamou de coercitividade, que para o sociólogo é a característica relacionada com o
poder que um fato social tem de se impor aos indivíduos que integram uma
determinada sociedade, obrigando-os a cumprir determinados costumes.
Nesse passo, Durkheim (2010, p. 09) afirma que:
Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que
exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença
desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência de
alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a
toda tentativa individual de fazer-lhe violência.
138
A coercitividade dos fluxos de informação digital é visível, sobretudo no
tocante à sua presença nas estruturas de uma sociedade. Segundo Castells (2019,
p. 124), “como a informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os
processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados
(embora, com certeza, não determinados) pelo novo meio tecnológico”. Além disso,
Castells (2019) ressalta que devido ao fato de a informação ser integrante de todas
as atividades humanas, o novo meio tecnológico afeta diretamente uma de suas
principais estruturas, o trabalho.
O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. A
transformação tecnológica e administrativa do trabalho e das
relações produtivas dentro e em torno da empresa emergente em
rede é o principal instrumento por meio do qual o paradigma
informacional e o processo de globalização afetam a sociedade em
geral (CASTELLS, 2019, p. 267).
Uma vez que as tecnologias da informação se tornaram fundamentais nas
atividades humanas, sobretudo nas estruturas sociais como o trabalho, é visível seu
elemento coercitivo, já que aqueles que não se atualizam e/ou acompanham sua
crescente evolução, se tornam “obsoletos” para o mercado em uma sociedade, e
consequentemente, aqueles que não aderem ao novo paradigma são isolados do
meio social. Nesse sentido, Durkheim, ao tratar da coercitividade, se utilizou
justamente das relações sociais e do trabalho como um dos melhores indicadores da
coerção social.
Ademais, a coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua sendo
eficaz. Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas,
nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro
modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa
fracassaria miseravelmente. Industrial, nada me proíbe de trabalhar
apenas com procedimentos e métodos do século passado; mas, se o
fizer, é certo que me arruinarei (DURKHEIM, 2007, p. 3).
Os fluxos de informação ocuparam a centralidade das atividades humanas,
sobretudo o instrumento social do trabalho, como já exposto anteriormente pelos
escritos de Castells (2019). Nesse sentido, valendo-se das afirmações de Durkheim
ao abordar a coerção dos procedimentos e métodos do trabalho industrial, é
perceptível que, o indivíduo que não atualiza seus conhecimentos e/ou não participa
ativamente dos fluxos de informação, torna-se obsoleto, sendo forçado a participar.
139
Assim, é válido pontuar que, no caso dos fluxos de informação, sendo fato que estes
ocuparam a centralidade das atividades humanas, pode-se constatar que o indivíduo
que se torna obsoleto não só é afastado do meio industrial e do meio de produção, é
também esquecido e afastado do seu meio social. Nesse sentido, assim como
Dhurkeim, é possível afirmar que nada proíbe um indivíduo de não saber utilizar as
TICs para acessar os fluxos de informação; mas, se o fizer, é certo que será
prejudicado ou nada proíbe um indivíduo de não ter redes sociais; mas, se o fizer, é
certo que será prejudicado em suas relações.
Portanto, os fluxos de informação apresentam as três características básicas
do fato social: a generalidade – por ter se tornado centro das atividades humanas, os
fluxos de informação estão presentes em todo o corpo social; a exterioridade – por
meio da Educação, o indíviduo é conduzido a se comportar e a aderir aos fluxos de
informação; a coercitividade – por meio da centralidade das atividades humanas,
aquele que se torna obsoleto diante do uso dos fluxos de informação é “descartado”
pelo utilitarismo social. Com a identificação da generalidade, da exterioridade e da
coercitividade dos fluxos de informação é possível analisar a função social dos fluxos
de informação.
5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM
Uma vez que os fluxos de informação digital presentes no território e na
territorialidade do ciberespaço possuem a generalidade, a coercitividade e a
exterioridade, é possível afirmar que se trata de um fato social. Nesse sentido, deve-
se entender o que Durkheim concebe a respeito de função social em sua obra da
divisão do trabalho social, na qual o sociólogo procura demonstrar que além de gerar
riquezas, a divisão do trabalho possui a função de gerar a coesão social e a
solidariedade.
O sociólogo explica do que se trata o conceito:
A palavra função é empregada de duas maneiras bastante
diferentes. Ora designa um sistema de movimentos vitais, fazendo-se
abstração das suas consequências, ora exprime a relação de
correspondência que existe entre esses movimentos e algumas
necessidades do organismo. Assim, fala-se da função de digestão,
de respiração, etc.; mas também se diz que a digestão tem por
função presidir a incorporação no organismo das substâncias
140
líquidas ou sólidas destinadas a reparar suas perdas; que a
respiração tem por função introduzir nos tecidos do animal os gases
necessários à manutenção da vida, etc. E nessa segunda acepção
que entendemos a palavra. Perguntar-se qual é a função da divisão
do trabalho e, portanto, procurar a que necessidade ela corresponde;
quando tivermos resolvido essa questão, poderemos ver se essa
necessidade e da mesma natureza que aquelas a que correspondem
outras regras de conduta cujo caráter moral não é discutido
(DURKHEIM, 1999 p. 13).
Durkheim identificou, limitando sua pesquisa sob a perspectiva da função, que
a divisão do trabalho não tinha apenas a função de produzir mais em menos tempo,
mas também, de integrar a sociedade de forma harmônica em uma mesma
densidade, resultando no que ele chamou de coesão social. Utilizando o
instrumental de Durkheim, esta dissertação investiga a função social dos fluxos de
informação presentes no território e na territorialidade do ciberespaço. Esta análise
será delimitada sob a perspectiva do valor da informação na sociedade moderna,
sobretudo por meio da análise jurídica relacionada aos escândalos ligados às
tentativas constantes de se regular a rede judicialmente, por meio do combate às
fake news.
De acordo com Lévy (2010), as principais funções do ciberespaço são: o
acesso à distância aos diversos recursos de um computador e a transferência de
dados e a troca de mensagens. Nada é tão óbvio, à primeira vista, como a função
primária do ciberespaço e seus fluxos de informação. A troca de dados, informações
e conhecimentos em tempo real ao redor do Globo, de fato, proporcionam vantagens
incomensuráveis à sociedade moderna; a troca por si só gera riquezas e aproxima
pessoas.
De fato, as transformações causadas pela rede são inigualáveis. Contudo, há
que se atentar às outras funções que a rede exerce e são essas funções que se
pretende abordar. A rede se firmou como um espaço livre de fluxos de informação e
conhecimentos, conforme Francis Bacon (1826, p. 308) afirma em seu livro
Meditationes Sacræ - de haeresibus, “nam et ipsa scientia potestas est” – “O
conhecimento é em si mesmo um poder”. Nesse passo, para a construção de um
conhecimento, antes é preciso reunir dados, cruzar informações, para
posteriormente, produzir o conhecimento.
Diante de tal fato, o ciberespaço como um território legítimo por meio do fluxo
de informação e com uma territorialidade vasta através de milhões de centros de
141
interesses, se tornou uma ferramenta preciosa no controle das massas, além de um
instrumento poderoso contra o autoritarismo que busca censurar aquilo que lhe
convém. Nesse sentido, Pierre Lévy (2010, p. 13) afirma que “[...] não são os pobres
que se opõem à internet – são aqueles cujas posições de poder, os privilégios
(sobretudo os privilégios culturais) e os monopólios encontram-se ameaçados pela
emergência dessas novas configurações de comunicação”. Ao mesmo tempo que o
ciberespaço atingiu uma legitimidade global como um território livre e com bilhões de
usuários, passou também a ocupar com destaque a atenção dos centros de poder,
que muitas vezes se veem prejudicados com a atuação da rede em disseminar
informações.
Nesse sentido, apesar de o algorítimo de bolha estar polarizando grande
parcela dos usuários, não há como negar que o conhecimento se tornou ainda mais
acessível ao povo e, consequentemente, o povo tornou-se ainda mais suscetível a
questionar e a debater as decisões políticas, a partir de suas próprias percepções.
Diante de tal fato, o autoritarismo enfraquece, sendo esse o principal motivo de os
Estados que suprimem as informações, como China e Rússia, por exemplo,
quererem controlar a rede e seus fluxos.
De acordo com o pesquisador Shahbaz (2018, s.n), em matéria veiculada pela
organização Freedomhouse,
Proteger a liberdade da Internet contra a ascensão do autoritarismo
digital é fundamental para proteger a democracia como um todo. A
tecnologia deve capacitar os cidadãos a fazer suas próprias escolhas
sociais, econômicas e políticas, sem coerção ou manipulação
oculta47
(tradução nossa).
Quase sempre um fenômeno alcança seu status quo de fato social quando
atinge a importância nos instrumentos sociais como trabalho e/ou política. Assim
sendo, os fluxos de informação digital alcançaram a importância e a essencialidade
no cotidiano humano não só no trabalho ou na política, mas em todas as dimensões
de suas atividades. Tal importância tem abalado algumas das estruturas sociais,
como por exemplo, a política, que até recentemente não via muita importância em
regular a rede, até ter alguns de seus escândalos expostos e eternizados na rede
47
Securing internet freedom against the rise of digital authoritarianism is fundamental to protecting
democracy as a whole. Technology should empower citizens to make their own social, economic, and
political choices without coercion or hidden manipulation.
142
mundial de computadores.
Nesse sentido, é notório que muito além de ser uma ferramenta de acesso a
outros computadores, de troca de informações e de mensagens, os fluxos de
informação digital cumprem papel fundamental para a preservação da democracia,
da liberdade de expressão, da liberdade de pensamento e da liberdade de imprensa,
e assim o faz por meio da descentralização dos meios de informação que, até então,
são controlados pelos centros de poder.
5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL
De acordo com as concepções funcionalistas de Durkheim, para se identificar
a função social de um fato social deve-se observar a que necessidade tal fato social
corresponde. Como já abordado anteriormente, a rede surgiu nos EUA como
ferramenta de integração de diversos pontos distintos entre os quarteis militares e
entidades científicas. Já no Brasil, a rede surgiu para a concretização da
integração/coalizão nacional, por meio do desenvolvimento da comunicação.
Observando-se a origem e expansão da rede, é possível afirmar, recorrendo-se ao
esquema teórico de Durkheim, que a função primária dos fluxos de informação
digital, ou seja, o sistema de movimentos, é o acesso, à distância, aos diversos
recursos de um computador, a transferência de dados e a troca de mensagens de
forma rápida e dinâmica. Contudo, não é essa função primária que se pretende
identificar, mas a relação de correspondência existente entre esses movimentos e as
necessidades do organismo/sociedade.
Tanto Castells (2019) quanto Bauman (2001) citam Neil Postman para
demonstrar a importância da linguagem. Para Postman (1985, p.15, tradução
nossa), “Não vemos a natureza, ou inteligência, ou motivação humana, ou ideologia
como ‘ela’ é, mas apenas como nossas línguas são. E nossas línguas são nossa
mídia. Nossa mídia é nossa metáfora. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa
cultura.”48
. Dessa forma, é possível determinar que os dados, as informações, os
conhecimentos e as comunicações, por meio da linguagem, moldam a cultura. Uma
vez introduzidas as tecnologias da informação no processo de comunicação por
48
We do not see nature or intelligence or human motivation or ideology as "it" is but only as our
languages are. And our languages are our media. Our media are our metaphors. Our metaphors
create the content of our culture.
143
meio das redes globais, pode-se identificar uma “desmassificação” da comunicação
dominada pelos centros de poder. Dessa forma, constata-se que, assim como a
democracia liberal libertou a sociedade do autoritarismo pujante nos séculos
passados e atribuiu a liberdade e o poder de escolha a cada cidadão, a tecnologia
da rede mundial de computadores deu poder aos usuários para se libertarem das
informações provenientes das culturas de massa, dominadas pelos governos e pelos
oligopólios empresariais.
Ao abordar a cultura de massas proporcionada pelo fenômeno que foi a
ascensão da televisão, Castells (2019, p. 416) diz: “O conceito de cultura de massa,
originário da sociedade de massa, foi uma expressão direta do sistema de mídia
resultante do controle da nova tecnologia de comunicação eletrônica exercido pelo
governo e oligopólios empresariais”. Diante dessa concepção, é possível afirmar que
a mídia de massas possui um processo de comunicação de mão única que não
corresponde à realidade. A rede mundial de computadores supera tais limitações da
mídia de massas, ao propor “milhares de vias” no processo de comunicação. Assim,
pode-se atribuir aos fluxos em rede o que antes era atribuído apenas à atividade
jornalística, o status de quarto poder, uma vez que a rede denuncia e expõe as
ilegalidades praticadas pelas centralidades do poder sob as mais diferentes
perspectivas.
Ainda é válido pontuar que a rede possibilita, de forma mais ampla, a
execução do disposto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos
(1948):
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão;
este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer
meios e independentemente de fronteiras (DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1984, s.n).
Nesse sentido, é perceptível que as redes têm se tornado um grande incômodo
nas relações de poder preexistentes nas sociedades, sobretudo devido ao fato de o
poder vigente querer regular, não o sistema que induz à polarização, mas às
informações que ali fluem por meio de seus usuários, sugerindo que, muito além de
ser um instrumento de troca de mensagens, os fluxos de informação possuem a
função social de executar a preservação da liberdade em uma sociedade, sobretudo
no que tange ao seu direito da livre expressão de ideias e do acesso à informação.
144
Conforme Lévy (2010, p. 16), ao fazer uma analogia com a Arca de Noé como sendo
a arca o receptáculo de uma informação que persiste a qualquer extermínio, assim
diz:
"Eles foram extintos da Terra; ficou somente Noé e os que estavam
com ele na barca" (Gênesis 7, 23). A operação de salvamento de
Noé parece complementar, quase cúmplice de um extermínio. A
totalidade com pretensões universais afoga tudo aquilo que não pode
reter. (...) Na China, o imperador amarelo mandou destruir quase
todos os textos anteriores a seu regime. Qual César, qual
conquistador bárbaro deu ordens para deixar queimar a biblioteca de
Alexandria a fim de terminar com a desordem helenística? A
Inquisição espanhola colocava fogo em autos de fé de onde
esvaiam-se em fumaça o Corão, o Talmude e tantas outras páginas
inspiradas ou meditadas. Horríveis fogueiras hitlerianas, fogos de
livros nas praças europeias, em que ardiam a inteligência e a cultura!
Talvez a primeira de todas essas tentativas de aniquilação tenha sido
a do império mais antigo, na Mesopotâmia, de onde nos vêm tanto a
versão oral como a escrita do dilúvio, muito antes da Bíblia. Pois foi
Sargão de Agadé, rei dos quatro países, primeiro imperador da
história, que mandou jogar no Eufrates milhares de tabulas de argila,
nas quais estavam gravadas lendas de tempos imemoriais, preceitos
de sabedoria, manuais de medicina ou de magia, secretados por
várias gerações de escribas. Os signos permanecem legíveis por
alguns instantes sob a água corrente, depois se apagam. (...) Muitas
vozes foram caladas para sempre. Não suscitarão mais nenhum eco,
nenhuma resposta. Mas o novo dilúvio não apaga as marcas do
espírito. Carrega-as todas juntas. Fluida, virtual, ao mesmo tempo
reunida e dispersa, essa biblioteca de Babel não pode ser queimada.
As inúmeras vozes que ressoam no ciberespaço continuarão a se
fazer ouvir e a gerar respostas.
Uma vez que a informação não circula mais pelos meios físicos (por meio de
mídia física como livros, filmagens e documentos) e se eterniza nos meios digitais,
tornou-se difícil ou quase impossível, que os centros de poder dominantes
realizassem o ritual conhecido como “queima de livros”, que assim como o nome
sugere, se trata de um ritual realizado em contexto público, onde se queimam livros
para demonstrar a oposição do poder opressor vigente a certa visão cultural,
religiosa e política de seus conteúdos, impondo, por meio do ritual, a censura. Nesse
sentido, é notória a movimentação dos centros de poder em criar um “novo ritual”
para controlar o fluxo de informação. Para identificar esse novo ritual que tanto
almejam, a fim de controlar esse importante instrumento social, os fluxos de
informação, é necessário saber como estes se dão em rede. Para isso, contaremos
com uma explicação simples e objetiva de Pierre Lévy. Ao dissociar os usuários de
145
suas ideias, tornou-se possível dar visibilidade a discussões/grupos de interesses
que até então não eram notados pelo denominador comum das mídias de massas.
Nesse sentido, Lévy (2010, p. 103) afirma que:
Ao dar uma visibilidade a estes grupos de discussão, que são feitos e
desfeitos o tempo todo, o ciberespaço torna-se uma forma de
contatar pessoas não mais em função de seu nome ou de sua
posição geográfica, mas a partir de seus centros de interesses.
Observa-se que a rede possibilitou a qualquer usuário, independentemente de
quem seja, ter visibilidade ao expressar sua opinião em rede. A visibilidade em rede
é resultado direto da quantidade de usuários percorrendo os fluxos ao qual a
informação de seu interesse se insere e o quanto eles estão engajados em relação a
certa informação. Nesse passo, quanto mais usuários buscam certa informação e
discutem a respeito dela, mais visível ela se torna. Diante desse cenário, em que as
mais variadas ideias e opiniões podem ganhar visibilidade de forma dinâmica,
inclusive aquelas ideias e opiniões que vão contra o interesse dos centros de poder
vigentes, é perceptível que a regulação e o controle de seus fluxos se tornaram
agenda prioritária do Direito como instrumento de controle social.
Para Durkheim (1960, p. 10),
[...] a sociedade sem o direito não resistiria, seria anárquica, teria o
seu fim. O direito é a grande coluna que sustenta a sociedade.
Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito
representa um grande esforço para adaptar o mundo exterior às suas
necessidades de vida.
Nesse sentido, faz-se necessário uma breve análise do Direito como
ferramenta reguladora dos fluxos de informação, para entender as relações de poder
existentes, em virtude de sua popularização.
5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL
Os Fatos Sociais, as Funções sociais, as Anomias, a Ordem, a Justiça
Retributiva e Restaurativa, as Relações Sociais, a Dominação, a Coerção, o
Positivismo e vários outros conceitos jurídicos derivam das concepções que os
fundadores da Sociologia criaram para entender determinado aspecto da
146
organização nas sociedades modernas. Contudo, a Sociologia do Direito propõe um
olhar voltado à regulação da vida coletiva a partir das Relações Sociais. Para a
Sociologia Jurídica, a coletividade tem responsabilidade para com seus membros,
uma vez que os comportamentos, os fatos e os fenômenos sociais decorrem muito
mais das relações e responsabilidades que tomamos uns com os outros, do que de
atos individuais e subjetivos dos agentes sociais.
Como exemplo dessa integração das Ciências Sociais com a norma jurídica e
a importância que a coletividade tem na aplicação da lei, temos a função social da
propriedade e dos contratos, em que não basta apenas o título aquisitivo de uma
propriedade ou uma relação contratual entre as partes para conferir legitimidade aos
sujeitos de direitos envolvidos no ato jurídico, mas há de se observar, também, a
sensibilidade destes com o dever social imposto pela Constituição Federal à
finalidade/função de cada elemento/objeto. José Mário Delaiti de Melo, ao discorrer
sobre a função social da propriedade, diz:
Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as
restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Tais restrições seriam
limites negativos aos direitos do proprietário. A noção de função
social da propriedade relaciona-se com a capacidade produtiva da
propriedade, ou seja, trata-se do poder de dar ao objeto da
propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo (DE
MELO, 2013, s.n).
Ao discorrer sobre a função social do contrato, Gonçalves (2012, p. 26) diz:
É possível afirmar que o atendimento à função social pode ser
enfocado sob dois aspectos: um individual, relativo aos contratantes,
que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e
outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato.
Nesta medida, a função social do contrato somente estará cumprida
quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de
forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de
equilíbrio social.
Observa-se, que na Sociologia Jurídica, as concepções funcionalistas se
encontram presentes em duas das relações mais importantes, comuns e constantes
do Direito: a propriedade e o contrato. Nesse sentido, tanto os contratos quanto as
propriedades, além de atender às necessidades aparentes dos indivíduos, possuem
uma função social de cunho coletivo, voltada ao bem-estar e à produção/circulação
de riquezas. Na obra, “Da divisão do trabalho social”, de Émile Durkheim, o Direito é
147
um objeto presente durante todo o percorrer de sua teoria, assumindo um importante
papel como uma espécie de condição constitutiva da vida social.
Durkheim (1999, p. 31-32) afirma que:
De fato, a vida social, onde quer que exista de maneira duradoura,
tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a se organizar, e
o direito nada mais é que essa mesma organização no que ela tem
de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não
pode se estender num ponto sem que a vida jurídica nele se estenda
ao mesmo tempo e na mesma proporção. Portanto, podemos estar
certos de encontrar refletidas no direito todas as variedades
essenciais da solidariedade social.
Ao analisar a Solidariedade Mecânica (solidarité mécanique), a Solidariedade
Orgânica (solidarité organique), o Direito Repressivo (droit répressif) e o Direito
Restitutivo (droit restitutif), Durkheim atribui ao Direito o status de indicador das
principais formas de uma sociedade. Tal importância é atribuída ao Direito devido ao
fato de ele se modificar conforme as relações sociais. Assim, seria possível utilizar
as relações sociais como objeto de estudo em que, por meio da classificação dos
diversos Direitos existentes, seria possível identificar as formas de uma sociedade.
Ao aproximar a Sociologia e o Direito, Durkheim, Weber e Comte influenciaram
grande parcela das concepções que o Direito Moderno utiliza em sua aplicação, uma
vez que parte de sua base deriva das Ciências Sociais. Nesse sentido, o Direito
como objeto de estudo da Sociologia tem por função o controle social, objetivando
assegurar a solidariedade e impedindo que fatos contrários ou violadores da
sociedade ocorram de forma impune.
Em busca de resposta para a questão norteadora que é “qual a função social
dos fluxos de informações nas redes sociais e sua relação entre liberdade de
expressão e censura no Brasil?”, o presente estudo aprofundou-se em alguns
conceitos-base para a sua execução, como por exemplo, o território e a
territorialidade em rede, o fluxo de informação no ciberespaço como fato social e sua
função social a partir do modelo durkhemiano. A partir dessas concepções e dada a
importância do Direito como um fator determinante para a análise de uma sociedade,
será possível identificar, por meio de um diálogo entre a função social e o Direito, as
consequências de uma regulação que não leve em consideração a função social dos
fluxos de informação em rede, qual seja, descentralizar o monopólio da informação e
realizar a preservação da liberdade. Este capítulo se dedicará à essa problemática.
148
Uma vez que o Direito é um dos indicadores mais claros e evidentes de uma
sociedade, pretende-se, por meio do modelo durkhemiano, realizar a análise do
Direito sob o aspecto da liberdade de expressão em rede, posto que tal análise é
importante para revelar as implicações que a limitação da função social dos fluxos
de informação pode levar a uma regulação autoritária. Nesse sentido, após todas as
abordagens realizadas até o presente momento, será de suma importância recorrer
à Constituição Federal, a Lei n° 12.965/2014, CPMI das fake news e outros
elementos e movimentos políticos como indicadores da função social dos fluxos de
informação, ou seja, a qual necessidade os fluxos de informação correspondem.
A liberdade de expressão é garantida pela Constituição de 1988,
principalmente nos incisos IV e IX do artigo 5º. Enquanto o inciso IV é mais amplo e
trata da livre manifestação do pensamento, o inciso IX foca na liberdade de
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(BRASIL, 1988, p. 17-18).
Já na Lei n° 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que
estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil,
dispõe no seu inciso I do arts. 3º e 8º, a garantia da liberdade de expressão em rede.
Vejamos:
Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes
princípios:
I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação
de pensamento, nos termos da Constituição Federal;
Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão
nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de
acesso à internet (BRASIL, 2014, p. 1).
149
Como já relatado, não há um consenso definido sobre a concepção de
democracia, mas é central em todas as definições que não há como existir
democracia em uma sociedade em que a censura e a opressão sejam exercidas.
Apesar de a liberdade de expressão ser garantida pelos dispositivos acima
mencionados, esses dispositivos vêm sendo minados pelos órgãos estatais como
pretexto para regular a opinião e blindar a atuação política de críticas. Como
exemplo disso, temos a instauração de várias CPIs nos estados e municípios
brasileiros, como por exemplo, a CPI das fake news do Estado de São Paulo, que
instaurou a Comissão Parlamentar de Inquérito, por meio do Ato 75/2018, do
Presidente da Assembleia, mediante Requerimento nº 1810/2018, com a finalidade
de investigar o caso das fake news (notícias falsas) que surgem diariamente nas
redes sociais, no Estado de São Paulo, que, para muitos, foi considerada uma
grande decepção diante dos resultados inconclusivos.
De acordo com a Assembleia Legislativa de São Paulo (2020), a deputada
Mônica, da Mandata Ativista, proferiu as seguintes falas: "Nossa CPI não é de um
todo conclusiva, diversos fatores atrapalharam, a gente não pode dizer aqui que a
gente conhece a verdade de um tema tão complexo". Já a deputada Janaina
Paschoal definiu a CPI como injusta e parcial, nas seguintes palavras: "Apesar de
reconhecerem que os trabalhos são inconclusivos apresentam uma lista de supostas
fake news, todas teoricamente praticadas por direitistas". Nota-se que, por si só, a
temática é bastante polêmica na política, uma vez que as partes envolvidas trocam
acusações constantes acerca da lisura processual e da utilização das fake News
como pretexto para perseguição política.
Nesse sentido, é necessário abordar a comissão que mais se destacou no
cenário nacional, a CPMI das fake news, instalada em setembro de 2019, com o
senador Ângelo Coronel (PSD-BA) sendo eleito presidente, e a deputada Lídice da
Mata (PSB-BA), nomeada relatora. A CPMI das fake news foi criada no Brasil para
investigar, no prazo de 180 dias, os ataques cibernéticos que atentam contra a
democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os
resultados das eleições 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais
vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; o
aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e
suicídio.
150
De acordo com o Requerimento (RQN) 11/2019, que deu origem à CPMI,
Desde a volta da população às ruas, por ocasião das manifestações
de junho de 2013, quando o aumento das tarifas de ônibus fez
irromper uma onda de protestos por todo o Brasil, podemos assistir à
transformação das redes sociais em um reconhecido espaço de
expressão da democracia, uma vez terem estas assumido um
protagonismo como instrumento de mobilização e de difusão de
informações (DEPUTADO FEDERAL ALEXANDRE LEITE, 2019, p.
1).
Como bem observado pelo Requerimento 11/2019, a rede se firmou como um
espaço livre e democrático de troca de informações entre os agentes e os indivíduos
dos pontos mais distintos do Globo. Como um exemplo criativo e poderoso dessa
ferramenta, aliada aos recursos da computação, temos o projeto The Uncensored
Library49
, um servidor do jogo Minecraft (jogo mais vendido de todos os tempos,
mais de 200 milhões de cópias em todas as plataformas até maio de 2020),
dedicado a contornar a censura em países sem liberdade de imprensa.
O servidor apresenta um mapa de uma biblioteca que contém artigos
proibidos no México, Rússia, Vietnã, Arábia Saudita e Egito, onde os
jogadores/usuários, apesar da censura imposta pelo poder estatal, podem percorrer
a biblioteca para ler artigos censurados pelo governo. O contorno está justamente no
fato de que, apesar de os livros serem proibidos nas soberanias acima
mencionadas, o jogo permanece acessível.
De acordo com a descrição do projeto,
Em muitos países, sites, mídias sociais e blogs são controlados por
líderes opressores. Os jovens, em particular, são forçados a crescer em
sistemas onde suas opiniões são fortemente manipuladas por
campanhas governamentais de desinformação. Mas, mesmo onde
quase todas as mídias estão bloqueadas ou controladas, o jogo de
computador de maior sucesso no mundo ainda está acessível.
Repórteres Sem Fronteiras (RSF) usam essa brecha para contornar a
censura da Internet e trazer de volta a verdade - dentro do Minecraft50
(REPORTERS WITHOUT BORDERS, 2020, s.n, tradução nossa).
49
A biblioteca sem censura é um servidor e mapa do jogo Minecraft lançado pela Reporters without
Borders e criado pela BlockWorks, DDB Berlin e MediaMonks como uma tentativa de contornar a
censura em países sem liberdade de imprensa. Disponível em: https://uncensoredlibrary.com/en
Acesso em: 10 de abril de 2021.
50
In many countries, websites, social media and blogs are controlled by oppressive leaders. Young
people, in particular, are forced to grow up in systems where their opinion is heavily manipulated by
governmental disinformation campaigns. But even where almost all media is blocked or controlled, the
world’s most successful computer game is still accessible. Reporters Without Borders (RSF) uses this
loophole to bypass internet censorship to bring back the truth – within Minecraft.
151
No Brasil, sobretudo em 2013, com as “Jornadas de Junho”, a internet passou
a ser utilizada como ferramenta de ciberativismo e instrumento poderoso na política.
Os movimentos políticos em rede, proporcionados pelos atos, foram tão marcantes
que, para as eleições de 2014, por meio da Resolução nº 23.404, o TSE passou a
dispor sobre os limites para a propaganda eleitoral na internet. Contudo, o RQN
11/2019 continua afirmando em sua justificativa que:
No entanto, como reflexo do que acontecia nas ruas, as redes foram
inundadas por velhas estratégias políticas de difamação e de
manipulação de debates públicos, razão pela qual têm se tornado um
verdadeiro campo de batalha. Campanhas de ódio, assédios,
exposição da intimidade alheia e até tentativa de homicídio usando a
Internet como meio de aproximação são riscos enfrentados com
frequência cada vez maior pelos usuários. A Internet e as redes
sociais criaram um espaço infinito para a livre circulação de ideias e
opiniões, fato que culminou na instalação de verdadeiros tribunais
instantâneos que elevam ou enterram as reputações tanto de
agentes públicos quanto de cidadãos comuns, sem a menor piedade
e responsabilização. (DEPUTADO FEDERAL ALEXANDRE LEITE,
2019, p.1-2).
Como já pontuado, as chamadas fake news sempre existiram, e quando se
trata do âmbito eleitoral, uma das estratégias mais utilizadas é a difamação e o
assassinato da reputação. Reconhecemos isto já com Quintus Tulius Cícero (102
a.C.–43 a.C.). A grande questão ao abordar o aspecto eleitoral da informação é o
seu potencial de espalhamento, devido à capilarização das redes. Nesse passo, não
se nega aqui o perigo que a desinformação traz à sociedade, como por exemplo, o
caso de linchamento de Fabiane Maria de Jesus, em 3 de maio de 201451
.
Mas, ressalta-se o perigo que existe quando se tenta regular a livre expressão
em rede, sendo esta a principal intenção atual dos políticos, conforme o RQN
11/2019.
Assim, fica evidente o papel dessa Casa no sentido de investigar
essa série de atos criminosos, cometidos ou propiciados em meio
virtual, com foco no aprimoramento do arcabouço legal das relações
cibernéticas, indicando providências que visem a coibir atentados
51
Fabiane Maria de Jesus foi uma mulher linchada por moradores do bairro de Morrinhos IV, na
periferia do município de Guarujá, no litoral do estado brasileiro de São Paulo, em 3 de maio de 2014.
O linchamento ocorreu porque a vítima foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças,
cujo retrato falado que havia sido feito, dois anos antes, passou a circular nas mídias sociais. O
assassinato de Fabiane Maria de Jesus causou forte comoção nacional, principalmente por ter sido
motivado por notícias falsas, disseminadas pelas redes sociais.
152
contra a vida e a dignidade da população brasileira, bem como a
respeitar a Democracia e as suas instituições (DEPUTADO
FEDERAL ALEXANDRE LEITE, 2019, p. 6).
Como exposto por Durkheim (1999, p. 32), “A vida geral da sociedade não
pode se estender num ponto sem que a vida jurídica nele se estenda ao mesmo
tempo e na mesma proporção”. Nesse sentido, é possível observar a legislação
avançando no que tange à regulação da livre expressão em rede, por meio da
judicialização das demandas, como vimos em capítulos anteriores. Além disso, tem
os PLs, como o PL 2763/20, que tramita na Câmara dos Deputados e obriga as
empresas responsáveis pelo provimento de serviços de redes sociais na internet a
condicionarem o acesso a essas aplicações ao cadastramento prévio do CPF ou do
CNPJ do usuário; ou o PL 2844/20, que determina a aplicação de multas, suspensão
de isenções fiscais e financiamentos por bancos públicos, além da proibição de
contratação pelo Poder Público de pessoas jurídicas que propagam, estimulam ou
anunciam, direta ou indiretamente, notícias falsas (fake news) em veículos de
comunicação. Como esses, tem vários PLs intentando cercar as chamadas fake
News. Contudo, como exposto no capítulo terceiro, tais tentativas podem surgir
como oportunidade perfeita para a censura dos críticos e opositores. Nesse sentido,
conforme o Portal de Notícias do STF, ao replicar Nota do Gabinete do Ministro
Alexandre de Moraes (2020, s.n),
As provas colhidas e os laudos técnicos apresentados no inquérito
apontaram para a existência de uma associação criminosa dedicada
à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas
pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo
Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da
ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e
democrática.
Percebe-se, em consenso com o que foi abordado até o momento, que
quando o assunto é fake news, as autoridades governamentais nunca apontam com
exatidão do que se trata e nem o que se busca punir ou suprimir. Além disso,
utilizam palavras genéricas, como conteúdo de ódio e ataques ofensivos, sem
especificar o teor das supostas ilicitudes. Nesse sentido, a nota do Ministro
Alexandre de Moraes muito se assemelha ao que foi visto pelo mundo como uma
tentativa de blindar a classe política russa. A Lei Federal de 18.03.2019 N 30-FZ,
que introduz na Lei Federal de 27.07.06 N 149-FZ, faz as seguintes alterações:
153
Artigo 15.1-1. O procedimento para restringir o acesso à informação
que se exprima de forma indecente, que ofenda a dignidade humana
e a moral pública, um claro desrespeito pela sociedade, o Estado, os
símbolos oficiais do Estado da Federação Russa, a Constituição da
Federação Russa ou os organismos que exercem o poder estatal na
Federação Russa.
1. No caso da descoberta em redes de informação e
telecomunicações, incluindo a Internet, de informação que se
expresse de forma indecente que ofenda a dignidade humana e a
moral pública, um claro desrespeito pela sociedade, o Estado,
símbolos oficiais do Estado da Federação Russa, a Constituição da
Federação Russa ou organismos que exerçam autoridade estatal na
Federação Russa, O Procurador-Geral da Federação Russa ou os
seus adjuntos apelam ao órgão executivo federal que desempenha
as funções de controlo e fiscalização na área dos meios de
comunicação de massas, comunicações de massas, tecnologias de
informação e comunicações, para que tome medidas para remover
as referidas informações e restringir o acesso aos recursos de
informação que divulgam as referidas informações, caso estas não
sejam removidas (FEDERAÇÃO RUSSA, 2019, p. 2)
Nota-se que na Russia, um país que não pode ser tomado como exemplo de
liberdade de expressão, as palavras proferidas pelo Ministro Alexandre de Moraes
em relação às fake news já são lei. Ironicamente ou não, tal lei foi aprovada junto à
outra que proíbe disseminação de notícias falsas (que trataremos a frente).
O Portal Terra (2019, s.n) noticiou o fato da seguinte forma:
Parlamentares russos apoiaram uma proposta nesta quinta-feira que
prevê prisão por até 15 dias para quem insultar autoridades online e
outra proibindo a disseminação de notícias falsas, em medidas que a
oposição afirma que visam reprimir dissidência.
Ainda é possível observar o TSE (2020) se movimentar no sentido de
“regular” um “embrião” do que George Orwell chamou de Ministério da Verdade, por
meio do que o Ministro Luís Roberto Barroso denominou de “coalizão para
checagem”, com o poder de determinar o que é ou não “verdade” por meio das
entidades de fact checking. Nesse sentido, deve-se ressaltar que, juridicamente,
ainda não se tem um consenso do que é fake news. É possível observar um cenário
muito semelhante ao que encontramos ainda no início dos anos 2000, com a
chamada “Guerra ao Terror”.
A Guerra ao Terror foi uma campanha ideológica, político-diplomática,
econômica e militar que surgiu em resposta aos ataques de 11 de setembro. O então
154
presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, declarou a "Guerra ao Terror"
como parte de sua estratégia global de combate ao terrorismo. Contudo, uma das
grandes controvérsias da campanha se deu justamente devido à definição do que é
terrorismo e, consequentemente, quem seria o alvo das ações militares.
De acordo com Campedelli (2011, p. 14),
A definição de um termo é uma atividade que envolve poder. Definir
termos é estabelecer os parâmetros de uma discussão, o que pode
determinar o que é permitido e o que não é. Isso pode dificultar a
elaboração neutra de uma definição, pois os interesses daqueles que
definem podem influenciar a decisão final sobre a melhor definição.
Nesse momento, é importante complementar Campedelli (2011) por meio das
ponderações de Schmid (2004, p. 384-385) a respeito do conceito de terrorismo,
Antes de mais nada, temos que perceber que não há essência
intrínseca ao conceito de terrorismo - ele é uma construção feita pelo
homem. As definições geralmente tendem a refletir os interesses
daqueles que fazem as definições. Uma definição bem sucedida
estabelece os parâmetros para o debate público e pode moldar a
agenda da comunidade52
(tradução nossa).
Já de acordo com Edward Peck (2006), Vice-diretor da força tarefa da Casa
Branca sobre Terrorismo durante a presidência de Ronald Reagan, disse em
entrevista realizada em 28 de julho de 2006, pelo canal Democracy Now:
“Em 1985, quando eu era o Vice-diretor da força tarefa sobre Terrorismo
da Casa Branca de Reagan, eles nos pediram - esta é uma força-tarefa
do Gabinete sobre Terrorismo; eu era o Vice-diretor do grupo de trabalho
- eles nos pediram para chegarmos a uma definição de terrorismo que
pudesse ser usada durante o governo. Produzimos cerca de seis, e cada
caso foi rejeitado, porque uma leitura cuidadosa indicaria que nosso
próprio país tinha estado envolvido em algumas dessas atividades.
Depois que a força tarefa concluiu seu trabalho, o Congresso entrou no
assunto, e você pode acessar o Google no Título 18 do Código dos EUA,
Seção 2331, e ler a definição de terrorismo dos EUA. E um deles aqui diz
- um dos termos, "terrorismo internacional" significa "atividades que," cito,
"parecem ser destinadas a afetar a conduta de um governo por
destruição em massa, assassinato ou sequestro". Sim, bem, certamente
você pode pensar em vários países que estiveram envolvidos em tais
52
First of all, we have to realize that there is no intrinsic essence to the concept of terrorism - it is a
man-made construct. Definitions generally tend to reflect the interests of those who do the defining. A
successful definition sets the parameters to the public debate and can shape the agenda of the
community.
155
atividades. O nosso é um deles. Israel é outro. E assim, o terrorista, é
claro, está nos olhos de quem vê”53
(PECK, 2006, s.n, tradução nossa).
Nesse passo, é possível observar que assim como a Guerra ao Terror, em
que o “alvo-inimigo” poderia ser qualquer país, existe uma grande dificuldade do
poder estatal em definir o que é fake news, sobretudo devido ao fato de a linha entre
a fake news e a liberdade de expressão ser deveras tênue. Como já bem colocado
durante a dissertação, a informação é um instrumento de poder. Diante das novas
multiterritorialidades digitais e a quebra do monopólio da informação disseminada
pelos centros de poder, resultante da popularização da rede nas camadas mais
diversas da sociedade, é possível observar a ascensão do que Pierre Lévy (2010)
chamou de “o homem da cibercultura”, ou seja, uma sociedade informada que não
se deixa levar por narrativas dos centros de poder, sejam políticas, ideológicas,
religiosas, etc. Pela própria percepção e pela busca da verdade factual, o homem da
cibercultura exprime suas ideias e se opõe, por meio da sua opinião, aos poderes
autoritários e opressores que limitam sua liberdade.
Diante disso, Lévy (2010, p. 238) pondera que:
A crítica pensa estar fundamentada ao denunciar um "totalitarismo"
ameaçador e ao anunciar-se como porta-voz de "excluídos" aos
quais, por sinal, ela nunca pergunta a opinião. De fato, a pseudoelite
crítica sente uma nostalgia por uma totalidade que ela dominava;
mas esse sentimento indizível é negado, invertido e projetado sobre
um outro aterrador: o homem da cibercultura. As lamentações sobre
o declínio dos fechamentos semânticos e a dissolução das
totalidades domináveis (vivenciadas como desagregação da cultura)
escondem a defesa dos poderes.
Dessa forma, a circulação da informação possui papel central na manutenção
das liberdades, seja da liberdade de expressão, imprensa e/ou pensamento.
Portanto, é válido novamente pontuar a famosa obra 1984 de George Orwell, que
53
In 1985, when I was the Deputy Director of the Reagan White House Task Force on Terrorism, they
asked us—this is a Cabinet Task Force on Terrorism; I was the Deputy Director of the working
group—they asked us to come up with a definition of terrorism that could be used throughout the
government. We produced about six, and each and every case, they were rejected, because careful
reading would indicate that our own country had been involved in some of those activities. After the
task force concluded its work, Congress got into it, and you can Google into U.S. Code Title 18,
Section 2331, and read the U.S. definition of terrorism. And one of them in here says—one of the
terms, ‘international terrorism’ means ‘activities that,’ I quote, ‘appear to be intended to affect the
conduct of a government by mass destruction, assassination or kidnapping.’ Yes, well, certainly, you
can think of a number of countries that have been involved in such activities. Ours is one of them.
Israel is another. And so, the terrorist, of course, is in the eye of the beholder.
156
nos mostra um cenário em que o Estado controla as massas, justamente por meio
da manipulação da informação. No Brasil, o Art. 5º, Inciso XXXIX, da Constituição
Federal de 1988 dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal (BRASIL, 1988, p. 19).
O inciso em questão consagra o princípio nullum crimen, nulla poena sine
praevia lege, que significa “não há crime nem pena sem lei prévia”. Assim, é possível
afirmar que, no Brasil, atualmente, não existe crime de criação/propagação de fake
news, isto devido ao fato de a norma jurídica ainda estar caminhando para a
regulação da rede, o que nos remete às reflexões de Durkheim (1999) no que tange
ao fato de a vida em sociedade não poder se estender, sem que a norma jurídica
também o faça.
Contudo, o fato de não existir lei específica que aborde fake news não
significa que a jurisdição não possua ferramentas para punir o dano causado por
elas. Nesse sentido, assim como no mundo de vida, se um indivíduo passar a
espalhar informações falsas em rede que gerem danos à imagem/honra de uma
pessoa física/jurídica/política/pública, por meio da calúnia (Artigo 138 do Código
Penal), difamação (Artigo 139 do Código Penal) ou injúria (Artigo 140 do Código
Penal), poderá responder legalmente por tais incitações ou provar suas alegações
por meio da Exceção da Verdade (Artigo 138, §3º do Código Penal). Ainda é válido
registrar que a Lei Eleitoral também possui ferramentas para inibir a propagação de
notícias/anúncios irregulares (artigos 38, §8º e 40-B). Nesse sentido, de acordo com
a base de dados abaixo destacada, os fundamentos mais utilizados em processos
relacionados à fake news são:
157
Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma
peça processual.
Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil – Fundamentos mais usados por quem se
engajou em movimentar uma peça processual - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº:
188.
Apesar de existirem ferramentas para lidar com a propagação de fake News,
como a tipificação de calunia, difamação, injúria e exceção da verdade, existe um
esforço político utilizando-se do novo fenômeno como pretexto para regular o
controle da rede, por meio de uma lei específica para fake news. Nesse sentido,
como já foi apontado nos capítulos anteriores e por meio de vários filósofos, é
possível observar o uso das fake news como pretexto para se regular os conteúdos
que circulam pelos fluxos em rede. Assim sendo, uma breve análise comparativa da
liberdade em rede agregará e auxiliará na vindoura discussão. Portanto, vejamos
como a liberdade em rede evoluiu em alguns países no período de 10 anos (2009-
2019).
158
Figura 13. Liberdade na internet (2009).
Fonte: FREEDOM ON THE NET, A Global Assessment of Internet and Digital Media, 2009.
Figura 14. Liberdade na internet (2019).
Fonte: FREEDOM ON THE NET 2019, The Crisis of Social Media, 2019.
Como já observado nos capítulos anteriores, desde 2006 a China possui em
pleno funcionamento o projeto Golden Shield, implantado para “proteger a sociedade
da desinformação”. Devido ao seu eficiente sistema de censura e supressão da
informação, o país permanece como uma das redes mais nocivas à liberdade desde
2009. Já em relação à Russia, é possível observar pelo mapa, que seu espaço
159
digital passou de uma rede parcialmente livre para uma rede controlada e passível
de censura pelo governo. Já o Brasil, que possuía uma rede livre, involuiu para um
ciberespaço parcialmente livre, por meio de algumas regulações.
Nesse sentido, cita-se o Projeto de Lei do Senado n° 473, de 2017, que busca
punir com detenção de seis meses a dois anos, acrescido de multa para quem
divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a
verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia
nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante.
Art. 287-A - Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer,
alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à
saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo
eleitoral ou que afetem interesse público relevante.
Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não
constitui crime mais grave.
§ 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendose da
internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui
crime mais grave.
§ 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a
notícia falsa visando à obtenção de vantagem para si ou para outrem
(BRASIL, 2017, p. 2).
A descrição do PL muito se assemelha ao código penal de dois dos países
onde a liberdade em rede, de acordo com o mapa freedom on the internet da
Organização Freedom House inexiste, China e Rússia. Para fins de comparação,
vejamos os Artigos 207.1 e 207.2 do Código Penal da Federação Russa:
Código Penal da Federação Russa Artigo 207.1.
Divulgação pública de informações conscientemente falsas sobre
circunstâncias que põem em perigo a vida e a segurança dos
cidadãos (Introduzido pela Lei Federal de 01.04.2020 N 100-FZ).
Difusão pública sob o pretexto de mensagens fiáveis de informações
conscientemente falsas sobre circunstâncias que constituem uma
ameaça à vida e à segurança dos cidadãos, e (ou) sobre medidas
tomadas para garantir a segurança da população e dos territórios,
técnicas e métodos de protecção contra as referidas circunstâncias -
Será punido com uma multa no montante de trezentos mil a
setecentos mil rublos, ou no montante do salário ou outro rendimento
da pessoa condenada por um período de um ano a dezoito meses,
160
ou por trabalho obrigatório até trezentas e sessenta horas, ou por
trabalho correctivo até um ano, ou por restrição da liberdade por um
período até três anos.
Nota. As circunstâncias que constituam uma ameaça à vida e à
segurança dos cidadãos neste artigo serão consideradas
emergências naturais e provocadas pelo homem, emergências
ecológicas, incluindo epidemias, epizootias e outras circunstâncias
que tenham surgido como resultado de acidentes, perigos naturais,
catástrofes, catástrofes naturais e outras catástrofes, que tenham
causado (podem causar) baixas humanas, danos à saúde humana e
ao ambiente, perdas materiais consideráveis e perturbação das
condições de vida da população.
Código Penal da Federação Russa Artigo 207.2.
Divulgação pública de informação socialmente significativa,
intencionalmente falsa, com graves consequências (introduzido pela
Lei Federal de 01.04.2020 N 100-FZ).
1. Divulgação pública sob o pretexto de mensagens fiáveis de
informação socialmente significativa conscientemente falsa,
resultando na inflicção negligente de danos para a saúde humana -
será punido com uma multa de setecentos mil a um milhão e
quinhentos mil rublos, ou no montante do salário ou outro rendimento
da pessoa condenada por um período até dezoito meses, ou por
trabalho correccional por um período até um ano, ou por trabalho
obrigatório por um período até três anos, ou por prisão pelo mesmo
período.
2. O mesmo acto que tenha implicado a morte de uma pessoa por
negligência ou outras consequências graves - será punido com uma
multa do mesmo montante ou de outro montante.
Será punido com uma multa no montante de um milhão e quinhentos
mil rublos a dois milhões de rublos, ou no montante do salário ou
outro rendimento da pessoa condenada por um período de dezoito
meses a três anos, ou por trabalho correccional por um período até
dois anos, ou por trabalho obrigatório por um período até cinco anos,
ou por privação de liberdade pelo mesmo período.
(FEDERAÇÃO RUSSA, 2020, s.n).
Já de acordo com a Lei de Punição da Administração da Segurança Pública e
a Nona Alteração à Lei Criminal da RPC, adotada pelo Comitê Permanente do
Congresso Nacional do Povo, em 29 de agosto de 2015, assim dispõe:
I. Como punir o crime de desinformação da rede
O artigo 32º da Emenda à Lei Penal (IX) prevê que seja aditado um
parágrafo ao artigo 291º da Lei Penal como segundo parágrafo:
"Quem criar uma ameaça falsa, uma epidemia, uma catástrofe ou
uma situação policial e a difundir na rede de informação ou noutros
161
meios de comunicação social, ou difundir conscientemente as
informações falsas acima referidas na rede de informação ou noutros
meios de comunicação social, perturbando gravemente a ordem
social, será condenado a uma pena não superior a três anos prisão
preventiva, detenção ou controlo; se forem causadas consequências
graves, a pena será de prisão preventiva não inferior a três anos,
mas não superior a sete anos".
II. sanções administrativas para os rumores da Internet
O artigo 25º da Lei de Punição da Administração da Segurança
Pública estabelece que:
"Quem cometer um dos seguintes actos será condenado a uma pena
de detenção não inferior a cinco dias e não superior a dez dias, e não
poderá ser multado em mais de quinhentos yuan; se as
circunstâncias forem menos graves, será condenado a uma pena de
detenção não superior a cinco dias ou a uma multa não superior a
quinhentos yuan:
(a) espalhar boatos, denunciar falsamente situações perigosas,
epidemias ou situações policiais ou perturbar intencionalmente a
ordem pública por outros meios; (...)
III. Responsabilidade Civil por Rumores na Internet
Se a divulgação de rumores infringir os direitos de reputação de
cidadãos individuais ou a boa vontade de pessoas colectivas, de
acordo com as disposições dos Princípios Gerais de Direito Civil da
China, a pessoa será responsável por pôr termo à infracção,
restaurar a reputação, eliminar o impacto, apresentar um pedido de
desculpas e compensar os danos.
(INTERNET CRIME REPORTING CENTER, 2019, s.n).
Além de as leis serem semelhantes, direta ou indiretamente, a criação de uma
lei que regulamenta uma punição para a produção e compartilhamento das
chamadas fake news, implica na regulação de um ente, seja público ou privado, para
decidir sobre o que é ou não verdade.
Pierre Lévy (2010, p. 251), ao abordar a cibercultura, alerta:
Já que todos podem alimentar a rede sem qualquer intermediário ou
censura, já que nenhum governo, nenhuma instituição, nem qualquer
autoridade moral garante o valor dos dados disponíveis, como
podemos confiar nas informações encontradas no ciberespaço? [...]
É certo que nenhuma autoridade central garante o valor das
informações disponíveis no conjunto da rede. Ainda assim, os sites
são produzidos e mantidos por pessoas e instituições que assinam
suas contribuições e defendem sua validade frente à comunidade
dos internautas. [...] Não se pode ter ao mesmo tempo a liberdade de
informação e a seleção a priori das informações por uma instância
que supostamente sabe o que é bom e verdadeiro para todos, seja
essa instância jornalística, científica, política ou religiosa.
Como bem pontuado por Lévy (2010), não há como existir ao mesmo tempo a
liberdade de expressão, quando há uma instância hierárquica que sabe o que é bom
162
e verdadeiro. Nesse passo, em 2019, de acordo com a emissora estatal Al Jazeera,
com sede em Doha, Catar, ao entrevistar o Legislador Russo Kurinnyi Aleksei
Vladimiroviсh e o vice-chefe do grupo parlamentar “Just Russia”, Valery Gartung,
sobre a “lei das fake News russa”, noticiou:
O legislador comunista Alexei Kurinnyi advertiu que as autoridades
poderiam usar a lei das fake news para punir os críticos. Valery
Gartung, do Partido Político Just Rússia, também criticou a legislação
dizendo que a sua imprecisão abriria caminho para uma
interpretação seletiva. [...] "O nosso Partido partilha esta
preocupação", disse Gartung. "A questão levantada com esta lei é de
fato muito importante, e temos de encontrar uma forma de combater
as falsificações, mas não podemos apoiar esta lei sob o seu atual
projeto porque não iria atingir os objetivos especificados. Estamos
preocupados com a sua prática de aplicação da lei, que temos
razões para crer que seria seletiva, e não podemos permitir que isso
aconteça54
(ALJAZEERA, 2019, s.n, tradução nossa).
Nesse sentido, é perceptível que os centros de poder, ao perder o monopólio
da informação para a rede mundial de computadores, vêm procurando meios para
limitar os fluxos em rede, que passaram a ser um incômodo para a perpetuação de
seu domínio e para o controle social. Assim, emerge ainda mais o valor no estudo da
função social dos fluxos de informação no território do ciberespaço. Tanto os
governos quanto os grandes oligopólios da informação encontraram na supressão e
no engajamento de certas informações uma grande fonte de poder e controle social.
Dessa forma, caminhando para o final da presente dissertação, é válido
pontuar a urgência dos estudos no território digital, uma vez que esse espaço, de
acordo com Lévy (1994, p. 1), é “um terreno onde está funcionando a humanidade,
hoje”. O estudo da função social dos fluxos de informação das redes sociais
presentes no ciberespaço é o primeiro passo para se estabelecer o reforço benéfico
da liberdade para a sociedade, além de o primeiro passo para destroçar todo intento
totalitário e tirânico de controlar a informação.
54
Communist lawmaker Alexei Kurinnyi warned that the authorities could use the “fake news” bill to
punish critics. Valery Gartung of the Just Russia faction also criticised the legislation, saying its
vagueness would open the way for selective interpretation. “Our faction shares this concern,” said
Gartung. “The issue raised with this law is indeed very important, and we do have to find a way to
combat the fakes, but we cannot support this law under its current draft because it wouldn’t achieve
the specified goals. We are worried about its law-enforcement practice, which we have a reason to
believe would be selective, and we can’t allow that to happen.
163
6 CONCLUSÃO
Este trabalho buscou compreender a função social dos fluxos de informação
presentes no ciberespaço, por meio de um diálogo interdisciplinar entre os campos
da Geografia, da Sociologia e do Direito.
Por meio da Geografia e das concepções basais de espaço, foi possível
elaborar uma abordagem dos conceitos de território e territorialidade, ambos os
elementos essenciais para fundamentar a presente pesquisa, posto que sem esses
conceitos, seria inconcebível a análise de ciberespaço como um território. Para tal
análise, utilizou-se o primeiro capítulo para entender as diversas concepções de
território e territorialidade. Após conceber o que é território e territorialidade, foi
possível dialogar com Ratzel, por meio de sua concepção de espaço vital, e com
Yves Lacoste, por meio da Geografia Crítica. A concepção de espaço vital, que via o
território como elemento de poder, resultou na ascensão de governos tiranos e
expansionistas, que culminaram na Segunda Guerra Mundial.
Com o fim da Segunda Grande Guerra, o mundo que acabara de contemplar
grandes horrores, criou a ONU. Originada da Ligas das Nações, a Organização foi
instituída em 24 de outubro de 1945, com o objetivo de se evitar que outra guerra
nas mesmas proporções ocorresse. Uma vez instituída a Organização Mundial, os
conflitos internacionais, sobretudo aqueles relacionados à demarcação territorial,
passaram a ser conduzidos pelo princípio da “inadmissibilidade da aquisição de
território pela guerra ou força”.
Diante de um cenário em que as guerras violentas e/ou forçadas são
boicotadas por sanções internacionais originadas de outros países, a guerra violenta
deixou de ser rentável aos centros de poder e criou-se novos modelos de guerras,
que passaram a ocorrer em novas dimensões, como por exemplo, guerras
ideológicas, culturais, tecnológicas e etc. Nesse sentido, na década de 1960 nascia
a ARPANET, o embrião de um novo território que passaria a ocupar a centralidade
de todas as atividades humanas, a Internet.
Durante quase duas décadas, a rede foi utilizada exclusivamente para fins
militares e acadêmicos. Contudo, a rede digital teve uma rápida evolução quando
passou a ser comercializada pela iniciativa privada. Enquanto os Estados Unidos da
América criavam a internet na década de 1960, no Brasil ainda se contava as redes
de telecomunicação, elemento essencial para que fosse desenvolvida a rede digital
164
de internet, que só viria a ser comercializada em 1994. Nesse sentido, as redes não
só nos EUA como no mundo, passaram a ocupar a essencialidade como instrumento
de trabalho.
Nesse período, da origem à expansão, foi possível, por meio do aporte teórico
de Haesbaert, pesquisar as redes digitais como territórios modernos, frutos da
modernização da comunicação e centro dos grandes embates modernos, uma vez
que a supressão das guerras violentas forçou os centros de poder a criarem novos
modelos. Assim, por meio das concepções de lógica reticular e lógica zonal,
estabeleceu-se o ciberespaço como um território que possui multiterritorialidades,
sendo este o receptáculo de milhões de territorialidades e multiterritorialidades. A
partir dessa divisão, constituiu-se o território estrutural da rede e o
território/territorialidade humano da rede.
Com Floridi, filósofo da informação e Hannah Arendt, filósofa política, foi
importante estabelecer um diálogo sobre o que é informação, desinformação e fake
news, elementos centrais para identificar a função social dos fluxos de informação.
Uma vez que o espaço digital se tornou palco dos grandes embates travados pelos
centros de poder, é perceptível que os fluxos de informação se tornaram objeto de
grande desejo desses poderes, sobretudo devido à capilaridade que as redes
possuem nas mais variadas camadas sociais.
Nesse sentido, surgiu como possibilidade de controle dos fluxos, a regulação
da informação em rede, sobretudo no que tange às informações cunhadas pelo
termo fake news. Nesse passo, como observado por Shahbaz (2018), “Ao longo do
ano, os autoritários usaram alegações de ‘notícias falsas’ e escândalos de dados
como pretexto para se aproximar do modelo chinês". O termo genérico fake news
passou a pautar o que deve ou não permanecer nas redes, sobretudo no que tange
à judicialização de causas.
Diante de um cenário em que os termos são genéricos, foi imprescindível
observar e determinar o que é informação. Informação são dados trabalhados e
conhecimento são informações trabalhadas. Diante disso, é notório que a condição
para que uma informação seja verdadeira, depende unicamente do dado e não de
sua decodificação. Resumidamente, o que diferencia uma informação de uma
desinformação é a verdade factual. Ao aprofundar a discussão, por meio da
pontuação de Bittman, foi possível definir fake news como sendo notícias
intencionalmente sem a verdade factual, maquiadas pela credibilidade de um ente,
165
órgão, jornal, associação (Idem) e disseminada nas redes sociais como Twitter,
Facebook, Whatsapp, etc, com propósitos específicos. Contudo, mesmo com uma
definição mais clara, percebeu-se que a regulação do conteúdo de uma informação
poderia desencadear graves consequências, como, por exemplo, a ascenção do
autoritarismo e a supressão daqueles que pensam diferente.
Nesse passo, evocou-se como aportes teóricos John Stuart Mill e John Locke,
filósofos que abordam a tolerância e a liberdade. Nesse sentido, ambos defendem
que a supressão de uma ideia ou opinião, por mais errada que esteja, pode levar a
cenários mais desastrosos do que aqueles em que o erro se propaga. Sendo assim,
Mill (2019, p. 46) questiona: “O discernimento é dado aos homens para que o usem.
Porque possa ser usado erroneamente, deve-se dizer-lhes que não o usem em
absoluto?” Já Locke (1983, p. 27) pontua: “Não é a diversidade de opiniões (o que
não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião
diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras
que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião”. Diante dessas
colocações, percebe-se que ambos os filósofos temiam que a intervenção estatal ou
privada na regulação de um conteúdo de uma informação, implicaria, direta ou
indiretamente, no que George Orwell definiu como Ministério da Verdade, um órgão
estatal que regula o que é ou não verdade na obra 1984, um romance fictício que se
passa em um cenário distópico, resultando nas ascenção autoritária. Diante desse
cenário, percebe-se que o ciberespaço como um território é o palco das novas
relações de poder existentes, onde as informações surgiram como novo instrumento
de controle social.
Diante disso e a partir do modelo durkheimiano, passou-se a analisar as
concepções de função social dos fatos sociais. Nesse sentido, foi possível
estabelecer os fluxos de informação presentes nas redes sociais, no território
ciberespacial como um fato social que possui funções sociais. Fato social, de acordo
com Durkheim, são fatos, hábitos, costumes, maneiras de comportar e de pensar
(idem) que determinam a forma como os indivíduos se comportam em uma
sociedade. Para identificar um fato social deve-se detectar a generalidade, a
exterioridade e a coercitividade. Nesse sentido, comprovadas as três características
presentes nos fluxos de informação em rede, foi possível estabelecer e identificar a
função social dos fluxos de informação. De acordo com o modelo Durkheimiano
(1999, p. 13), função social, além de representar um “sistema de movimentos vitais”,
166
também obedecia a uma “relação de correspondência que existe entre esses
movimentos e algumas necessidades do organismo”, sendo esta última a que se
procurava entender. Portanto, no presente trabalho, buscou-se compreender a qual
necessidade os fluxos de informação correspondem no corpo social.
Ao longo da presente dissertação, procurou-se argumentar que, muito mais
que uma rede que favorece a troca dinâmica de dados, informações e
conhecimentos, o ciberespaço é um território com territorialidades pujantes e que
possui a função social de realizar a manutenção da liberdade, além de descentralizar
o poder da informação dos grandes oligopólios e governos. Ou seja, a rede exerce o
equilíbrio para que nenhum ente, público ou privado, execute o autoritarismo por
meio do monopólio da informação.
A partir das observações, da análise bibliográfica, documental, da análise de
decisões judiciais e da análise de matérias jornalísticas, compreende-se que a
comunicação em rede e os fluxos que se formam nela, repercutem nas relações do
território, sobretudo no que diz respeito às praticas de manifestações políticas, por
meio da liberdade de expressão.
Concluímos e denunciamos, nesta pesquisa, a tentativa dos governos e das
grandes empresas de informação e comunicação em controlar os fluxos. Os
resultados desta pesquisa nos apresentam que uma possível regulação de combate
às fake news pode expandir para o autoritarismo, uma vez que a informação
passaria a ser verificada e controlada por uma pessoa privada/pública, emergindo no
sistema político ocidental o que George Orwell chamou de Ministério da Verdade,
uma entidade que controlava a informação e publicava apenas a “verdade estatal”,
no romance distópico 1984.
Por meio da análise de 241 decisões judiciais, foi possível observar que a
maior parte do engajamento em mover peças processuais relacionadas às fake
news partem dos políticos, e o maior alvo dessas peças são outros políticos,
seguidos de pessoas físicas e jornalistas. Ainda se observou que grande parcela das
ações não propôs o que demonstra uma tentativa reiterada dos políticos de criarem
precedentes no judiciário, mesmo que não se tenha razão de causa. Além disso,
verificou-se o uso da imunidade conferida pela seção 230, do communications
decency act, por parte dos grandes oligopólios da informação, para suprimir ou
engajar o alcance de certos discursos, o que implica não só em censura, mas em
desinformação.
167
Nesse passo, acredita-se que o estabelecimento de uma função social para
os fluxos de informação, sobretudo nas Ciências Sociais Aplicadas, contribui para
estabelecer os limites adequados e o reforço necessário para a tomada de medidas
que combatam a desinformação e reforcem a liberdade de expressão em rede.
Assim, ressalta-se novamente o caráter emancipador dos fluxos de informação, que
libertam de todas as formas de opressão que existem nas centralidades do poder da
informação nas mãos dos governos e oligopólios da informação.
Por fim, o estudo realizado contribui para que se considere, nas políticas
públicas voltadas à liberdade de expressão, a proteção dos diversos dados,
informações e conhecimentos que fluem por meio de diferentes óticas presentes no
território e na territorialidade em rede, tornando-os acessíveis e visíveis a todos
aqueles que possam se interessar de forma justa e livre de censura.
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Fake News e a função social dos fluxos de informações - Dissertação Mestrado GIT

  • 1. 1 UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE MESTRADO EM GESTÃO INTEGRADA DO TERRITÓRIO – GIT Marcos Vinícius de Mattos Emerick CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO Governador Valadares/MG 2021
  • 2. 1 Marcos Vinícius de Mattos Emerick CIBERESPAÇO COMO TERRITÓRIO E A FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gestão Integrada do Território da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, como requisito para obtenção do título de Mestre em Gestão Integrada do Território. Orientadora: Prof.ª Dra. Sueli Siqueira Governador Valadares – MG 2021
  • 3. 2 E53c Emerick, Marcos Vinícius de Mattos Ciberespaço como território e a função social dos fluxos de informação / Marcos Vinícius de Mattos Emerick. – 2021. 185 f. ; il. Orientação: Sueli Siqueira. Dissertação (mestrado em Gestão Integrada do Território) – UNIVALE – Universidade do Vale do Rio Doce, 2021. 1. Ciberespaço. 2. Liberdade de expressão. 2. Fake News. 3. Territorialização. I. Siqueira, Sueli. ll. Título. CDD-342.81085
  • 4. 3
  • 5. 4 Ao direito à liberdade.
  • 6. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, criador da vida, que nunca me abandonou quando tudo parecia não ter saída e se fez presente em todas as adversidades. Desejo expressar minha profunda gratidão ao meu pai, à minha mãe e ao meu irmão, pessoas que admiro, das quais me orgulho e são a base da minha vida. Agradeço por sempre me apoiarem e me incentivarem nesta caminhada. Desejo expressar minha gratidão aos amigos que me apoiaram, nas pessoas de Lívia Santos Morais, José da Silva Júnior e Élita da Silva Souza, que nas conversas descontraídas sempre procuravam me animar em tempos esmorecedores. Expresso minha gratidão à Prof.ª Dra. Sueli Siqueira, que me recebeu e me orientou com grande conhecimento e perícia na produção da presente dissertação. Sou grato pelos conselhos e pela atenção que me dedicou nesse difícil processo. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que proporcionou meios para a expansão e consolidação do conhecimento. Ao Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT), agradeço a todos os profissionais pela competência, dedicação e envolvimento. À Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE), que desde a graduação tem me guiado nos campos do conhecimento.
  • 7. 6 RESUMO Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e sua relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Essa é a questão norteadora deste estudo, realizado por meio de uma abordagem interdisciplinar entre os campos da Geografia, Globalização, Sociologia, Filosofia e Direito. O objetivo geral da investigação é identificar a função social dos fluxos de informação do ciberespaço como uma rede-território, na preservação da liberdade de expressão. O aporte teórico utilizado foram as reflexões de Haesbaert, geógrafo cujas discussões sustentam-se na configuração da Geografia Moderna; Émile Durkheim, sociólogo funcionalista, cujas contribuições possibilitaram a identificação da função social da rede; Jhon Stuart Mill e John Locke, filósofos que cooperaram com a formação da concepção de liberdade para o Direito Ocidental. Utilizando-se a metodologia de pesquisa bibliográfica exploratória, coletaram-se os dados por meio de aportes teóricos, materiais jornalísticos, bibliografias e documentos, como leis e projetos de lei, visando responder à questão central e atender aos objetivos deste estudo. Realizou-se, também, uma pesquisa, por meio dos termos “liberdade de expressão”, “fake News” e “notícia falsa”, na Plataforma Jusbrasil, por se tratar de uma plataforma de comunicação que facilita a busca por conteúdo jurídico informativo e fornece ferramentas que auxiliam e dinamizam o dia a dia dos operadores do Direito, permitindo a realização de consultas públicas em processos judiciais de tribunais de todo o País. Para isso, buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente os relacionados às fake News, notícias falsas e liberdade de expressão. Procurou-se identificar os pedidos mais comuns e a quantidade de vezes que foram concedidos, as principais características das partes envolvidas na demanda e os padrões argumentativos empregados pelos tribunais no momento de decidir. A partir da análise dos dados, foi possível concluir que muito além de uma ferramenta de troca de mensagens, o ciberespaço, um território moderno, possui a função social de descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios privados, além de realizar a preservação das liberdades. O estudo contribui para fazer um alerta e demostrar que o autoritarismo e os governos tirânicos não podem superar as ferramentas dispostas no sistema democrático. Palavras-chave: Território. Ciberespaço. Informação. Liberdade de expressão. Fake News.
  • 8. 7 ABSTRACT What is the social function of information flows in social networks and their relationship between freedom of expression and censorship in Brazil? This is the guiding question of this study, carried out through an interdisciplinary approach between the fields of Geography, Globalization, Sociology, Philosophy and Law. The general objective of the investigation is to identify the social function of information flows in cyberspace as a network-territory, in the preservation of freedom of expression. The theoretical contribution used were the reflections of Haesbaert, geographer whose discussions are supported by the configuration of Modern Geography; Émile Durkheim, functionalist sociologist whose contributions enabled the identification of the social function of the network; John Stuart Mill and John Locke, philosophers who cooperated with the formation of the conception of freedom for Western Law. Using the methodology of exploratory bibliographic research, data was collected through theoretical contributions, journalistic materials, bibliographies, and documents such as laws and bills, in order to answer the central question and meet the objectives of this study. A research was also carried out, through the terms "freedom of expression", "fake news" and "notícias falsas", in the Jusbrasil Platform. For this, we sought to gather data about the result of lawsuits involving content available on the Internet, especially those related to fake news, false news and freedom of expression. We sought to identify the most common requests and the number of times they were granted, the main characteristics of the parties involved in the lawsuit, and the argumentative patterns employed by the courts when deciding. From the data analysis it was possible to conclude, that much more than a tool for exchanging messages, cyberspace, a modern territory, has the social function of decentralizing the power of information from governments and private oligopolies, in addition to carrying out the preservation of liberties. The study contributes to make a warning and to demonstrate that authoritarianism and tyrannical governments cannot overcome the tools available in the democratic system. Keywords: Territory. Cyberspace. Information. Freedom of expression. Fake News.
  • 9. 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Processo teórico-metodológico........................................................................19 Figura 2. Percurso teórico-metodológico ........................................................................24 Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969. ..................................................................49 Figura 4. ARPANET em julho de 1977. ..........................................................................50 Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4. ....................53 Figura 6. Mapa dos cabos submarinos...........................................................................54 Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil................71 Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância. ..................................................83 Figura 9. Concentração do PIB dos municípios..............................................................84 Figura 10. Censo demográfico 1940/2000......................................................................84 Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). ....85 Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel................86 Figura 13. Liberdade na internet (2009). ......................................................................158 Figura 14. Liberdade na internet (2019). ......................................................................158
  • 10. 9 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Tribunais de origem das decisões.............................................................20
  • 11. 10 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas às Fake News..........................................................................................................108 Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças processuais...........................108 Gráfico 3. Resultado das peças. .............................................................................109 Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma peça processual. .....................................................................................................157
  • 12. 11 LISTA DE SIGLAS AI-5 - Ato Institucional nº 5 ARPA - Advanced Research Projects Agency ARPANET - Advanced Research Projects Agency Network BITNET - Because It’s Time Network BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico CAPRE - Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico CBT - Código Brasileiro de Telecomunicações CEPINNE - Centro Piloto de Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência e Tecnologia na Região Norte-Nordeste CERN - Organisation Européenne pour la Recherche Nucléaire CGI.BR - Comitê Gestor da Internet CNPD - Congresso Nacional de Processamento de Dados CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNT ou CONTEL - Conselho Nacional de Telecomunicações CONIN - Conselho Nacional de Informática e Automação CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPF - Cadastro de Pessoa Física CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito CPMI - Comissão Parlamentar Mista de Inquérito CTI - Fundação Centro Tecnológico para Informática EMBRATEL - Empresa Brasileira de Telecomunicações FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FGV - Fundação Getúlio Vargas IANA - Internet Assigned Numbers Authority ICANN - Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números IPTO - Information Processing Techniques Office ISP – Internet Service Provider ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica LARC - Laboratório Nacional de Redes de Computadores LNCC - Laboratório Nacional de Computação Científica MIT - Massachussets Institute of Technology NIC.BR - Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR ONU - Organização das Nações Unidas PL - Projeto de lei PLANIN - Plano Nacional de Informática e Automação PND, I PND, II PND - (*) Plano Nacional de Desenvolvimento PUC-Rio - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro REDPUC - Rede Acadêmica da PUC RNP - Rede Nacional de Pesquisa RNTD - Rede Nacional de Transmissão de Dados RQN - Requerimento SEI - Secretaria Especial de Informática SUCESU-SP - Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de São Paulo TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação TRANSDATA - Serviço Digital de Transmissão de Dados Via Terrestre WWW - World Wide Web
  • 13. 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................13 1.1 METODOLOGIA.....................................................................................................17 1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES ...................................................................................21 CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPA- ÇO................................................................................................................................25 2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO......................................................................................25 2.2 TERRITÓRIO ........................................................................................................31 2.3 TERRITORIALIDADE............................................................................................42 2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA..............45 2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL ..................................................................54 CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM TERRITÓRIO...............................................................................................................73 3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA ...................................................73 3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM?...................................................79 3.2.1 Território estrutural da rede ............................................................................82 3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede ............................................87 3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS .................................90 3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA....................................................91 3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE ................................93 CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES................................97 4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS ...........................................................................97 4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO? ....................................100 4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS - O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE UM MODELO DE CENSURA....................................................................................104 4.3.1 Liberdade de expressão e censura...............................................................109 CAPITULO 5 – FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM TERRITÓRIO DE REDE............................................................................................129 5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO........................................129 5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais...........................................132 5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais...........................................134 5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais.....................................137 5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM ......................................139 5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL...................................142 5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL ..........................145 6 CONCLUSÃO.........................................................................................................163 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................168
  • 14. 13 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação foi elaborada seguindo as normas e diretrizes determinadas pelo Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT) da Universidade Vale do Rio Doce, estabelecidas na Resolução nº1/2010 – PPGGIT. A ideia de pesquisar o ciberespaço como um território, por meio do Programa GIT, foi um processo orgânico. O que iniciou apenas como uma ideia disforme tomou proporções e estruturas mais complexas, mediante o estudo dos aspectos territoriais ministrados. Incialmente, a proposta de pesquisa estava vinculada à temática eleitoral, uma vez que no ciberespaço as fake news se tornaram um grande problema para o sistema democrático de vários países, ao supostamente induzirem o eleitorado ao erro, por meio de notícias falsas. Contudo, com o passar do tempo, ao estabelecer o ciberespaço como um território e com a análise desse fenômeno pela Geografia de Haesbaert, pelo Funcionalismo de Durkheim e as reflexões acerca da informação, da verdade e da política, de acordo com Floridi, Mill, Locke e Arendt, foi possível perceber que, muito além das trocas de informação, o ciberespaço, mais especificamente a internet em suas redes sociais, tornou-se um território de livre manifestação e de descentralização do monopólio da informação dos governos/oligopólios. Usufruindo da liberdade de expressão, os usuários em rede ficavam despercebidos até passarem a confrontar diretamente alguns centros de poder, na figura de personalidades conhecidas do governo e da grande mídia. Diante desse cenário, emergiram vários movimentos políticos interessados em suprimir/controlar a liberdade de expressão dos usuários em rede e o fluxo de informação, sob o pretexto de se combater as fake news. Mediante esse novo fenômeno, o foco do estudo foi direcionado para responder à seguinte pergunta: qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e a relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil? Para responder a essa questão, o presente estudo teve como ponto de partida o estabelecimento de vários objetivos. O objetivo geral é identificar a função social dos fluxos de informação no ciberespaço e entender a relação que existe entre liberdade de expressão e censura. Como objetivos específicos apontamos: descrever como se deu o processo de criação da internet e sua expansão inicial nos EUA e no Brasil; conceituar ciberespaço na perspectiva teórica de território de Haesbaert; analisar leis relacionadas às tentativas de regulação
  • 15. 14 estatal, sob a justificativa de combater as fake news; analisar qual é a função social dos fluxos de informação no processo de consolidação da liberdade de expressão, sob a perspectiva de John Stuart Mill, John Locke e outros filósofos. Para se alcançar tais objetivos, utilizou-se a metodologia conhecida como pesquisa bibliográfica exploratória. Trata-se da junção da pesquisa bibliográfica, que é desenvolvida com base em material já elaborado e publicado (livros e artigos científicos), com a pesquisa exploratória, que tem por objetivo “explorar” o problema de pesquisa, quase sempre utilizado em temas/fenômenos recentes e/ou pouco conhecidos, visando aprimorar e familiarizar com a temática. A metodologia será aprofundada em um tópico específico desta dissertação. É possível afirmar que a escolha da metodologia se deu pelo fato de a temática estar ligada à informação e ciberespaço, e o território ser um fenômeno recente, com poucos dados, constituindo um campo ainda nebuloso. Utilizou-se a metodologia bibliográfica exploratória como meio de conhecer ainda mais o fenômeno, a fim de progredir na compreensão do problema. Uma vez estabelecida a metodologia, por meio da delimitação do tema e da realização de uma revisão bibliográfica1 , foi possível estabelecer cinco aportes teóricos que seriam utilizados e entrecruzados para a construção de uma concepção em que o ciberespaço fosse passível de ser analisado como um território. Por meio de seus fluxos, considerados a partir do modelo Durkheimiano, identificou-se a existência da função social. Para responder à pergunta que norteou a presente dissertação, a pesquisa foi dividida em cinco capítulos, além desta introdução. O segundo capítulo estabelece as bases conceituais da Geografia, sem as quais seria impossível responder à pergunta norteadora. Portanto, sem os conceitos de território, territorialidade e ciberespaço, seria impossível conceber o ciberespaço como um território com multiterritorialidades vívidas fluindo por suas estruturas. Devido ao fato de o objeto central da dissertação envolver diferentes temáticas como Geografia, Sociologia, Filosofia, Direito e Globalização, optou-se por introduzir o leitor aos conceitos-base que seriam aprofundados no dercorrer da dissertação e da reflexão. Ainda no primeiro capítulo, é realizada a abordagem do contexto histórico da origem e da expansão da rede, que atualmente é o cerne de grandes incidentes diplomáticos nos 1 Na revisão sistemática bibliográfica foram analisados artigos produzidos em Língua Portuguesa, em periódicos da CAPES, revisados por pares entre os anos de 2009 e 2019, utilizando-se como termos de busca “ciberespaço” e “território”.
  • 16. 15 debates e fóruns internacionais da internet. Resumidamente, o primeiro capítulo equivale à fundação de uma obra que passaria a ser construída, logo em seguida, no capítulo segundo. No capítulo terceiro, as concepções abordadas no capítulo primeiro de forma individualizada, passam a se entrecruzar, ou seja, os conceitos passam a questionar o “porquê” de o ciberespaço constituir um território com multiterritorialidades passíveis de estudos. Nesse sentido, ao dialogar com alguns dos geógrafos, ao expôr algumas das características da rede e ao estabelecer o ciberespaço como um território, realiza-se a divisão do território em rede, a partir de sua estrutura e a partir de sua territorialidade humana. Dessa forma, desenvolveu-se o diálogo da territorialidade humana a partir da concepção de cibercultura, centros de interesses e espaço de fluxos de Pierre Lévy, Castells e outros filósofos. Por fim, inicia-se uma breve discussão sobre as consequências de se manipular os centros de interesse, ou seja, os perigos de aproximar apenas aqueles que pensam de forma semelhante e afastar aqueles que pensam de forma diferente. No capítulo quarto aborda-se uma grande problemática presente nas redes de informação da modernidade: as fake news. As fake news demostram ser um grande problema em diversas democracias ao redor do mundo, forçando alguns governos a realizarem a regulação específica para a questão. Contudo, ao se aprofundar nos conceitos de Informação e desinformação, percebeu-se que o fenômeno das fake news tornou-se elemento essencial para entender a função social dos fluxos de informação, posto que sua proibição, por meio da regulação, implicaria, direta ou indiretamente, na criação de um órgão hierárquico para decidir/estabelecer o que é ou não verdade. Uma vez que o ciberespaço é o espaço que se legitima por meio da comunicação e sua capilarização nas camadas mais distintas e vastas do globo passou a ser um incômodo para centros de poder que detinham o monopólio da informação, as fake news, um termo amplo e indefinido, surgiram como um pretexto perfeito para regular o conteúdo que circula nas redes sociais. Por meio de medidas arbitrárias/autoritárias semelhantes às de países ditatoriais, vislumbra-se controlar toda e qualquer informação que passe pelos fluxos. As redes sociais estabelecem relações em diferentes pontos do Globo, possuindo um papel central e oculto na relação entre liberdade de expressão, censura e preservação da liberdade e é essa função social a que se pretende investigar.
  • 17. 16 No quinto capítulo utiliza-se o modelo durkheimiano para definir os fluxos de informação como um fato social, mediante a caracterização de sua generalidade, coercitividade e exterioridade. A partir dessa caracterização, analisa-se a função social dos fluxos de informação, diante de diversas dinâmicas e diálogos dos mais variados autores no que diz respeito à regulação, além de se realizar uma breve comparação entre os projetos de lei que estão em tramitação e as leis que já estão em vigor em países em que a rede não é livre, de acordo com a organização Freedom House. Nesse sentido, sendo o Direito, conforme Durkheim, um dos melhores indicadores da forma de uma sociedade, posto que a sociedade só se estende ao limite estabelecido pela lei, foi possível situar como a jurisdição brasileira tem lidado com os fluxos de informação em rede. Torna-se perceptível, sobretudo em relação aos movimentos dos centros de poder, a tentativa de supressão e controle dos fluxos de informação, sob o pretexto de se estar combatendo o “terror das fake news”, tornando a sociedade brasileira em rede mais próxima do modelo de censura de países autoritários. Por fim, os aportes teóricos explorados para desenvolver a presente dissertação foram divididos em cinco categorias: aportes da Geografia, da Globalização, da Sociologia, da Filosofia e aportes do Direito. No aporte da Geografia recorreu-se aos geógrafos Haesbaert e Yves Lacoste para a temática da dissertação – o ciberespaço como território. Yves Lacoste, da Geográfica Crítica, foi pesquisado para distanciar o leitor de um conceito pré-concebido de território estatal que está ligado ao modelo de Ratzel. No pós-guerra, introduziu-se o princípio da inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força e novos meios de guerra surgiram em diferentes dimensões, dentre elas a guerra tecnológica. É nesse momento que se introduz Haesbaert, por meio de sua concepção de território-rede, palco de diversas relações humanas modernas. Nesse sentido, foi possível estabelecer o ciberespaço como um território passível de estudo da Geografia. Já no aporte teórico relacionado à Globalização, abordou-se Pierre Lévy, por meio de sua concepção de cibercultura e centros de interesses, elementos essenciais para realizar a análise da multiterritorialidade em rede e as relações de poder ali existentes. A pesquisa também se beneficiou das concepções de Castells para demonstrar o quanto a tecnologia em rede dominou os instrumentos sociais centrais da sociedade humana, como por exemplo, o trabalho. Castells é indispensável para demonstrar como o trabalho e os meios de produção, agora
  • 18. 17 intimamente ligados aos instrumentos de comunicação, modificaram algumas relações do ser humano/sociedade com o espaço, em que o sociólogo afirma existirem os espaços de fluxos. No aporte da Sociologia, lançou-se mão do sociólogo Durkheim, por meio de seu modelo de análise dos fatos sociais, elemento central para se descobrir a função social dos fluxos de informação. Recorreu-se, também, aos filósofos da liberdade, Jhon Stuart Mill e John Locke, ambos essenciais para os debates acerca dos limites da liberdade e da tolerância. Quanto aos aportes teóricos da Filosofia, citou-se Luciano Floridi e Hannah Arendt, ambos basilares para as reflexões acerca da informação, da desinformação e da verdade, que são elementos que se tornaram grande fonte de poder dos oligopólios e governos. Por fim, no aporte do Direito, uma vez que grande parcela dos autores fundamentais tratados na Filosofia e na Sociologia são as fontes do Direito Ocidental, utilizou-se, além de Jhon Stuart Mill e John Locke, as diversas leis e documentos oficiais publicados/produzidos pelos agentes governamentais do Brasil, além de abordar superficialmente as legislações Chinesa e Russa. Este estudo foi realizado em apoio aos direitos fundamentais da liberdade e pela proteção das liberdades das instituições. Destaca-se que o estudo dos diversos aspectos do fenômeno contribuirá para as reflexões e para a construção de uma melhor abordagem da problemática vivenciada na atual crise da informação. 1.1 METODOLOGIA A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica exploratória, a fim de realizar a análise de diversas concepções acerca do problema. Nesse sentido, evoca-se Gil (2002, p. 44) para elucidar o que é uma pesquisa bibliográfica. [...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. Boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem a uma análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas.
  • 19. 18 Na presente dissertação será possível observar grande quantidade de fontes bibliográficas que foram utilizadas como aportes teóricos. Nesse sentido, por meio da definição do tema e da realização de uma revisão bibliográfica, estabeleceu-se cinco aportes teóricos, sendo eles: 1. Aportes da Geografia 2. Aportes da Globalização 3. Aportes da Sociologia 4. Aportes da Filosofia 5. Aportes do Direito Com os aportes e o diálogo realizado por meio do entrecruzamento de suas concepções, observou-se não só o ciberespaço como um território, como também se identificou a função social dos fluxos de informação. Nesse passo, é possível abordar os objetivos e concepções de uma pesquisa exploratória como metodologia. Conforme Selltiz et al. (1967, p. 63), Estas pesquisas têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a tomá-lo mais explícito ou a constituir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é portanto, bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliográfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise de exemplos que “estimulem a compreensão”. Devido ao fato de a atual crise das fake news, presente nos fluxos de informação, ser um fenômeno novo, a pesquisa exploratória foi escolhida como método ideal para abordar a temática. Uma vez estabelecidos os aportes, passou-se a explorar suas concepções, como estas se relacionam à temática e dialogam entre si de forma harmoniosa diante do contexto inserido. A partir do diálogo demonstrando o ciberespaço como um território e estabelecendo os fluxos de informação como alvo de desejo dos centros de poder, foi possível analisar os fluxos de informação, utilizando o modelo durkheimiano, por meio das regras do método sociológico, da concepção de fato social e da demonstração de como os fluxos de informação se caracterizam. Adquirindo o status de um fato social, os fluxos de informação foram analisados de forma a identificar quais são suas funções no corpo social. Com essa análise, tornou-se perceptível
  • 20. 19 que, além de trocar dados e mensagens, a rede possui a função social de descentralizar o poder da informação dos governos e dos oligopólios empresariais e realizar a preservação das liberdades. O organograma a seguir demonstra o percurso teórico metodológico percorrido. Figura 1. Processo teórico-metodológico. Fonte: Elaboração Própria, Processo teórico metodológico. 10 de dez. de 2021. Ademais, com o fim único de enriquecer a discussão a respeito das fake news no judiciário, foram utilizados modelos quantitativos para observar a judicialização das causas envolvendo fake news, notícias falsas e liberdade de expressão. Nesse sentido, realizou-se uma pesquisa na Plataforma Jusbrasil para a identificação de três grandes aspectos relacionados à judicialização das fake news, e para tanto, visualizar os resultados em quatro gráficos presentes no decorrer da dissertação. Buscou-se reunir dados sobre o resultado de processos judiciais envolvendo conteúdos disponibilizados na Internet, especialmente em relação: 1 – à identificação dos pedidos mais comuns e à quantidade de vezes que foram concedidos; 2 – às principais características das partes envolvidas na demanda; 3 – aos padrões argumentativos empregados pelos Tribunais, no momento de decidir. Com o intuito de captar a maior quantidade de dados possíveis, este estudo pesquisou decisões judiciais, tanto em primeira quanto em segunda instância, tanto na esfera cível quanto nas demais esferas existentes. Foram analisadas decisões de primeira e segunda instâncias de todos os Tribunais de Justiça Estaduais, da Justiça Federal e dos seguintes tribunais: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunal Regional do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal de Contas dos Estados, Tribunal de Contas da União, Turma Nacional de Uniformização, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal Militar e Tribunal de Justiça Militar.
  • 21. 20 Com o objetivo de abranger o máximo de decisões possíveis, foram aproveitados dois blocos de termos de busca combinados entre si, sendo o primeiro ligado à disseminação de notícias falsas, com os termos fake news e notícia falsa, e o segundo ligado ao direito à liberdade de expressão, com o termo liberdade de expressão. A combinação resultou em 240 jurisprudências catalogadas no período de 1º de janeiro de 2015 a 25 de novembro de 2020. É necessário ressaltar que a última atualização do banco de dados ocorreu em 21 de dezembro de 2020, sendo importante observar a pontuação nessa data, uma vez que a morosidade de alguns tribunais pode atrasar a publicação de algumas decisões ocorridas no período citado acima. As 240 decisões encontradas foram então analisadas individualmente, para que aquelas que não diziam respeito ao objeto de pesquisa fossem descartadas. Foram excluídas as decisões em que: 1 – não havia menção expressa e direta de pelo menos dois dos três termos concomitantes em qualquer parte do conteúdo, seja como argumento do polo ativo, seja como parte da fundamentação da decisão; 2 – não havia menção expressa do processo de origem disponibilizado on- line, uma vez que teria que se especular a respeito do conteúdo que está sendo julgado; 3 – o Tribunal apenas abordou questões processuais; 4 – se repetiram. Do total de 240 decisões encontradas, 30 foram descartadas com base nos itens 1, 2 e 3 acima, restando 210. Posteriormente, foram descartadas as decisões que eram repetidas. Das 210 restantes, 22 foram excluídas em conformidade com o item 4, restando 188 decisões para análise. As 188 decisões analisadas tiveram origem nos Tribunais indicados na tabela 1, abaixo. Tabela 1. Tribunais de origem das decisões. TRIBUNAL DE ORIGEM TRIBUNAL DE JUSTIÇA 76 TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL 70 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 26 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 13 TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 1 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO 1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA 1 TOTAL 188 Fonte: Elaboração Própria. Tribunal de origem. 20 de jan. de 2021.
  • 22. 21 Destaca-se ainda que, em nove dessas 188 decisões, duas ou mais partes recorreram na mesma ocasião, fato este que será considerado individualmente na análise de cada recurso. Uma vez que se analisou o engajamento das partes, seus fundamentos e seus resultados, essas nove decisões geraram 11 possibilidades a mais de análise. Contudo, uma dessas possibilidades foi eliminada com base no item 3 (Tribunal abordou questões processuais), restando apenas dez possiblidades de análise. Diante das categorias de análise, foi elaborada uma planilha única e geral com os mais variados instrumentos e remédios jurídicos, como: apelações, agravos de instrumentos, acórdãos, decisões monocráticas, agravos regimentais, embargos de declaração, embargos infringentes, habeas corpus, ações diretas de inconstitucionalidade, recursos inominados e outros tipos processuais. 1.2 ANÁLISE DAS DECISÕES Todas as decisões foram classificadas de acordo com uma série de critérios que permitisse a identificação do/a: 1 – Data da publicação 2 – Órgão julgador 3 – Polo ativo/passivo 4 – Fundamentação 5 – Resultado Em relação aos atores envolvidos, estes podem ser classificados como: polo ativo e polo passivo. Os polos, nessa metodologia, não têm a mesma base conceitual jurídica. Polo ativo representa qualquer pessoa, seja ela física, jurídica, pública ou política, que interpôs peça processual, seja essa peça a inicial, seja recurso ou remédio processual. A escolha dessa metodologia se deu para a realização de uma análise geral quantitativa, baseada na qualificação das partes. Por meio dessa medida, é possível observar, por exemplo, se a classe política alça maiores vantagens nas decisões judiciais, pela quantidade de vezes que suas interposições procedem. Os polos ativos das demandas foram classificados em sete categorias. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas essas características:
  • 23. 22 1 – Pessoas Físicas 2 – Pessoas Jurídicas 2.1 – Pessoa Jurídica Pública 2.2 – Pessoa Jurídica Privada 2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado 3 – Pessoa Pública 4 – Pessoa Política 5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas 6 – Provedor de busca (Google, Bing, Yahoo) 7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter) 8 – Produtores de conteúdo off-line, como redes de televisão Os polos passivos foram classificados em quatro categorias. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Pessoa física 2 – Pessoa Jurídica 2.1 – Pessoa Jurídica Pública 2.2 – Pessoa Jurídica Privada 2.3 – Ente Jurídico Despersonalizado 2.4 – Autoridade Coatora 3 – Pessoa Política 4 – Pessoa Pública 5 – Jornalistas, site de notícias jornalísticas 6 – Administrador de Sistema Autônomo 7 – Redes Sociais (Face, Google+, Twitter) 8 – Provedor de Busca (Google, Bing, Yahoo) 9 – Produtores de Conteúdo off-line, como redes de televisão 10 – Produtores de softwares e jogos Com relação aos fundamentos utilizados pela parte ativa da demanda, foram identificadas as categorias abaixo relacionadas. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Direito à honra 2 – Direito à imagem 3 – Violação da privacidade/intimidade 4 – Violação da liberdade de expressão/imprensa
  • 24. 23 5 – Propaganda/notícia irregular 6 – Exceção da verdade Com relação aos resultados, foram identificadas as categorias mencionadas abaixo. Essas categorias são cumulativas, ou seja, um processo pode apresentar todas estas características: 1 – Indenização por dano moral 2 – Indenização por dano material 3 – Remoção de conteúdo 4 – Direito de resposta/retratação 5 – Suspensão de conteúdo 6 – A interposição não prosperou e foi encaminhada para prosseguimento 7 – A Interposição prosperou (completa ou parcialmente) e foi encaminhada para prosseguimento 8 – Condenação em multa O esquema abaixo ilustra o percurso teórico-metodológico seguido.
  • 25. 24 Figura 2. Percurso teórico-metodológico. Fonte: Elaboração própria. Percurso teórico-metodológico. 20 de jan. de 2021.
  • 26. 25 CAPÍTULO 2 – ESPAÇO, TERRITÓRIO, TERRITORIALIDADE E CIBERESPAÇO 2.1 GEOGRAFIA E ESPAÇO Para melhor introduzir as concepções que serão tratadas no decorrer da presente dissertação e antes de adentrar propriamente à especificidade da temática, há de se entender alguns dos aspectos da Geografia. Para isso, deve-se aprofundar em um de seus principais objetos, o espaço. Para os geógrafos, o espaço é uma concepção basal de estudo. Segundo Santos (1996, p. 49), “o espaço, portanto, é parte da realidade, sendo esta a portadora da totalidade”. Abstrai-se da afirmação que, para a Geografia o espaço é o portador de todos os elementos de estudo e análise, ou seja, o espaço é o portador dos territórios, das regiões, dos lugares e das paisagens. A partir dessa observação, há de se destacar duas grandes divisões dentro da Geografia que oferecem diferentes concepções para o objeto de estudo denominado “espaço”, sendo elas: Geografia Física e Geografia Humana. De acordo com Oliveira Latuf (2007, p. 205), A distinção entre Geografia Física e Geografia Humana foi sendo realizada sob diversas óticas. De um lado, os naturalistas e geógrafos ditos “físicos” deram uma expressiva contribuição para esta divisão, devido à necessidade de classificar, mapear, enquadrar, compreender e modelar as relações ecológicas, biogeográficas, hidro-climáticas e geomorfológicas por meio da observação e compreensão da natureza e seus processos formadores. De outro lado, evoluía uma Geografia voltada para a compreensão das formas e processos da sociedade, pautada nas Ciências Humanas, como por exemplo, a Economia, a Sociologia, a Antropologia, dentre outras. De fato, essa divisão dentro da Geografia tomou forma durante um longo decurso histórico-temporal como, por exemplo, Heródoto (485 a.C. - 425 a.C.), que em sua obra intitulada “Euterpe”, descrevia a Geografia Física e Humana do Egito. Já Aristóteles (384 a.C. - 323 a.C.) demonstrou cientificamente que a Terra tinha uma forma esférica. Durante o Renascimento (1400 a 1600 d.C.), vários exploradores como Cristóvão Colombo, Vasco da Gama, Fernando Magalhães e Jacques Cartier adicionaram contribuições importantes tanto para a Geografia Humana quanto para a Geografia Física, por meio de seus diários de bordo, mapas cartográficos e descrições dos mais variados e distintos pontos do Globo. Por meio
  • 27. 26 de várias escolas, como as Escolas Francesa, Alemã, Inglesa e Norte-Americana, essa divisão dentro da Geografia se consolidou. Na presente dissertação, inicia-se a análise do espaço a partir dessa divisão, a começar pela Geografia Física. De acordo com Nascimento (2004, p. 167), Entende-se por Geografia Física o estudo da organização espacial dos geossistemas, de vez que essa organização se expressa pela estrutura conferida pela distribuição e arranjo espacial dos elementos que compõem o universo do sistema, os quais são resultantes da dinâmica dos processos atuantes e das relações entre os elementos. Observa-se que, na Geografia Física, o espaço geográfico é o espaço concreto ou físico presente na estrutura de elementos que compõem o sistema, resultantes das dinâmicas estruturais do globo terrestre, ou seja, os elementos que compõem o Globo, dentro da dinâmica ecológica, biogeográfica, hidroclimática e geomorfológica. Apesar de a Geografia Física oferecer uma vasta quantidade de informações sobre os elementos espaciais, sobretudo na modernidade, em que a tecnologia facilita a captação de tais dados, é possível iniciar a análise da Geografia Física a partir de Humboldt. Para a maioria dos geógrafos, a construção da Geografia como uma ciência técnica e metodológica emergiu das obras dos alemães Alexander Von Humboldt, importante geólogo, botânico e naturalista, Karl Ritter, historiador e filósofo, e Friedrich Ratzel, geógrafo e etnólogo. Para Camargo e Reis Júnior (2007, p. 83), [...] somente nos meados do século XIX, na Alemanha, com A. von Humboldt, K. Ritter e F. Ratzel, que ela passou a ter status de ciência, sendo, a partir dessa época, ensinada e praticada nas universidades. Formou-se então uma corrente de pensamento no seio da geografia que ficou conhecida como “escola alemã”, cuja característica central era o fato de ser iminentemente determinista e naturalista. Humboldt (1845–1862), por meio de seu tratado de 1845 sobre a ciência da natureza, intitulado “Kosmo”, que é um compilado de suas aulas ministradas na Universidade de Berlim, instituiu de maneira sólida alguns dos aspectos da Geografia Física. Na introdução de sua obra, é possível observar a abordagem da Física pelo estudo dos processos físicos, e a abordagem da Geografia Física
  • 28. 27 presente na paisagem, por meio do estudo dos elementos da natureza. Humboldt (1982), em sua obra, introduzia o conceito de paisagem, e a partir disso traçava um paralelo por meio da conexão desses elementos da natureza com os processos físicos. Vejamos: Após uma longa ausência do meu país natal, ao tentar desenvolver os fenômenos físicos do Globo e a ação simultânea das forças que permeiam as regiões do espaço, experimento uma dupla causa de ansiedade. O assunto perante mim é tão inesgotável e tão variado, que receio cair na superficialidade do enciclopedista ou cansar a mente do meu leitor com aforismos que consistem em meras generalidades revestidas de formas secas e dogmáticas. [...] ao acatarmos o estudo dos fenômenos físicos, não apenas na sua orientação para as necessidades materiais da vida, mas na sua influência geral sobre o avanço intelectual da humanidade, consideramos que o seu resultado mais nobre e mais importante é o conhecimento da cadeia de ligação, pela qual todas as forças natais estão ligadas entre si e se tornam mutuamente dependentes umas das outras. É a percepção dessas relações que exalta os nossos pontos de vista e enobrece os nossos prazeres2 (HUMBOLDT, 1864, p. 1, tradução nossa). Além disso, o geógrafo realizou várias viagens que contribuíram para conceber algumas de suas principais ideias, utilizando seu método comparativo de estudo científico das paisagens, que confrontava de forma sistêmica as diferenças e similaridades de diversas paisagens. Observa-se que, a princípio, o objeto de estudo da Geografia Física era limitado apenas à paisagem e se estudava os elementos que a compunham. Contudo, a partir da análise científica, a Geografia Física expandiu as possibilidades de análise do espaço. Aprofundou seus processos e fenômenos físicos, biológicos e químicos, sendo, portanto, uma forte corrente presente no estudo da ciência geográfica. É possível observar que, atualmente, a Geografia Física dividiu-se em alguns ramos de especialização como a Geomorfologia, Hidrologia, Glaciologia, 2 In attempting, after a long absence from my native country, to develope the physical phenomena of the globe and the simultaneous action of the forces that my reader by aphorisms consisting of mere generalities clothed in dry and dogmatical forms. (...) In considering the study of pervarde the regions of space, I experience a twofold cause of anxiety. The subject before me is so inexhaustible and so varied, that I fear either to fall into the superficiality of the encyclopeadist, or to weary the mind of physical phenomena, not merely in its bearings on the material wants of life, but in its general influence on the intelectual advancement of mankind, we find its noblest and most importante result to be a knowledge of the chain of connection, by which all natual forces are linked together, and made mutually dependente upon each other, and it is the perception of these relations that exalts our views and ennobles our enjoyments.
  • 29. 28 Biogeografia, Climatologia, Pedologia, Paleogeografia, Orografia, Geografia Litorânea e Geografia Astronômica (Idem). Nesse momento, pode-se introduzir o conceito de espaço na Geografia Humana, que em sua concepção originária procurava elucidar a organização espacial, os padrões de distribuição espacial e as relações que conectam diferentes pontos do espaço e sua relação com o homem. Para isso, é possível observar as importantes contribuições de Karl Ritter e Ratzel que, em suas obras, propõem um estudo mais direcionado à relação entre o homem e a superfície terrestre. Para Ritter (1865), a compreensão da relação do homem com a superfície era um meio de se aproximar de uma moral transcendente, uma vez que o homem só seria passível de compreender a plena liberdade, por meio do conhecimento do espaço finito que o cerca. Assim, só ele pode compreender o pensamento sublime de sua própria liberdade, a independência de sua própria vontade no reino da natureza, e aprender a majestade de seu próprio espírito; pois o conhecimento dessa liberdade, que é o mais nobre de todos os dons de Deus para ele, é a chave mais direta para alcançar aquele lugar no presente, e aquele destino no futuro, que Deus designou para o homem. Aquele que não conhece o terreno não pode conhecer o celestial; quem não conhece o finito não pode conhecer o infinito3 (RITTER, 1865, p. 19, tradução nossa). Nesse sentido, a Geografia precisava entender a lógica dos comportamentos dos agentes sociais para poder elucidar a localização das atividades humanas, os fluxos das pessoas e sua relação com o espaço natural. Assim sendo, é possível observar novamente Ritter abordar uma análise de como o espaço influi em um povo ao mesmo passo em que o povo influi no espaço. As regiões montanhosas tiveram, portanto, uma grande influência na história e no desenvolvimento da humanidade, ainda maior do que os planaltos mais monótonos, que em geral abrigam raças nômades e dão pouco incentivo aos povos permanentemente assentados. Por essa razão, o geógrafo não pode, como o geólogo, classificar planícies altas e montanhas juntas; ele não pode tirar as mesmas inferências do platô e da cordilheira; para o geógrafo, o planalto não é um tipo inferior de montanha, mas os dois, em suas relações com o 3 Thus, alone can he compass the sublime thought of his own freedom, the independence of his own will in the kingdom of Nature, and learn the majesty of his own spirit; for the knowledge of that freedom, which is the most noble of all God's gifts to him, is the most direct key to the attainment of that place in the present, and that destiny in the future, which God has appointed for man. He who knows not the earthy, cannot know the heavenly; he who knows not the finite, cannot know the infinite.
  • 30. 29 homem e com a história, sugerem resultados inteiramente diferentes e condicionam processos inteiramente diferentes4 (RITTER, 1865, p. 91, tradução nossa). Observa-se que Ritter (1865), em sua comparação das paisagens montanhosas em relação aos planaltos, afirma que o ambiente resulta em diferentes tipos de sociedade, uma vez que, por exemplo, os planaltos dão pouco incentivo aos assentamentos permanentes, induzindo o povo a ser nômade, diferentemente das regiões de cadeias montanhosas, que possuem os elementos necessários e favoráveis à permanência. Já Friedrich Ratzel (1906) destacou-se por dar maior ênfase ao homem em suas concepções geográficas. Nota-se grande ímpeto em analisar a Geografia sob a ótica de sua formação antropológica, sobretudo em sua obra Über geographische Bedingungen und ethnographische Folgen der Völkerwanderungen. Por meio da tradução de Jörn Seemann (2012), é possível afirmar que Ratzel observava as organizações dos homens. Vejamos: Não podemos fugir de certas influências do nosso ambiente, sobretudo daquelas que atuam sobre o nosso corpo; lembro-me daquelas [influências] do clima e da alimentação. É sabido que o espírito também está sobre a influência do caráter geral do cenário que nos cerca. Mas, para outros, esse grau de influência que essas [forças] exercem depende em grande medida da força de vontade que se opõe a elas. Podemos nos defender dela, contanto que o queiramos. Um rio grande que forma uma linha fronteiriça para um povo indolente não representa uma barreira para um povo determinado. [...]. Assim se mede as influências, que estamos inclinados a atribuir às circunstâncias externas na história dos povos, na sua totalidade pela força da vontade pertencente a esses povos. Quanto mais forte e mais duro esse [povo], menores os impactos daqueles [efeitos da natureza] (SEEMAN apud RATZEL, 2012, p.10). Partindo dessa concepção, estudava-se o espaço a partir das organizações resultantes da relação homem/natureza. De acordo com Sorre (2003, p. 139), “Em boa parte, a Geografia Humana apresenta-se como uma ecologia do homem. Examinemos cada um dos termos dessa relação”. Observa-se que o objeto de 4 Mountain regions have therefore had a great influence in history and in the development of humanity, even greater than the more monotonous plateaus, which in general harbor nomadic races and give little encouragement to permanently settled people. For this reason, the geographer cannot, like the geologist, classify high table-lands and mountains together; he cannot draw the same inferences from the plateau as from the mountain range; to the geographer the plateau is not a lower type of mountain, but the two, in their relations to man and to history, suggest entirely different results and condition entirely different processes.
  • 31. 30 estudo da Geografia Humana é, portanto, a totalidade das interações humanas e seus desdobramentos, ou seja, o espaço de estudo na Geografia Humana se limita aos próprios atos humanos em sua relação com o natural, uma vez que o comportamento humano exerce tanta influência sobre o espaço quanto a própria natureza. Em meados da década de 1970, por meio de um movimento crítico originário da Escola de Frankfurt, rompeu-se com a ideia de neutralidade científica para fazer da Geografia Humana uma ciência apta a elaborar uma crítica radical à sociedade capitalista, pelo estudo do espaço e das formas de apropriação da natureza. Por meio da teoria crítica, iniciou-se um movimento que alterou a ótica da ciência humana, sobretudo após a publicação da obra "A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra", de Yves Lacoste. De acordo com o geógrafo, A geografia é, de início, um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações extremamente variadas, heteróclitas à primeira vista, das quais não se pode compreender a razão de ser e a importância, se não se enquadra no bem fundamentado das abordagens do Saber pelo Saber. São tais práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne necessária, ao Chefe Supremo, àqueles que são os donos dos aparelhos do Estado (LACOSTE, 1985, p. 23). Nota-se que o conceito de espaço foi totalmente redefinido pela Geografia Crítica, uma vez que é perceptível, por meio dos posicionamentos de Yves Lacoste, que os estudos geográficos se voltaram para uma crítica social, sobretudo na relação entre Estado, sociedade e espaço. Assim como a Cultura, a Política e a Economia são instâncias da sociedade passíveis de serem estudadas por meio das metodologias científicas dominantes em cada área, também seria possível acontecer com o estudo do espaço como um produto social, uma vez que o mesmo reflete os processos e conflitos sociais ao mesmo tempo em que influi neles. Nesse sentido, o espaço geográfico expandiu seu objeto de estudo para além da relação homem/natureza, abrangendo a relação homem/homem por meio do espaço social resultante das relações das pessoas, das instituições e da paisagem entre si. A partir dessa concepção, a Geografia passou a se engajar em estudos políticos na defesa da diminuição das desigualdades regionais e a se envolver em outras áreas de especialização como Economia, Direito, Ciências Médicas, etc.
  • 32. 31 Como ramos de especialização da Geografia Humana é possível observar a Geografia Econômica, Geografia Cultural, Geografia do Trabalho, Geografia Social, Geografia Histórica, Geografia Rural, Geografia Ambiental, Geografia Médica, Geopolítica, Urbanismo e Ecologia Humana (idem.). Destaca-se, nesse momento, que tanto o capítulo um quanto o capítulo dois do presente estudo, firmarão as bases conceituais para conceber a ideia de ciberespaço como um território, para que nos capítulos três e quatro se estabeleça um diálogo acerca da função social dos fluxos de informação presentes no espaço cibernético e as implicações que uma regulação poderia acarretar no desenvolvimento do território. A partir da abordagem dos espaços, será possível introduzir as concepções relacionadas a território e à territorialidade, elementos essenciais para compreender como é a configuração espacial em rede. 2.2 TERRITÓRIO Uma vez que o espaço é o objeto de estudo da Geografia e sendo esta a portadora da realidade, é necessário observar a concepção de território, que constitui um dos elementos presentes no espaço. A abordagem da concepção de território, contudo, será feita tão somente no tocante à Geografia Humana, uma vez que o objeto deste estudo, o ciberespaço, não é elemento puramente físico ou predeterminado da natureza. Além disso, é necessário pontuar que, apesar de o território possuir elementos materiais presentes no espaço geográfico, sua existência depende diretamente de uma ação humana, fruto de um processo de interesses sociais e políticos. Não é difícil afirmar que o conceito de território diverge e se altera de acordo com a dinâmica espaço/tempo, uma vez que as sociedades, as políticas, as pesquisas e as jurisdições se modificam. Para o pesquisador Haesbaert, o conceito de território apresenta uma face abrangente. Segundo o pesquisador, Território tem sido uma expressão ambígua, que pode designar desde um espaço social qualquer, como predomina no senso comum e entre alguns geógrafos, até um espaço marcado e defendido por determinadas espécies animais, seu espaço de sobrevivência, como é definido pela etologia. Pode ter tanto um sentido totalmente abstrato, como o “território da filosofia”, quanto muito concreto, o “território dos Estados-nações.” (HAESBERT, 1997, p. 32).
  • 33. 32 Nesse sentido, é possível perceber que tal conceito é mutável e aplicável de várias formas. Porém, para conduzir melhor a dissertação, diante da ambiguidade e das várias possibilidades modernas de aplicação da concepção de território, a análise desses conceitos iniciará a partir da etimologia da palavra. Le Berre (1992, p. 618) elucida o conceito de território da seguinte forma: “Originário do latim territorium (por sua vez derivado de terra), o termo figurava nos tratados de agrimensura significando ‘pedaço de terra apropriada’ e só se difundiu efetivamente na Geografia no final dos anos 70”. Nota-se que a concepção de território, em sua efetiva aparição em meados dos anos 70, estava intimamente atrelada à apropriação de uma porção de terras para fins de uso específico, sendo presumido um processo social e/ou político diante de determinadas ações. Contudo, como dito anteriormente, tal concepção se modificou no lapso temporal, sendo possível observar conceitos deveras semelhantes no decorrer das épocas como, por exemplo, a palavra “província”, que vem do latim pro, “à frente”, mais vincere, “vencer”, que em sua concepção romana definia os territórios sob o domínio de um magistrado que controlava uma porção de terra em nome do Império. Temos também, como exemplo, a palavra patriarcado, que deriva das palavras gregas, patér, “pai”, mais arkhé, “poder”. Em seu período, essa palavra determinava uma porção de terra governada pelo patriarca, o líder de uma unidade que comandava a estruturação das ações administrativas, judiciárias e religiosas a serem desempenhadas por todos que compartilhavam aquele espaço sob a jurisdição do patriarca. Nesse sentido, é sempre perceptível junto à figura do território, a presença de uma relação de poder dos indivíduos sobre o espaço. Observa-se que a concepção de território foi construída no decorrer das épocas, como um fruto da organização do espaço, segundo os interesses e objetivos dos indivíduos que ali se localizavam. Aprofundando-se ainda mais no conceito, é possível afirmar que o território é, por si só, o receptáculo de uma entidade governamental formada e estruturada pelos indivíduos que se apropriam e estruturam o espaço, a partir de um objetivo coletivo. Diante da relação de poder existente na formação do território, pode-se presumir a existência de um conjunto de leis e normas que regem o comportamento dos indivíduos dentro dos limites da jurisdição. Apesar de o termo território ser de difícil definição, sob a ótica do Direito existe um consenso entre os juristas em dizer que o território é um dos três
  • 34. 33 principais elementos para a formação de um Estado. Nesse sentido, Bonavides (2000, p. 122) consente da seguinte forma "a doutrina de mais peso se inclina para a consideração do território como elemento essencial ao conceito de Estado". Tal concepção do Direito também é compartilhada na Geopolítica. Ratzel (1990) sempre ressaltava a importância do território como um dos elementos essenciais para a formação de um Estado e afirmava que, Mesmo que a ciência política tenha ignorado as relações de espaço e a posição geográfica, uma teoria de Estado que fizesse abstração do território não poderia jamais, contudo, ter qualquer fundamento seguro. [...] sem território, não se poderia compreender o incremento da potência e a solidez do Estado (RATZEL, 1990, p. 73-74). Essa concepção possui uma origem no sistema de leis advindas do Império Romano, onde a fixação dos limites de um território era condição fundamental para exercer o domínio sobre determinado espaço e impor suas leis. Ratzel corrobora as afirmações anteriores. Como o Estado não é concebível sem território e sem fronteiras, constituiu-se bastante rapidamente uma geografia política, e ainda que nas ciências políticas em geral se tenha perdido de vista com frequência a importância do fator espacial, da situação etc., considera-se, entretanto, como fora de dúvida que o Estado não pode existir sem um solo. Abstraí-lo numa teoria do Estado é uma tentativa vã que nunca pôde ter êxito senão de modo passageiro (RATZEL, 1983, p. 93). Percebe-se que o território é condição sine qua non5 para que a soberania de um povo se torne legítima como um Estado, sendo este um dos principais motivos de conflito em algumas regiões do mundo. Como exemplo de conflitos entre povos envolvendo o mesmo espaço, no que tange à definição de um território, temos Israel e Palestina, em que não há consenso pela demarcação dos territórios em um mesmo espaço. Sendo assim, cada povo reivindica o mesmo espaço como um território para exercer seus objetivos, impor suas leis, realizar suas atividades, ampliar sua cultura, etc. O conflito entre os dois povos causa incidentes diplomáticos sob a ótica internacional, no que diz respeito ao reconhecimento de um dos povos como um Estado. 5 Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão do latim que pode ser traduzida como “sem a/o qual não pode ser”. Refere-se a um ato/elemento cuja condição é indispensável e essencial para o ser/existência de algo.
  • 35. 34 A ideia do território como um receptáculo dos elementos componentes de um Estado se intensificou com Ratzel, sobretudo ao cunhar o termo “Geografia Política”, que atrelou a percepção de território intensamente à figura de um Estado que domina e controla uma porção de terra. Nesse sentido, o “Lebensraum”, traduzindo do alemão, “espaço vital”, surgiu como um conceito inovador e uma das principais proposições de Ratzel. O espaço vital inaugurou algumas das concepções da Geografia Política moderna, em que se disseminava a ideia de que deveria haver o equilíbrio entre a demografia populacional e a disponibilidade de recursos espaciais. Nota-se que a dinâmica territorial em Ratzel muito se assemelha à concepção territorial adotada pelas doutrinas majoritárias relacionadas ao Direito, sobretudo, no que tange aos elementos de formação do Estado. Ratzel agrega uma importância ao território como fonte de poder Estatal como nunca antes visto. No mais tardar, a ideia de espaço vital iria influenciar diretamente o Reich alemão em sua expansão, uma vez que a concepção de espaço vital justificava a invasão de povos “primitivos” como meio de satisfazer as necessidades de um povo “superior”. Font e Rufi (2006, p. 59), em um breve comentário sobre o espaço vital, afirmam que: Renunciar à luta, renunciar ao espaço vital, significará a decadência de um povo. Esta lógica é a que marcará a dinâmica territorial do Estado, uma lógica de caráter hobbesiano em que o conflito fica legitimado por um direito natural, o de dar segurança e satisfação às necessidades da população. Com isto, Ratzel afasta-se da posição determinista intransigente que pouco a pouco tinha adquirido. Segundo ele, apenas as sociedades frágeis e primitivas sofrem de submissão ao meio; as restantes movem-se na marca do possibilismo, lutando pelo território de acordo com suas necessidades e capacidades. De fato, toda a teoria do lebensraum é expressão deste possibilismo. Denota-se que a luta pelo território como fonte de poder expandiu as dimensões de análise do espaço, uma vez que o estudo geográfico assumiu uma forma mais política e governamental, sobretudo por meio do planejamento jurídico e estratégico militar, cujo objetivo expansionista era almejado pelos Estados Nacionalistas da época, posto que o território, por si só, era considerado uma fonte de poder e controle sobre tudo que existia sobre e sob a porção do espaço. De acordo com Queiroz e Bachiega (2020, p. 194),
  • 36. 35 Com Ratzel, inicia-se o estudo sistemático da dimensão geográfica da política, que tem como corolário basilar a premissa de que a expansão territorial de um povo é justificável se o espaço almejado for capaz de prover os meios para a satisfação de suas necessidades — portanto, a espacialidade ou a territorialidade do Estado era o principal objeto de preocupações. Essa premissa indicava a ideia do que seria o Estado e sua ligação com o território como uma fonte de poder — e passou a ser utilizado por líderes políticos como justificativa para aventuras expansionistas em busca do equilíbrio entre as necessidades de uma dada população e a disponibilidade de recursos que o meio oferece para supri-las. O conceito de espaço vital influenciou totalmente o século XX e toda a sua posteridade, uma vez que tal concepção inspirou, voluntária ou involuntariamente, os moldes da Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, o aspecto regulador de um território quanto à sua delimitação, por meio do Direito Internacional, tomou proporções ainda maiores. Segundo Alves (1988, p. 14), Foram os nacionais-socialistas alemães, tendo à sua frente a figura carismática de Adolfo Hitler, que exaltaram, robusteceram e projectaram, entre o início dos anos vinte e o término da Segunda Guerra Mundial, em 1945, mas, fundamentalmente, entre os anos de 1933 e de 1942, o conceito de espaço nacional – o então designado “espaço vital” (lebensraum), tornando-o por outro lado “maldito” pelos estudiosos da Geopolítica e pelos que, mais ou menos directamente, tiveram de arrostar com os efeitos decorrentes da tentativa da sua execução. Apesar de o século XX ter sido marcado pelas grandes guerras mundiais, são inegáveis os avanços tecnológicos e jurídicos alçados durante o período, sobretudo com relação à solidificação dos direitos do homem e a fortificação dos Estados como entidades soberanas, por intermédio do Direito Internacional. Pode-se dizer que foi Ratzel que deu duas definições distintas ao termo “território”. A primeira, o espaço material delimitado sob alguma metodologia humana, e o segundo, o território sob o aspecto jurídico governamental, em que a entidade Estado habita o receptáculo do território. Como bem pontuado por Ratzel, um Estado só possui solidez por meio do território, que é a base de toda uma sociedade soberana. A partir dessa concepção mais sólida, é possível estabelecer uma jurisdição de leis, comportamentos, culturas, etc. A figura do território como sendo a base de uma relação de poder estatal será importante no decorrer da presente dissertação, sobretudo quando se analisar os novos modelos de guerra, principalmente a tecnológica. Veremos que a informação
  • 37. 36 assumiu o “status” de um novo modelo de controle e uma nova dinâmica de poder, por meio do controle do “espaço vital”, que na modernidade está intimamente ligado às dinâmicas digitais. Contudo, convém abordar como se deu o avanço da concepção de território e sua delimitação no pós-guerra, período inclusive em que ocorreu o nascimento da internet e solidificou o ciberespaço. Como dito anteriormente, a concepção de território é mutável no decorrer do espaço/tempo. Sendo assim, foi possível perceber como aconteceu a consolidação dos territórios até a guerra. Nesse sentido, após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, a dinâmica de expansão e conquista territorial pelos Estados por meio da guerra ou força foi reduzida de maneira estrondosa com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), uma organização intergovernamental designada para promover a cooperação internacional. Originada da Liga das Nações, a Organização foi instituída em 24 de outubro de 1945, após o término da Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de se evitar que outra guerra nas mesmas proporções ocorresse. A ONU e o Direito Internacional surgiram como entidades que julgam os conflitos territoriais dos países, valendo-se do princípio6 da “inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força”. Sob as mesmas orientações da ONU, a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), que foi celebrada na IX Conferência Internacional Americana, de 30 de abril de 1948, ocorrida em Bogotá, estabeleceu normas específicas aos seus assinantes. No que se refere ao território, em seu artigo 21, o tratado assim dispõe: O território de um Estado é inviolável; não pode ser objeto de ocupação militar, nem de outras medidas de força tomadas por outro Estado, direta ou indiretamente, qualquer que seja o motivo, embora de maneira temporária. Não se reconhecerão as aquisições territoriais ou as vantagens especiais obtidas pela força ou por qualquer outro meio de coação. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS - OEA, 1967, s. n). Nota-se que no pós-guerra, a delimitação territorial dos Estados assume uma forma totalmente política e sólida, em que o princípio da “inadmissibilidade da 6 No Direito, as definições mais amplas de um “princípio” o concebem como sendo o fundamento de uma norma jurídica. São conhecidas como as “vigas” do Direito, que não estão definidas em nenhum diploma legal, mas são verdades fundantes de um sistema de conhecimento já admitidos.
  • 38. 37 aquisição de território pela guerra ou força” rege totalmente as relações territoriais das entidades estatais. A violação dos princípios estabelecidos pelos Estados Membros da ONU e OEA, por exemplo, gera consequências aos interesses políticos dos Estados, com sanções e embargos internacionais. As sansões, sejam diplomáticas, econômicas, militares, desportivas ou contra indivíduos, tornaram as guerras expansionistas onerosas aos cofres estatais, desestimulando os moldes de expansão do século passado. Diante de tal cenário, a estrutura dos territórios e das guerras mudou completamente, principalmente no cenário da globalização, em que as delimitações do espaço, apesar de existirem, se tornaram facilmente transponíveis pelos indivíduos, favorecendo a integração dos povos e beneficiando ainda mais os novos modelos de guerra, em que o comércio, a informação, a ciência e a cultura se constituíram nos novos meios de controle territoriais. Nesse sentido, observa-se como exemplo recente, a guerra comercial entre a China e os EUA, que ocorreu em 2018, e vem apresentando consequências no cenário global até o presente momento. A guerra comercial entre os países teve início quando o presidente norte-americano, Donald Trump, com base na Lei de Comércio de 1974, nas acusações de práticas comerciais desleais e roubo de propriedade intelectual americana por parte dos chineses, anunciou em 22 de março de 2018, uma lista de tarifas avaliadas em US$ 50 bilhões de dólares que seriam impostas às importações provenientes da China. Em resposta às medidas ordenadas pelo governo norte-americano, o governo chinês impôs tarifas em vários produtos importados dos EUA, como a soja, que é uma das mais importantes exportações estadunidenses. Conforme publicação realizada pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), Sob a liderança do presidente Trump, os Estados Unidos estão empenhados em reequilibrar a relação comercial Estados Unidos- China para alcançar um comércio mais justo e recíproco. Após anos de diálogos Estados Unidos-China que produziram resultados mínimos e compromissos que a China não honrou, os Estados Unidos estão tomando medidas para confrontar a China por causa de suas transferências forçadas de tecnologia, práticas de propriedade intelectual e ciberintrusões de redes comerciais que distorcem o mercado dos Estados Unidos.7 (USTR, 2018, s.n, tradução nossa). 7 Under President Trump’s leadership, the United States is committed to rebalancing the U.S.-China trade relationship to achieve more fair and reciprocal trade. After years of U.S.-China dialogues that produced minimal results and commitments that China did not honor, the United States is taking action
  • 39. 38 Também é possível observar uma guerra tecnológica e informacional entre os dois países, com o objetivo de expandir seus poderes pelos mais variados territórios modernos. Além dos territórios comerciais, observa-se a busca constante pelo domínio dos territórios digitais, sendo notório o uso de dados de usuários para fins políticos de controle de um determinado espaço. Conforme o U.S. Department of Commerce, Em resposta às Ordens Executivas do presidente Trump, assinadas em 6 de agosto de 2020, o Departamento de Comércio (Comércio) anunciou hoje as proibições de transações relacionadas a aplicativos móveis (apps) WeChat e TikTok para salvaguardar a segurança nacional dos Estados Unidos. O Partido Comunista Chinês (PCC) demonstrou os meios e motivos para usar esses aplicativos para ameaçar a segurança nacional, a política externa e a economia dos EUA8 (U.S. DEPARTMENT OF COMMERCE, 2020, s.n, tradução nossa). É possível constatar, também, a guerra tecnológica e informacional entre a China e a Índia, quando o governo Indiano, em 29 de Junho de 2020, proibiu aproximadamente 59 aplicativos chineses em seu território, sob a justificativa de que eles ofereciam risco à soberania e à segurança nacional, por meio da captação de dados. O Ministério de Tecnologia da Informação, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, leu as disposições relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para Bloqueio do Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 59 aplicativos (ver apêndice), uma vez que, em vista das informações disponíveis, eles desenvolvem atividades prejudiciais à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem pública 9 (PRESS INFORMATION BUREAU GOVERNMENT OF INDIA, 2020, s.n, tradução nossa). to confront China over its state-led, market-distorting forced technology transfers, intellectual property practices, and cyber intrusions of U.S. commercial networks. 8 In response to President Trump’s Executive Orders signed August 6, 2020, the Department of Commerce (Commerce) today announced prohibitions on transactions relating to mobile applications (apps) WeChat and TikTok to safeguard the national security of the United States. The Chinese Communist Party (CCP) has demonstrated the means and motives to use these apps to threaten the national security, foreign policy, and the economy of the U.S. 9 The Ministry of Information Technology, invoking it’s power under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 59 apps ( see Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
  • 40. 39 Além disso, em 02 de setembro de 2020, o governo indiano, após o aumento das tensões na disputa territorial entre os dois países, bloqueou mais 118 aplicativos sob a mesma justificativa. Vejamos: O Ministério de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Governo da Índia, invocando seu poder sob a seção 69A da Lei de Tecnologia da Informação, lida com as disposições relevantes das Regras de Tecnologia da Informação (Procedimento e Salvaguardas para Bloqueio de Acesso à Informação pelo Público) de 2009 e, em vista da natureza emergente das ameaças, decidiu bloquear 118 aplicativos móveis (ver apêndice), visto que as informações disponíveis, eles estão envolvidos em atividades que são prejudiciais à soberania e integridade da Índia, defesa da Índia, segurança do Estado e ordem pública10 (MINISTRY OF ELECTRONICS & IT, 2020, s.n, tradução nossa). Diante da impossibilidade da realização de guerras, os novos campos de batalha são os espaços da informação, do comércio, da cultura, e outros espaços que cada vez mais se tornam legítimos na modernidade. Nesse sentido, o governo chinês possui um modelo de controle dos fluxos de informação em seu território quase que total. Parte de seu modelo é criticado pelos líderes mundiais. Conforme exposto anteriormente, com relação aos aplicativos chineses, as soberanias ao redor do Globo criticam, sobretudo, um dispositivo de lei que obriga a cooperação de cidadãos e corporações com a Lei de Inteligência Nacional Chinesa, sendo que as corporações dominam os aplicativos digitais. Assim sendo, parte dos líderes mundiais temem a possibilidade de o artigo 7º da Lei de Inteligência Nacional Chinesa e o artigo 77 da Lei de Segurança Nacional Chinesa permitirem o uso dos dados de usuários, que deveriam ser sigilosos, em prol do governo chinês. Vejamos os polêmicos artigos 7º e 77. LEI DE INTELIGÊNCIA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA Artigo 7º Qualquer organização e cidadão deve, de acordo com a lei, apoiar, ajudar e cooperar com o trabalho de inteligência do Estado e manter os segredos do trabalho de inteligência do Estado que 10 The Ministry of Electronics and Information Technology, Government of India invoking it’s power under section 69A of the Information Technology Act read with the relevant provisions of the Information Technology (Procedure and Safeguards for Blocking of Access of Information by Public) Rules 2009 and in view of the emergent nature of threats has decided to block 118 mobile apps (see Appendix) since in view of information available they are engaged in activities which is prejudicial to sovereignty and integrity of India, defence of India, security of state and public order.
  • 41. 40 cheguem ao seu conhecimento. O Estado deve dar proteção aos indivíduos e organizações que apoiam, ajudam e cooperam com o trabalho de inteligência do Estado (REDE DO CONGRESSO NACIONAL DO POVO DA CHINA, 2018, s.n). LEI DE SEGURANÇA NACIONAL DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA Capítulo VI. Obrigações e direitos dos cidadãos e organizações Artigo 77: Os cidadãos e as organizações devem cumprir as seguintes obrigações para salvaguardar a segurança nacional. (1) Cumprir as disposições relevantes da Constituição, leis e regulamentos sobre segurança nacional. (2) Comunicar em tempo útil pistas de atividades que ponham em perigo a segurança nacional. (3) Fornecer provas de atividades que ponham em perigo a segurança nacional de que tenham conhecimento. (4) Fornecer instalações ou outra assistência para o trabalho de segurança nacional. (5) Prestar o apoio e assistência necessários aos órgãos de segurança do Estado, órgãos de segurança pública e órgãos militares relevantes. (6) Guardar segredos de Estado que cheguem ao seu conhecimento. (7) Outras obrigações estipuladas por leis e regulamentos administrativos. Nenhum indivíduo ou organização pode agir contra a segurança do Estado, ou prestar qualquer apoio financeiro ou assistência a indivíduos ou organizações que ponham em perigo a segurança do Estado (MINISTÉRIO DA DEFESA DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA, 2016, s.n). De acordo com Geoff Mulgan (2005, p. 205), “O governo sempre se preocupou com a informação e a comunicação tanto quanto com o controle e a coerção”. O dispositivo da lei em questão, acima disposto, é mais um exemplo de como o cenário da expansão territorial mudou e como os Estados lidam com os novos cenários e organizações espaciais, em que a informação se tornou símbolo de poder, tal qual a expansão territorial era na Segunda Guerra Mundial. O dispositivo em questão é um dos motivos de os Estados Unidos e a Índia terem banido vários aplicativos chineses de seu território, posto que a possibilidade de o governo chinês estar captando informações, direta ou indiretamente, é plenamente possível, visto que todas as corporações devem colaborar com o serviço de inteligência nacional. Tal captação resulta em informações privilegiadas sobre a expansão comercial, tecnológica, cultural, etc. Percebe-se que os conflitos territoriais se expandiram para outros patamares.
  • 42. 41 Diante do cenário pós-guerra, em que o princípio da inviolabilidade dos territórios e o princípio da inadmissibilidade de expansão por meio de guerra ou força se tornaram a norma regente dos conflitos internacionais, e a aplicação de sanções tornaram a expansão por guerra deveras dispendiosa, o avanço das tecnologias da informação possibilitou a realização de guerras em outras dimensões territoriais. Dessa forma, é possível relembrar a ambiguidade do conceito de território proposto por Haesbaert (1997), uma vez que, na modernidade, é possível afirmar a existência de territórios “imateriais”, por meio dos elementos comerciais, tecnológicos, culturais, etc. Nesse passo, é possível relembrar, também, Yves Lacoste (1985), em sua proposição sobre a Geografia ser, a princípio, uma arma eficiente para “fazer guerra”, e o estabelecimento de guerras entre os Estados nesses territórios “imateriais” já ser uma realidade. Nesse sentido, Lacoste (1985) pontua que, tanto a Geografia Física quanto a Humana, (por meio dos aspectos econômicos, sociais, demográficos, políticos, e na modernidade, por meio dos territórios digitais, comerciais e culturais), servem para o controle do Estado, sob a organização dos homens e para a guerra. A geografia, enquanto descrição metodológica dos espaços, tanto sob os aspectos que se convencionou chamar "físicos", como sob suas características econômicas, sociais, demográficas, políticas (para nos referirmos a um certo corte do saber), deve absolutamente ser recolocada, como prática e como poder, no quadro das funções que exerce o aparelho de Estado, para o controle e a organização dos homens que povoam seu território e para a guerra (LACOSTE, 1988, p. 23). Nesse modelo moderno de território, percebe-se o interesse cada vez maior dos Estados em expandir seu domínio comercial, cultural e tecnológico, sobretudo no ciberespaço, que é a maior fonte de dados e informação das massas. A ampliação das possibilidades de relação de controle do espaço pelos territórios e do surgimento de novos horizontes de controle territorial alçou novos patamares no pós- guerra e durante a guerra fria, com a criação da internet, quando a informação se tornou uma das mais poderosas ferramentas de domínio territorial nas áreas econômicas, tecnológicas e culturais. Uma vez que se abordou a concepção de território e sua evolução recente, em que não é mais admitida a expansão forçada por meio da guerra, é possível estabelecer as bases conceituais que definirão o ciberespaço como um território,
  • 43. 42 onde, atualmente, estão presentes relações de poder marcadas pelos interesses econômicos, políticos, ideológicos, culturais e outros. Este é, pois, o território sobre o qual esta dissertação versará, o ciberespaço, a nova dimensão, “palco” das modernas disputas pela expansão. Nesse sentido, é válido pontuar que esse “palco” possui seus agentes, que interagem e constroem por meio da comunicação, a cultura, a política e a economia, formando assim, uma territorialidade, elemento essencial que passaremos a abordar. 2.3 TERRITORIALIDADE Uma vez discorrido sobre o conceito de território, é possível introduzir a concepção de territorialidade. Tal entendimento será fundamental no transcorrer da presente dissertação, uma vez que será um dos principais objetos de estudo: a territorialidade humana em rede. Inicia-se a abordagem mediante sua origem, que se deu na Ornitologia, um ramo da zoologia dedicado ao estudo das aves. Diferentemente de território, a territorialidade possui uma concepção mais subjetiva. De acordo com Raffestin (1993, p. 159), o conceito foi definido em 1920 por um ornitólogo inglês chamado Henry E. Howard, como sendo "a conduta característica adotada por um organismo para tomar posse de um território e defendê-lo contra os membros de sua própria espécie"11 . Apesar de o termo ter sido cunhado no ramo da zoologia, a territorialidade surgiu como uma concepção aplicável para as mais variadas espécies, uma vez que era possível observar tal comportamento em outros seres, pelo instinto biológico natural, inclusive nos humanos. De acordo com Brunet (1993, p. 481), A territorialidade tem alguma coisa de animal (ou de vegetal, vide o termo raízes) e o progresso da humanidade consistiu notadamente em se despojar da territorialidade exacerbada ou a relacioná-la a um campo na escala de todo o globo. Um pouco de territorialidade cria a socialidade e a solidariedade, muita territorialidade as assassina. Estudar os territórios é um bom modo de lutar contra o terrorismo do territorialismo. 11 O texto original de Howard concebe a territorialidade ao tratar do comportamento da ave Lapwing. Vejamos: O Lapwing, quando em seu território, mostra hostilidade para com outros machos de sua própria espécie, mas quando em terreno neutro, trata-os com indiferença (HOWARD, 2010, p. 109).
  • 44. 43 Verifica-se que Brunet reconhece as origens instintivas e animalescas da territorialidade, contudo, pontua que o equilíbrio constitui elemento essencial para a prosperidade humana, uma vez que basta um pouco de territorialidade para que surja o instinto de solidariedade e integração humana. Mas, quando a territorialidade é supervalorizada, este pode ser o motivo de sua ruína, por meio da exclusão dos diferentes de uma mesma espécie. Aplicando tal concepção da zoologia na sociedade humana, a territorialidade pode ser definida como a forma por meio da qual um grupo de pessoas, ou indivíduos, controla um determinado espaço/território. Nesse passo, com o intuito de se aproximar mais dos geógrafos e aplicar tais conceitos à sociedade humana, é possível introduzir a visão de Edward Soja a respeito de territorialidade. Fenômeno de comportamento associado à organização do espaço em esferas de influência ou em territórios nitidamente diferenciados, considerados distintos e exclusivos, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem (SOJA, 1993. p. 159). Nota-se que a territorialidade, tanto para a Zoologia quanto para a Geografia Humana, assume uma face diretamente ligada a uma ação humana localizada no espaço e no tempo, com o intuito de tomar posse e desenvolver suas atividades e funções. Não muito diferente da concepção de Soja, Raffestin (2011, p. 144) afirma que territorialidade é [...] um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema. [...] Essa territorialidade resume, de algum modo, a maneira pela qual as sociedades satisfazem, num determinado momento, para um local, uma carga demográfica e um conjunto de instrumentos também determinados, suas necessidades em energia e em informação. Para Raffestin (1993, p. 158), “a territorialidade reflete a multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade nas sociedades em geral”, ou seja, o indivíduo “territorializa” um determinado local ao se apropriar do espaço e desenvolver suas atividades, seus símbolos, suas condutas, suas práticas e suas normas, por meio do convívio no espaço dentro de um sistema de relações de poder. Nesse passo, é possível realizar a análise da territorialidade em diferentes dimensões, sejam elas econômicas, culturais, políticas, sociais, dentre
  • 45. 44 outras. Segundo Saquet (2007, p. 57), [...] as forças econômicas, políticas e culturais, reciprocamente relacionadas e em unidade, efetivam o território, o processo social, no e com o espaço geográfico, centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades, temporalidades e territorialidades. Os processos sociais e naturais, e mesmo nosso pensamento, efetivam-se na e com a territorialidade cotidiana. É aí, neste nível, que se dá o acontecer de nossa vida e é nesta que se concretiza a territorialidade. Observa-se a partir de Saquet, que as várias dimensões do espaço influenciam diretamente o cotidiano e a formação de diferentes temporalidades e territorialidades dos agentes que tomam posse de um espaço. A exemplo disso, Saquet utiliza as dimensões políticas, econômicas e culturais, em que é possível observar a formação de diferentes centralidades, a partir das mais variadas dimensões. Na dimensão digital, a territorialidade assume um papel ainda mais decisivo na configuração da rede. Devido à sua característica muito semelhante a um espaço urbano, em que é possível percorrer, comprar, conversar com pessoas/grupos de pessoas, construir amizades e encontrar grupos de interesses, o ciberespaço possui milhões de territorialidades compostas pelos mais variados tipos de usuários, resultando na existência da multiterritorialidade. Segundo Haesbaert (2011, p. 343- 344), Multiterritorialidade (ou multiterritorialização se, de forma mais coerente, quisermos enfatizá-la enquanto ação ou processo) implica assim a possibilidade de acessar ou conectar, num mesmo local e ao mesmo tempo, diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico, quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico, como nas novas experiências espaço-temporais proporcionadas através do ciberespaço. Dessa forma, pode-se afirmar que as territorialidades sobrepõem umas às outras por intermédio dos indivíduos que as compõem, posto que tais indivíduos pertencem aos mais variados grupos de interesses. Devido a essas configurações mais flexíveis, pode-se observar, também, dentro da rede, o que Turra Neto (2013, p. 01) chamou no espaço urbano de microterritorialidades.
  • 46. 45 O tema das microterritorialidades nas cidades remete a estratégias de uso, apropriação e defesa de pequenas porções do espaço urbano por parte de grupos sociais, como jovens, mulheres, homossexuais, travestis, negros, entre tantas outras alteridades, quase sempre invisibilizadas, seja pela sociedade em geral, seja pelas políticas públicas e pela ciência, mas que, subterraneamente, também produzem a cidade, tanto material quanto imaterialmente, porque produzem espaços e formas culturais de convivências específicas. Diante de um território tão vasto e de várias territorialidades que se estruturam e desestruturam em um processo constante de movimento da rede, verificam-se as microterritorialidades, por intermédio do que Pierre Lévy (2010) chamou de centros de interesses, em que usuários formam grupos de interesses em comum, dentro ou fora de uma mesma territorialidade. Pesquisar as formações desses grupos de interesses na rede, baseados na construção de suas territorialidades e microterritorialidades, será essencial para entender o movimento em rede e para esculpir formas mais sólidas de entendimento que servirão de base para o presente estudo. Tendo caracterizado e demostrado as concepções de espaço, de território e de territorialidade, é pertinente destacar, a seguir, a origem e a evolução histórica do ciberespaço sobre o qual se assenta o objeto central desta dissertação. Logo em seguida, será desenvolvida a concepção de ciberespaço como um território e analisada a territorialidade que se forma a partir dessa nova dimensão em que, de acordo com Lévy (1994), está funcionando a humanidade atualmente. 2.4 ORIGEM DO CIBERESPAÇO E A EVOLUÇÃO DE SUA ESTRUTURA Contextualizar a origem da rede e seu rápido crescimento é essencial para entender como esse instrumento dominou vários dos aspectos da sociedade no mundo contemporâneo. Para tanto, expõe-se resumidamente a origem da internet e posteriormente se discutirá o impacto e as consequências dessa na sociedade. De acordo com Castells (2019), as primeiras formulações para a criação de uma rede destinada a comunicações entre pontos distintos foram pensadas no Estados Unidos, em meados da década de 50, após o lançamento do primeiro Sputnik. Uma das estratégias era desenvolver um conceito elaborado por Paul Baran de um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares.
  • 47. 46 De acordo com Oliveira (2011, s.n), A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em maio de 1961, no MIT, uma tese de doutorado com uma teoria que mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais. Objetivando a construção do almejado sistema de comunicação, o psicólogo e cientista de computação estadunidense, Joseph Carl Robnett Licklider, se tornou um dos principais impulsionadores da Advanced Research Projects Agency Network (ARPANET), a primeira rede de conexão de computadores, sendo que muitas das ideias para a formulação da internet expressadas por Joseph C. R. Licklider na época são costumeiras nos dias atuais. De acordo com Gessi (2016, p. 2), A origem da internet teve início em meados de agosto de 1962 quando J. C. R. Licklider pesquisador do MIT (Massachussets Institute of Technology) fez os primeiros registros de interações sociais nos quais essas interações poderiam ser realizadas através de redes. Licklider previu que poderia ser construída uma rede de computadores interconectados globalmente, pelos quais seria possível a comunicação, acesso de dados e programas de qualquer ponto dessa rede global. Conforme Oliveira (2011), em outubro de 1962, a Advanced Research Projects Agency (ARPA) contratou Licklider. O pesquisador ficou famoso pelos seus memorandos, em que descrevia seus colegas como “membros da comunidade intergaláctica de computadores”. Devido aos seus estudos e artigos, tornou-se o primeiro chefe do Escritório de Técnicas de Processamento de Informações (Sigla em ingês - IPTO), onde permaneceu até julho de 1964. Nesse passo, Licklider, Ivan Sutherland, Robert William Taylor e Lawrence G. Roberts continham sob suas responsabilidades, a construção do sistema que iria mudar os rumos da humanidade. Em uma entrevista a James Pelkey (1988, p. 5), Licklider, apesar de ter saído da ARPA em julho de 1964, antes de se concretizar boa parte do que a ARPANET viria a se tornar, afirmou que: “Saí do Escritório de Técnicas de Processamento de
  • 48. 47 Informações em julho, mas isso não mudou meu entusiasmo em nada”. Apesar da saída, Ivan Suetherland e Robert William Taylor continuaram particularmente interessados no conceito da rede. De acordo com Licklider, em uma entrevista concedia a Pelkey, “Após a minha partida, em julho de 64, Ivan Southerland tornou-se diretor do escritório [...]. Quando Bob Taylor veio atrás de Ivan, então Bob procurou a grande coisa para realizar e ficou entusiasmado com a ideia da rede, e deixou de ser engraçado; começou a ser sério: ‘Onde podemos realmente conseguir o dinheiro e as pessoas e assim por diante para trabalhar nisto?’ Acho que, quando Bob foi lá, não tenho certeza do momento, Larry Roberts e Tom Merrill fizeram algumas experiências entre Lincoln e, eu acho, a SDC, e Larry ficou muito sério sobre isso. Então, ele foi ser o cientista chefe de Bob Taylor. E então quando Bob Taylor saiu Larry tornou-se chefe do escritório. E eu acho que a ARPANET foi a principal coisa em que ele pensou. (Tradução nossa).”12 (PELKEY, 1988, p. 2, tradução nossa). Em 1965, Robert William Taylor convenceu Charles Herzfeld, diretor da ARPA, a financiar um projeto de rede chamado Advanced Research Projects Agency Network (ARPANET). Hiltzik (1999, p. 44) afirma que, Um dia, em fevereiro de 1966, Taylor bateu no escritório do diretor da ARPA, o físico nascido na Áustria, Charles Herzfeld, armado com pouco mais do que esta vaga noção de uma rede digital ligando bandas de time-sharers por todo o País. Em qualquer outra agência, esperava-se que ele produzisse resmas de documentação racionalizando o programa e projetando os seus custos para o próximo milénio; não na ARPA. "Não tinha propostas formais para a ARPANET", relatou ele mais tarde. "Acabei de decidir que iríamos construir uma rede que ligasse essas comunidades interativas a uma comunidade maior, de tal forma distante que um utilizador de uma comunidade pudesse ligar-se a uma comunidade distante como se esse utilizador estivesse no seu próprio sistema local".13 (tradução 12 After I left, in July of '64, and Ivan Southerland became director of the office [...]. When Bob Taylor came after Ivan, then Bob looked around for the great thing for him to accomplish, and he got excited about the network idea, and it ceased to be funny; it started to be serious: "Where can we really get the money and the people and so forth to work on this?" I guess about the time Bob went there, I'm not sure of the timing here, Larry Roberts and Tom Merrill did some experiments between Lincoln and, I think, SDC, and Larry became really dead serious about this, so he went to be the chief scientist to Bob Taylor, and then when Bob Taylor left, Larry became head of the office, and I think the Arpanet was the main thing he thought about. 13 One day in February 1966 Taylor knocked at the office of ARPA's director, the Austrian-born physicist Charles Herzfeld, armed with little more than this vague notion of a digital web connecting bands of time-sharers around the country. At any other agency he would have been expected to produce reams of documentation rationalizing the program and projecting its costs out to the next millennium; not ARPA. "I had no formal proposals for the ARPANET," he recounted later. "I justdecided that we were going to build a network that would connect these interactive communities into a larger community in
  • 49. 48 nossa). De acordo com Abbate (1999), em 1965, Roger Scantlebury apresentou em Gatlinburg, Tennesse. Em outubro de 1967, Donald Davies demonstrou a pesquisa sobre comutação de pacotes no Simpósio sobre Princípios de Sistemas Operacionais (SOSP), organizado pela Association for Computing Machinery (ACM), uma das mais prestigiadas conferências acadêmicas sobre sistemas. Na conferência, o sistema chamou a atenção dos desenvolvedores da ARPANET, visto que a comutação de pacotes possibilitaria a comunicação ao interligar dois ou mais pontos entre si. Em 03 de junho de 1968, de acordo com Kleinrock (2019), a ARPANET teve seu relatório completo aprovado para a execução de suas primeiras fases. Após a aprovação da ARPA, em julho de 1968, uma Request for quotation (RFQ), ou seja, uma solicitação de cotação foi emitida para 140 possíveis licitantes. Segundo Froehlich (1991, p. 347), O serviço de suprimentos de defesa - Washigton (DSS-W) concordou em ser o agente de compras do ARPA. No final de julho de 1968, a solicitação de cotação (RFQ) para uma rede de IMPs foi enviada a 140 licitantes em potencial que expressaram interesse em recebê-la. Ao todo, 12 grandes propostas foram efetivamente recebidas pelo DSS-W, apresentando uma tarefa de avaliação impressionante para o IPTO, que na época normalmente concedia contratos em base única. Na tentativa de avaliar as propostas “estritamente pelo livro”, um comitê de avaliação nomeado pela ARPA retirou-se para Monterey, Califórnia, para realizar sua tarefa. O ARPA ficou agradavelmente surpreso com o fato de vários entrevistados acreditarem que poderiam construir uma rede com desempenho até cinco vezes melhor do que a restrição de atraso fornecida na RFQ14 (tradução nossa). A proposta era muito nova e completamente estranha aos licitantes por se tratar de uma tecnologia embrionária e inovadora na época. A proposta consistia em such away that a user of one community could connect to a distant community as though that user were on his own local system." 14 The defense Supply servisse – Washigton (DSS-W) agreed to be the procurement agente for ARPA. At the endo f July 1968 the requesto f quotation (RFQ) for a network of IMPs was mailed to 140 potential bidders who had expressed interest in receiving it. In all, 12 large proposals were actually received by DSS-W, presenting na awesome evaluation task for IPTO, which at that time normally awarded contracts on a sole-source basos. Attempting to evaluate the proporsals “strictly by the book,” na ARPA-appointed evaluation committee retired to Monterey, California, to carry out their task. ARPA was pleasantly surprised that several of the respondentes belive that they could constructo a network that performed as much as five time better than the delay constraint given in the RFQ.
  • 50. 49 construir, literalmente, uma rede. Segundo Kleinrock (2019), apenas doze dos convidados apresentaram seus pareceres. Dos doze, apenas dois foram considerados aptos a realizá-los dentro dos parâmetros da ARPANET, sendo que fora outorgado o contrato para construir a rede para a BBN Technologies, em 7 de abril de 1969. O território estrutural da rede iniciou-se timidamente ao oeste dos Estados Unidos. A rede conectou um computador em Utah com três computadores na Califórnia, conforme FIGURA 3. Figura 3. ARPANET em dezembro de 1969. Fonte: HEART, Frank et al. ARPANET relatório de conclusão. 1978. p. III-79. A partir dessa etapa, a ARPANET seria implementada e expandida não só em sua estrutura (por meio de centrais de servidores, cabos e redes), como também em sua territorialidade (capacidade de fluxo de informação e interações), alcançando, em 1970, o leste dos Estados Unidos. De acordo com Baruah (2002, p. 90), “Em dezembro de 1969, a ARPANET foi declarada ‘operacional’, interligando quatro computadores localizados em diferentes locais”. A Agência de Comunicações de Defesa assumiu o controle, uma vez que a ARPA pretendia financiar pesquisas avançadas. De acordo com a FIGURA 4, em 1977, a rede alcançou a seguinte expansão:
  • 51. 50 Figura 4. ARPANET em julho de 1977. Fonte: HEART, Frank et al. ARPANET relatório de conclusão. 1978. p. III-89. De acordo com Balbino (2020), por ser produto direto do Departamento de Defesa norte-americano, a ARPANET foi operada pelos militares e blocos acadêmicos, com exclusividade, durante quase duas décadas posteriores à de sua existência. A Arpanet era uma garantia de que a comunicação entre militares e cientistas persistiria, mesmo em caso de bombardeio. Eram pontos que funcionavam independentemente de um deles apresentar problemas. A partir de 1982, o uso da Arpanet tornou-se maior no âmbito acadêmico (BALBINO, 2020, p. 14). Era utilizada como meio de comunicação entre pontos estratégicos, com o objetivo de facilitar a troca de informações e elaborar estratégias de guerra. Nota-se, portanto, que a territorialidade da ARPANET compreendia unicamente o território estadunidense. Com a rede, os centros militares e os centros avançados de pesquisa poderiam continuar se comunicando, mesmo se ocorresse a destruição em um dos nós de comunicação (centros de comando que abrigavam servidores), visto que a rede poderia funcionar mesmo se um dos nós de comunicação falhasse, uma vez que eram pontos independentes entre si, por meio da comutação de pacotes. De acordo com Regis (2000), em 1983, a velha ARPANET foi dividida em dois setores, sendo eles, a MILNET, relacionada a ações militares da Defense Data Network, e uma outra chamada ARPANET, voltada para pesquisa e desenvolvimento em centros universitários. O termo Internet surgiu no mesmo
  • 52. 51 período e era utilizado para se referir a toda a rede, ou seja, a MILNET e a ARPANET. Em 1989, Tim Berners-Lee escreveu uma proposta de sistema de gerenciamento de informação da rede chamado ENQUIRE. Por meio desse sistema, a rede reconhecia e armazenava informações nela dispostas. O projeto serviu de base de desenvolvimento para a World Wide Web (Rede mundial de computadores - WWW) e posteriormente a Web Semântica, que permite computadores e humanos trabalharem em cooperação para o desenvolvimento da internet. A ideia principal era possibilitar a qualquer pessoa manipular as informações na rede, conforme a necessidade. Segundo Berners-Lee (1989, p. 06), O sistema deve permitir a introdução de qualquer tipo de informação. Outra pessoa deve ser capaz de encontrar a informação, por vezes sem saber o que procura. Na prática, é útil que o sistema esteja ciente dos tipos genéricos das ligações entre itens (dependências, por exemplo) e os tipos de nós (pessoas, coisas, documentos...), sem impor quaisquer limitações15 (tradução nossa). Tim Berners-Lee, por meio do seu artigo “Information Management: A Proposal”, já havia construído todas as ferramentas do sistema, ou seja, o navegador, o servidor e as primeiras páginas web. Tais ferramentas são fundamentais e permanecem até hoje na web. Em 30 de abril de 1993, a Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN) anunciou que a World Wide Web seria livre para todos, sem qualquer custo. De acordo com a Webfoundation (2009, s.n), Portanto, Tim e outros defenderam garantir que o CERN concordasse em disponibilizar o código subjacente sem royalties, para sempre. Esta decisão foi anunciada em abril de 1993 e desencadeou uma onda global de criatividade, colaboração e inovação nunca vista antes. Em 2003, as empresas que desenvolveram novos padrões da web se comprometeram com uma Política de Royalty Free para seu trabalho. Com os anos, a rede passou a ser usada principalmente no meio acadêmico. A partir da década de 1990, as entidades governamentais afastaram-se da Internet, dando lugar a empresas privadas, que começaram a fornecer serviço de provimento 15 The system must allow any sort of information to be entered. Another person must be able to find the information, sometimes without knowing what he is looking for. In practice, it is useful for the system to be aware of the generic types of the links between items (dependences, for example), and the types of nodes (people, things, documents.) without imposing any limitations.
  • 53. 52 de internet a diversas pessoas. Um dos primeiros grandes marcos da popularização da rede foi o lançamento do navegador Mosaic, em 22 de abril de 1993, que disponibilizou uma interface gráfica de mídia acessível à sociedade civil, semelhante aos navegadores atuais. De acordo com Coelho (2013, p. 23), E a evolução da interface de navegação web faz parte da história recente da sociedade. O primeiro browser gráfico da Internet foi o Mosaic, lançado em abril de 1993. Antes disso, existiram no início da década de 90 alguns navegadores de modo texto. No ano seguinte ao lançamento do Mosaic, a Netscape apresentou ao mercado um navegador que levava o nome da própria empresa. Em abril de 1995, surge o Opera. No mesmo ano, em agosto, a Microsoft que até então havia ignorado a Internet, entrou na disputa de mercado com o Internet Explorer, por meio da compra do códigofonte do Mosaic, dando início à Guerra dos Navegadores16 . Desse marco até os dias atuais foram infinitas evoluções, sobretudo no tocante às redes sociais, que ditaram muito da organização socioespacial atual e influenciaram a expansão material e imaterial do ciberespaço. Nos dias atuais, a extensão territorial do ciberespaço ocorre por meio de cabos, servers, tolkens, celulares, smartphones e instrumentos de rede, sendo que são infinitamente mais numerosos do que nos tempos da ARPANET. Em 2012, um hacker anônimo criou um botnet chamado Carna botnet. O Carna botnet se infiltrava em dispositivos ligados à internet por meio de endereços IPv417 (Protocolo de Internet versão 4). O hacker chamou tal acontecimento de Internet Census of 2012 (censo da internet de 2012). Conforme Maan (2014, p. 02), O Carna Botnet foi criado pelo autor anônimo do IC (Internet Census) para distribuir o processo de digitalização. Para construir este botnet e realizar a varredura, o Nmap Scripting Engine (NSE) foi usado. De acordo com o artigo que acompanha o CI, foram utilizados cinco métodos de digitalização. Eles são chamados de Ping ICMP, DNS reverso, Nmap, testes de serviço e Traceroute. O resultado desses métodos resultou em vários conjuntos de dados chamados traces, que são combinados no CI. Os dados coletados pelo Nmap são 16 A Guerra dos Navegadores foi um período na história da Internet em que a empresa Netscape, produtora do navegador de mesmo nome, disputou a liderança do mercado de softwares dessa categoria com a empresa Microsoft, produtora do Internet Explorer. 17 IPv4 significa versão 4 de protocolos; é a tecnologia que permite que nossos aparelhos se conectem à Internet.
  • 54. 53 divididos em rastreamentos ‘hostprobes’, ‘syncscan’ e ‘TCP / IP fingerprint’. 18 (Tradução nossa). Os resultados revelaram um mapa incrível, em que foram esquematizados 460 milhões de endereços IPv4 que responderam às requisições ICMP (Internet Control Message Protocol) ping requests, conforme a FIGURA 5. Figura 5. Mapa do mundo em 24 horas de uso médio de endereços IPv4. Fonte: CARNABOTNET, Mapa do mundo de 24 horas do uso médio de endereços IPv4, observando/ usando pedidos de ping ICMP pelo Carna botnet, Junho – Outubro 2012. É possível observar o quão capilarizada a rede se tornou. A FIGURA 5 revela todos os dispositivos conectados na internet por meio do endereçamento IPv4. Percebe-se que a evolução da rede, cada vez mais domina o cotidiano, e a tendência é que a influência e o controle sobre os instrumentos de acesso à rede sejam cada vez maiores. A FIGURA 6 retrata de forma atualizada, até o dia 25 de setembro de 2019, a configuração dos cabos submarinos de rede, que são responsáveis por grande parcela das comunicações transoceânicas feitas no mundo. 18 The Carna Botnet was created by the anonymous author of the IC, to distribute the scanning process. In order to construct this botnet and perform the scan, the Nmap Scripting Engine (NSE) was used. According to the paper that accompanied the IC, five scanning methods were used. These are called ICMP Ping, Reverse DNS, Nmap, Service probes and Traceroute. The outcome of these methods resulted in several datasets, called traces, which are combined in the IC. The data gathered by Nmap is split in traces ‘hostprobes’, ‘syncscan’, and ‘TCP/IP fingerprint’.
  • 55. 54 Figura 6. Mapa dos cabos submarinos. Fonte: TELEGEOGRAPHY, SUBMARINE CABLE MAP, last updated on Janueary 7, 2021. Após décadas de evolução e aprimoramento, a rede alcançou a essencialidade das atividades humanas, em que os instrumentos de acesso são o centro das mais variadas formas de relações humanas, como as sociais, culturais, trabalhistas, políticas, entre outras configurações de interações humanas com seu meio. A partir da origem do ciberespaço, é possível observar a expansão estrondosa que a rede possui, sobretudo em sua estrutura, que se expandiu de quatro computadores localizados nos Estados Unidos para o mundo. Ressalta-se, ainda, que já é possível, neste momento, identificar que a rede deixou de ser um mero elemento dos territórios soberanos, passando a exercer influência direta em todos os aspectos da sociedade moderna. Mensurar a expansão da rede e entender o quanto ela influencia diretamente o comportamento humano será essencial para estabelecer o ciberespaço como um território e compreender como as informações que fluem nas territorialidades atendem a uma função social. 2.5 A EVOLUÇÃO DA REDE NO BRASIL A evolução da rede no Brasil está intimamente ligada à expansão da telecomunicação nacional. Por meio das metas estabelecidas por Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, conforme Pereira Filho (2002, p. 35), “Nos anos 60 criaram-se uma série de conselhos pelos governos Juscelino Kubitscheck, Jânio Quadros e João Goulart para formular uma nova política para o
  • 56. 55 setor, a partir das metas desenvolvimentistas”. Diante de uma malha de comunicação, que na época era ineficaz e incapaz de atender a toda extensão territorial, o governo se empenhou em encaminhar uma série de decretos e leis para que o Estado se tornasse o agente engajado em modernizar as malhas de comunicação no território nacional. De acordo com Pereira Filho (2002, p. 34), Na década de 60 não havia uma única empresa que cobrisse todo o território nacional. A subsidiária norte-americana atuava nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná, enquanto a companhia canadense detinha cerca de 80% da telefonia do país e operava na região economicamente mais desenvolvida do Brasil, englobando os estados da Guanabara, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Esse quadro fazia que o setor tivesse um perfil concentrado em duas companhias e fosse, ao mesmo tempo, pulverizado em outras centenas de empresas de caráter municipal, estadual e regional. Durante seu breve mandato, de janeiro a agosto de 1961, Jânio Quadros, o então presidente do Brasil, por meio do Decreto Nº 50.666, de 30 de maio de 1961, criou o Conselho Nacional de Telecomunicações (CNT ou CONTEL), órgão diretamente subordinado ao Presidente da República. Decreto nº 50.666, de 30 de maio de 1961 Cria o conselho de Telecomunicações e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 87, item I, da constituição, DECRETA: Art. 1º Fica criado, diretamente subordinado ao Presidente da República, o Conselho Nacional de Telecomunicações (CNT), cuja composição, finalidade e atribuições são fixadas no presente decreto. (BRASIL, 1961, p. 4884). Logo em seguida, ao término do mandato de Jânio Quadros, em 1962, entrou em vigor o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), elaborado pelo CONTEL, por meio da Lei Nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, sancionada por João Goulart. A CONTEL seria de extrema importância para o desenvolvimento da telecomunicação no Brasil. Nesse sentido, vale destacar quais seriam suas principais finalidades.
  • 57. 56 Decreto Nº 50.666/61 Art. 2º O Conselho Nacional de Telecomunicações tem por finalidade: a) Estudar e definir o problema nacional de telecomunicações e suas ligações no âmbito internacional, assessorando o Presidente da República na fixação da Política de Telecomunicações. b) Rever, coordenar e propor legislação sôbre Telecomunicações e seus órgãos de planejamento, execução e contrôle, devendo apresentar dentro de três meses após sua instalação anteprojeto do Código Nacional de Telecomunicações e, dentro de seis meses, anteprojeto de lei complementar sôbre radiodifusão. c) Delinear os grandes troncos do Sistema Nacional de Telecomunicações, enuciando seus principais componentes e diretrizes gerais de exploração. d) Coordenar e fomentar a indústria brasileira de Telecomunicações e o ensino técnico profissional. (BRASIL, 1961, p. 4884). Dessa forma, além do engajamento estatal em melhorar a malha de comunicação, é possível observar um grande marco alçado ainda nos anos 60 pelas instituições acadêmicas. Por meio do engajamento de algumas academias brasileiras em modernizar seus equipamentos de transmissão de dados e do investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) se tornou a primeira universidade do Brasil e da América Latina a adquirir um equipamento de computação. A academia instalou em suas dependências um Computador Burroughs 205. No início da década de 1960, a Universidade começou a buscar sua excelência na geração de conhecimento científico. Numa atitude absolutamente pioneira para uma universidade particular, a PUC-Rio, utilizando recursos próprios, montou seus primeiros laboratórios, contratou seus primeiros docentes em tempo integral e passou a desenvolver pesquisa de forma sistemática. Por isso, quando o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) resolveu, por meio do Fundo de Desenvolvimento Técnico Científico (FUNTEC), apoiar a pós-graduação e a pesquisa em universidades, a PUC-Rio foi uma das entidades escolhidas para receber este apoio. [...] PUC-Rio e CCS Ainda nos anos 1960, a PUC-Rio instalou em suas dependências um Computador Burroughs 205, o primeiro da América Latina em universidades e o primeiro do Brasil (PUC RIO, 2018, s.n). Em 1964, os militares assumiram o poder e se mobilizaram, sobretudo, para incrementar a infraestrutura brasileira. Percebendo que a comunicação era de extrema importância para manter a coalizão nacional, os militares se atentaram
  • 58. 57 também para melhorar e modernizar as estruturas da telecomunicação nacional. De acordo com Moacir Santos (2013, p. 3), “O período de maior expansão dos meios de comunicação de massa no Brasil iniciou-se com o golpe militar de 1964”. Nota-se que a comunicação, que até então era classificada como precária e ineficaz, passou a ter um status maior devido à sua importância estratégica para o controle Estatal e, sobretudo, para a Segurança da Soberania Nacional. De acordo com Pereira Filho (2002, p. 36), Somente com o regime militar é que as telecomunicações tornaram- se uma meta estratégica do Estado. Com a tomada do poder pelos militares em 1964, ocorreu um reforço da Doutrina de Segurança Nacional e as telecomunicações passaram a ser, mais enfaticamente, uma questão estratégica para a soberania e a segurança nacionais. Diante do cenário de Guerra Fria e de instabilidade política interna e externa, a comunicação se tornou instrumento essencial para os militares manterem a soberania, a coalizão, a integração e a segurança nacional. De acordo com Bernardo Felipe Estellita Lins (2017, p. 19), Os militares, sobretudo, manifestavam preocupação com a precariedade das comunicações no País, e as disposições do CBT concernentes à criação de uma infraestrutura pública para a comunicação de longa distância, com a criação de uma empresa estatal, a Embratel, eram a expressão definitiva dessa preocupação. Segundo Pereira Filho (2002), diante de uma iniciativa privada incapaz de cobrir todo o território nacional, os militares se empenharam em estimular a concretização do CTB e as metas estabelecidas pela CONTEL, resultando, em 1965, na criação da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). Empresa pública criada em 16 de setembro de 1965, instituída pela Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962. De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2009, s.n), Quando a Embratel iniciou suas atividades em 1965, o Brasil contava com apenas 1,3 milhão de telefones, três sistemas de microondas e alguns circuitos-rádio, ligando Brasília às capitais dos estados. Para as comunicações internacionais só havia 39 circuitos de voz e alguns canais telegráficos. Com o apoio do Fundo Nacional de
  • 59. 58 Telecomunicações (FNT), a empresa lançou-se à tarefa de interligar todas as capitais e principais cidades brasileiras por troncos de microondas, recebendo ainda a missão de conectar o país ao sistema mundial de comunicações por satélite do consórcio Intelsalt. Em 13 de fevereiro de 1967, foi publicado o Decreto-Lei Nº 162, de Castello Branco, que passou definitivamente para a União todos os serviços de telefonia que eram explorados pelos estados e municípios, centralizando ainda mais as redes de telecomunicação, que até então, eram diversificadas em centenas de empresas privadas locais. DECRETO-LEI Nº 162, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1967 Dispõe sôbre a exploração dos serviços de telecomunicações. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 9º, § 2º, do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966, DECRETA: Art. 1º Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os serviços de telecomunicações. 1º A União substituirá automàticamente os podêres concedentes estaduais e municipais em todos os serviços telefônicos, até então sob a jurisdição estadual ou municipal (BRASIL, 1967, p. 1787). Nesse mesmo ano, com o objetivo de otimizar as ações e de estabelecer novos regimes administrativos, criou-se, por meio do Decreto-Lei n. 200, de 15 de fevereiro de 1967, o Ministério das Comunicações, que assumiu as atribuições da CONTEL, e em junho do mesmo ano, a EMBRATEL foi formalmente vinculada à nova pasta. DECRETO-LEI Nº 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967 Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o art. 9°, § 2º, do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966, decreta: Art. 35. Os Ministérios de que são titulares Ministros de Estado (Art. 20), são os seguintes: Ministério das Comunicações
  • 60. 59 Art. 165. O Conselho Nacional de Telecomunicações, cujas atribuições, organização e funcionamento serão objeto de regulamentação pelo Poder Executivo, passará a integrar, como órgão normativo, de consulta, orientação e elaboração da política nacional de telecomunicações, a estrutura do Ministério das Comunicações, logo que êste se instale, e terá a seguinte composição: [...] (BRASIL, 1967, p. 4). Conforme Lins (2017), ainda no ano de 1967 já era constatado um sistema de telefonia estatal verticalizado sob o gerenciamento do governo, que até então era militar. Nesse sentido, a estatização da telefonia e a unificação de todo o sistema de telefonia no âmbito Federal já era exequível, sendo posto em operação em 1972. A EMBRATEL foi essencial para alçar a verticalização da telecomunicação. Contudo, a demanda por serviços locais de telecomunicação ainda se apresentava como um grande empecilho para o desenvolvimento da comunicação nacional. Buscando solucionar tais problemas, o Governo Federal criou a Telecomunicações Brasileiras S.A. - Telebrás, por intermédio da Lei nº 5.792, de 11 de julho de 1972. De acordo com Lins (2017, p. 25), Em 1970 e 1971, foi elaborada uma nova Política Nacional de Telecomunicações no âmbito do Ministério das Comunicações, alinhada com as diretrizes de planejamento estatal e de segurança nacional características do governo militar. Uma das suas preocupações era a de superar a qualidade deficiente da telefonia local, em oposição à telefonia de longa distância que vinha ganhando eficiência com os investimentos da Embratel. O presidente da República, general Emílio Médici, por meio da Lei n.º 5.792, aprovou a criação da Telebrás e transformou a EMBRATEL em uma sociedade de economia mista para ser subsidiária da Telebrás. De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Encaminhado ao Congresso em 9 de junho de 1972, o projeto de criação da Telebrás recebeu várias emendas, visando a reintroduzir a competência dos estados na exploração dos serviços de telecomunicação, reduzir os poderes da holding e mesmo do Ministério das Comunicações. Contudo, o projeto governamental foi aprovado quase na íntegra, dando origem à Lei n.º 5.792, sancionada pelo presidente Médici, em 11 de julho de 1972. Além da criação da Telebrás a lei autorizou a transformação da Embratel em sociedade de economia mista, subsidiária da nova empresa (CPDOC, 2009a, s.n).
  • 61. 60 A partir desse momento, a Telebrás formou em cada Estado uma empresa, por meio de diversas incorporações de companhias já existentes, ampliando ainda mais seus acervos e ações. De acordo com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, O sistema de microondas em visibilidade passou a contar com troncos paralelos à rede básica nas rotas de maior densidade de tráfego, alcançando uma extensão de 27 mil quilômetros aproximadamente em 1979. Outra meta alcançada foi a expansão da rede nacional de telex, operada pela Embratel a partir de convênio firmado em novembro de1974 com a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) (CPDOC, 2009b, s.n). Com os equipamentos de informática, passou-se cada vez mais a aumentar a demanda pela comunicação de dados, sobretudo nas indústrias nacionais e setores sensíveis do governo, onde as redes de telecomunicação e telex estavam sendo utilizadas para transmitir dados de forma mais dinâmica. Nesse mesmo passo, em 1972, com o aumento da demanda por regulação na área, resultado do aumento do uso de equipamentos eletrônicos, criou-se, por meio do Decreto nº 70.370, de 05 de abril de 1972, a Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE). Ainda é válido pontuar que a transmissão de dados no Brasil assumiu uma posição, sobretudo industrial, em que sua finalidade era apenas voltada para grandes empresas e polos estratégicos do governo. De acordo com Dantas (1988, p. 51), O mercado de transmissão de dados também crescia, embora muito aquém do mercado mundial. O presidente da Embratel, engenheiro Haroldo Corrêa de Mattos, previa que em 1975 mais da metade dos computadores instalados no mundo trabalhariam com teleprocessamento. No Brasil, apareciam os primeiros usuários: a rede bancária; as empresas de transporte aéreo (a Varig integrava uma rede internacional de transmissão de dados, que centralizava em Atlanta, nos Estados Unidos, seu sistema de reserva de passagens); as prestadoras de serviço como o Serpro, Light, INPS, a própria Embratel e a Cedag; o Senado Federal; o Ministério da Aeronáutica (que estava implantando o seu Sistema de Defesa Aérea e Controle de Tráfego); a IBM (ligando Maynard e White Plains, nos Estados Unidos, ao Rio e à fábrica em Campinas); e empresas do porte de uma Petrobrás, Volkswagen e Vale do Rio Doce.
  • 62. 61 O apelo ao desenvolvimento da indústria nacional foi uma das principais forças motrizes para a implementação e engajamento político para a modernização da rede, uma vez que a indústria estaria mais alinhada ao desenvolvimento internacional, se soubesse o que estava ocorrendo nos países centrais. Nesse sentido, a informática brasileira utilizaria os limitados recursos nacionais para coordenar projetos de desenvolvimento de software, tanto no setor público quanto no privado, por meio do remanejamento e compartilhamento dos hardwares existentes. Para isso, a Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico de Dados (CAPRE) começou a obter dados desse novo terreno a ser explorado – a rede de dados. Em 1973, o vice-diretor do Rio Data Centro, formado no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em 1960, Luís Martins, a pedido do secretário-executivo da CAPRE, passou a coletar dados para levantar informações a respeito da situação dos recursos humanos voltados para o setor de informática no Brasil. De acordo com Dantas (1988, p. 43), Ao todo, havia 700 computadores em 636 instalações. A então Guanabara e São Paulo concentravam 68,9% do total. Sessenta e três por cento das instalações eram consideradas pequenas. Somadas com as médias, davam 88,5%. Dos 700 computadores, 467 eram pequenos, 185 médios, 23 grandes e 25 de muito grande porte. Estavam ocupados 13,59 horas, em média, por dia. O setor empregava 4.090 analistas, 3.733 programadores e 3.302 operadores, num total de 11.125 profissionais. Destes, 9.958 estavam nos CPDs. Uma comparação com a população de profissionais existente nos Estados Unidos (560 mil) e na França (55 mil) em 1970, indicava o grande atraso do Brasil. Diante das necessidades do país, o estudo de Martins apontou os seguintes déficits: 13,5% de operadores, 22,6% de programadores e 10,9% de analistas. A partir dos dados obtidos, foram realizadas várias recomendações relacionadas aos recursos humanos, quando buscou-se formar mais profissionais na área. Além de estar atrasado no que tange às tecnologias de dados, o Brasil ainda enfrentava algumas inconsistências políticas. Nesse mesmo período, ocorreram alguns desencontros na política de estruturação, quando os executivos da EMBRATEL e da Telebrás buscaram criar subsidiárias à parte, para cuidarem da tecnologia e expansão da estrutura de dados.
  • 63. 62 Em setembro de 1973, Iberê Gilson, então presidente da Embratel, declarou que no mês seguinte seria constituída a Etelbrás, subsidiária da Embratel para as áreas de telegrafia, telex e teleprocessamento de dados. No dia 27 de agosto do ano seguinte, em reunião da diretoria da Telebrás, foi criada a Telebrás Telégrafos S. A. - Teletel. Livro II (título provisório). Originais de livro entregue pelo entrevistado à entrevistadora em março de 2005, como subsídio para preparação da entrevista. De acordo com o entrevistado, o livro é a segunda parte de Renascem as telecomunicações, São José dos Pinhais, Editel Gráfica e Editora, 1992 (FGV, 2005, s.n). Ocorre que a criação de ambas as subsidiárias não vingou, forçando o Ministério das Comunicações intervir por meio da Portaria nº 301, de 03 de abril de 1975, para acelerar a modernização, colocando fim às pretensões de criação das subsidiárias, ao designar a EMBRATEL como monopolista da instalação e exploração da comunicação de dados. No Brasil, desde 1970, a teleinformática era objeto de discussão e de estudos, mas somente em abril da 1975, pelo decreto 301, a Empresa Brasileira de Telecomunicações (Embratel) recebeu a incumbência de instalar e explorar uma rede nacional de transmissão de dados (BENAKOUCHE, 1997, p. 127). Diante disso, o Ministério das Comunicações passou a observar os novos meios de comunicação que surgiam. De acordo com Benakouche (1997, p. 126), Já em 1975, com a intensificação do uso de equipamentos de informática no país, o Ministério das Comunicações (Minicom) começou a se ocupar com a questão da transmissão eletrônica de dados, também chamada na época de teleinformática ou telemática. Essas novas denominações procuravam dar conta da convergência que estava ocorrendo, nos países centrais, desde o início nos anos 60, entre as tecnologias de telecomunicação e a informática. A partir de Benakouche (1997), percebe-se que a convergência que estava ocorrendo na década de 1970 no Brasil, já acontecia desde a década de 1960 nos países centrais, evidenciando a grande diferença industrial e tecnológica que precisava ser superada. A superação da diferença tornou-se um dos principais motivos apontados para a implementação das redes de comunicação de dados no País. Em 1975, de acordo com Carvalho (2006), o Brasil, pela primeira vez, teve acesso à ARPANET, por meio do I Seminário Latino-Americano de Comunicação de Dados, que ocorreu durante o VIII Congresso Nacional de Processamento de Dados
  • 64. 63 (CNPD), organizado pela Sociedade dos Profissionais e Usuários de TI do Estado de São Paulo (SUCESU-SP). Em seu livro, Vera Dantas (1988), ao discorrer sobre a história da Scopus Tecnologia S.A., empresa brasileira do ramo de desenvolvimento de eletrônicos, relata como se deu o difícil processo para se conectar à ARPANET, quando o então presidente da SUCESU-SP, Samuel Konishi, teve de encomendar a produção de um terminal apropriado para que o conferencista norte-americano pudesse fazer suas demonstrações. Coube à Scopus Tecnologia S.A produzir o terminal, fato que foi um grande “empurrão” em favor da divulgação da empresa. O empurrão definitivo veio através do presidente da Sucesu-SP, o ex-iteano Samuel Konishi, que precisava de um terminal para ser conectado à rede internacional de comunicação de dados Arpanet, no próximo Congresso da Sucesu. O conferencista norte-americano, convidado a dar uma palestra sobre a rede, queria fazer uma demonstração ao vivo de seus recursos, precisando de um terminal para acessar bancos de dados nos Estados Unidos. Konishi percorrera todas as multinacionais instaladas no país, mas nenhuma dispunha, aqui, do equipamento apropriado. Então, contatou a Scopus e propôs a fabricação do terminal. Dinheiro não havia, o prazo era dois meses, mas esta poderia ser uma boa oportunidade para divulgar a empresa. A Scopus aceitou o desafio (DANTAS, 1988, p. 128). Nesse passo, é possível observar uma aproximação da telecomunicação com a teleinformática, sobretudo por meio da realização de pesquisas e estudos voltados para a área, fomentados pelas próprias monopolistas do setor, que na época, conduziram diversos painéis para a divulgação de estudos na área. Ainda em 1975, o Ministério das Comunicações, através da EMBRATEL, começou a trabalhar na Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), por meio da proposição de vários estudos sobre a estrutura e a política de tarifas dos sistemas de operação. Em 1975, o Minicom criou um grupo de trabalho encarregado de apresentar estudo que propusesse soluções para problemas de política tarifária, estrutura do sistema e método de operação da então chamada Rede Nacional de Transmissão de Dados (RNTD), bem como definição e especificação das atribuições das diversas entidades envolvidas em um sistema de teleprocessamento (DE CARVALHO, 2006, p. 63). Tais estudos foram importantes porque no início dos anos 1970, o déficit da balança comercial relacionado à importação de bens de informática era crescente,
  • 65. 64 levando o governo a impor barreiras na forma de controle administrativo sobre esses equipamentos. Devido a isso, de acordo com Lins (2017, p. 36), Foi criada em 1975 uma comissão destinada a examinar os pedidos de importação e racionalizar a aplicação de soluções computacionais na 37 administração pública, a Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico (CAPRE). Em 1979, a CAPRE foi extinta e substituída pela Secretaria Especial de Informática (SEI), criada por meio do Decreto Nº 84.067, de 2 de outubro de 1979, como órgão complementar do Conselho de Segurança Nacional, no governo do Presidente João Figueredo. Nessa época, a então toda-poderosa Secretaria Especial de Informática (SEI), considerando a importância da informática na implantação da nova rede, resolveu intervir também na questão. Assim, em julho de 1980, através da portaria 006, criou a Comissão Especial nº 14/ Teleinformática. Seu objetivo era o de examinar a situação da teleinformática nacional e orientar a SEI e o Minicom no estabelecimento das grandes linhas de uma política global para o desenvolvimento do serviço (...) (BENAKOUCHE, 1997, p. 127). Nesse mesmo passo, com o objetivo de fomentar o setor industrial e em cumprimento ao II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), que tinha como finalidade consolidar até 1980 a sociedade industrial moderna, foi criado o Grupo Executivo Interministerial de Componentes e Materiais (GEICOM), com funções consultivas na busca pela autonomia tecnológica. Nesse sentido, o relatório do SEI, de acordo com Maciel, foi desanimador diante do II PND. Esse balanço revelou uma situação decepcionante: constatava-se que o país encontrava-se ainda numa etapa muito inicial do desenvolvimento da teleinformática, etapa talvez comparável àquela do final dos anos 60 nos países desenvolvidos (BENAKOUCHE apud MACIEL, 1997, p. 127). Apesar do cenário desanimador, a Secretaria Especial de Informática (SEI) fez diversas recomendações que tinham por objetivo o desenvolvimento da comunicação nacional, atendendo às demandas da indústria eletroeletrônica, às necessidades dos grandes usuários e mantendo o controle do Estado sobre o setor.
  • 66. 65 Devido aos avanços tecnológicos presenciados pelo mundo, o tema fluxo de dados passou a ser recorrente na ONU. Conforme Dantas (1988, p. 143), Teleinformática, ou mais precisamente, o fluxo de dados transfronteiras (FDT), emergiu, por essa época, como um dos mais polêmicos assuntos a nível mundial. O tema inseria-se em um debate aberto pela ONU em torno de "uma nova ordem mundial para a informação" e abrangia, tanto dados de computador quanto comunicação social. Os países onde estão 90% dos bancos de dados do mundo e as sedes do cartel das agências de notícias internacionais defendem o livre fluxo de informações como uma extensão do liberalismo comercial. Os países do Terceiro Mundo rejeitam essa posição, argumentando que razões de ordem política, econômica, tecnológica e cultural justificam um certo controle sobre as informações que fluem para dentro e para fora de suas fronteiras nacionais. O tenente-coronel Joubert Brízida, na Primeira Conferência Mundial sobre Fluxo de Dados, realizada em junho de 1980, em Roma, proferiu as seguintes palavras: A informática não é neutra, isto é, traz em si a cultura de quem a originou. Portanto, é fundamental que cada país exerça crítica sobre as informações que lhe atravessam as fronteiras... O país que não se preocupa com o controle das informações estratégicas que utiliza corre o risco de se tornar intoleravelmente dependente, através das telecomunicações, dos interesses de grupos políticos e econômicos fora de suas fronteiras (DANTAS, 1988, p. 143). Em 1981, buscou-se expandir o controle da SEI sobre a coordenação de orientação, planejamento, supervisão e fiscalização, em articulação com os órgãos específicos, a coordenação da pesquisa, do desenvolvimento e da produção de componentes eletrônicos: semicondutor, opto-eletrônicos e assemelhados. De acordo com Figueiredo (1986, p. 288), O decreto que estabeleceu a SEI foi substancialmente ampliado, expandindo a área de influência da SEI em alguns aspectos, como o da coordenação de P&D e produção de componentes eletrônicos. A SEI também passou a atuar no assessoramento e preparação, em conexão com outras agências, da elaboração do Plano Nacional para a Microeletrônica. De acordo com Banekouche (1997), em 1980, um ano antes da publicação do decreto da SEI, a RNTD foi oficialmente inaugurada. Nesse mesmo período, o
  • 67. 66 serviço passou a ser chamado de Serviço Digital de Transmissão de Dados Via Terrestre (TRANSDATA), abrangendo aproximadamente 33 centros de transmissão. Conforme De Carvalho (2011, p. 27), Em maio de 1980, a Embratel introduz no Brasil o primeiro serviço exclusivo de comunicação de dados da América do Sul, o Transdata. É inaugurado também o cabo submarino Brasil–USA. Em 1984 é ativada a Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes (RENPAC). Como meio de apoiar as pesquisas nessa área, o governo instituiu, em 1981, o Prêmio Jovem Cientista Brasileiro, que teve nas telecomunicações o seu primeiro tema de premiação. Em 1982, aconteceu o XV Congresso Nacional de Informática da SUCESU, paralelamente à II Feira Internacional de Informática. Além disso, a EMBRATEL lançou o Projeto Ciranda, voltado aos próprios funcionários, que seria posteriormente ampliado pelo Projeto Cirandão. Conforme Carvalho (2006, p. 64), Em 1982, a Embratel criou o Ciranda, um projeto piloto de uma rede de serviços de informações, restrito aos funcionários da empresa que, para viabilizá-lo, colocou microcomputadores compartilhados para acesso em seus escritórios e financiou a aquisição de microcomputadores Prológica CP-500 (e modems) para os funcionários participantes instalaremnos em suas casas. O computador central era um COBRA 530 capaz de atender a 300 usuários simultâneos 7. Participaram desse projeto cerca de 2.100 funcionários distribuídos por mais de 100 cidades, constituindo assim a primeira comunidade teleinformatizada do país. Em 1982, o Governo regulamentou, por meio da SEI, a área de software, e instituiu o Centro Tecnológico para Informática (CTI) para promover o desenvolvimento científico no setor. Contudo, tal ato foi executado de maneira morosa, o que resultou na dominação de aplicativos estrangeiros no território nacional, que foram livremente transportados sem qualquer tipo de regulação. Estes eram os ambiciosos planos da SEI para software e microeletrônica. Quase nada disso se realizou. Não levou muito tempo para a SEI começar a perceber que o fato de estar abrigada sob o manto do Conselho de Segurança Nacional e respaldada pelo interesse pessoal dos ministros-chefes do SNI e da Casa Militar em relação à informática não lhe bastava para colocar em prática a sua vontade. No que dependia do seu próprio poder, tudo corria às mil maravilhas. Mas no momento em que suas ações dependiam da anuência e participação de outras áreas de governo, especialmente
  • 68. 67 as econômicas, para a concessão de incentivos, criação de mecanismos de fomento e desenvolvimento de recursos humanos, os passos tornavam-se lentos e até mesmo conflitantes. (...) Por exemplo, a necessária portaria conjunta com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial para criar o registro de programas só saiu no final de 1982, quando o mercado já estava inteiramente invadido por aplicativos estrangeiros, livremente importados – ou, pura e simplesmente, pirateados (DANTAS, 1988, p. 145). A fim de otimizar e regular o setor de informática, que já tomava maiores proporções, sobretudo no tocante ao fluxo de dados, em 1984, o governo enviou ao Congresso o projeto para o estabelecimento de Política Nacional de Informática, Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984. LEI Nº 7.232, DE 29 DE OUTUBRO DE 1984. Dispõe sobre a Política Nacional de Informática, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º Esta Lei estabelece princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Informática, seus fins e mecanismos de formulação, cria o Conselho Nacional de Informática e Automação – CONIN, dispõe sobre a Secretaria Especial de Informática - SEI, cria os Distritos de Exportação de Informática, autoriza a criação da Fundação Centro Tecnológico para Informática - CTI, institui o Plano Nacional de Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e Automação (BRASIL, 1984, p. 15841). Com a aprovação da Lei, criou-se o Conselho Nacional de Informática e Automação (CONIN). Instituiu-se o Plano Nacional de Informática e Automação e o Fundo Especial de Informática e Automação. Conforme De Carvalho (2006, p. 65), no mesmo ano, [...] a Embratel lançou a Rede Nacional de Comunicação de Dados por Comutação de Pacotes (RENPAC). [...] No final da década 80, a Embratel implementou também o acesso internacional à RENPAC, passando a comunicá-la com as redes de dados de outros países através do nó internacional da rede INTERDATA. Em 1985, a partir da instauração da Nova República, os planos de expansão da rede seguiram crescendo. No ano seguinte, foi publicada a Lei nº 7.463, de 17 de abril de 1986, que dispõe sobre o I Plano Nacional de Informática e Automação
  • 69. 68 (PLANIN), que buscou executar os objetivos estabelecidos na Lei 7.232, de.29 de outubro de 1984. LEI Nº 7.463, DE 17 DE ABRIL DE 1986. Dispõe sobre o I Plano Nacional de Informática e Automação - PLANIN. Art. 1º Fica aprovado o I Plano Nacional de Informática e Automação - PLANIN, pelo período de 3 (três) anos. Art. 2º Fica o Poder Executivo autorizado, ad referendum do Congresso Nacional, a introduzir anualmente modificações no Plano a que se refere o artigo anterior, observados os princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Informática, estabelecidos pela Lei nº 7.232, de 29 de outubro de 1984 (BRASIL, 1986. p. 5621). Com a modernização da telecomunicação, o próximo passo seria o estabelecimento da rede de internet. No Brasil, a rede iniciou seu processo de expansão de forma sutil e sem grandes ostentações. Depois desse longo decurso de tempo, em 1979, a rede deixou de ser um assunto exclusivamente estatal e passou a ser almejado pelas academias brasileiras. Apesar de várias tentativas que não saíram do papel, em 1979 foi instituído o Laboratório Nacional de Redes de Computadores (LARC), tendo como membros fundadores a SESU/MEC, INPE/MCT, UFRGS, UFMG, UFPE, UFCG (Antiga UFPB Campus Campina Grande), UFRJ, USP, PUC-Rio e UNICAMP. ART. 1º - O LABORATÓRIO NACIONAL DE REDES DE COMPUTADORES é uma associação, sem fins lucrativos, tendo como objetivo: I - Integrar os esforços institucionais na área de redes de computadores, gerando um "Know-how" de âmbito nacional nesta área de conhecimentos. II - Promover o intercâmbio de "software" e informação científica, através da interligação de laboratórios de computação locais. III - Promover, através do intercâmbio científico, o desenvolvimento de capacitações locais que conduzam todas as instituições membros a uma plena participação no esforço global do LABORATÓRIO. IV - Possibilitar o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares e de âmbito nacional compatíveis com os programas locais das entidades membros do LABORATÓRIO. V - Promover, em âmbito nacional, a formação de recursos humanos e o desenvolvimento de tecnologia especializada no setor. VI - Promover a aquisição de experiência na gestão dos programas científicos e tecnológicos de âmbito nacional e alto grau de sofisticação (LABORATÓRIO NACIONAL DE REDES DE COMPUTADORES, 1979, s.n).
  • 70. 69 A partir de 1979, iniciou-se uma série de pesquisas voltadas para a criação de uma rede acadêmica como, por exemplo, o projeto Rede Anel da NCE/UFRJ. Em 1981, teve início o projeto de uma rede local experimental de Rede em Anel, na Universidade de Cambridge. No ano seguinte, de acordo com Cardoso Junior (2008), criou-se a Rede Acadêmica da PUC (REDPUC), com o engajamento da PUC/RJ, Telebrás, EMBRATEL e USP. Além disso, foi criado o Centro Piloto de Serviços de Teleinformática para Aplicações em Ciência e Tecnologia na Região Norte-Nordeste (CEPINNE), para interligar a comunidade acadêmica das regiões Norte e Nordeste. Durante vários anos e com várias experiências, muitas academias brasileiras tentaram desenvolver uma Rede Nacional. Contudo, apenas em 1987, por meio da iniciativa da Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que as entidades se engajaram e trabalharam de fato em algo mais concreto. Em reunião realizada durante o VII Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), em julho de 1987, em Salvador (BA), Michael Stanton convocou uma reunião informal (“birds of a feather”) para discutir a importância das redes acadêmicas e trocar informações acerca das experiências que começavam a acontecer pelo País. Estiveram presentes cerca de quarenta pessoas, contando com representantes da SEI, Embratel, CNPq, SERPRO, FAPESP, LARC e instituições acadêmicas e de pesquisa (UFCE, UFPB, UFRJ, PUC/RJ, LNCC, INPE, ITA, USP, UNICAMP, CTI, UFSCar e UFRGS). [...]O representante do CNPq reconheceu o grande interesse no assunto e sugeriu que fosse realizada uma nova reunião para um estudo mais aprofundado do assunto. Nesse contexto, foi realizada uma importante reunião, patrocinada pelo CNPq, nos dias 14 e 15 de outubro de 1987, no prédio da Escola Politécnica da USP (DE CARVALHO, 2006, p. 78). Em diversas reuniões que foram sendo realizadas, a LARC, em 1988, elaborou um anteprojeto para a Rede Nacional de Pesquisa (RPN), que recebeu apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Conforme matéria de Adriana Lutfi (1999), vinculado ao Jornal Folha de São Paulo, em 1988, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) conseguiu se conectar à Universidade de Maryland para troca de mensagens. No mesmo ano, em São Paulo, de acordo com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (2014), por meio da liderança de Oscar Sala, um
  • 71. 70 físico nuclear ítalo-brasileiro, a fundação se conectou ao Fermi National Accelerator Laboratory (FERMILAB), localizado em Chicago. Em 1989, de acordo com a RNP (2009), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também se conectou à Universidade da Califórnia, em Los Angeles. É válido pontuar que todos esses o fizeram por meio da Because It’s Time Network (BITNET 19 ). Em 1989, o Ministério de Ciência e Tecnologia criou a RNP, uma organização social que foi o Backbone20 para que a rede acadêmica expandisse, além de ser o responsável pelo preparo do Brasil para uma chegada mais sólida da internet. O primeiro backbone brasileiro foi inaugurado em 1991 e destinado exclusivamente à comunidade acadêmica. De acordo com a RNP (2014, s.n), A RNP foi criada em 1989 pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com o objetivo de construir uma infraestrutura de rede Internet nacional para a comunidade acadêmica. A rede começou a ser montada em 1991. Em 94, já atingia todas as regiões do país. Entre 2000 e 2001, a rede foi totalmente atualizada para oferecer suporte a aplicações avançadas. Desde então, o backbone RNP, como é chamado, possui pontos de presença em todos os estados brasileiros. Nota-se, conforme a FIGURA 7, que o backbone da RNP, em 1992, já interligava 11 Estados a partir do Point of Presence21 , onde o ISP22 mantém o equipamento necessário para permitir o acesso local dos seus usuários à Internet. A partir desses pontos foram criados alguns backbones regionais, a fim de integrar as instituições de outras cidades à Internet, como por exemplo, a RedeRio que, de acordo com a RNP (2009a), “[...] conecta cerca de 200 instituições no Estado do Rio de Janeiro. Esta rede possui um canal de comunicação com a RNP de 1 Gbps e um link internacional próprio”. Vejamos sua evolução de 1992 a 2015. 19 A BITNET foi uma rede remota criada em 1981, visando proporcionar um meio rápido e barato de comunicação para os meios acadêmicos. 20 BACKBONE, ou Espinha dorçal, designa o esquema de ligações centrais de um sistema de redes mais amplo, tipicamente de elevado desempenho e com dimensões continentais. 21 O Point of Presence, ou PoP, é o local onde o ISP (Internet Service Provider) mantém o equipamento de telecomunicações necessário para permitir o acesso local dos seus clientes/utilizadores à Internet. 22 Um Fornecedor de Acesso à Internet ou Provedor de Serviço Internet é qualquer organização que ofereça serviços de acesso, participação ou utilização da Internet.
  • 72. 71 Figura 7. Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica RNP no Brasil. Fonte: RNP, Mapa de evolução do backbone da rede acadêmica da RNP – ano 1992 e ano 2005. O uso comercial da Internet teve início em dezembro de 1994, a partir da EMBRATEL, quando foi autorizado o acesso à Internet por meio das linhas discadas23 . De acordo com Maceira (apud CARVALHO, 2006, p.137), Em 1994, a Embratel começou a analisar a questão do uso comercial da Internet nos Estados Unidos e decidiu ver como poderia participar disso também, aqui no Brasil. Fui designado para integrar um grupo de três pessoas, formado por mim, pelo Hélio Daldegan e pelo Aloysio Xavier, criado com a missão de analisar a oportunidade de negócio nisso tudo. [...] No final de 1994, a diretoria da Embratel recebeu a proposta de iniciar a prestação de serviços Internet e começamos a testar isso através de usuários convidados por nós. [...] Terminado esse trabalho, começamos a montar a rede e a desenvolver o serviço. Foi justamente quando o grupo se solidificou, cresceu, tornando-se uma estrutura de gerência em serviços Internet. Em 1995, foi iniciada pela RNP um processo de expansão do backbone em relação à velocidade e aos números de PoPs, a fim de suportar o tráfego comercial de futuras redes. A partir de então, a backbone passou a se chamar Internet/BR. Ainda no mesmo ano, em virtude da criação do Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), o Brasil conheceu a internet como uma tecnologia que mudaria completamente a rotina de todo cidadão brasileiro. 23 Linha discada, dial-up internet access, internet discada, ou simplesmente dial-up é uma forma de acesso à internet que usa a rede pública de telefonia, comutada para estabelecer uma conexão com um provedor de acesso à internet, através de um número de telefone para com uma linha de telefone.
  • 73. 72 De acordo com o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR), O acesso à internet nas residências brasileiras cresceu em 2019, com 74% da população já conectada, segundo a pesquisa TIC Domicílios, que afere informações sobre conexão à internet no país. Em 2018, o percentual da população que se dizia conectada era de 70%. Com o avanço do indicador, agora são 133,8 milhões de usuários de internet no Brasil, apontou a pesquisa divulgada nesta terça-feira (26). O levantamento, um dos principais no país, é feito todos os anos pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC) (NIC.BR, 2020b, s.n). Observa-se que, no Brasil, apesar de o processo de modernização ter sido mais lento, os meios de comunicação conquistaram grande parte da população. Atualmente, 74% dos brasileiros já se encontram conectados à rede, sendo que, o meio de comunicação digital alcançou a centralidade das atividades humanas. Com a intenção de buscar argumentos para responder à questão central deste estudo, ou seja, “Qual é a função social dos fluxos de informação nas redes sociais e sua relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil?”, neste capítulo, realizou-se, a partir de um referencial teórico, tendo como base central Haesbaert e Lacoste, uma reflexão voltada aos conceitos de Espaço, Território e Territorialidade. Além disso, abordou-se a origem e expansão do objeto central de estudo, o ciberespaço, por meio da internet. Por intermédio das bases construídas no primeiro capítulo será possível avançar no propósito de estabelecer o ciberespaço como um território passível de análise e que cumpre uma função social. É pertinente destacar, neste momento, que no capítulo segundo será evidenciada a conexão desses conceitos com a linha de pesquisa do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território, em que o ciberespaço será, por meio do diálogo entre alguns autores, caracterizado como um território-rede. Dando sequência ao fio condutor desta análise e argumentação, no próximo capítulo, a partir do aporte teórico de Pierre Levy, Virílio, Haesbaert e Castells, discutir-se-ão os conceitos de ciberespaço, cibercultura, divisão do ciberespaço, bolhas sociais e algoritmo de bolha como antolhos da sociedade.
  • 74. 73 CAPÍTULO 3 – AS BASES PARA A CONCEPÇÃO DO CIBERESPAÇO COMO UM TERRITÓRIO 3.1 ESPAÇO, CIBERESPAÇO E CIBERCULTURA Uma vez que se abordou a concepção de espaço para a Geografia Humana e para a Geografia Física, além de discorrer sobre o conceito de território e como se deu o processo de evolução da rede, é possível observar onde o ciberespaço se localiza na Geografia e como esse espaço virtual é passível de estudo. Diante das mais variadas abordagens realizadas até o presente momento, para compreender como se dá a configuração do espaço no ciberespaço é necessário, a princípio, entender seu conceito base. A palavra ciberespaço foi inventada em 1984, por William Gibson (2015), em seu romance de ficção científica chamado “Neuromancer”. No livro, o ciberespaço era descrito como um espaço quase que físico, composto por milhares de redes e mundos digitais. Essas redes eram palco de guerras e batalhas entre as multinacionais, em busca da dominação e controle das “novas fronteiras” econômicas, culturais e sociais. De acordo com Pierre Levy (2010, p. 17), ciberespaço ou rede é (...) o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Nesse passo, é notório que Pierre Levy inclui como componentes legitimadores do espaço cibernético, tanto as redes de comunicações formadas pela interação dos usuários quanto os instrumentos de comunicação em si, ou seja, a infraestrutura que compõe a rede. Já para Monteiro (2007, p. 14), o ciberespaço é (...) como um mundo virtual, onde são disponibilizados variados meios de comunicação e interação em sociedade. Um universo virtual onde se encontram quantidades massivas de dados, informações e conhecimento em que os textos são "mixados" a imagens e sons, em um hipertexto fluido e cheio de possibilidades, ou seja, um ambiente não físico, mas real, um espaço aberto, cheio de devires, onde tudo acontece instantaneamente, em tempo real e de durabilidade incerta.
  • 75. 74 Nota-se que a definição de vários dos pensadores é muito semelhante à descrição do livro “Neuromancer”, em que o ciberespaço é de fato um espaço onde fluem dados, informações e conhecimento. Ressalta-se, aqui, que esta é uma de suas principais funções: a troca desses elementos entre os usuários. Os dados, as informações e o conhecimento são um de seus principais elementos de formação. Dados são um conjunto de códigos, observações e medições que são documentados a partir do mundo físico, comportamental e sensorial. De acordo com Rezende (2015, s.n), os “dados são os registros soltos, aleatórios, sem quaisquer análises”. Informação é um conjunto de dados estruturados em seu estado bruto. Como afirma Rezende (2015, Apud Le Coadic, 1996, s.n), “ela é um registro, em suporte físico ou intangível, disponível à assimilação crítica para produção de conhecimento”. A partir da interpretação das informações, abstraímos o conhecimento que são constructos mais complexos de associações de informações, aliados às experiências adquiridas no “mundo-da-vida”. Conforme afirma Cândido (2007, p. 16), “Quando esta informação é trabalhada por pessoas ou recursos computacionais possibilitando a geração de novos cenários chamamos a isso de conhecimento”. Todo indivíduo, ao entrar na rede do ciberespaço, insere seus dados que produzem informações. Por intermédio da computação, tornou-se possível automatizar a captação e a interpretação desses dados, a partir de cada movimento que o usuário faz na rede. Por meio da rede mundial de computadores é possível observar novos paradigmas se formando. Nesse sentido, é perceptível que, desde sua concepção, o ciberespaço tem cada vez mais alcançado sua legitimidade como um território, mediante a capilarização de seu alcance. Nota-se que o ciberespaço se torna legítimo por meio da troca de informações entre os usuários, ou seja, por meio do fluxo de dados, informações e conhecimentos. A partir dessa concepção é possível observar que o ciberespaço possui inúmeras facetas. Conforme Guimarães (2000, p. 141), É importante sublinhar que esta definição não circunscreve o Ciberespaço a redes de computadores, mas sim percebe como suas instâncias diferentes aparatos de telecomunicação, desde teleconferências analógicas, passando por redes de computadores, "pagers", comunicação entre radioamadores e por serviços do tipo "tele-amigos". A Internet, portanto, apesar de ser a mais presente, não é a unica instancia de CMC e, por extensão de suporte ao
  • 76. 75 Ciberespaço. Apesar de possuir inúmeras facetas, a mais evidente e destacada atualmente é a Internet, sendo que esta possui maior alcance em escala mundial e maior integração e capilarizarão de usuários. Os atores ou usuários são aqueles que estão diretamente ligados ao meio digital e movimentam o espaço. São afetados direta e indiretamente por qualquer movimento e atualização realizados no meio digital e podem ser classificados como Empresas, Sociedade civil, Universidades e Governo. Constata-se, portanto, que o espaço geográfico, no ciberespaço, é a totalidade do espaço material e virtual, ou seja, tanto a estrutura por trás da rede e sua localização, quanto os fluxos e movimentos sociais que correm a partir dessa estrutura. Nesse sentido, é tão possível realizar um estudo do espaço em rede quanto na própria realidade, uma vez que a rede se apresenta como um simulacro da realidade. Assim, observa-se que o ciberespaço é passível de ser analisado sob a perspectiva geográfica, por meio do conceito de espaço da Geografia Humana. Diante disso, inicia-se tal abordagem a partir de Virilio (1984, p. 109), quando este afirma que: “O espaço não está mais na geografia – está na eletrônica. (...) Está no tempo instantâneo dos postos de comando, nos quartéis-generais das multinacionais, nas torres de controle etc”. Corroborando também, Lévy (1994), em uma palestra ministrada no Brasil sobre o tema, afirma que [...] o espaço cibernético é um terreno onde está funcionando a humanidade, hoje. É um novo espaço de interação humana que já tem uma importância enorme sobretudo no plano econômico e científico e, certamente, essa importância vai ampliar-se e vai estender-se a vários outros campos, como por exemplo na Pedagogia, Estética, Arte e Política (LÉVY, 1994, p. 1). Nota-se, também, tal abordagem em Manuel Castells, mediante seu conceito de espaço dos fluxos, quando busca analisar os processos espaciais da sociedade diante dos fluxos de informação, a partir dos processos econômicos, culturais, históricos e sociais. Proponho a ideia de que há uma nova forma espacial característica das práticas sociais que dominam e moldam a sociedade em rede: o espaço de fluxos. O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de
  • 77. 76 fluxos. Por fluxos, entendo as sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas, mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade (CASTELLS, 2019, p. 494). Percebe-se uma abordagem espacial da rede em Haesbaert, por intermédio do que ele chamou de territórios-rede, uma concepção criada para abordar os novos processos informacionais da sociedade. Vistas como componentes dos territórios, as redes podem assim estar a serviço tanto de processos sociais que estruturam quanto de processos que desestruturam territórios. Mas a dinâmica do elemento rede tornou-se tão importante no mundo “pós-moderno” (ou, pelo menos, nas áreas em que a ideia de pós-modernismo foi proposta) que não parece equivocado afirmar que a própria rede pode tornar-se um território. Existiria mesmo, poderíamos afirmar, um tipo radical de território rede que se aproxima de uma noção de ‘rede-território’, tamanha a importância da rede na formação territorial [...]” (HAESBERT, 2011, p. 298). A partir das afirmações de Virilio (1984), Lévy (2003), Castells (2019) e Haesbaert (2011), percebe-se que o ciberespaço ampliou novos horizontes aos sujeitos, por intermédio de um espaço virtual abstrato, não-pessoal e invisível que se legitima a partir do fluxo de informação e comunicação, formado pela estruturação da tecnologia da informação em uma rede de interações sociais, em que pessoas dos pontos mais diversos do Globo se unem e formam laços e relações. Uma vez que o ciberespaço está intimamente ligado à troca de informações provenientes das interações humanas, pode-se observar que essa rede não consiste de uma “terceira” divisão da Geografia, mas de uma extensão da Geografia Humana nas redes de informação, na medida em que o espaço foi criado pelo homem para atender à sua necessidade de compartilhamento/recebimento de informações. Nesse sentido, é necessário realizar uma breve observação sobre como o ciberespaço passou a exercer influência direta na sociedade moderna, sobretudo nos aspectos econômicos, culturais e políticos. Dessa forma, as falas de Castells tornam a discussão ainda mais detalhada, pois é possível observar, por exemplo, que os processos de comunicação influenciam diretamente fatores culturais.
  • 78. 77 Nossos meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo da nossa cultura. Como a cultura é mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo (CASTELLS, 2019, p. 414). Apesar de a estruturação espacial da rede aparentar ser simples, ela é na verdade demasiadamente complexa, sendo alvo de grandes conflitos e discussões diplomáticas nos fóruns internacionais24 . Dessa forma, é válido ressaltar que os fóruns internacionais não se preocupam com a rede unicamente devido à sua extensão ilimitada e sem fronteiras no aspecto da cibercultura, mas, acima de tudo, devido ao seu potencial diante dos mais variados dilemas sociais modernos que serão abordados posteriormente. A princípio, é importante ressaltar que a rede de internet não possui oficialmente um dono, ou órgão, ou instituição que decide como usá-la, como bem pontuado por Castells. Diversas instituições e mecanismos improvisados foram criados durante todo o desenvolvimento da internet. Uma delas e a mais importante é a chamada Governança da Internet. Segundo o Itamaraty, O conceito de “governança da Internet” foi consagrado na segunda fase da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (WSIS, da sigla em inglês). A governança da Internet, na visão endossada pela WSIS, pressupõe “o pleno envolvimento de governos, setor privado, sociedade civil e organizações internacionais” (§ 29 da Agenda de Túnis). Ao prever que os diferentes “stakeholders” possuem papéis e responsabilidades diferenciados, o conceito de multissetorialismo abriga geometria variável de configurações possíveis (e igualmente legítimas) para tratar de questões de naturezas diferentes (ITAMARATY - MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2014, s.n). É importante observar alguns apontamentos realizados por Castells, ao analisar como se deu o processo de Governança da Internet durante seu desenvolvimento. Vejamos: 24 A Internet Governance Forum, mais conhecido pelo acrônimo IGF, é um fórum que reúne múltiplos atores para discussão de políticas em aspectos de Governança da Internet A instituição do IGF foi formalmente anunciada pelo Secretário-Geral das Nações Unidas em julho de 2006, e o primeiro fórum aconteceu em outubro do mesmo ano.
  • 79. 78 Uma vez privatizada, a internet não contava com nenhuma autoridade supervisora. Diversas instituições e mecanismos improvisados, criados durante todo o desenvolvimento da internet, assumiram alguma responsabilidade informal pela coordenação das configurações técnicas, pela corretagem de contratos de atribuição de endereços da internet. Em janeiro de 1992, numa iniciativa da National Science Foundation, foi outorgada à Internet Society, instituição sem fins lucrativos, a responsabilidade sobre as organizações coordenadoras já existentes, a Internet Activities Board e a Internet Engineering Task Force. Internacionalmente, a função principal de coordenação continua sendo os acordos multilaterais de atribuição de endereços de domínios no mundo inteiro, assunto bem polêmico. Apesar da criação, em 1998, de um novo Órgão regulador com sede nos EUA (IANA/ICANN), em 1999 não existia nenhuma autoridade clara e indiscutível sobre a internet, tanto nos EUA quanto no resto do mundo – Sinal das características anarquistas do novo meio de comunicação tanto tecnológica quanto culturalmente (CASTELLS, 2019, p. 102). Diante das observações de Castells, é importante ressaltar que a rede possui impasses e dificuldades de proporções diplomáticas. Contudo, tais dificuldades são o exemplo perfeito para demonstrar como funciona o território do ciberespaço. Apesar de a extensão da rede ser global, um desses empasses se resume à territorialidade material da rede, mais especificamente em relação a alguns dos principais “nós”. Como é possível constatar por meio das descrições de Castells, apesar de a rede não possuir oficialmente um dono, a localização de seus principais “nós”, como por exemplo, os servidores-raiz (que abrigam a internet em si), a localização da Internet Assigned Numbers Authority (IANA) e a localização da corporação da internet para atribuição de nomes e números (ICANN) (que é responsável pela alocação do espaço de endereços do Protocolo da Internet IPv4 e IPv6) são elementos de suma importância, no que tange ao controle desse espaço em rede, uma vez que as leis válidas a serem aplicadas sobre internet como um todo (apesar de sua governança ser internacional) são a do lugar onde está localizada em seu estado físico. A exemplo do ICANN, localizado em Marina Del Rey, California, Estados Unidos, por estar localizado em solo norte-americano, obedece às leis estadunidenses da Califórnia, fato que não agrada a toda comunidade internacional que deseja sua localização física em território neutro. Em matéria vinculada ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br, criado para implementar as decisões e os projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br, Luca (2009, s.n) afirma que o maior problema do novo acordo está em
  • 80. 79 Reafirmar o compromisso de manter a sede da ICANN em solo americano. Sujeito, portanto, às leis da Califórnia. Muitos representantes do GAC 25 defendiam a transferência da sede para um território neutro, com tradição diplomática, como alguns países europeus ou escandinavos. A partir disso, pode-se concluir que o ciberespaço se divide em dois grandes grupos territoriais. O primeiro é a territorialidade material, relacionada à localização dos instrumentos de acesso à rede mundial de computadores, conhecidos como Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC, e o segundo é a territorialidade imaterial, composta das comunidades culturais que se legitimam nos espaços da informação, que Pierre Lévy atribuiu o nome cibercultura, conceito que veremos mais detalhadamente à frente. Relembrando o proposto por Haesbaert (2011), é possível, pela lógica zonal e pela lógica reticular, estabelecer o ciberespaço como território. 3.2 DIVISÃO DO CIBERESPAÇO – DOIS EM UM? Para introduzir a concepção de ciberespaço como território-rede, é preciso primeiro entender o que é um território-rede, e para isso, deve-se observar as reflexões de Haesbaert (2011, p. 279) no que diz respeito aos territórios modernos. Segundo o geógrafo, Talvez seja esta a grande novidade da nossa experiência espaço- temporal dita pós-moderna, onde controlar o espaço indispensável à nossa reprodução social não significa (apenas) controlar áreas e definir ‘fronteiras’, mas, sobretudo, viver em redes, onde nossas próprias identificações e referências espaçosimbólicas são feitas não apenas no enraizamento e na (sempre relatividade) estabilidade, mas na própria mobilidade [...] Assim, territorializar-se significa também, hoje, construir e/ou controlar fluxos/redes e criar referências simbólicas num espaço em movimento, no e pelo movimento. Observa-se, a partir das concepções expostas acima, que o território-rede está diretamente relacionado à mobilidade de um território, principalmente na experiência social contemporânea de globalização, em que os sistemas de transporte e de comunicação conectam-se e desconectam-se em pontos distintos, 25 O GAC, de acordo com o próprio site <gac.icann.org>, é um comitê consultivo da ICANN, criado de acordo com o Estatuto da ICANN. Ele aconselha a ICANN sobre aspectos de políticas públicas de suas responsabilidades, com relação ao Sistema de Nomes de Domínio da Internet (DNS).
  • 81. 80 em tempo real. Nesse sentido, é válido pontuar que o território-rede não é exclusividade do presente século. Haesbaert (2011) demonstra, por exemplo, que a forma mais tradicional de territórios-rede existia e ainda existe entre os nômades que exerciam/exercem o controle de um determinado espaço, por meio do movimento entre certos pontos. Contudo, Haesbert (2011, p. 280) pontua que “O que ocorre nos dias atuais é que esta forma de território moldado fundamentalmente através do elemento ‘rede’ passou a dominar”. Dessa forma, Haesbaert (2011, p. 290) propõe como meio eficiente de analisar a territorialização na modernidade a análise de dois elementos: a Zona e a Rede. Por meio da lógica zonal (Zona) e da lógica reticular (Rede), seria possível constatar duas formas de territorialização, sendo elas: “Pela lógica zonal, de controle de áreas e limites de fronteiras”, em que se controla o espaço material por meio de fronteiras e a “outra, pela lógica reticular, de controle de fluxos e polos de conexão ou redes”, em que se controla o movimento. Nesse sentido, Lima (2011, p. 16) esclarece ainda mais a demanda. Os indivíduos ou grupos ocupam pontos variados nesse espaço e se distribuem de forma aleatória, regular ou concentrada, conforme as distâncias e as acessibilidades, resultando na interação entre os locais. Essa interação se dá por meio da política, da economia, da cultura e da própria ação social dos grupos e indivíduos envolvidos no jogo da oferta e da procura permanentes. ‘Isso conduz a sistemas de malhas, de nós e de redes que se imprimem no espaço e que constituem, de algum modo, o território’. Verifica-se que o estabelecimento de duas dimensões de análise adere perfeitamente ao estudo do ciberespaço como território, posto que por meio da lógica zonal seria possível analisar a estrutura material da rede, e pela lógica reticular, analisar as interações e territorialidades que se formam por meio do movimento em rede. Diante da percepção de que o espaço digital é passível de estudo geográfico e tomando o modelo de análise de Haesbaert, é possível analisar as duas grandes divisões presentes na rede. A princípio, para entender como se dá o território em rede, far-se-á uma analogia desta com as estradas, que muito se assemelham às redes digitais. Para isso, retornaremos às estradas romanas que foram construídas a partir de 300 a.C. As estradas romanas eram infraestruturas físicas consideradas vitais para a manutenção e desenvolvimento do Estado Romano. Elas eram não só
  • 82. 81 um símbolo de dominação, mas uma visível marca da expansão e consolidação da República Romana e do Império Romano. A expressão popular “todos os caminhos levam a Roma” originou-se justamente desse marco. De acordo com Rodrigues (2004, p. 15), A construção de estradas foi indubitavelmente uma das grandes preocupações da civilização romana e talvez um dos seus maiores legados. A edificação destes eixos, que numa fase incipiente assentava em fins estratégico-militares, foi um factor manifestamente determinante para a romanização e desenvolvimento de redes comerciais no território que dominavam. Nesse passo, é necessário ainda pontuar que, de acordo com Soutinho (2004), os romanos construíam diferentes tipos de vias para as mais diversas finalidades como, por exemplo, a Via Publicae, estradas que tinham finalidades militares e/ou consulares, e a Viae Agrari, estradas que tinham a finalidade de atender às propriedades agrícolas e/ou privadas. Destaca-se, entre as vias, uma das principais e mais importantes para a manutenção de Roma, os cursus publicus, as vias destinadas ao serviço postal romano. Por meio delas, o correio imperial assegurava o transporte de encomendas e documentos oficiais/administrativos no Império Romano. Observa-se que a malha de rede viária romana era uma estrutura física que permitia os fluxos de mercadorias, pessoas e informações. A partir desses fluxos, era possível observar a formação de culturas e a construção de novas relações políticas e sociais. O motivo de voltar na história é simples. O conceito que se quer estabelecer de território do ciberespaço muito se assemelha às malhas de redes de estradas romanas, sendo possível observar o território estrutural da rede a partir de sua existência material. Tal qual as estradas romanas, que possuíam estruturas viárias com finalidades militares, comerciais, etc, temos as backbones com finalidades comerciais, acadêmicas, etc. Além disso, a partir da estruturação da malha viária romana, foi possível estabelecer os terrirórios/territorialidades humanos(as), em que se estabeleceu o fluxo de pessoas, culturas, mercadorias e suas atividades/relações, a partir do espaço. Assim como na malha de rede viária romana, na malha em rede pode-se observar a formação de territórios/territorialidades humanos(as), que estabelecem relações comerciais, políticas, sociais e etc. Nesse passo, a partir da analogia das
  • 83. 82 estradas, é possível aprofundar nas duas grandes divisões existentes no ciberespaço, a começar pelo território estrutural. 3.2.1 Território estrutural da rede Para compreender o território estrutural da rede, deve-se entender a sua origem, seu significado, sendo que, de acordo com o Dicionário Dicio (2009, s.n), rede é um “tecido de malha com aberturas regulares, feita pelo entrelaçamento de fibras que são ligadas por nós ou entrelaçadas nos pontos de cruzamento”. Após verificar tal definição, pode-se estabelecer a rede como um grande território estrutural, em que as fibras equivalem aos sinais de satélites, cabos de fibra, micro- ondas e fios que se entrecruzam e se conectam por meio dos nós, que são as Tecnologias da Informação e comunicação (TICs), ou seja, os computadores, os servidores, os smartphones e outros instrumentos. Uma vez que a rede por si só corresponde ao que nesta dissertação chamamos de território estrutural, é viável afirmar que esta é o receptáculo da territorialidade humana que se forma por meio do estabelecimento dessas estruturas. Apesar de a rede possuir um papel fundamental na globalização, na integração dos blocos econômicos e na aproximação dos Estados, sua disposição geográfica possui grandes desafios para conciliar a vontade das entidades internacionais. Diante do fato de que a origem da rede ocorreu em território estadunidense, é provável afirmar que o ciberespaço é substancialmente dominado pelos EUA. Como dito anteriormente no item 2.1, as leis válidas a serem aplicadas na utilização da internet, por meio da ICANN e da IANA, são as do lugar onde está localizada em seu estado estrutural, apesar de sua governança ser internacional. Diante de uma rede que se fez global, o território estrutural da rede ou território dos elementos de estrutura da rede tornou-se demasiadamente importante no contexto global, transformando-se em objeto de desejo das mais variadas nações e corporações privadas. Na modernidade, o enorme fluxo de informação converteu-se no novo espaço vital ou lebensraum para os Estados, tal qual a definição de Ratzel (1990) abordada no capítulo primeiro da presente dissertação. Ratzel (1990) já afirmava a necessidade de haver equilíbrio entre a extensão territorial e seus recursos em relação à quantidade demográfica. Nesse sentido, a configuração
  • 84. 83 espacial dos elementos da rede mundial de computadores tornou-se assunto de Estados. Ademais, o território estrutural não se resume aos grandes impasses globais. Observa-se a importância no dia a dia de cada pessoa, da disposição de certos serviços que se transformaram em ferramentas estratégicas de condução do ciclo diário de vida de cada indivíduo, em que os meios de comunicação se tornaram essenciais para movimentar os grandes centros de poder. Tal processo é perceptível em grande parcela do mundo, sobretudo nos grandes centros de poder, onde os governos e a iniciativa privada buscam constantemente modernizar suas redes de comunicação. No Brasil, a expansão do território estrutural da rede teve origem no engajamento estatal, sobretudo com a iniciativa militar por meio da EMBRATEL, que modernizou as redes de telecomunicação e, aos poucos, se empenhou em transformá-la em redes teleinformáticas para a troca e para o fluxo de dados. Nota-se que a disposição geográfica dos elementos estruturais da rede segue a lógica do fluxo de poder econômico, político, social e cultural. É possível observar, a partir de sua disposição, que os grandes centros de poder são onde se passa grande fluxo de dados, informação e comunicação. A exemplo disso, podemos ver a backbone brasileira e sua estrutura localizada nas cidades que possuem grande poder econômico, político, cultural e/ou social. Figura 8. Infraestrutura backbones de longa distância. Fonte: Infraestrutura Backbones de Longa Distância. TELECOMUNICAÇÕES, Atlas brasileiro. Converge Comunicações/Teletime. Ipsis, São Paulo, 2014.
  • 85. 84 Figura 9. Concentração do PIB dos municípios. Fonte: Agência de Notícias IBGE. Concentração do PIB dos municípios. 2018. Figura 10. Censo demográfico 1940/2000. Fonte: IBGE, Censo Demográfico 1940/2000 e Sinopse do Censo Demográfico 2010. In: IBGE. Sidra: sistema IBGE de recuperação automática. Rio de Janeiro, 2011.
  • 86. 85 Figura 11. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). Fonte: Elaboração própria. Sobreposição das figuras 6/7 (concentração do PIB) e 6/8 (Demografia). 20 de jan de 2021. Percebe-se que os nós da rede estão quase sempre localizados em grandes centros demográficos e grandes polos econômicos, sobretudo em seus pontos de interconexão. Nesse sentido, é possível observar que, na modernidade, o território estrutural da rede é parte essencial para o desenvolvimento de uma sociedade, uma vez que a troca de informação e a comunicação é fundamental para a tomada de decisão. Nesse Sentido, Pierre Lévy (2010, p. 170) afirma que “O ciberespaço, interconexão dos computadores do planeta, tende a tornar-se a principal infraestrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos”. É válido pontuar, também, que o território estrutural da rede está em constante mudança. Segundo a concepção de Haesbaert (2011), os territórios-rede se estruturam e se desestruturam de acordo com a dinâmica espaço/tempo. Tais movimentos se dão em consequência de diversos fatores, dentre eles os sociais, políticos, econômicos, tecnológicos, etc. Percebe-se os movimentos estruturais da rede mediante os estudos relacionados ao ciclo de vida das tecnologias de Bent (2002). Nesse passo, constata-se a ascenção e a queda das TICs relacionadas à indústria da telecomunicação móvel à medida que novas tecnologias são produzidas e introduzidas no mercado.
  • 87. 86 Figura 12. Os ciclos de vida tecnológica da indústria de comunicação móvel. Fonte: BENT, Dalum; ØSTERGAARD, C.; VILLUMSEN, G. Ciclos de vida tecnológicos: Clusters regionais que enfrentam perturbações. (DRUID Working Paper, No. 10), 2002, p. 5. A afirmação de Haesbaert (2011) no que tange ao movimento de a rede se estruturar e se desestruturar toma por influência Deleuze e Guattari (1997), filósofos que se atentaram aos processos constantes de desterritorialização e reterritorialização no espaço. Para estes, o território se encontra em um processo constante de tornar-se e desfazer-se. Diante dessa influência, Haesbaert (2011) vê que os territórios que passam por essas constantes transformações darão lugar a uma sociedade da informação globalizada ainda mais dinâmica, entrando em cena, na modernidade, o conceito de território-rede em que predominam os processos de desterritorialização e reterritorialização em grande velocidade, por meio de complexas redes flexíveis e fluxos constantes de informação que conectam pontos distintos no espaço. Nesse momento, é possível afirmar, assim como Haesbaert (2011) em sua concepção sobre rede-território, que a rede passa a assumir papel tão importante na sociedade moderna e atinge uma extensão tão extraordinária, que passa a ser, per si, um território que passaremos a chamar de território estrutural da rede. Uma vez abordado o primeiro elemento do espaço digital, é possível introduzir o seu segundo elemento de formação, que Pierre Lévy (2010) chama de cibercultura, e aqui chamaremos de territorialidade humana da rede.
  • 88. 87 3.2.2 Territórios e territorialidades humanas da rede Para Haesbaert (2011, p. 279), “é possível identificar um ‘território no movimento’ ou ‘pelo movimento’, onde poderíamos afirmar, um tipo radical de território-rede que se aproxima de uma noção de ‘rede-território’, tamanha a importância da rede na formação territorial [...]”. Nesse sentido, observa-se que a rede já possui uma importância considerável na formação territorial moderna, uma vez que esta se faz presente na vida de grande parte da população e movimenta grande parcela da economia, da cultura e das relações na sociedade moderna. Como dito anteriormente, o ciberespaço é formado pelos dados, pelas informações e pelo conhecimento, sendo a transferência destes entre os usuários, uma de suas principais funções. Usuários ou utilizadores são pessoas, entidades, agentes ou organizações que usufruem de um determinado tipo de serviço e podem ser classificados segundo a área de interesse. Nesse sentido, o território estrutural da rede, tal qual uma grande cidade, possui seus habitantes que transitam, fazem compras, conversam, trabalham e se manifestam, de acordo com seus interesses de busca. Valendo-se da analogia, é possível afirmar, também, que os usuários são como os habitantes da grande cidade em rede, ou seja, são os habitantes do território estrutural da rede. Uma vez concebida a ideia de um território estrutural da rede como o receptáculo da territorialidade humana, percebe-se com mais facilidade o movimento humano presente na rede. Diante dessa concepção analógica da cidade, pode-se afirmar que, se a estrutura da rede corresponde a uma cidade, as interações dos usuários da rede resultam na formação da territorialidade e, consequentemente, no estabelecimento de um território digital dos mais distintos grupos humanos. Tal afirmação relembra as concepções de Turra Neto, ao dispor sobre a formação organizacional das microterritorialidades em espaços urbanos. Nota-se que a territorialidade digital possui características sui generis, uma vez que apresenta uma extensão global e seus membros transitam pelas mais variadas dimensões de territorialidades, tornando-se um território legítimo no movimento e pelo movimento dos dados, das informações, do conhecimento e da comunicação entre os usuários. Sobre isso, passaremos a discorrer a seguir.
  • 89. 88 Segundo Haesbaert (2011, p. 348), A condição pós-moderna, podemos afirmar, inclui uma outra multiterritorialidade, resultante do domínio de um novo tipo de território, o território-rede em sentido estrito ou, no seu extremo, a rede território. Aqui a perspectiva euclidiana de um espaço-superficie contínuo praticamente sucumbe à descontinuidade, à fragmentação e à simultaneidade de territórios que não podermos mais distinguir claramente onde começam e onde terminam ou, ainda, onde irão “eclodir” [...]. As redes, principalmente as redes informacionais ou virtuais, possibilitam – dependendo da classe e do grupo social – um jogo territorial inédito, onde existe a potencialidade, a todo momento, de recombinar (e “descombinar) territórios em uma nova multiterritorialidade. Observa-se, segundo a afirmação do geógrafo, que na pós-modernidade, a complexidade de seus territórios resultou na sobreposição de diferentes lógicas e dimensões organizacionais. Nesse passo, não é difícil afirmar que diferentemente dos territórios “convencionais”, os territórios em rede se formam a partir de diferentes lógicas, sendo a principal diferença, a formação a partir dos centros de interesses que surgem por meio da comunicação de diferentes usuários. De acordo com Baitello Junior (1998, p. 11), “o que se denomina ‘comunicação’ nada mais é que a ponte entre dois espaços distintos”. Diante disso, é possível compreender que a territorialidade humana em rede se forma a partir da comunicação entre os usuários da rede que se conectam nos mais distintos pontos do espaço, e que por meio da troca de informações e conhecimentos, estabelecem vínculos de interesses. A territorialidade humana da rede, apesar de suas mais variadas dimensões, se dá sobretudo por meio do que Lévy (2010, p. 17) chamou de cibercultura. Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço. Os vínculos de interesses em comum formam as “comunidades” sociais na rede, ou seja, os usuários ocupam e se apropriam dos espaços em rede para formar e legitimar seus territórios históricos, simbólicos, identitários, culturais (idem), de forma fluida e muitas vezes sobrepostas, em que os usuários se unem por meio das centralidades de “gostos em comum”.
  • 90. 89 De acordo com Lévy (2010, p. 103), Ao dar uma visibilidade a estes grupos de discussão, que são feitos e desfeitos o tempo todo, o ciberespaço torna-se uma forma de contatar pessoas não mais em função de seu nome ou de sua posição geográfica, mas a partir de seus centros de interesses. É como se as pessoas que participam das conferências eletrônicas adquirissem um endereço no espaço móvel dos temas de debates e dos objetos de conhecimento. Nesse sentido, é possível observar a formação de milhões de microterritorialidades e multiterritorialidades baseadas em centros de interesses. Ainda é válido pontuar que, na dinâmica de rede, as territorialidades humanas se formam e se desfazem de forma mais dinâmica, posto que a consistência desses grupos depende dos vínculos que se formam a partir dos interesses. Segundo Haesbaert (2004, p. 372), [...] o que está dominando é a complexidade das reterritorializações, numa multiplicidade de territorialidades nunca antes vista, dos limites mais fechados e fixos da guetoficação e dos neoterritorialismos aos mais flexíveis e efêmeros territórios-rede e multiterritórios da globalização. Sendo a rede um processo constante de tornar-se e desfazer-se, de desterritorializar-se e reterritorializar-se, em uma multiplicidade e capilaridade nunca antes vista, é possível observar que Virilio (1984), Lévy (2003), Haesbaert (2011) e Castells (2019) foram precisos em suas concepções de território no mundo digital. Na modernidade, ou pós-modernidade, os territórios em rede ou territórios humanos, citados nesta dissertação, são extremamente fluidos, o que nos remete a Bauman (2001), ao abordar os conceitos de Richard Sennett. Na clássica definição de Richard Sennett, uma cidade é um assenta- mento humano em que estranhos têm chance de se encontrar. Isso significa que estranhos têm chance de se encontrar em sua condição de estranhos, saindo como estranhos do encontro casual que termi- na de maneira tão abrupta quanto começou. [...] No encontro de es- tranhos não há uma retomada a partir do ponto em que o último en- contro acabou, nem troca de informações sobre as tentativas, atribu- lações ou alegrias desse intervalo, nem lembranças compartilhadas: nada em que se apoiar ou que sirva de guia para o presente encontro. O encontro de estranhos é um evento sem passado. Fre- quentemente é também um evento sem futuro (BAUMAN, 2001, p. 121).
  • 91. 90 É possível observar que, apesar da volumosa quantidade de fluxo de usuários, as interações entre os indivíduos, tal qual em uma grande cidade, quase sempre se limitam, inicialmente, aos interesses, visto que a formação de um grupo necessita do engajamento de alguns desconhecidos. Contudo, a formação de grupos em rede foi impulsionada pelos algoritmos das redes sociais que se popularizaram em todas as camadas, onde o sistema busca aproximar os usuários com interesses semelhantes e afastar aqueles com diferentes interesses. Dessa forma, os processos de interações humanas com base no interesse resultam em organizações territoriais que impactam diretamente na realidade do mundo de vida, por meio da massificação da cultura e do conhecimento, da dispersão de um denominador comum da inteligência coletiva. Nesse passo, as centralidades de usuários que possuem uma grande densidade de fluxos em um único sentido de interesse, acabam por polarizar a organização espacial na rede e na realidade, sendo este um dos principais problemas tratados na presente dissertação: a territorialidade humana na rede e como o excesso de grandes densidades de interesses homogêneos reagem na realidade cotidiana da sociedade, demonstrando que muito mais que uma ferramenta de comunicação, os fluxos em rede possuem uma função na preservação da liberdade de expressão. Uma vez que os usuários em rede são os indivíduos que vivem no mundo de vida, é possível afirmar que ciberespaço compreende um espaço que é capaz de gerar mudanças territoriais significativas no mundo de vida, sobretudo no tocante ao comportamento humano e à influência de seus atos, ou seja, as territorialidades humanas em rede se estendendo aos territórios materiais do mundo de vida. 3.3 DOS CENTROS DE INTERESSES ÀS BOLHAS SOCIAIS 26 Algoritmos são uma sequência finita de ações executáveis que visam obter uma solução para um determinado tipo de problema. Apesar de estar se tratando de concepções geográficas em rede, não se deve esquecer que os centros de interesse em rede são regidos por códigos de computadores, linhas de programações e 26 Bolha social é um fenômeno que ocorre no meio digital em virtude de um algorítimo que aproxima pessoas que pensam de forma igual e afasta pessoas que pensam de forma diferente. Seu uso é muito comum em redes sociais que procuram aproximar as pessoas através de seus interesses em comum.
  • 92. 91 algoritmos, sendo importante novamente relembrar Haesbaert (2011), no que tange às novas lógicas dos territórios e territorialidades pós-modernos. A internet, tendo por objetivo o compartilhamento de informações entre os usuários, possui, sobretudo nas redes sociais, o algoritmo baseado na aproximação de pessoas com gostos semelhantes e no distanciamento de pessoas que possuem gostos diferentes. De acordo com Junior e Pellizzari (2019, p. 57), Como os algoritmos são abastecidos de dados pessoais, geográficos, padrões de uso das aplicações informáticas e uma série de outros insumos gerados pela utilização das ferramentas computacionais dos usuários das aplicações de internet, há uma probabilidade bastante elevada de que esses algoritmos confinem, cada qual, num ambiente moldado exclusivamente pelo reflexo de si próprio. Uma vez que as territorialidades se formam a partir dos centros de interesse, é possível observar que as redes sociais facilitam e induzem esse processo de busca, em que o algoritmo aprisiona o usuário entre seus semelhantes. Para uma rede social, o algoritmo de bolha pode ser vantajoso, já que muitos dos usuários tendem a consumir mais tempo em suas plataformas quando acessam conteúdo relacionados aos seus gostos. A partir da formação dos centros de interesse e das milhões de territorialidades humanas em rede, que passamos a chamar de multiterritorialidade humana, é possível verificar, também, que os movimentos em redes com base nos algoritmos favorecem transformações diretas no mundo de vida. Apesar de as bolhas sociais contribuírem, quase sempre, com uma visão uníssona, percebe-se em alguns casos, as bolhas de interesse “estourando” e superando as barreiras do ciberespaço, atingindo toda comunidade virtual em um ciberativismo 27 e transpassando o mundo de vida. 3.4 DAS BOLHAS SOCIAIS AO MUNDO DE VIDA Com a expansão e a multiplicação dos territórios e territorialidades em rede baseados em centros de interesse, é possível observar os próprios usuários engajados em trocar ideias, debater questões, denunciar abusos e exigir direitos, 27 Ciberativismo é um tipo de ativismo, que utiliza as redes cibernéticas como a Internet para a organização, mobilização e divulgação de causas políticas, culturais, sociais ou ambientais.
  • 93. 92 sendo esses movimentos legítimos e democráticos. Nesse sentido, é válido lembrar o fenômeno da Primavera Árabe, que de acordo com matéria vinculada no site da Agence France-Presse (2013), iniciou na Tunísia, quando um jovem tunisiano chamado Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto contra as condições de vida em seu país. As imagens tiradas de seu protesto “estouraram” as bolhas das mais variadas territorialidades em rede, desencadeando uma série de revoltas e manifestações contra o governo, advinda dos mais variados grupos de pessoas/usuários, forçando o presidente Zine el-Abdine Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita. O alcance e as consequências do que hoje chamamos de Primavera Árabe jamais teriam sido tão impactantes sem a presença da internet e do ciberativismo, formado por meio de grupos em rede, unidos por centros de interesses. Dessa forma, Soengas-Pérez (2001, p. 52) afirma que: Os jovens árabes tiveram um papel importante na gestão e no desenvolvimento das revoltas de 2011, por meio da Internet e das redes sociais. E partimos da hipótese de que a contribuição deles para a mudança política e social, por meio das redes sociais, continua sendo decisiva. Então, agora, depois de mais de cinco anos, é interessante ver qual é o papel do ciberativismo em uma sociedade conturbada e qual é a opinião dos ciberativistas da época sobre a situação atual28 (tradução nossa). O poder do ciberespaço de encaminhar a formação de territorialidades humanas baseadas em grupos de interesses é tão intenso, e seu impacto no mundo de vida é tão real que o governo do Egito, beirando o colapso, ao perceber o poder do ciberativismo em coordenar as massas por meio dos grupos de interesses, “desligou” a internet em todo o seu território como uma tentativa de cessar os fluxos de trocas de informação entre os usuários. Segundo Pavlik (2011, p.15), “no Egito, as autoridades tentaram acabar com os distúrbios ao cortar o serviço da Internet. Ironicamente, esta ação poderá ter alimentado ainda mais a revolta, ao tornar os cidadãos mais raivosos”. 28 los jóvenes árabes han tenido un protagonismo importante en la gestación y en el desarrollo de las revueltas de 2011 a través de Internet y de las redes sociales. Y partimos de la hipótesis de que su contribución al cambio político y social a través de las redes sociales sigue siendo determinante. Por eso ahora, pasados más de cinco años, interesa comprobar cuál es el papel del ciberactivismo en una sociedad convulsa, y cuál es la opinión de los ciberactivistas de entonces sobre la situación actual.
  • 94. 93 Diante de tal reação e de novos paradigmas e sujeitos de direito, é possível observar como a tecnologia se tornou essencial para a manutenção e melhoramento da democracia e como a formação da multiterritorialidade em rede e o fluxo de informação possuem um papel essencial no progresso da liberdade. 3.5 ALGORITMO DE BOLHA, O ANTOLHOS DA SOCIEDADE De fato, a formação de bolhas, à primeira vista, não representa nenhum mal, já que aproxima pessoas com visões, concepções e percepções semelhantes e gera mudanças significativas na realidade. Contudo, é possível observar, em uma segunda via, a formação de uma segregação baseada em objetos inerentes à personalidade humana, como as ideias, as visões políticas, as visões ideológicas, dentre outras, formando o que hoje chamamos de polarização. Antolhos é o nome que se dá ao acessório que se coloca no animal de montaria ou carga para limitar sua visão e forçá-lo a olhar apenas para a frente. Devido a esse acessório, o animal caminha apenas no sentido que o condutor direciona sua cabeça. Quando os usuários diariamente veem suas ideias e percepções serem afirmadas e reafirmadas pelos seus centros de interesses, pela sua bolha social e pelos outros usuários que se aproximam devido ao algoritmo, é perceptível um claro desequilíbrio pela ausência de um contraponto, de um debate ou de uma discussão, favorecendo o enraizamento de uma única e inflexível visão, efeito semelhante aos antolhos que se coloca em animais de montaria. John Stuart Mill, um grande filósofo defensor da liberdade e economista britânico, realça em suas ideias o valor do debate. Para ele, as pessoas, [...] na ausência de debate, não apenas se esquecem os fundamentos das opiniões, mas ainda, muito frequentemente, o próprio significado delas. As palavras que as exprimem cessam de sugerir ideias, ou sugerem só uma pequena parte das que originalmente se destinavam a comunicar. De uma concepção energética e de uma crença viva, sobram apenas umas poucas frases sabidas de cor, ou, se sobra mais, é a casca, o invólucro somente do significado, que se retém, perdendo-se a essência mais pura (MILL, 2019, p. 74). No mesmo sentido, Jhon Locke, importante filosofo inglês, ao discorrer sobre a opinião como ferramenta para se combater a guerra das religiões, afirma que
  • 95. 94 Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião (LOCKE, 1983, p. 27). Diante de um ambiente cada vez mais hostil aos que pensam diferente, onde a percepção uníssona, sem contraponto e sem debate se enraíza, é possível observar uma forma moderna do fenômeno da mídia hostil. De acordo com Vallone (1985), o fenômeno da mídia hostil foi um estudo 29 que buscava entender a percepção humana diante das notícias do massacre de Sabra e Chatila, a partir de seus posicionamentos pessoais. Para contextualizar a pesquisa, o massacre de Sabra e Chatila foi efetuado contra os refugiados civis palestinos e libaneses pe- la milícia cristã, como retaliação pelo assassinato do presidente eleito do país. O evento ocorreu nos campos palestinos de Sabra e Chatila, situados na periferia sul de Beirute, área que se encontrava então sob ocupação das forças armadas de Israel. Cada grupo culpou o outro pelo ataque; os Israelenses culparam os Libaneses e os Palestinos culparam os Israelenses. Dessa forma, os pesquisadores utilizaram a cobertura do massacre de Sabra e Chatila, feita pela imprensa, para analisar a percepção humana. Os pesquisadores apresentaram exatamente os mesmos noticiários para pessoas que se dividiam em três grupos: o primeiro grupo possuía opiniões neutras; o segundo grupo era pró- Israel e o terceiro grupo era pró-Árabe. Assim, O nosso objetivo era estudar as respostas dos observadores pró- árabes e pró-israelenses a uma amostra específica, bastante extensa e altamente absorvente de cobertura da mídia: determinar 29 Os sujeitos que participaram da pesquisa foram 144 alunos da Universidade de Stanford que tinham opiniões iniciais variadas sobre o Oriente Médio e foram recrutados em um período de 6 semanas após esses eventos, para participar de um "estudo da cobertura da mídia sobre o conflito no Líbano". Membros de associações estudantis pró-árabes e pró-israelenses foram recrutados especificamente para aumentar a amostra básica de alunos tirada de aulas introdutórias de psicologia. Antes de ver os segmentos de notícias gravados em vídeo, os participantes responderam a um questionário no qual avaliavam, entre outras coisas, seu conhecimento factual sobre o massacre de Beirute e seus antecedentes históricos. No estudo, foram utilizados seis segmentos de notícias da cobertura da televisão durante o período que começa com a mudança de Israel para o oeste de Beirute, em 15 de setembro de 1982. Esses seis segmentos de cobertura gravados em vídeo, foram apresentados em ordem cronológica, oferecendo 36 minutos dedicado quase exclusivamente ao massacre de Beirute e as questões da responsabilidade israelense pelas vítimas civis. Mais detalhes da pesquisa disponível em: < https://www.ssc.wisc.edu/~jpiliavi/965/hwang.pdf> Acesso em: 04 de jan. de 2021.
  • 96. 95 exatamente como as suas percepções e avaliações dessas apresentações na mídia diferiam, e como tais diferenças se relacionavam com as percepções do viés da mídia 30 (VALLONE, 1985, p. 579, tradução nossa). Os resultados da pesquisa revelaram que a consciência de certo fato resultou em diferentes vertentes de percepções, de acordo com as preferências pré- concebidas, como por exemplo, preferências políticas e ideológicas. Nesse sentido, os pesquisadores concluíram que o grupo de pessoas, “pró-árabes geralmente viam os programas como tendenciosos a favor de Israel”; já o grupo de pessoas “pró- israelenses viram os mesmos programas como tendenciosos contra Israel”; e o grupo de pessoas neutras “mantiveram pontos de vista sobre o viés da mídia que está a meio caminho entre os pontos de vista dos dois grupos”. Nota-se que assim como o fenômeno da mídia hostil em que a percepção de mundo se direciona de acordo com os conceitos pré-estabelecidos dos indivíduos, a bolha favorece o fortalecimento de uma percepção uníssona e desequilibrada do próprio indivíduo/usuário. Segundo Junior e Pellizzari (2019, p. 58), É possível afirmar que os usuários estão sendo levados a uma experiência de entropia que, para a psicologia social (MOUAMMAR; BOCCA, 2011, p.442), inspirada na segunda lei da termodinâmica da física moderna, se refere ao princípio de que, a cada novo ajustamento ou transformação na conduta social, a energia disponível para futuros ajustamentos declina cada vez mais, até um ponto em que todo o comportamento tornar-se-á estático. E o conceito de estático deve aqui ser compreendido como um legítimo confinamento virtual, no qual o algoritmo aprisiona os indivíduos em bolhas narcísicas, entre seus iguais. Necessário salientar que não foi a Sociedade da Informação quem criou a tendência gregária entre os humanos de procurarem seus similares, seus iguais para convívio, estreitamento dos laços sociais, partilha de visões de mundo ou ideologia. O que diferencia o momento atual é que esse confinamento virtual é conduzido pelo algoritmo. Ainda mais nocivos que o fenômeno da mídia hostil em que os indivíduos interpretam o mundo com base em suas visões e opiniões de modo inflexível, os algoritmos de bolha induzem os usuários a perderem o senso crítico e a reafirmarem 30 Our goal was to study the responses of pro-Arab and pro-Israeli observers to a specific, fairly extensive, and highly engrossing sample of media coverage: to dermine exactly how their perceptions and evaluations of these media presentations differed, and how such differences related to perceptions of media bias.
  • 97. 96 cada vez mais suas opiniões e percepções. Em consonância, Ribeiro (2018, p. 78) afirma que Grande parte do conteúdo que circula por esses sites é produzido por sites de notícia, mas o alcance das matérias depende principalmente dos usuários que decidem o que compartilhar com seus “amigos” e “seguidores”. A proliferação das chamadas notícias falsas está intimamente ligada a uma dinâmica de polarização da esfera pública que transforma o debate público num embate entre duas narrativas. Devido à ausência de um contraponto e até mesmo a indução de uma certa rivalidade entre os usuários que pertencem a grupos distintos, prevalece o ambiente perfeito para a disseminação das chamadas fake news, notícias criadas com o propósito de confundir, desinformar, difamar, caluniar e/ou injuriar aqueles que pensam diferente. Diante desse cenário próspero para a disseminação de fake news, em que a polarização dividiu as massas e suprimiu qualquer possibilidade de as pessoas discutirem ideias e debaterem questões de forma séria, a regulação através do Direito/jurisdição surgiu como uma proposta eficaz para lidar com tal problemática. Contudo, a questão é mais sensível do que aparenta ser, uma vez que a jurisdição trabalha com termos e concepções e, nesse sentido, pergunta-se: o que é fake news? Compreender o que é fake news e entender o “porquê” de sua regulação se tornou o objetivo dos centros de poder e será essencial para identificar qual é a função dos fluxos de informação em rede. É exatamente este o tema que será abordado no capítulo seguinte.
  • 98. 97 CAPÍTULO 4 – FAKE NEWS - DEFINIÇÕES E IMPLICAÇÕES 4.1 CONCEITUANDO FAKE NEWS “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Esta frase, em vários artigos, livros e publicações é atribuída a Joseph Goebbels (1897-1945), o Ministro da Propaganda do regime nazista. Não existem fontes que permitam confirmar a autoria de Goebbels em relação à frase 31 , contudo, ela representa a grande dificuldade proporcionada pela capilaridade da rede formada pela internet. Em uma sociedade moderna, em que grande parcela dos indivíduos de uma população possui acesso à rede, o disparo de notícias falsas acaba por se tornar “verdade”32 na boca do povo em questão de segundos, tornando sua disseminação nociva, especialmente nas multiterritorialidades humanas do ciberespaço, que compartilham informações em seus grupos de interesses. Diante desse novo desafio, as entidades jurídicas utilizam seu poder para tentar diminuir e controlar esse fluxo de informação entre os usuários, sendo que tais movimentos se tornaram uma das agendas prioritárias de alguns dos políticos, os principais afetados pelo fenômeno que vem se estendendo desde 2016 e os que mais veem o perigo de uma “ameaça totalitária” advinda do ciberespaço. Para entender melhor a respeito desse fenômeno, deve-se abordar suas origens e 31 Não existem fontes que permitam confirmar a autoria de Goebbels em relação a frase: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Contudo, um artigo da autoria do ministro nazista datado de 1941, se aproxima muito do conceito. No artigo, Goebbels acusa Churchill de usar a técnica da "grande mentira", onde a autoridade repetia certas mentiras ou meias verdades até que se “tornassem” as verdades compartilhadas pela boca do povo. De acordo com o Ministro Nazista; “O espantoso é que o Sr. Churchill, um genuíno John Bull, mantém suas mentiras, e de fato as repete até que ele mesmo acredite nelas. Esse é um velho truque inglês. O Sr. Churchill não precisa aperfeiçoá-lo, pois é uma das táticas familiares da política britânica, conhecida em todo o mundo. Eles fizeram bom uso do truque durante a Guerra Mundial, com a diferença que a opinião mundial acreditava na época, o que não pode ser dito hoje.” Fonte: “Aus Churchills Lügenfabrik,” Die Zeit ohne Beispiel (Munich: Zentralverlag der NSDAP, 1941), pp. 364-369. 32 Sabe-se que a discussão acerca da concepção da verdade é transcendental e histórica. Platão e Aristoteles concebiam a verdade como sendo a exata correspondência de um enunciado com a realidade da coisa por ele proferida. O rabino Jesus atrelou o conceito da verdade ao divino quando afirmou; “eu sou a verdade e a vida”. Tomás de Aquino dizia que a verdade é a adequação entre o intelecto e as coisas. Nota-se que a verdade é discutira em várias óticas diferentes, sobretudo através da filosofia. Os ilustres examinadores, ressaltaram a importância de estabelecer uma abordagem filosófica sobre a concepção da verdade para uma melhor análise sobre as fake news, contudo, na presente pesquisa, optou-se por limitar o debate acerca da concepção da verdade unicamente através de sua discussão sob a ótica política, uma vez que discorrer sobre a concepção filosófica sobre a verdade extenderia a presente pesquisa a níveis mais profundos, os quais, não seria possível abordar satisfatoriamente dentro do prazo estabelecido.
  • 99. 98 características. De acordo com Ribeiro (2018, p. 72), O conceito de “notícias falsas” é bastante disputado e não há, na literatura acadêmica ou no discurso jornalístico uma definição que seja amplamente aceita. Embora encontremos usos anteriores, foi na cobertura da eleição presidencial americana de 2016 que o termo se difundiu no seu sentido corrente. [...] A literatura hoje se divide entre os que defendem o uso deste conceito, forjado no debate político e na cobertura jornalística, e os que acham que ele é tão impreciso e leva a tantos mal-entendidos que seria melhor encontrar algum termo mais adequado. No mesmo sentido, Gelfert (2018, p. 85), em consonância com Ribeiro, destaca o quanto o termo fake news é controverso e necessita de esmerilhação. É, com certeza, bastante natural que um termo tão recente e controverso como fake news seja usado de uma variedade de maneiras (às vezes conflitantes), tornando assim a análise conceitual mais difícil. No entanto, se alguém sustentar que o termo se refere a um fenômeno distinto e identificável, é ainda mais importante tentar chegar a um entendimento conceitual com ele e, se necessário, propor uma definição que pode então ser refinada no curso do futuro debate acadêmico33 (tradução nossa). Diante de um termo deveras conflitante, posto que sua definição abre margem para diversos questionamentos, faz-se necessário pontuar que as fake news, apesar de sua relevância nas eleições americanas de 2016, não são exclusividade do presente século, sendo possível perceber sua evolução com o passar dos tempos. Apesar de ser difícil identificar com precisão sua origem, é possível observar sua “versão embrionária” para fins políticos ainda na República Romana, quando o general político Marco Antônio (83–30 a.C.), da gens Antônia, motivado por rumores e notícias falsas de que Cleópatra havia morrido, cometeu suicídio. Segundo Apoliana Pereira da Silva (2008, p. 160), Ao saber que Otávio estava rumando para Alexandria, Cleópatra mandou Cesário para outra cidade com seu tutor, Coptos. Cleópatra e Marco Antônio uniram suas cavalarias e, a princípio, conseguiram 33 It is, of course, quite natural that a term as recent and controversial as ‘fake news’ should be used in a variety of (sometimes conflicting) ways, thereby making conceptual analysis more difficult. However, if one holds that the term refers to a distinct and identifiable phenomenon, it is all the more important to attempt to come to conceptual grips with it and, if necessary, put forward a definition that can then be refined in the course of future scholarly debate.
  • 100. 99 conter as forças de Otávio. Porém, surgiram alguns rumores que Cleópatra estava morta. Desesperado, Marco Antônio decidiu se suicidar. Cleópatra, finalmente, percebendo que estava tudo perdido, tentando evitar a sua humilhação perante Roma, tentou seduzir Otávio. Ele resiste. Não tendo opções dignas, Cleópatra decidiu suicidar-se. Torna-se perceptível que, nos tempos da República Romana, os “rumores” que conduziam as políticas internas muito se assemelhavam ao que hoje chamamos de fake news. Ainda é possível observar, na República Romana, as fake news para fins eleitorais. Quintus Tullius Cícero (102 a.C.–43 a.C.), um político e general romano da gens Túlia, que atuou sob o comando de Júlio César durante as Guerras Gálicas, em uma de suas cartas a seu irmão Marcus Tullius Cícero (106–43 a.C.), intitulada como Commentariolum Petitionis ou "Pequeno comentário sobre eleições", articula algumas técnicas para garantir uma vitória em certames eleitorais. Suas articulações, apesar de terem sido realizadas há mais de dois milênios, são tão modernas quanto nunca. A começar pela publicidade e a propaganda que possuem uma ênfase especial durante toda sua obra, onde Cícero faz o seguinte comentário a respeito do alcance das notícias sobre a campanha: Você deve pensar constantemente em publicidade. Venho falando disso ao longo de toda esta carta, mas é vital que você use todos os seus recursos para espalhar a notícia da sua companha ao público mais amplo possível. Seu talento de orador é crucial, assim como o apoio daqueles que executam contratos públicos (CICERO, 2013, p. 110). A publicidade é uma importante ferramenta em uma campanha eleitoral, e desde aquela época, o alcance das campanhas eleitorais era de extrema importância. Elas buscavam alcançar as mais diversas centúrias, desde as classes plebeias até os aristocratas. Insta salientar que o objetivo das campanhas é justamente angariar o máximo de pessoas possível a seu favor. Na modernidade, por meio da capilaridade do território digital, a disseminação de campanhas e informações se tornou mais fácil, chegando ao alcance de milhões de pessoas das mais variadas camadas da sociedade, bastando apenas um ‘click’ para que as notícias se espalhem pelas mais diferentes multiterritorialidades humanas em rede. Para Cícero, o alcance da campanha era o ponto vital de uma vitória, não muito diferente de hoje. Contudo, o que chama a atenção na carta de Cícero (2013,
  • 101. 100 p. 113) é a seguinte afirmação a respeito de como um candidato deveria se referir a seus opositores: “Tampouco seria ruim fazê-las recordar que tipo de pilantras são seus inimigos e difamar esses homens em toda a oportunidade por meio de crimes, escândalos sexuais e corrupção que atraíram sobre si”. Observa-se, a partir do tratado, que não muito diferente dos dias atuais, as campanhas eleitorais eram munidas a partir da difamação do opositor, justamente o mesmo aspecto que tornou as fake news um incômodo no período eleitoral moderno, sobretudo para os políticos que participavam do pleito e reclamavam dos danos causados à sua honra e reputação. E é nesse momento que se indaga: qual o motivo da explosão de fake news no mundo a partir de meados do ano de 2016? Cícero (2013, p. 110), em seu tratado, já respondeu a essa pergunta, conforme sua supracitada ponderação: “[...] é vital que você use todos os seus recursos para espalhar a notícia da sua companha ao público mais amplo possível”. Como dito anteriormente, a ferramenta mais importante de uma campanha é a publicidade, isso se dá justamente devido a uma necessidade do candidato de espalhar e alcançar o máximo de pessoas possível com suas propostas e mensagens. Ocorre que, na modernidade, com o auxílio da rede mundial de computadores, espalhar as campanhas e as difamações que geralmente escoltam o palanque do discurso político, se tornou sobremodo fácil, devido à capilarização resultante do acesso à rede, por meio das TICs. 4.2 INFORMAÇÃO, FAKE NEWS OU DESINFORMAÇÃO? Como já exposto anteriormente, o ciberespaço é um local que se legitima por meio da comunicação em virtude da troca de informações entre os usuários. Nesse passo, inicia-se uma discussão epistemológica a respeito da informação. Como dito antes, a definição de fake news possui raízes problemáticas, uma vez que não há um consenso para sua definição. Diante disso, faz-se necessário entender o que é informação e o que é desinformação, para logo em seguida, compreender a concepção de fake news. De acordo com as concepções do filósofo italiano Luciano Floridi (2002, p. 123), a filosofia da informação é
  • 102. 101 [...] o campo filosófico preocupado com a investigação crítica da natureza conceitual e dos princípios básicos da informação, incluindo sua dinâmica, utilização e ciências, e a elaboração e aplicação de metodologias teóricas e computacionais de informação a problemas filosóficos34 (tradução nossa). Com relação ao ambiente da Filosofia da Informação, Floridi (2002, p. 138) afirma que “Sobre o seu ambiente, a Filosofia da Informação é determinante e legisla sobre o que pode ser contado como informação e como a informação deve ser adequadamente criada, processada, gerenciada e usada” (Tradução de Ripoll, 2020). Diante dessa apresentação, é possível afirmar que a Filosofia da Informação é a área da filosofia que produz conhecimento, com o objetivo de definir o que é uma informação e articular o uso, a criação, o gerenciamento e o processamento da informação de forma adequada. De acordo com Ripoll (2020, p. 223), Um dos pressupostos para o combate ou proteção das pessoas e grupos sociais contra o avanço da desinformação é a diferenciação entre a informação legítima e a falsa informação, ou má informação. Por isso, o conceito de informação, sendo rigoroso a este ponto, jamais poderia permitir a inclusão de informação falsa em seu escopo. Em seus estudos, Floridi faz uso de cinco grandes áreas da Filosofia da Informação para abordar dezoito grandes problemas vitais existentes a respeito da própria informação, sendo elas: Informação, semântica, inteligência, natureza e valores. Dessas cinco áreas citadas, a mais importante é a semântica que circunda a área de interesse ligada às fake news e o filósofo Floridi faz os seguintes questionamentos: “Como os dados adquirem significado? Como um dado com conteúdo adquire o valor de verdadeiro? A informação pode explicar a verdade? A informação pode explicar o significado?” (RIPOLL Apud FLORIDI, 2020, p. 220). Percebe-se, a partir dos problemas semânticos, que o valor da verdade é um dos grandes dilemas filosóficos da informação, sobretudo no que concerne ao como uma informação adquire o valor da verdade. Como dito anteriormente, ao citar Rezende (2015, s.n), os “Dados são os registros soltos, aleatórios, sem quaisquer 34 [...] the philosophical field concerned with the critical investigation of the conceptual nature and basic principles of information, including its dynamics, utilisation, and sciences, and the elaboration and application of information-theoretic and computational methodologies to philosophical problems.
  • 103. 102 análises”. Diante do conceito-base de dados, deve-se relembrar as falas de Cândido (2007, p. 16), ao afirmar que “Quando esta informação é trabalhada por pessoas ou recursos computacionais possibilitando a geração de novos cenários chamamos a isso de conhecimento [...]”. Com essa lógica, é possível assegurar que os dados são objetos essenciais para a formação das informações e as informações são objetos essenciais para a construção do conhecimento. Diante dessa disposição lógica de estruturação, pode-se dizer que, para que uma informação seja verdadeira, deve-se, a priori, ter um dado verdadeiro. De acordo com Floridi (2013, p. 104), em seu livro, The philosophy of information, Dados bem formados e significativos podem ser de baixa qualidade. Dados que estão incorretos (de alguma forma viciados por erros ou inconsistências), imprecisos (noções básicas sobre como medir a repetibilidade dos dados coletados) ou inacurados (precisão se refere a quão próximo o valor médio dos dados está do valor 'verdadeiro') ainda são dados, e muitas vezes são recuperáveis, mas, se não forem verdadeiros, só podem constituir desinformação35 (tradução nossa). A condição para que uma informação seja verdadeira depende unicamente do dado e não de sua decodificação. Dessa forma, Floridi entende que o conceito de informação é falho em sua neutralidade, ou seja, no valor da verdade. De acordo com o conceito de informação disseminado atualmente, esta acabaria por englobar tanto a informação quanto a desinformação dentro de seu conceito. De acordo com Ripoll (2020, p. 225), Mesmo sendo falsa, a desinformação possui um significado que pode ser apreendido e interpretado. Aí reside seu aspecto mais perigoso, aliás, a confusão entre significatividade e verdade. Buscando esclarecer possíveis confusões conceituais, é preciso ressaltar que o conteúdo (content) é uma característica dos dados mesmo antes de ser informação, e é por isso que a desinformação possui conteúdo semântico (detém significado em um vocabulário), mas, por não ser verdadeira factualmente, não corresponde a uma informação semântica. Ou seja, não corresponde realmente a uma informação. 35 Well-formed and meaningful data may be of poor quality. Data that are incorrect (somehow vitiated by errors or inconsistencies), imprecise (understanding precisions to how measure of the repetability of collected data) or inaccurate (accuracy refers to how close the avarage data value ins to the 'true" value) are still data, and they are often recoverable, but, if they are not truthful, they can only constitute misinformation.
  • 104. 103 Nota-se que a diferença entre uma informação e uma desinformação é o que se chama de verdade factual. Tal base remete justamente ao pensamento filosófico de Hannah Arendt em suas concepções filosóficas sobre a verdade diante da perspectiva política, em que a filósofa exalta a verdade factual. Os factos estão para além do acordo e do consentimento, e toda a discussão acerca deles - toda a troca de opiniões que se funda sobre uma informação exacta - em nada contribuirá para o seu estabelecimento. Pode-se discutir uma opinião importuna, rejeitá-la ou transigir com ela, mas os factos importunos têm a exasperante tenacidade que nada pode abalar a não ser as mentiras puras e simples. O aborrecido é que a verdade de facto, como toda a verdade, exige peremptoriamente o reconhecimento e recusa a discussão enquanto que a discussão constitui a própria essência da vida política (ARENDT, 1967, p. 13). Nesse ritmo de análise puramente filosófico, é possível observar que as notícias, por muitas vezes utilizarem dados inverídicos, se enquadram como desinformação. Nesse passo, conclui-se que a primeira característica das fake News é a ausência da verdade factual. Contudo, as notícias falsas não ganharam fama única e exclusivamente devido à sua falta de veracidade, mas pelos interesses escusos em sua disseminação para fins políticos. Dessa forma, é necessário voltar a atenção para a segunda característica presente nos moldes das fake News: a motivação e/ou finalidade. Para isso, deve-se observar Lawrence Martin-Bittman, que foi vice-chefe da divisão de desinformação da inteligência tcheca, que relata em seu livro The KGB and Soviet Disinformation: Desinformação não é reconhecida como uma palavra no dicionário do novo mundo do webster e, até recentemente, a imprensa americana evitava o termo e falava em ação de conversão ou, mais diretamente, "truque sujo". Na disputa etimológica sobre o significado, muitas pessoas rejeitam a "desinformação" em favor da "informação incorreta". O Dicionário Webster define desinformação como informação falsa ou enganosa baseada em erro ou ignorância. A grande enciclopédia soviética oficial define desinformação como "a divulgação (na imprensa, rádio, etc.) de informação falsa com o intuito de enganar a opinião pública". A interpretação é ligeiramente distorcida porque a opinião pública é apenas um dos alvos potenciais. Muitos jogos de desinformação são projetados apenas para manipular a elite decisora, e não recebem publicidade. A desinformação é um vazamento de mensagem falsa cuidadosamente construída para o sistema de comunicação de um oponente para enganar a elite que toma decisões ou o público. A desinformação pode ser de natureza política, econômica, militar ou mesmo
  • 105. 104 científica. Para ter sucesso, toda mensagem de desinformação deve corresponder, pelo menos parcialmente, à realidade ou aos pontos de vista geralmente aceitos, especialmente quando a vítima é um veterano experiente em tais práticas de propaganda36 (BITTMAN, 1985, p. 49, tradução nossa). Diante da concepção aplicável ao que concebemos como fake news atualmente, é possível pontuar que elas não passam de uma mera desinformação. As fake news cumprem um papel de manipulação do público para um fim específico e premeditado, como por exemplo, para fins eleitorais. Uma vez que o cenário político se encontra desgastado por escândalos de corrupção e o algoritmo de bolha tornou as pessoas incapazes de discutirem ideias, a desinformação encontrou o ambiente perfeito para prosperar em rede. Nesse passo, é possível definir de modo mais claro o termo fake news, como sendo notícias intencionalmente sem a verdade factual, maquiadas pela credibilidade de um ente, órgão, jornal, associação (Idem) e disseminada nas redes sociais como Twitter, Facebook, Whatsapp, etc, com propósitos específicos. A partir dessa definição, constata-se o quão difícil perfaz uma regulação para proibir a circulação dessas notícias. Trataremos disso, a seguir. 4.3 COMBATE ÀS FAKE NEWS – O PRETEXTO PARA A APROXIMAÇÃO DE UM MODELO DE CENSURA No Brasil, o fenômeno das fake news nas políticas eleitorais foi tão alardeado pela mídia, que no dia 04 de setembro de 2019, de acordo com o portal de notícias do Senado Federal, se instaurou a chamada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPMI) das fake news, que tem por objetivo investigar a criação de perfis falsos e ataques cibernéticos nas diversas redes sociais, com possível influência no processo eleitoral e debate público. Nesse sentido, é válido destacar o quanto a territorialidade 36 Disinformation is not recognized as a word in webster's new world dictionary, and until recently, the america press avoided the term and spoke of convert action or, more directly, "dirt tricks." In the etymological disputer over meaning, many people reject "disinformation" in favor of "misinformation". Webster's Dictionary defines misinformation as false or misleading information based on error or ignorance. The oficial great soviet encyclopedia defines desinformation as "the dissemination (in the press, radio, etc.) of false information with the intention to deceive public opinion." The interpretation is slightly distorted because public opinion is only one of the potetial targets. Many desinformation game are designed only to manipulate the decision-making elite, and receive no publicity. Disinformation is a carefully constructed false message leak into an oponent's communication system to decive the decisions-making elite or the public. Disinformation can be of political, economic, military or even scientific nature. To succeed, every disinformation message must at least partially correspond to reality or generally accepted views, especially when an intended victim is seasoned veteran of such propaganda practices.
  • 106. 105 em rede, por meio de seus usuários, e o mundo de vida estão diretamente ligados à origem das fake news, que resultaram em consequências, não só no sistema eleitoral, mas também no sistema jurídico/político do mundo de vida. Nesse sentido, é válido relembrar que, conforme pontuado no capitulo segundo da presente dissertação, a territorialidade em rede se forma a partir da comunicação entre os usuários. Esse movimento humano em rede de compartilhamento de informações, somado ao algoritimo de bolha que forma os centros de interesses, resulta em uma espécie de fenômeno da mídia hostil em rede, em que os usuários compartilham com seus semelhantes apenas aquilo que agrada às suas ideologias e pensamentos pré-concebidos, e isto quando não interpretam a notícia de forma tendenciosa. Esse fenômeno, que ocorre no ciberespaço por meio da territorialidade humana, tem gerado grandes debates no que tange à norma jurídica, visto que a linha entre liberdade de expressão, controle da rede, proteção de dados e censura, é muito tênue. O ciberespaço se firmou principalmente como um espaço de liberdade de expressão. Contudo, diante desses novos paradigmas proporcionados pelo fenômeno das fake news, a organização Freedomhouse percebeu novos movimentos políticos, que são subprodutos desse fenômeno, em que os agentes públicos, sob o discurso de combater às fake news, se aproveitam da situação para impor o autoritarismo e passar leis de controle da rede, com o intuito de inibir a livre expressão dos usuários. Devido a isso, a organização Freedomhouse, por meio do pesquisador Shahbaz (2018), emitiu o seguinte parecer: “Ao longo do ano, os autoritários usaram alegações de ‘notícias falsas’ e escândalos de dados como pretexto para se aproximar do modelo chinês”37 . Diante da nota emitida pela Freedomhouse, é perceptível que, apesar de a caça às bruxas das chamadas fake news se tornar até certo ponto necessária, e apesar de possuir uma motivação nobre, transformou-se no instrumento perfeito de controle dos fluxos, de perseguição e de censura política. Nesse sentido, Haesbaert (2011, p. 302), ao abordar os territórios rede, afirma: Como controlamos os fluxos? Não basta, sabermos muito bem estabelecer barreiras físicas do tipo paredes, muros, cercas, limites- fronteiras, embora estes continuem importantes e, em alguns casos, 37 Throughout the year, authoritarians used claims of ‘fake news’ and data scandals as a pretext to move closer to the China model.
  • 107. 106 como no controle de fluxos migratórios, decisivos. Os fluxos anteriormente dominantes eram principalmente fluxos materiais de pessoas e mercadorias. Hoje as relações de poder mais relevantes envolvem controle sobre fluxo de informações (ou de capitais fictício ‘informatizado’, como o que gira em torno de paraísos fiscais e bolsas de valores) [...]. Tal fato se confirma principalmente por meio das tentativas constantes de minar as garantias de proteção do usuário na rede, positivadas por meio da Lei nº 12.965/14 (BRASIL, 2014). A exemplo de tais tentativas, temos os projetos de lei (PLs) que tramitam/tramitavam acerca do tema que, por exemplo, propõem a exigência de utilização de cadastro de pessoa física (CPF) para usar WhatsApp (Senado Federal - Projeto de Lei nº 113, de 2020), ou até mesmo a criação de entidades verificadoras para avaliar o que é verdadeiro e o que é falso (Câmara dos Deputados - Projeto de Lei nº PL 1.429/20), que muito se assemelham ao modelo chinês de censura da internet conhecido como Great Firewall. É perceptível a mesma justificativa de “proteger a sociedade das informações erradas” na criação da Great Firewall chinesa. De acordo com Chandel (2019, p. 111), De acordo com a definição do governo chinês, a intenção por trás do Projeto Escudo Dourado é apenas filtrar e censurar informações erradas provenientes de fora da China para proteger a sociedade de sua influência. Desde o seu início, há duas décadas, o projeto evoluiu e se tornou um sistema altamente seguro e fortemente monitorado, que é muito bem descrito pelo termo "o Grande Firewall", pois fascina o resto do mundo38 (Tradução Nossa). A priori, tais medidas parecem inofensivas e até mesmo nobres. Contudo, o que começa como um simples controle para evitar a disseminação de falsas informações por Facebook, Twitter e Whatsapp, ou o controle do que é verdadeiro e do que é falso, caminha em direção à criação do que George Orwell chamava em seu romance “Distópico”, 1984, de “Ministério da verdade”. Segundo a trama, o Ministério da Verdade é o órgão responsável pela falsificação de documentos e literaturas do passado. Esses documentos sempre têm que condizer com o que o 38 According to the definition of the Chinese government, the intention behind the Golden Shield Project is only to filter and censor wrong information originating from outside of China to protect the society from its influence. From the time of its inception two decades ago, the project has evolved and turned into a highly secure, heavily monitored system which is very well described by the term, ‘the Great Firewall’ as it mesmerizes the rest of the world.
  • 108. 107 Partido afirma ser verdade no presente. Seguindo essa lógica, o Partido seria infalível aos olhos das pessoas, pois ele nunca erra e os documentos apresentados às pessoas atestam tal infalibilidade. A ficção não está muito distante da realidade quando se observa o que Shahbaz (2018) chama de “modelo Chinês e Russo de Censura à internet”, visto que ambos os países, Russia por meio da RuNet e China por meio da Great Firewall se interessam em expandir sua rede internet própria e interna para facilitar o controle dos fluxos de informação em seu território. No Brasil, alguns membros da CPMI buscam quebrar o sigilo de identidade dos perfis na rede, ignorando a proteção dos dados e dos pseudônimos sob o pretexto desses perfis não usarem uma identidade verdadeira e, consequentemente, estarem violando a proibição do anonimato. Tais resoluções propostas pela CPMI das fake news criam precedentes que dão base para a perseguição que “escapa” do mundo digital para a realidade. Precedentes são, de acordo com Larenz (1997, p. 611), “resoluções em que a mesma questão jurídica sobre a qual há que decidir novamente, já foi resolvida uma vez por um tribunal noutro caso”. Dito isso, é possível observar que os atos praticados pelas autoridades devem sempre seguir as mesmas resoluções. Uma vez que a proposição da regulação dos fluxos de rede causaria grande revolta à comunidade de usuários, os políticos intentam regular a rede por meio da criação dos precedentes, e da judicialização de causas relacionadas às fake News. Os políticos tentam a todo momento se imunizar de críticas e silenciar as pessoas que se manifestam na internet e cada vez mais buscam meios para tal. Nesse sentido, para auxiliar os estudos sobre a função social dos fluxos de informação, e consequentemente da liberdade de expressão em rede, realizou-se uma pesquisa com os termos “liberdade de expressão”, “fake news” e “notícia falsa”, na Plataforma Jusbrasil. Os resultados são demonstrados no GRÁFICO 1.
  • 109. 108 Gráfico 1. Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas às Fake News. Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil –Quem mais se engajou em movimentar peças processuais relacionadas às fake news - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº: 188. Os agentes mais engajados em mover peças processuais baseadas em fake News são as pessoas políticas, com 60% das causas catalogadas, seguidas das pessoas físicas, com 15%. Ainda é válido observar quem mais figurou como alvo das peças processuais. Vejamos no GRÁFICO 2. Gráfico 2. Quem mais figurou como alvo das peças proessuais. Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil –Quem mais figurou como alvo das peças processuais - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº: 188.
  • 110. 109 Observa-se que a maior parte dos alvos das peças processuais são pessoas políticas, representando 34%, seguidos de pessoas físicas, representando 15%. E, por fim, mas não menos importante, é necessário observar qual foi o resultado da ação quando um político movimentava as peças processuais. Gráfico 3. Resultado das peças. Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil – Resultado das peças - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº: 188. Nota-se que 65% das peças processuais movimentadas por políticos não prosperaram. É nessa anomalia que se encontra a grande dificuldade jurídica de controlar as fake News. Ao mesmo tempo que se deve garantir a liberdade de expressão é possível observar, sob o pretexto de se combater as fake news no âmbito eleitoral, a tentativa política de se aproximar do modelo chinês de censura da rede para inibir árduas críticas, incluindo aquelas cheias de palavras rudes ou de baixo calão. 4.3.1 Liberdade de expressão e censura A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. De acordo com Ulrich (apud CHOMSKY, 2016, p. 319), Se acredita na liberdade de expressão, acredita na liberdade de expressão para opiniões de que não gosta. Goebbels era a favor da liberdade de expressão das opiniões de que gostava tal como Stalin.
  • 111. 110 Se é a favor da liberdade de expressão, isso significa que é a favor da liberdade de expressão precisamente pelas opiniões que despreza.39 A definição de Chomsky retrata bem o que é liberdade de expressão, sendo este um direito que permite às pessoas manifestarem suas ideias e opiniões, sem medo de sofrer qualquer perseguição que seja justificada pela norma vigente. Nesse passo, a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 5º e 220 assim dispõe: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (BRASIL, 1988, p. 17-18). Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (BRASIL, 1988, p. 175). Nesse sentido, um Estado que garante a liberdade de expressão de seus cidadãos é aquele que luta contra qualquer tipo de censura e pune aqueles que intentam fazê-lo. Dessa forma, é oportuno pontuar a concepção de censura, que de acordo com o Dicionário Aurélio é: “1. Exame crítico de obras lirerárias ou artísticas; crítica. 2. V. repreensão” (FERREIRA, 2000, p. 144). Segundo o mesmo Dicionário, censurar é: “1. Exercer censura sobre (1). 2. Proibir a divulgação ou execução de” (FERREIRA, 2000, p. 144). É válido ainda pontuar que qualquer tipo de censura também implica em desinformação. Vejamos: Segundo o primeiro relato de Floridi (1996, 509), "a desinformação surge sempre que o processo de informação é defeituoso". A grosso modo, a desinformação ocorre se o conteúdo semântico for alterado em algum ponto do "seu ciclo de vida (criação, armazenamento, recuperação, actualização)" de uma forma que torna mais provável 39 If you believe in freedom of speech, you believe in freedom of speech for views you don’t like. Goebbels was in favor of freedom of speech for views he liked. So was Stalin. If you’re in favor of freedom of speech, that means you’re in favor of freedom of speech precisely for views you despise.
  • 112. 111 que as pessoas sejam induzidas ao erro. Este relato capta casos prototípicos de desinformação, tais como fraude, embustes e propaganda governamental. Mas, além disso, coisas como a censura são também desinformação sobre essa conta. Na verdade, Floridi (1996, 510) afirma mesmo que "cada forma de desinformação não precisa necessariamente de ser intencional". Assim, erros honestos, tais como o relatório erróneo do The Chicago Tribune que Dewey Defeats Truman em 1948, são desinformação por essa razão 40 (FALLIS Apud FLORIDI, 2011, p. 203). Nesse sentido, existem duas frentes tentando controlar os fluxos em rede: a frente privada e a frente estatal. Para iniciar a presente reflexão, é necessário entender o fim do equilíbrio da seção 230, da Communications Decency Act de 1996, do Congresso dos Estados Unidos; a lei, que segundo a electronic frontier foundation, é a mais importante relacionada à liberdade de expressão em rede. Nesse passo, é importante destacar que a lei é também o palco da mais recente polêmica envolvendo as redes sociais Facebook, Twitter e Google. A seção 230 assim determina: (c) Proteção para "Bom Samaritano" bloqueio e rastreio de material ofensivo. (1) Tratamento da editora ou do orador - Nenhum fornecedor ou utilizador de um serviço informático interativo será tratado como editor ou orador de qualquer informação fornecida por outro fornecedor de conteúdos informativos. (2) Responsabilidade civil - Nenhum fornecedor ou utilizador de um serviço informático interativo será responsabilizado por causa de... A) Qualquer ação voluntariamente tomada de boa fé para restringir o acesso ou a disponibilidade de material que o fornecedor ou utilizador considere obsceno, lascivo, imundo, excessivamente violento, assediante ou de outra forma censurável, quer esse material seja ou não constitucionalmente protegido; ou [...]. (CONGRESSO DOS ESTADOS UNIDOS, 1996, s.n). Resumidamente, se uma plataforma exerce a função de ser apenas o intermediário do conteúdo de terceiros, esta não será responsável por aquilo que o 40 According to Floridi’s (1996, 509) first account, “disinformation arises whenever the process of information is defective.” Roughly speaking, disinformation occurs if semantic content is altered at some point in “its lifecycle (creation, storage, retrieval, updating)” in a way that makes it more likely that people will be misled. This account captures prototypical instances of disinformation, such as fraud, hoaxes, and government propaganda. But in addition, things like censorship are also disinformation on this account. In fact, Floridi (1996, 510) even claims that “each form of disinformation need not necessarily be intentional.” Thus, honest mistakes, such as The Chicago Tribune’s erroneous report that “Dewey Defeats Truman” in 1948, are disinformation on this account.
  • 113. 112 terceiro publica em sua plataforma. Por exemplo, o Twitter e o Facebook, legalmente, não possuem responsabilidade por publicações de terceiros que venham a causar danos a outrem. De acordo com a Electronic Frontier Foundation - EFF (2020, s.n), Esta estrutura legal e política permitiu que os usuários do YouTube e Vimeo carreguem seus próprios vídeos, Amazon e Yelp para oferecer inúmeras avaliações de usuários, craigslist para hospedar anúncios classificados e Facebook e Twitter para oferecer redes sociais a centenas de milhões de usuários da Internet. Nesse sentido, uma vez que tais plataformas não exercem função editorial, apenas de intermediação, elas possuem imunidade legal para expor o conteúdo de terceiros e tomar a ação voluntária de boa-fé no que tange à censura de conteúdo considerado obsceno, lascivo, imundo, excessivamente violento, assediante ou de outra forma, censurável. A grande problemática, contudo, está no desequilíbrio que a presente seção vem enfrentando. Presume-se que tais plataformas, diante de tão importante função, qual seja, intermediar a publicação de conteúdos para milhões de pessoas, deve fazê-lo de forma neutra e imparcial. Porém, as diversas denúncias de perseguição apontam que as empresas estariam selecionando, limitando e suprimindo certos discursos, em função de diferenças ideológicas, com base na seção 230. Com isso, deixam de ser meras intermediárias e passam a exercer função editorial, impulsionando o conteúdo que lhes agrada e suprimindo o alcance de conteúdos que vão contra suas concepções. Nesse sentido, a Casa Branca emitiu o seguinte parecer: Como o título da seção 230(c) torna claro, a disposição prevê uma "proteção" de responsabilidade limitada a um fornecedor de um serviço informático interativo (tal como uma plataforma online) que se envolve no "bloqueio do bom samaritano" de conteúdos prejudiciais. Em particular, o Congresso procurou fornecer proteção a plataformas online que tentaram proteger menores de conteúdos nocivos e pretendeu assegurar que tais fornecedores não fossem desencorajados de retirar material nocivo. A disposição visava também promover a visão expressa do Congresso de que a Internet é um "fórum para uma verdadeira diversidade de discurso político". 47 U.S.C. 230(a) (3). As proteções limitadas previstas no estatuto devem ser interpretadas tendo em mente estes propósitos. Em particular, a alínea (c) (2) aborda expressamente as proteções contra a "responsabilidade civil" e especifica que um fornecedor de serviços informáticos interativos não pode ser responsabilizado "devido" à sua
  • 114. 113 decisão de "boa fé" de restringir o acesso a conteúdos que considere "obscenos, sensual, lascivos, imundos, excessivamente violentos, assediantes ou de outra forma censuráveis". É política dos Estados Unidos assegurar que, na medida máxima permitida pela lei, esta disposição não seja distorcida para fornecer protecção de responsabilidade para plataformas online que - longe de agirem de "boa fé" para remover conteúdos censuráveis - se envolvam em ações enganosas ou pretextuais (muitas vezes contrárias aos seus termos de serviço declarados) para abafar pontos de vista com os quais discordam. A seção 230 não se destinava a permitir que um punhado de empresas se transformasse em titãs controlando vias vitais para o nosso discurso nacional sob o pretexto de promover fóruns abertos ao debate, e depois fornecer imunidade geral a esses gigantes quando usam o seu poder para censurar conteúdos e silenciar pontos de vista de que não gostam. Quando um fornecedor de serviços informáticos interativos remove ou restringe o acesso ao conteúdo e as suas ações não cumprem os critérios da alínea (c) (2) (A), está empenhado na conduta editorial. É política dos Estados Unidos que tal fornecedor perca devidamente o escudo de responsabilidade limitada da alínea (c) (2) (A) e seja exposto a responsabilidade como qualquer editor e editora tradicional que não seja um fornecedor em linha (CASA BRANCA, 2020, p. s.n). Nesse passo, é perceptível que, em função da imunidade proporcionada pelo princípio do Good Samaritan’ Blocking, as gigantes da informação podem controlar os fluxos de informação que circulam em rede, sendo de grande importância, portanto, por meio deste estudo, entender qual é a função social dos fluxos de informação, para que a imunidade concedida pela seção 230 não seja violada por pessoas físicas ou jurídicas que detêm o poder dos grandes centros de poder como os governos e os oligopólios privados. Se por um lado existe os entes privados buscando controlar os fluxos em rede para realizar a supressão daquilo que não lhes agrada e moldar a opinião pública pelo engajamento de certos discursos, temos também a tentativa de controle da liberdade de expressão por meio da regulação estatal. Ora, uma vez que a liberdade de expressão é um direito fundamental e que a crítica à pessoa pública e à pessoa política é defendida pela lei, pergunta-se: como diferenciar, juridicamente, as falas, as ofensas e os repúdios (ainda que com palavras de baixo calão) proferidos por civis em rede, de uma fake news, sem violar a liberdade de expressão? Quem vai avaliar o que é e o que não é fake news? Nesse sentido, é importante salientar que, ser rude com pessoas públicas/políticas é um direito protegido pela liberdade de expressão, desde que não extrapole a legalidade e não cause danos.
  • 115. 114 A exemplo disso, temos a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF: 0029647-46.2015.8.07.0001, que discorre da seguinte forma: 3. As publicações veiculadas, ainda que deselegantes e exacerbadas, revelam-se como duras críticas à posição política do parlamentar, não traduzindo a intenção de macular direito de personalidade. (...) 5. Não se verifica abuso ao direito de liberdade de expressão a veiculação em redes sociais de publicações identificadas que manifestem repúdio a parlamentares, ainda que eivadas de palavras ásperas e de baixo calão, considerando o contexto acalorado em que tenha sido concebida e a restrição da opinião à atuação eminentemente política do parlamentar. 6. Publicações de opinião de rejeição à conduta do parlamentar constituem fatos corriqueiros da seara política, decorrentes da submissão ao julgamento público daqueles que atuam pautados no princípio da representatividade, portanto, sem a menor aptidão para atrair a proteção da inviolabilidade parlamentar, que pressupõe a injusta persecução deste por meio de processos e procedimentos estatais com vistas a impedi-lo de atuar e expressar sua opinião. 7. A inibição compulsória de manifestações de repúdio ao parlamentar, observada a inaptidão da opinião para causar lesão aos direitos de personalidade da pessoa pública, não se harmoniza com a democracia, sob pena de configurar censura (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, 2018, s.n). Já o TJ-SP, por meio da apelação cível 1019305-59.2016.8.26.0529, assim julga: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE. Inocorrência. Colisão entre princípios e direitos fundamentais que é resolvida segundo o critério da ponderação de valores. Autor que é pessoa pública e está mais sujeito a críticas do que o cidadão comum. Proteção à honra da pessoa pública que sofre mitigações. Danos morais não caracterizados. Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível 1019305- 59.2016.8.26.0529; Relator (a): Moacir Peres; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Público; Foro de Santana de Parnaíba - 1ª Vara Judicial; Data do Julgamento: 13/12/2018; Data de Registro: 13/12/2018) (7ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2018, s.n). Já na apelação cível 1001845-52.2016.8.26.0596, o TJ-SP assim julga: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - Autor que alega ter sido caluniado, injuriado e difamado pelo réu em rede social - Improcedência do pedido -Inconformismo - Desacolhimento - Aplicação do disposto no art. 252 do RITJSP - Autor que é figura pública, então candidato a Prefeito Municipal de Serrana - Postagens que têm cunho basicamente eleitoral considerando o atual cenário político do país - Inexistência de ofensa pessoal à honra do autor -
  • 116. 115 Sentença mantida - Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1001845-52.2016.8.26.0596; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Serrana - 1ª Vara; Data do Julgamento: 29/05/2018; Data de Registro: 29/05/2018) (5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2018, s.n). O TRE-SE, por meio do Recurso Eleitoral 060004355, assim afirma: RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. CARÁTER ELEITOREIRO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA CONFIGURADA. CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O regime democrático pressupõe a existência de ampla liberdade de manifestação, bem assim a possibilidade de se fiscalizar e criticar a gestão dos detentores de mandato eletivo. Assim, os gestores da coisa pública estão sujeitos a críticas sem que daí possa automaticamente ser extraído o intuito difamatório de quem as formula. 2. No entanto, a livre manifestação do pensamento não constitui direito de caráter absoluto e encontra limites na inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (art. 5º, X, da CF/88) – destacando que o Código Eleitoral, no art. 243, IX, dispõe que “não será tolerada propaganda que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública”. 3. Recurso desprovido ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, por unanimidade, em CONHECER e NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO Aracaju (SE), 06/10/2020 JUIZ RAYMUNDO ALMEIDA NETO – RELATOR (TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SERGIPE TRE-SE, 2020, s.n). Entretanto, há de se considerar que o movimento político e judicial nos últimos anos vem diminuindo a importância da liberdade de expressão coletiva, pilar da democracia, em detrimento de outros direitos individuais, ou seja, a classe judicial vem se movimentando no sentido de blindar a classe política das críticas. Oliva (2019), ao analisar decisões judiciais envolvendo liberdade de expressão na internet abarcando publicações humorísticas, concluiu que, Em síntese, a pesquisa desenvolvida confirmou as hipóteses de investigação: nos casos envolvendo conteúdos humorísticos na internet, a maioria das decisões analisadas admite a restrição à liberdade de expressão em favor de outros direitos, com o direito à honra e a imagem. Essa conclusão, inferida em números como os altos índices de deferimento de pedidos de indenização (71%, no caso de pessoas comuns, e 50%, no caso de políticos, ambos em segunda instância), atesta os riscos relativamente elevados de se fazer humor no Brasil (OLIVA, 2019, p. 40).
  • 117. 116 Vale ressaltar que o maior bem de um usuário da rede no ciberespaço, e um dos direitos fundamentais que lhe é garantido, é a sua liberdade de expressão, conforme art. 2º das Leis 12.965/14 e 13.709/18. A Lei 13.709/18 dispõe sobre a proteção de dados pessoais e a Lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Essas leis são o “norte” para as questões jurídicas que versam sobre direitos no que tange ao espaço digital. Nota-se no artigo 2º de cada uma das leis, 12.965/14 e 13.709/18, que a rede tem como um de seus fundamentos a liberdade de expressão. LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014. Art. 2º - A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: (BRASIL, 2014) LEI Nº 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018. Art. 2º - A disciplina da proteção de dados pessoais tem como fundamentos: III - a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião (BRASIL, 2014, p.1). Com o advento do fenômeno das fake news, é possível observar uma quebra na harmonia jurídica nacional, iniciando uma caçada constante de seus criadores e propagadores. Uma vez que não se tem um conceito satisfatório de fake News, criam-se precedentes perfeitos para as pessoas políticas censurarem e controlarem a liberdade de expressão em rede, por meio da remoção das notas de repúdio, das oposições e até mesmo das ofensas realizadas pelo cidadão em ambiente digital. Nesse sentido, é válido ressaltar a importância da cibercultura na relação entre a liberdade de expressão e a censura. Uma vez que o ciberespaço se firmou como um espaço livre para a manifestação do pensamento, que se estende a todas as camadas sociais e alcança quase todos os indivíduos da sociedade moderna devido à acessibilidade da internet, a visibilidade de algumas opiniões/críticas que até então estava fragmentada em alguns poucos indivíduos no contexto urbano, passaram a se encontrar mediante à visibilidade que a rede dá aos seus pensamentos.
  • 118. 117 Como exemplo dessa visibilidade que a cibercultura, por meio de seus usuários, dá às ideias que até então eram ignoradas, temos a ascenção do número de processos envolvendo conteúdos de humor crítico à política. Thiago Dias Oliva (2019), ao considerar as decisões judiciais envolvendo a liberdade de expressão na internet no que tange ao humor, descobriu que: Considerando o papel de relevância do humor na discussão de questões de interesse público e na formulação de críticas mordazes, sobretudo no campo da política, os resultados da pesquisa mostram- se preocupantes. A situação é especialmente problemática quando se consideram os pedidos formulados por membros da classe política, os quais, em decorrência do papel de relevância que exercem para a sociedade, deveriam ser mais tolerantes ao escrutínio público (OLIVA, 2019, p. 40). Nota-se que o movimento judicial tem minado a liberdade de expressão, fundamento da democracia, em detrimento de direitos individuais, como a honra ou a imagem, muitas vezes de políticos, criando-se mais precedentes que conduzem à censura. Temos mais evidências dessa intenção, no Pará, ocasião em que o governador Helder Barbalho, de acordo com matéria vinculada ao site da revista Época, sancionou e logo depois revogou uma lei que censurava informações envolvendo críticas às autoridades. Por mais que a sanção da lei tenha se dado por equívoco, segundo nota oficial, o simples fato de existir esse tipo de proposta em tramitação demonstra como há o interesse político no controle da liberdade de expressão em rede. Ainda é necessário ressaltar a atuação da Câmara e do Senado. É possível observar a tramitação constante de Projetos de Lei (PLs) que dão margem à supressão da crítica em rede, como por exemplo, o PL 2630/2020 (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020 e SENADO FEDERAL, 2020) que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, avançando com medidas que atentam diretamente contra a democracia em rede, sobretudo, a liberdade de expressão e a proteção de dados. Nota-se, por exemplo, no inteiro teor da PL 2630/20, em seu artigo 12, parágrafos primeiro e segundo, que para proteger a liberdade de expressão do usuário, o provedor de redes sociais deve estabelecer uma série de medidas para realizar a indisponibilização de conteúdos e contas que violam o dano de difícil reparação e a segurança da informação ou do usuário. Vejamos:
  • 119. 118 Art. 12. Os provedores de aplicação de internet submetidos a esta Lei devem garantir o direito de acesso à informação e à liberdade de expressão de seus usuários nos processos de elaboração e aplicação de seus termos de uso, disponibilizando mecanismos de recurso e devido processo. § 1º Em caso de denúncia ou de medida aplicada em função dos termos de uso das aplicações ou da presente Lei que recaia sobre conteúdos e contas em operação, o usuário deve ser notificado sobre a fundamentação, o processo de análise e a aplicação da medida, assim como sobre os prazos e procedimentos para sua contestação. § 2º Os provedores dispensarão a notificação aos usuários se verificarem risco: I – de dano imediato de difícil reparação; II – para a segurança da informação ou do usuário; § 3º Deve ser garantido pelo provedor o direito de o usuário recorrer da indisponibilização de conteúdos e contas. (CONGRESSO NACIONAL, 2020, p. 5). Além de não definir o que é o dano de difícil reparação e segurança da informação, percebe-se que o inciso I implica diretamente na possibilidade de grupos de usuários ligados por um centro de interesse, denunciarem certo conteúdo com base no dano imediato à imagem e honra de uma pessoa política e/ou pública com a qual simpatizam, forçando sua imediata remoção, sem prévia notificação. Indiretamente, por meio do inciso II, é visível o estabelecimento de um “embrião” de Ministério da Verdade, pois é dado à empresa o poder de determinar o que é um conteúdo seguro ou não. Aprofundando mais no romance de Orwell (1957), o “Ministério da Verdade” é descrito como órgão responsável pela falsificação de documentos e literatura que possam servir de referência ao passado, de forma que o referido órgão sempre condiga com o que o Partido diz ser verdade no presente. Todos os registros foram destruídos ou falsificados, todo livro reescrito, todo quadro repintado, toda estátua, rua e edifício rebatizado, toda data alterada. E o processo continua, dia a dia, minuto a minuto. A história parou. Nada existe, exceto um presente sem-fim no qual o Partido tem sempre razão. Eu sei, naturalmente, que o passado é falsificado, mas jamais me seria possível prová-lo, mesmo sendo eu o autor da falsificação. Depois de feito o serviço, não sobram provas. A única prova está dentro da minha cabeça, e não sei com certeza se outros seres humanos partilham minhas recordações. Apenas naquele caso, em minha vida toda, possuí prova real, concreta, depois do acontecimento... anos depois (ORWELL, 1957, p. 113).
  • 120. 119 No livro, a falsificação da verdade para se adequar às narrativas estatais do “Partido” é essencial para a sobrevivência de suas engrenagens. Nota-se que a partir do momento que a verdade é monopolizada por qualquer ente, seja estatal ou privado, como sugerido por vários PLs em tramitação, tem-se o perigo do crescimento do autoritarismo, e aquele que detém o poder de dizer o que é ou não é verdade domina direta ou indiretamente uma sociedade, sendo este o motivo de Hannah Arendt afirmar que a verdade é “odiada pelos tiranos”. Uma vez que se exclui o erro do processo de refinamento do senso crítico, impera a verdade absoluta do órgão verificador da verdade, de acordo com o romance de George Orwell. A mutabilidade do passado é o dogma central do Ingsoc. Argúe-se que os acontecimentos passados não têm existência objetiva, porém só sobrevivem em registros escritos e na memória humana. O passado é o que dizem os registros e as memórias. E como o Partido tem pleno controle de todos os registros, e igualmente do cérebro dos seus membros, segue-se que o passado é o que o Partido deseja que seja. Segue-se também que embora o passado seja alterável, jamais foi alterado num caso específico. Pois quando é reescrito na forma conveniente, a nova versão passa a ser o passado, e nada diferente pode ter existido. Isto se aplica mesmo quando, como acontece com frequência, o mesmo sucesso tem de ser alterado várias vezes no decurso de um ano. Todas as vezes o Partido é detentor da verdade absoluta, e claramente o absoluto não pode nunca ser diferente do que é agora, verse-a que o controle do passado depende, acima de tudo, do treino da memória (ORWELL, 1957, p. 156). Apesar de ser uma ficção, que à primeira vista parece distante, a China possui um modelo único de controle da rede, onde toda a informação, antes de chegar ao público, passa pelo crivo estatal. Conhecido como “Projeto Escudo Dourado”, o modelo de vigilância e de censura é operado pela divisão do Ministério da Segurança Pública (MSP) do governo chinês. Os países asiáticos geralmente dominam a lista de países que os Repórteres sem Fronteiras descrevem como "inimigos da internet". Sem dúvida, a China tem o melhor sistema aprimorado para monitorar e censurar a Internet, para restringir a dissidência e suprimir visões alternativas. Antes de 2003, as autoridades chinesas supervisionavam os cibercafés e os sites de notícias censuravam o conteúdo das salas de bate-papo e dos quadros de avisos e bloqueavam certos sites. Dada a impraticabilidade do monitoramento em massa da Internet, a China iniciou seu projeto Golden Shield, ou
  • 121. 120 o chamado Grande Firewall da China, em novembro de 2003 41 (NORRIS, 2009, p. 360, tradução nossa). Percebe-se, a partir da China, que o controle da verdade e da informação é de interesse público e estatal para firmar-se na relação de poder. Contudo, tal forma de dominação não é exclusiva do ente estatal, pois as corporações privadas também buscam se estabelecer no ramo do domínio da verdade. Nesse sentido, de acordo com o PL 2630/20, poderá o provedor de redes sociais, mediante sua interpretação do conteúdo, aplicar as chamadas “medidas de moderação”, ou indisponibilização de conteúdo ou conta, implicando em censura prévia, modelo de repressão da informação que teve origem no Ato Institucional n.º 5 (AI-5). De acordo com Reimão (2014, p. 77), A censura prévia, já anteriormente regulamentada para cinema, televisão, teatro, espetáculos públicos, música e rádio, e prática presente em várias revistas e jornais impressos se expandiu, e para a totalidade do mercado editorial depois da centralização do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), em Brasília. Verifica-se que, diferentemente do AI-5, o espaço no qual se busca analisar os conteúdos mudou, passando para o meio digital. Tais medidas pretendem o maior controle da rede e de seus usuários. Consequentemente, é perceptível a ascensão do autoritarismo fantasiado de uma luta pelo bem maior. Nesse passo, deve-se recordar John Stuart Mill, em seu livro “A Liberdade”: Quando se proíbe a propagação de um erro, não se arroga maior infalibilidade do que em qualquer outro ato da autoridade pública praticado sob o seu exclusivo critério e responsabilidade. O discernimento é dado aos homens para que o usem. Porque possa ser usado erroneamente, deve-se dizer-lhes que não o usem em absoluto? Quando, pois, eles proíbem o que consideram pernicioso, não pretendem que sejam isentos de erro, mas apenas cumprem o dever, que lhes incumbe, de agir segundo sua criteriosa convicção (MILL, 2019, p. 46). 41 Asian nations usually dominate the listo of countries that Reporters without Borders describes as “enemies of the internet”. China arguably has the best honed system for monitoring and censoring the internet to restrict dissidence and supress alternative views. Prior to 2003, the Chinese authorities supervised Internet cafés and News sites, censored chat room and bulletin board contente, and blocked certain web sites. Given the impracticality of mass monitoring of the internet, China began its Golden Shield Project, or so-called Great Firewall of China, in November 2003.
  • 122. 121 Observa-se que, segundo John Stuart Mill, o indivíduo tem o direito de analisar, avaliar e opinar sobre a notícia por si só, sem o auxílio de autoridades. Se a notícia é ou não falsa, ela não prosperará diante do que Mill chama de falibilidade, Floridi chama de confiabilidade e Popper chama de falseabilidade. Observa-se, também, que o homem possui o direito de errar em suas avaliações e opiniões e isso faz parte do processo de amadurecimento do senso crítico. Diante da problemática, é possível concluir que o aparato jurídico diante desse novo fenômeno que ocorre no território digital é frágil, podendo levar a um autoritarismo, por intermédio da violação dos direitos fundamentais. Nesse sentido, novamente faz-se necessário pontuar os pensamentos de Hannah Arendt ao discorrer sobre a Verdade e a Política. Considerada de um ponto de vista político, a verdade tem um carácter despótico. Ela é por isso odiada pelos tiranos, que temem, com razão, a concorrência de uma força coerciva que não podem monopolizar; e goza de um estatuto relativamente precário aos olhos dos governos que repousam sobre o consentimento e que dispensam a coerção (ARENDT, 1967, p. 13). Arendt (1967), em sua obra, constantemente aponta a má relação existente entre a verdade e a política. Na modernidade, o fluxo de informação, como já vimos com o filósofo Floridi, não pressupõe diretamente o fluxo da verdade, mas é possível afirmar que o fluxo constante de informações pressupõe a possibilidade de se abordar novas óticas, novos debates e pensamentos. Ao mesmo passo em que o ciberespaço se expande com as informações, a mídia tradicional enfraquece como única fonte de informação. É nesse momento que se encontra o porquê de os entes políticos, apesar de prezarem publicamente pela democracia, não possuem o mesmo apreço pela proteção da liberdade de expressão em rede. Pierre Lévy (2010), em seu livro “Cibercultura”, responde: Aqueles que veem no ciberespaço um perigo de totalitarismo estão basicamente cometendo um erro de diagnóstico. Por outro lado, repito que a televisão e a imprensa são instrumentos de manipulação e desinformação muito mais eficazes do que a internet, já que podem impor "uma" visão da realidade e proibir a resposta, a crítica e o confronto entre posições divergentes (LÉVY, 2010, p. 236).
  • 123. 122 Abstrai-se de Pierre Levy, que a mídia tradicional oferece informações engessadas, que podem facilmente ser manipuladas, uma vez que não gozam do fator “confronto”, diferentemente da rede que oferece um espaço para críticas e opiniões variadas. Nesse momento, deve-se aprofundar no que tange ao conceito estabelecido por Lévy em relação à máquina midiática tradicional para dar prosseguimento à discussão, uma vez que o ciberespaço como ferramenta de comunicação e informação tem minado o conceito tradicional da mídia como sendo o quarto poder. Assim, iniciam-se as pontuações a partir da origem do termo “quarto poder”, que segundo Geraldo Mainenti (2014, p. 49), Em 1828, de acordo com Daniel Boortein (1971: 124), surgiu a expressão “quarto poder”, em referência à imprensa. Um deputado do parlamento inglês, McCaulay, apontou para a galeria onde estavam sentados os jornalistas e gritou: “Fourth Estate!” (Quarto Poder). Nelson Traquina (2005: 46) afirma que McCaulay fazia menção ao quarto état (termo francês também usado em referência a poder), tendo como quadro de referência os três etats da Revolução Francesa: clero, nobreza e troisieme etat – que engloba a burguesia e o povo. No novo enquadramento da democracia, com o princípio de “poder controla poder”, a imprensa seria o “quarto” poder em relação aos outros três: executivo, legislativo e judiciário. Ressalta-se que, em sua frase, McCaulay eleva o status da mídia para muito além de uma simples máquina de comunicação de fatos. Para ele, a mídia atendia, acima de tudo, a uma finalidade social que a equiparava a um poder estatal. Sobre esse tema, Traquina (2005, p. 47) aborda de maneira eficaz, afirmando: Os jornais eram vistos como um meio de exprimir as queixas e injustiças individuais e como uma forma de assegurar a proteção contra a tirania insensível. Portanto, a legitimidade jornalística está na teoria democrática e, segundo os seus teóricos, assenta claramente numa postura de desconfiança (em relação ao poder) e numa cultura claramente adversarial entre jornalismo e poder. Considera-se que a mídia, para alguns dos pensadores da comunicação, possui em sua essência a investigação e a elucidação dos fatos, por meio do entrecruzamento de relatos, conhecimentos, crenças, opiniões e apreciações. Diante de tal observação, é possível, novamente, atentar-se para as reflexões de Hannah Arendt em relação à mídia, em que esta destaca a importância de o “quarto poder” não se contaminar com questões políticas e se manter fiel à verdade factual.
  • 124. 123 O facto de dizer a verdade de facto compreende muito mais que a informação quotidiana fornecida pelos jornalistas, ainda que sem eles nunca nos pudéssemos situar num mundo em mudança perpétua, e no sentido mais literal, não soubéssemos nunca onde estávamos. Isso é, certamente, da mais imediata importância política; mas se a imprensa se tornasse alguma vez realmente o «quarto poder» deveria ser protegida contra todo o governo e agressão social ainda mais cuidadosamente do que o é o poder judicial. Porque essa função política muito importante que consiste em divulgar a informação é exercida do exterior do domínio político propriamente dito; nenhuma acção nem nenhuma decisão política estão, ou deveriam estar, implicadas (ARENDT, 1967, p. 28). Contudo, a atividade da comunicação como, por exemplo, a jornalística, de forma objetiva e imparcial, aos moldes do século XIX, já não existe mais. Entra em cena o seguinte questionamento: por que Pierre Lévy subjuga a credibilidade da mídia tradicional na pós-modernidade, dizendo que é mais fácil manipulá-la do que manipular as informações da rede? Nesse sentido, evoca-se Marcondes Filho (2008, p. 65) para entender o que é manipulação. Manipular é contar as coisas à sua maneira: quando eu vou contar a briga que tive com minha mulher, descrevo os fatos da minha perspectiva, da maneira como eu a observo, naturalmente, sempre justificando minha atitude e minhas opiniões. Quando ela relata o mesmo fato, ela o faz virando a coisa para seu lado, dizendo como eu estou errado e como a perspectiva dela é a mais correta. Não existe nenhum que seja correto, se bem que alguém de fora, não envolvido comigo nem com ela, fará um terceiro julgamento, igualmente pessoal, distinto dos nossos, apenas menos viciado. Marcondes Filho (2008), ao discorrer sobre a manipulação, faz-nos perceber que a resposta está no formato da comunicação realizada pela mídia de massas considerada tradicional e no formato presente na comunicação do ciberespaço. Nesse sentido, destaca-se o que Pierre Lévy chama de universal totalizante. Ao abordar a mídia tradicional, o autor afirma (1999, p. 118): “uma vez que a mensagem midiática será lida, ouvida, vista por milhares ou milhões de pessoas dispersas, ela é composta de forma a encontrar o ‘denominador comum’ mental de seus destinatários”. No mesmo sentido, Castells (2019, p. 416) sustenta que
  • 125. 124 O sistema dominado pela TV poderia ser facilmente caracterizado como meio de comunicação de massa ou grande mídia. Uma mensagem similar era enviada ao mesmo tempo de alguns emissores centralizados para uma audiência de milhões de receptores. Desse modo, o conteúdo e formato das mensagens eram personalizados para o denominador comum mais baixo. A resposta ao questionamento realizado anteriormente é simples: a presença de “milhões de terceiros opinantes”. Nesse sentido, Lévy (2010, p. 231) afirma “Acrescentemos que é muito mais difícil executar manipulações em um espaço onde todos podem emitir mensagens e onde informações contraditórias podem confrontar- se do que em um sistema onde os centros emissores são controlados por uma minoria”. Diferentemente da mídia tradicional, que expõe os fatos e suas opiniões sem dar margem ao debate das mais variadas óticas, o ciberespaço oferece lugar para os usuários responderem, fazerem críticas e comentários, debaterem entre si suas opiniões como uma grande, mundial e moderna ágora. Esse é o motivo de a classe política não ter o mesmo apreço pela liberdade de expressão em rede: por ser mais difícil de controlá-la, devido ao seu aspecto orgânico de questionamento. A rede se firmou como o espaço da liberdade justamente devido ao seu ambiente favorável ao desenvolvimento do senso crítico, onde é possível as pessoas trocarem informação entre si, formando o que Lévy (2010) chama de Inteligência coletiva. Segundo o autor, Precisamente, o ideal mobilizador da informática não é mais a inteligência artificial (tornar uma máquina tão inteligente quanto, talvez mais inteligente que um homem), mas sim a inteligência coletiva, a saber, a valorização, a utilização otimizada e a criação de sinergia entre as competências, as imaginações e as energias intelectuais, qualquer que seja sua diversidade qualitativa e onde quer que esta se situe. [...]Com esse novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção e tratamento dos conhecimentos. Qualquer política de educação terá que levar isso em conta (LÉVY, 2010, p. 169). Observa-se que a inteligência coletiva é tratada por Lévy como uma grande memória ou inteligência compartilhada, em que cada indivíduo, em sua singularidade e através de meios eletrônicos, contribui para a construção do saber da humanidade e partilha seus conhecimentos com outras pessoas. Nesse sentido, é perceptível que a territorialidade em rede, ao integrar diversas opiniões em um mesmo espaço,
  • 126. 125 promove o compartilhamento de diferentes conhecimentos por intermédio de seus usuários. Dessa forma, sendo a comunicação parte essencial do constructo cultural, a inteligência coletiva proposta por Lévy (2010) resulta no que Haesbaert (2011, p. 205) chamou de “Hibridização cultural” ou “Hibridismo cultural”, em que o ciberespaço atua como agente indutor de uma nova cultura, originada da interação de diferentes indivíduos de distintas culturas. Nesse passo, como exemplo do uso da interação dos usuários, unidos por um mesmo interesse e engajados em desenvolver as atividades voltadas a um objetivo comum, temos o Foldit, um jogo de computador experimental sobre o dobramento de moléculas e proteínas, desenvolvido em colaboração entre a Universidade de Washington e o Departamento da Ciência da Computação, Engenharia e Bioquímica. Após diversas falhas no experimento dos cientistas em reunir a estrutura de uma enzima de proteínas semelhante à do HIV, o Dr. Firas Khatib, do Departamento de Bioquímica da Universidade de Washington, em Seattle, conduziu um estudo no qual os jogadores on-line do game Foldit resolveram, em três semanas, o problema relacionado à estrutura da enzima. Segundo Gray (2011, s.n), em uma matéria vinculada ao site da Universidade de Washington, Notavelmente, os jogadores geraram modelos bons o suficiente para os pesquisadores refinarem e, em poucos dias, determinarem a estrutura da enzima. Igualmente surpreendente, as superfícies da molécula se destacaram como alvos prováveis de drogas para desativar a enzima. "Esses recursos fornecem oportunidades estimulantes para o projeto de drogas retrovirais, incluindo drogas contra a AIDS", escreveram os autores de um artigo publicado em 18 de setembro na Nature Structural & Molecular Biology. Os cientistas e jogadores são listados como coautores42 (tradução nossa). Nota-se que a rede é capaz de mover os indivíduos para os mais variados objetivos, não só na dimensão científica e técnica, mas também no progresso social e na luta contra o autoritarismo. Como exemplo disso, conforme já citado anteriormente, em 2010 tivemos a Primavera Árabe, que segundo Soengas-Pérez (2001), foi uma onda revolucionária de manifestações e protestos que ocorreram no 42 Remarkably, the gamers generated models good enough for the researchers to refine and, within a few days, determine the enzyme's structure. Equally amazing, surfaces on the molecule stood out as likely targets for drugs to de-active the enzyme. "These features provide exciting opportunities for the design of retroviral drugs, including AIDS drugs," wrote the authors of a paper appearing Sept. 18 in Nature Structural & Molecular Biology. The scientists and gamers are listed as co-authors.
  • 127. 126 Oriente Médio e no Norte da África. Os protestos compartilharam técnicas de resistência civil em campanhas sustentadas por greves e manifestações, bem como pelo uso intenso das mídias sociais, como Facebook, Twitter e YouTube, para organizar, comunicar e sensibilizar a população e a comunidade internacional. Temos o movimento Ocupem Wall Street, em 2011, que segundo a Agência de Notícias Reuters (2011), iniciou com manifestação popular nos EUA, que ganhou grandes proporções no Twitter, permanecendo por dias como um dos assuntos mais comentados na rede. O movimento, por intermédio do Facebook, inspirou populares de diversas cidades ao redor do mundo a realizarem suas versões do movimento. Observam-se, também, os protestos da Praça Tahrir, em 2011, no Egito, contra o presidente Hosni Mubarak, que segundo Saleh (2011), reuniram primeiramente 15 mil pessoas, passando para 2 milhões mediante à repercussão nas redes sociais, resultando na renúncia do presidente, em 11 de fevereiro do respectivo ano, após trinta anos no poder. Igualmente, as manifestações de junho de 2013, que ficaram conhecidas no Brasil como “Jornadas de Junho”, iniciaram a partir dos atos contra o aumento de 20 centavos em passagens de ônibus e ganharam grandes proporções por meio das redes sociais, sobretudo com o “levantamento” de hashtags (#) no Twitter, para denunciar corrupções e gastos excessivos do Governo Federal na Copa do Mundo. Foram noticiados também: os Protestos de Ferguson, que ocorreram em 2014, nos EUA; a Revolução dos Guarda-Chuvas, que ocorreu em 2014, em Hong Kong; as Manifestações de 15 de março, que aconteceram no Brasil e muitos outros casos de manifestações que ganharam grandes proporções a partir das redes, proporcionando mudanças significativas nas áreas política, social e cultural. Constata-se que o território digital e suas multiterritorialidades humanas estão cada vez mais presentes no cotidiano, e por ser um novo paradigma que vem causando grandes mudanças na realidade cotidiana, pode-se afirmar que esse novo paradigma jurídico traz dificuldades na abordagem técnica, por ser de difícil ou impossível regulação, pelo enfrentamento de dilemas e anomalias jurídicas. Nota-se que, devido ao fato desses fluxos de informação estarem afetando diretamente a realidade material, sobretudo a dimensão política, a busca pelo controle da territorialidade humana em rede tornou-se agenda prioritária na atualidade, fato este que pode resultar em danos irreparáveis de controle e opressão.
  • 128. 127 A regulação da rede, como pontuado durante toda a dissertação, demonstra uma sensibilidade da norma jurídica, uma vez que ao regular a rede com o intuito de combater as fake news, pode-se com muita facilidade, subjugar os direitos fundamentais de liberdade de expressão, por meio da monopolização da verdade, seja por ente estatal ou privado. Assim sendo, observa-se que a ficção 1984 de George Orwell não é uma realidade distante, a exemplo da China. O projeto de controle da internet da China, segundo Qiang (2008), teve início em 1998 e em 2003. Primeiro foi introduzida a fase de aplicação prática e só em 2006 o projeto Golden Shield teve seu pleno funcionamento anunciado. Foram necessários oito anos para implementar o controle total da internet com um sistema eficiente de censura. No livro “A Liberdade”, John Stuart Mill descreve diversas concepções filosóficas, sendo que a discussão acerca das fake news muito tem a agregar, posto que Mill (2019) contemplou os limites da liberdade de expresão, mesmo que se tratasse de uma ideia errada. Nunca podemos estar seguros de que a opinião que procuramos sufocar, seja falsa; e, se estivéssemos seguros, sufocá-la seria ainda um mal. Primeiramente, a opinião que se tenta suprimir por meio da autoridade talvez seja verdadeira. Os que desejam suprimi-la negam, sem dúvida, a sua verdade, mas eles não são infalíveis. Não têm autoridade para decidir a questão por toda a humanidade, nem para excluir os outros das instâncias do julgamento. Negar ouvido a uma opinião porque se esteja certo de que é falsa, é presumir que a própria certeza seja o mesmo que certeza absoluta (MILL, 2019, p. 44). Ainda na época, John Stuart Mill defendeu o direito das pessoas de se expressarem, mesmo que estivessem absolutamente erradas, sendo que via na falibilidade a oportunidade da promoção do debate e, assim, evitar a ascensão de um dogma autoritário. Em parte de suas obras, o filósofo discorreu sobre a liberdade dos direitos individuais e seus desdobramentos. No mesmo sentido, John Locke (1978), ao tratar da tolerância religiosa, chega a afirmar que aquele que é cruel e implacável diante do outro devido às opiniões religiosas discordantes, não serve ao reino de Deus. Mas se alguém age contraditoriamente, pois enquanto é cruel e implacável para com os que discordam de sua opinião, tolera os
  • 129. 128 pecados e vícios morais que não condizem com a denominação de cristão -, não obstante toda a sua tagarelice acerca da Igreja, demonstra claramente que seu objetivo é outro reino, e não o reino de Deus (LOCKE, 1978, p. 4). É possível também observar a posição de Karl Popper (1966) no que ficou conhecido como paradoxo da tolerância, quando aborda como lidar com uma ideia intolerante. A tolerância ilimitada deve levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância com eles. — Nesta formulação, não quero dizer, por exemplo, que devemos sempre suprimir o enunciado de filosofias intolerantes; contanto que possamos rebatê-los por meio de argumentos racionais e mantê-los sob controle pela opinião pública, a supressão certamente seria muito imprudente43 (POPPER, 1966, p. 543). Como verificado, a tentativa estatal de suprimir as fake news, uma ideia intolerante ou qualquer outro tipo de expressão, pode ser um grande equívoco nas demais dimensões, uma vez que se cria precedentes que violam a liberdade de expressão como um todo. Nesse sentido, a tentativa constante de o ente público/privado dominar a rede como um instrumento de poder demonstra que os fluxos de informação, muito mais do que uma ferramenta de troca de informação, atende a uma função social a ser reconhecida e zelada pela sociedade. Para isso, faz-se necessário entender o que é função sob a ótica dos mais variados sociólogos, sobretudo Durkheim. 43 Unlimited tolerance must lead to the disappearance of tolerance. If we extend unlimited tolerance even to those who are intolerant, if we are not prepared to defend a tolerant society against the onslaught of the intolerant, then the tolerant will be destroyed, and tolerance with them. —In this formulation, I do not imply, for instance, that we should always suppress the utterance of intolerant philosophies; as long as we can counter them by rational argument and keep them in check by public opinion, suppression would certainly be most unwise.
  • 130. 129 CAPITULO 5 - FLUXOS DE INFORMAÇÃO E SUA FUNÇÃO SOCIAL EM UM TERRITÓRIO DE REDE 5.1 FUNÇÃO SOCIAL DOS FLUXOS DE INFORMAÇÃO A concepção de função social assume um papel importante na corrente funcionalista das Ciências Sociais, modelando o desenvolvimento de toda a análise. Resumindo, o funcionalismo é basicamente o estudo das funções dos fatos sociais e suas consequências. De acordo com Thomas Ford Hoult (1969), “Uma função social é a contribuição que um fenômeno provê a um sistema maior do que aquele ao qual o fenômeno faz parte”. Herbert Spencer, que junto de August Comte, deu base ao funcionalismo de Durkheim, dispôs a concepção de função a partir da analogia orgânica. Na perspectiva de Spencer, função designava o “porquê” de uma estrutura. De acordo com Lemos (2013, p. 178), Na esteira de tal visão, posteriormente, Herbert Spencer (1820- 1903), ao fazer uma analogia entre sociedade e organismo biológico, cunhou uma diferenciação que se tornou recorrente no campo das Ciências Sociais, o de estrutura significando configuração da totalidade social e o de função significando transformação. Já August Comte (2001), por meio da função, direcionou seus estudos para compreender a propriedade privada. Para o sociólogo, a propriedade e o proprietário cumpriam uma função perante a sociedade. O filósofo conclui que a função social da propriedade é o desenvolvimento de atividades voltadas para gerir o capital e produzir riqueza para a próxima geração. Este princípio universal deve certamente se estender à propriedade, em que o positivismo vê antes de tudo uma função social indispensável, destinada a formar e administrar o capital com o qual cada geração prepara o trabalho da seguinte44 (COMTE, 2001, p. 162, tradução nossa). Para Durkheim (1999, p. 13), além de representar um “sistema de movimentos vitais”, a função também obedecia a uma “relação de correspondência 44 Ce príncipe universel doit certainement s'étendre jusqu'à la propriété, où le positivisme voit surtout une indispensable fonction sociale, destinée à former et à administrer les capitaux par lesquels chaque génération prépare les travaux de la suivante.
  • 131. 130 que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo”, sendo esta última a que se procurava entender. Por sua vez, Bronisław Malinowski, um dos fundadores da Antropologia Britânica, em seu estudo das tribos Trobrianeses, no Pacífico Sul, buscou, de acordo com De Macedo (1998, p. 72), “explicar cada fato cultural em função de outras estruturas sociais mais abrangentes”, sendo conhecido por sua postura teleológica de explicar uma coisa em função de outra. De acordo com De Macedo (1998), para Malinowski, cada fato social possuía em si a função de satisfazer as necessidades humanas, como por exemplo, os rituais religiosos, que tinham a função de agradar ao desejo pela transcendência. Já a família possuía a função de reprodução; os símbolos econômicos possuíam a função de viabilizar o trabalho coletivo. De acordo com a biografia vinculada à base de dados NNDB de Alfred Reginald Radcliffe-Brown, (lembrado como pai do Funcionalismo Estrutural, e que, junto de Bronisław Malinowski é considerado cofundador da Antropologia Britânica), este desenvolveu a teoria estrutural-funcionalista do social, que se opôs ao funcionalismo de Bronisław Malinowski. Para o funcionalismo estrutural, a sociedade é uma entidade composta por instituições funcionalmente interdependentes. Conforme Oliveira (2014, p. 236), O Estrutural-funcionalismo enquanto uma escola antropológica surgiu em início do século XX muito em reação aos evolucionistas e difusionistas, rejeitando os seus modelos teóricos e analíticos, tendo como seu principal expoente Alfred R. Radcliffe-Brown. Distinguindo- se também do funcionalismo e sua abordagem teórica, a maneira de compreender as sociedades, construindo um modelo teórico e analítico partido da análise da estrutura social, entendendo a estrutura como sendo as relações sociais estabelecidas na sociedade, onde cada unidade funcional serve como uma espécie de sustentáculo social: a sociedade concebida como um todo orgânico no qual as partes se interligam para manutenção do sistema e da estrutura, está se relacionando diretamente com aquela. Portanto, conforme De Oliveira (2014), Radcliffe-Brown analisava o peso que a estrutura detém ou é determinante sobre o indivíduo. Ele utilizava a análise da estrutura social, análise da forma estrutural e o método comparativo para a realização de sua pesquisa. Após observar algumas concepções sociológicas, torna- se perceptível que o funcionalismo procura explicar aspectos da sociedade em
  • 132. 131 termos de funções. A partir da perspectiva funcionalista, pretende-se analisar a função do fluxo de informações para além de suas concepções primárias. Contudo, para discorrer sobre o conceito de função, antes é preciso entender o que é um fato social, e para isso, é necessário observar as concepções funcionalistas do sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês Émile Durkheim. Diante do exposto, evocam-se seus livros “As Regras do Método Sociológico” e “Da divisão do Trabalho Social”, em que o sociólogo buscou traçar a metodologia e a aplicação dessa concepção de função em um estudo sociológico. No livro “Da divisão do Trabalho Social”, por exemplo, Durkheim buscou encontrar a função social da divisão do trabalho e concluiu que tal fenômeno envolvia questões muito mais amplas do que simplesmente impulsionar a ascensão financeira e a produção de luxos. Para realizar tal análise de forma sólida e metodológica, Durkheim (2004) tinha a convicção de que o fato social era um elemento tão importante quanto um artifício físico e/ou biológico intrínseco à natureza humana, ou seja, os fenômenos sociais a serem analisados assumiram uma forma de exercer uma coerção, induzindo os sujeitos a procederem de uma certa forma. Para Durkheim (2004), o fato social poderia ser identificado com base na coerção social compulsória imposta a um único ou mais sujeitos. Resumidamente, só poderia ser considerado um fato social o acontecimento que contivesse: A Generalidade – o acontecimento que fosse identificado em todo o corpo social; A Exterioridade – um acontecimento que fosse exterior à vontade dos sujeitos; E a Coercitividade – um acontecimento que apresentasse uma força externa aos sujeitos e que lhes impusesse um comportamento em prejuízo das vontades individuais. Para Durkheim (2004, p. 38), “esses tipos de conduta ou de pensamentos não apenas são exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma força imperativa e coercitiva em virtude da qual se impõem a ele, quer queira, quer não”. Após compreender a divisão do trabalho como fato social, Durkheim descobriu que, muito além de gerar riquezas e luxos, a divisão do trabalho possuía uma função mais ampla, que resultava na solidariedade social e na integração em uma densidade populacional. Nesse sentido, serão caracterizados os fluxos de informação como fato social segundo a perspectiva teórica de Durkheim, ou seja, sua generalidade, exterioridade e sua coercitividade. Logo em seguida à análise, possuindo os fluxos de informação
  • 133. 132 as três principais características, será possível pesquisar o fato social sob a perspectiva da sociologia jurídica, por meio das Ciências Sociais Aplicadas. Nesse sentido, será possível observar como esse fato social e sua função se comportam diante das regulamentações impostas pelos centros de poder, por meio do Direito em relação à limitação de seus fluxos. 5.1.1 Generalidade do fluxo de informações digitais Como dito anteriormente, um dos elementos necessários para se identificar um fato social é a generalidade. De acordo com Durkheim (2010, p. 8), Ele está em cada parte porque está no todo, o que é diferente de estar no todo por estar nas partes. Isso é sobretudo evidente nas crenças e práticas, que nos são transmitidas inteiramente prontas pelas gerações anteriores; recebemo-las e adotamo-las porque, sendo ao mesmo tempo uma obra coletiva e uma obra secular, elas estão investidas de uma particular autoridade que a educação nos ensinou a reconhecer e a respeitar. Nas concepções mais simplórias, generalidade é uma característica que se estende para um grande grupo de indivíduos ou mesmo para a totalidade de uma dada sociedade. De acordo com Castells (2019), na sociedade moderna, a mente humana tornou-se uma força de produção direta, através dos fluxos de informação no meio digital, por meio dos computadores, sistemas de decodificação e programação. Diante desse cenário, Castells (2019, p. 135) afirma que, Ao transformarem os processos de processamento da informação, as novas tecnologias da informação agem sobre todos os domínios da atividade humana e possibilitam o estabelecimento de conexões infinitas entre diferentes domínios, assim como entre os elementos e agentes de tais atividades. Nota-se que, ao figurar como elemento essencial em todas as atividades humanas modernas, por estar presente nos principais instrumentos da sociedade como, por exemplo, o trabalho, os fluxos de informação, assim como concebidos por Durkheim (2010), são gerais, porque estão no todo e, consequentemente, em cada parte.
  • 134. 133 Ao utilizar os fluxos de informação digital para as mais variadas atividades modernas e nas mais variadas dimensões humanas (desde o trabalho até as interações sociais), é possível afirmar que os fluxos de informação alcançaram o que Durkheim definiu como generalidade. Pode-se observar, por exemplo, que a União Internacional de Telecomunicações, uma agência especializada da ONU, estimou que 3,2 bilhões de pessoas estariam utilizando a internet até 2015. Conforme Sanou (2015, p. 01), Em 2015, havia mais de 7 bilhões de assinaturas de celulares móveis em todo o mundo, ante menos de 1 bilhão em 2000. Globalmente, 3,2 bilhões de pessoas estão usando a Internet, das quais 2 bilhões são de países em desenvolvimento. As TICs terão um papel ainda mais significativo na agenda de desenvolvimento pós-2015 e no alcance das metas futuras de desenvolvimento sustentável, na medida em que o mundo se move cada vez mais rápido em direção a uma sociedade digital45 (tradução nossa). Com esse fato, pode-se identificar a generalidade dos fluxos de informação, posto que a internet é acessada pela metade da população global por meio das mais variadas TICs, além de ser utilizada para diferentes finalidades. Não apenas na quantidade de indivíduos/coletivos acessando os fluxos de informação que se pode identificar a generalidade, mas também é possível observar o seu envolvimento com o espaço em rede. Nesse sentido, de acordo com o site DataReportal, especializado em dados, em parceria com a Kepios, com a Hootsuite e com a We Are Social, identificou-se que o engajamento dos usuários em rede tem aumentado, conforme o Relatório Digital outubro de 2020 – Global Statshot. Mais de 4 bilhões de pessoas em todo o mundo usam agora as mídias sociais a cada mês, e uma média de quase 2 milhões de novos usuários estão se juntando a elas todos os dias. O mundo também está gastando mais tempo com as mídias sociais, com o usuário típico passando agora cerca de 15% de sua vida acordada usando plataformas sociais46 (KEMP, 2020, s.n, tradução nossa). 45 In 2015 there are more than 7 billion mobile cellular subscriptions worldwide, up from less than 1 billion in 2000. Globally 3.2 billion people are using the Internet of which 2 billion are from developing countries. ICTs will play an even more significant role in the post 2015 development agenda and in achieving future sustainable development goals as the world moves faster and faster towards a digital society. 46 More than 4 billion people around the world now use social media each month, and an average of nearly 2 million new users are joining them every day. The world is spending more time on social media too, with the typical user now spending roughly 15 percent of their waking life using social platforms.
  • 135. 134 Percebe-se que, muito além da quantidade de adesão aos fluxos de informação, o engajamento dos usuários também tem aumentado globalmente, demonstrando que não se trata de um fenômeno passageiro, mas de um fato social que interfere diretamente nos rumos da sociedade. Nesse passo, é possível analisar a exterioridade dos fluxos de informação. Compreender a função social dos fluxos de informação no ciberespaço é uma das das pretensões deste estudo. Uma vez que boa parte da população já possui acesso às redes sociais, se comunica e compartilha suas opiniões por meio dessas ferramentas, torna-se possível observar que estudar tais fluxos sem levar em consideração sua função no denvolvimento da liberdade pode gerar consequências que induzem ao autoritarismo. A generalidade é um dos aspectos que torna a função social sensível a qualquer tipo de regulação ou controle forçado de seu movimento, posto que os atores vinculados a partir deste não afetam apenas um indivíduo, mas toda a coletividade. 5.1.2 Exterioridade do fluxo de informações digitais A exterioridade, em sua concepção mais simples, também constitui um elemento para se identificar um fato social e pode ser vista como a independência do fenômeno em relação à ação individual. Segundo Durkheim (2007, p. 02), O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha profissão, etc. funcionam independentemente do uso que faço deles. Que se tomem um a um todos os membros de que é composta a sociedade; o que precede poderá ser repetido a propósito de cada um deles. Eis aí, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais. Observa-se, sob a concepção de exterioridade de Durkheim, que os fatos sociais ocorrem de forma independente da ação individual, ou seja, são exteriores ao indivíduo porque não dependem de sua vontade ou de sua adesão. Nesse passo, os fluxos de informação, assim como o sistema de moedas, os instrumentos de créditos, as práticas comerciais, dentre outros, funcionam independentemente da adesão do indivíduo. Aliás, o que seriam os fluxos de informação em meio digital se não fosse a otimização do processo de comunicação, que por si só, já é exterior aos
  • 136. 135 indivíduos? Independentemente da forma, os indivíduos de uma sociedade continuarão trocando informações e se comunicando, e tal processo não depende da adesão individual, pois faz parte do processo evolutivo e permanecerá fluindo no espaço e no tempo por meio do corpo social, que irá, cada vez mais, procurar meios para otimizar ainda mais tal processo. Uma vez que a tecnologia alcançou as estruturas sociais, como a política, o trabalho e as relações sociais, como aparato essencial para executar tais atividades, é plenamente possível afirmar que os fluxos de informação em rede se enquadram como um fato social que possui a exterioridade. Nesse sentido, quando o indivíduo nasce, a sociedade já está organizada, com suas leis, seus padrões, seu sistema financeiro, etc. Cabe ao indivíduo aprender a lidar com tais dinâmicas. Dessa forma, a Educação (em seu modelo coercitivo) surge como um bom identificador da exterioridade de um determinado fato social, posto que sua função é conduzir o indivíduo a se adequar aos aspectos de uma sociedade. Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pos não fui eu que os fiz, mas os recebi pela educação (DURKHEIM, 2007, p. 1-2). Nesse sentido, uma vez introduzidas as TICs na sociedade e tendo estas integrado à centralidade de quase todas as atividades humanas, é possível observar o papel da Educação em inserir os indivíduos na tecnologia. Conforme afirma De Almeida (2008, p. 26), Em 1983, a Secretaria Especial de Informática – SEI do governo do Brasil estruturou a Comissão Especial de Informática na Educação, a partir de seminários nacionais realizados nos anos de 1981 e 1982, promovidos em conjunto com o Ministério da Educação – MEC, e que contaram com a participação da comunidade científica, a qual recomendou a realização de experimentos piloto com a finalidade de criar referências para uma adequada utilização, antecedendo a disseminação massiva. O primeiro programa de informática na educação do Brasil, Projeto EDUCOM – Educação com Computador, implementado em 1984 pelo MEC, promoveu a criação de centros- piloto em cinco universidades públicas brasileiras, com a finalidade de realizar pesquisa multidisciplinar e capacitar recursos humanos
  • 137. 136 para subsidiar a decisão de informatização da educação pública brasileira. Observando a história do desenvolvimento da telecomunicação e da rede de internet no Brasil, é possível afirmar que a Educação foi essencial para o desenvolvimento da rede brasileira, por meio da formação de técnicos e engenheiros da informática. Nesse passo, o que antes era visto como um marco histórico da informação, hoje comumente vemos como aulas de informática, que educam e moldam os novos indivíduos para se locomoverem pelos fluxos de informação em rede. Nesse sentido, conforme Luciana Alvarez (2014, s.n), em matéria vinculada à Revista Educação, Para crianças que só conheceram um mundo onde computadores, celulares e outros eletrônicos que estão espalhados por toda parte, usar a tecnologia é algo que aprendem tão facilmente quanto usar roupas ou talheres. Elas manipulam esses objetos com desenvoltura, pois eles fazem parte de um aprendizado da vida em sociedade, da cultura onde estão imersas. Sem precisar dispensar esforços para tornar as crianças exímias usuárias da tecnologia, as escolas vinham até recentemente se preocupando em mostrar como usá-la de forma produtiva e com visão crítica. Cada vez mais instituições, no entanto, passaram a enveredar por um caminho diferente e a integrar em seus currículos o ensino de alguma forma de programação. É um tipo de aprendizado que permite que elas sejam não apenas consumidoras de tecnologia, mas também produtoras. Os defensores do ensino de programação, que têm aumentado em escala global, argumentam que o aprendizado dessa linguagem ajuda na autonomia na hora de resolver problemas, incentiva o trabalho colaborativo e aumenta a capacidade de pensar de forma sistematizada e criativa. Portanto, a Educação é um dos indicadores mais claros da exterioridade. O ensino da programação, por exemplo, tem se tornado uma grande tendência, demonstrando que, diante de uma exigência cada vez maior do desenvolvimento das tecnologias da Informação e comunicação, os novos indivíduos precisam ser ensinados a se portar diante de um sistema de normas e costumes já construído. Nesse sentido, é válido pontuar que a ação deficitária da Educação em prover recursos para que o indivído se adeque ao meio digital pode resultar na chamada “Exclusão digital”, conforme Marcus Almeida e Maria Freitas (2013, p. 108) afirmam:
  • 138. 137 Um parceiro importante no combate à exclusão digital é a educação. A educação é um processo e a inclusão digital é um elemento essencial deste processo. Instituições de ensino, tanto públicas como particulares, devem contribuir para o aprendizado e interação dos cidadãos com as novas tecnologias, sendo para isso necessária a atuação governamental e da própria sociedade. Também é importante ressaltar que o núcleo familiar, ao dar plena liberdade dos novos indivíduos de “vagar” pelas redes, também exerce um papel de introduzi- los nos fluxos de informação, orientando os filhos sobre como se portar e agir. Segundo a NIC.BR (2020a, s.n), A maior parte dos pais e responsáveis (80%) diz que conversa sobre o que as crianças e adolescentes fazem na internet; 77% dizem que ensinam jeitos de usar a rede social com segurança; e, 57%, que sentam junto com eles enquanto usam a internet, falando ou participando do que estão fazendo. Nota-se que, sendo a Educação instrumento social de formação de novos cidadãos, é plenamente viável afirmar que, ao cumprir seu papel de introduzir os novos cidadãos às normas, leis e regras de convivências, inclusive nos meios digitais, esta também (além do núcleo familiar) exerce a exterioridade dos fluxos de informação. Nesse sentido, faz-se necessário compreender a coercitividade, uma vez que constitui a mais importante e imponente característica de um fato social. 5.1.3 Coercitividade dos fluxos de informações digitais Para identificar um fato social é necessário também identificar o que Durkheim chamou de coercitividade, que para o sociólogo é a característica relacionada com o poder que um fato social tem de se impor aos indivíduos que integram uma determinada sociedade, obrigando-os a cumprir determinados costumes. Nesse passo, Durkheim (2010, p. 09) afirma que: Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência.
  • 139. 138 A coercitividade dos fluxos de informação digital é visível, sobretudo no tocante à sua presença nas estruturas de uma sociedade. Segundo Castells (2019, p. 124), “como a informação é uma parte integral de toda atividade humana, todos os processos de nossa existência individual e coletiva são diretamente moldados (embora, com certeza, não determinados) pelo novo meio tecnológico”. Além disso, Castells (2019) ressalta que devido ao fato de a informação ser integrante de todas as atividades humanas, o novo meio tecnológico afeta diretamente uma de suas principais estruturas, o trabalho. O processo de trabalho situa-se no cerne da estrutura social. A transformação tecnológica e administrativa do trabalho e das relações produtivas dentro e em torno da empresa emergente em rede é o principal instrumento por meio do qual o paradigma informacional e o processo de globalização afetam a sociedade em geral (CASTELLS, 2019, p. 267). Uma vez que as tecnologias da informação se tornaram fundamentais nas atividades humanas, sobretudo nas estruturas sociais como o trabalho, é visível seu elemento coercitivo, já que aqueles que não se atualizam e/ou acompanham sua crescente evolução, se tornam “obsoletos” para o mercado em uma sociedade, e consequentemente, aqueles que não aderem ao novo paradigma são isolados do meio social. Nesse sentido, Durkheim, ao tratar da coercitividade, se utilizou justamente das relações sociais e do trabalho como um dos melhores indicadores da coerção social. Ademais, a coerção, mesmo sendo apenas indireta, continua sendo eficaz. Não sou obrigado a falar francês com meus compatriotas, nem a empregar as moedas legais; mas é impossível agir de outro modo. Se eu quisesse escapar a essa necessidade, minha tentativa fracassaria miseravelmente. Industrial, nada me proíbe de trabalhar apenas com procedimentos e métodos do século passado; mas, se o fizer, é certo que me arruinarei (DURKHEIM, 2007, p. 3). Os fluxos de informação ocuparam a centralidade das atividades humanas, sobretudo o instrumento social do trabalho, como já exposto anteriormente pelos escritos de Castells (2019). Nesse sentido, valendo-se das afirmações de Durkheim ao abordar a coerção dos procedimentos e métodos do trabalho industrial, é perceptível que, o indivíduo que não atualiza seus conhecimentos e/ou não participa ativamente dos fluxos de informação, torna-se obsoleto, sendo forçado a participar.
  • 140. 139 Assim, é válido pontuar que, no caso dos fluxos de informação, sendo fato que estes ocuparam a centralidade das atividades humanas, pode-se constatar que o indivíduo que se torna obsoleto não só é afastado do meio industrial e do meio de produção, é também esquecido e afastado do seu meio social. Nesse sentido, assim como Dhurkeim, é possível afirmar que nada proíbe um indivíduo de não saber utilizar as TICs para acessar os fluxos de informação; mas, se o fizer, é certo que será prejudicado ou nada proíbe um indivíduo de não ter redes sociais; mas, se o fizer, é certo que será prejudicado em suas relações. Portanto, os fluxos de informação apresentam as três características básicas do fato social: a generalidade – por ter se tornado centro das atividades humanas, os fluxos de informação estão presentes em todo o corpo social; a exterioridade – por meio da Educação, o indíviduo é conduzido a se comportar e a aderir aos fluxos de informação; a coercitividade – por meio da centralidade das atividades humanas, aquele que se torna obsoleto diante do uso dos fluxos de informação é “descartado” pelo utilitarismo social. Com a identificação da generalidade, da exterioridade e da coercitividade dos fluxos de informação é possível analisar a função social dos fluxos de informação. 5.2 FUNÇÃO SOCIAL E A CONCEPÇÃO DE DURKHEIM Uma vez que os fluxos de informação digital presentes no território e na territorialidade do ciberespaço possuem a generalidade, a coercitividade e a exterioridade, é possível afirmar que se trata de um fato social. Nesse sentido, deve- se entender o que Durkheim concebe a respeito de função social em sua obra da divisão do trabalho social, na qual o sociólogo procura demonstrar que além de gerar riquezas, a divisão do trabalho possui a função de gerar a coesão social e a solidariedade. O sociólogo explica do que se trata o conceito: A palavra função é empregada de duas maneiras bastante diferentes. Ora designa um sistema de movimentos vitais, fazendo-se abstração das suas consequências, ora exprime a relação de correspondência que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo. Assim, fala-se da função de digestão, de respiração, etc.; mas também se diz que a digestão tem por função presidir a incorporação no organismo das substâncias
  • 141. 140 líquidas ou sólidas destinadas a reparar suas perdas; que a respiração tem por função introduzir nos tecidos do animal os gases necessários à manutenção da vida, etc. E nessa segunda acepção que entendemos a palavra. Perguntar-se qual é a função da divisão do trabalho e, portanto, procurar a que necessidade ela corresponde; quando tivermos resolvido essa questão, poderemos ver se essa necessidade e da mesma natureza que aquelas a que correspondem outras regras de conduta cujo caráter moral não é discutido (DURKHEIM, 1999 p. 13). Durkheim identificou, limitando sua pesquisa sob a perspectiva da função, que a divisão do trabalho não tinha apenas a função de produzir mais em menos tempo, mas também, de integrar a sociedade de forma harmônica em uma mesma densidade, resultando no que ele chamou de coesão social. Utilizando o instrumental de Durkheim, esta dissertação investiga a função social dos fluxos de informação presentes no território e na territorialidade do ciberespaço. Esta análise será delimitada sob a perspectiva do valor da informação na sociedade moderna, sobretudo por meio da análise jurídica relacionada aos escândalos ligados às tentativas constantes de se regular a rede judicialmente, por meio do combate às fake news. De acordo com Lévy (2010), as principais funções do ciberespaço são: o acesso à distância aos diversos recursos de um computador e a transferência de dados e a troca de mensagens. Nada é tão óbvio, à primeira vista, como a função primária do ciberespaço e seus fluxos de informação. A troca de dados, informações e conhecimentos em tempo real ao redor do Globo, de fato, proporcionam vantagens incomensuráveis à sociedade moderna; a troca por si só gera riquezas e aproxima pessoas. De fato, as transformações causadas pela rede são inigualáveis. Contudo, há que se atentar às outras funções que a rede exerce e são essas funções que se pretende abordar. A rede se firmou como um espaço livre de fluxos de informação e conhecimentos, conforme Francis Bacon (1826, p. 308) afirma em seu livro Meditationes Sacræ - de haeresibus, “nam et ipsa scientia potestas est” – “O conhecimento é em si mesmo um poder”. Nesse passo, para a construção de um conhecimento, antes é preciso reunir dados, cruzar informações, para posteriormente, produzir o conhecimento. Diante de tal fato, o ciberespaço como um território legítimo por meio do fluxo de informação e com uma territorialidade vasta através de milhões de centros de
  • 142. 141 interesses, se tornou uma ferramenta preciosa no controle das massas, além de um instrumento poderoso contra o autoritarismo que busca censurar aquilo que lhe convém. Nesse sentido, Pierre Lévy (2010, p. 13) afirma que “[...] não são os pobres que se opõem à internet – são aqueles cujas posições de poder, os privilégios (sobretudo os privilégios culturais) e os monopólios encontram-se ameaçados pela emergência dessas novas configurações de comunicação”. Ao mesmo tempo que o ciberespaço atingiu uma legitimidade global como um território livre e com bilhões de usuários, passou também a ocupar com destaque a atenção dos centros de poder, que muitas vezes se veem prejudicados com a atuação da rede em disseminar informações. Nesse sentido, apesar de o algorítimo de bolha estar polarizando grande parcela dos usuários, não há como negar que o conhecimento se tornou ainda mais acessível ao povo e, consequentemente, o povo tornou-se ainda mais suscetível a questionar e a debater as decisões políticas, a partir de suas próprias percepções. Diante de tal fato, o autoritarismo enfraquece, sendo esse o principal motivo de os Estados que suprimem as informações, como China e Rússia, por exemplo, quererem controlar a rede e seus fluxos. De acordo com o pesquisador Shahbaz (2018, s.n), em matéria veiculada pela organização Freedomhouse, Proteger a liberdade da Internet contra a ascensão do autoritarismo digital é fundamental para proteger a democracia como um todo. A tecnologia deve capacitar os cidadãos a fazer suas próprias escolhas sociais, econômicas e políticas, sem coerção ou manipulação oculta47 (tradução nossa). Quase sempre um fenômeno alcança seu status quo de fato social quando atinge a importância nos instrumentos sociais como trabalho e/ou política. Assim sendo, os fluxos de informação digital alcançaram a importância e a essencialidade no cotidiano humano não só no trabalho ou na política, mas em todas as dimensões de suas atividades. Tal importância tem abalado algumas das estruturas sociais, como por exemplo, a política, que até recentemente não via muita importância em regular a rede, até ter alguns de seus escândalos expostos e eternizados na rede 47 Securing internet freedom against the rise of digital authoritarianism is fundamental to protecting democracy as a whole. Technology should empower citizens to make their own social, economic, and political choices without coercion or hidden manipulation.
  • 143. 142 mundial de computadores. Nesse sentido, é notório que muito além de ser uma ferramenta de acesso a outros computadores, de troca de informações e de mensagens, os fluxos de informação digital cumprem papel fundamental para a preservação da democracia, da liberdade de expressão, da liberdade de pensamento e da liberdade de imprensa, e assim o faz por meio da descentralização dos meios de informação que, até então, são controlados pelos centros de poder. 5.3 FLUXOS DE INFORMAÇÕES E SUA FUNÇÃO SOCIAL De acordo com as concepções funcionalistas de Durkheim, para se identificar a função social de um fato social deve-se observar a que necessidade tal fato social corresponde. Como já abordado anteriormente, a rede surgiu nos EUA como ferramenta de integração de diversos pontos distintos entre os quarteis militares e entidades científicas. Já no Brasil, a rede surgiu para a concretização da integração/coalizão nacional, por meio do desenvolvimento da comunicação. Observando-se a origem e expansão da rede, é possível afirmar, recorrendo-se ao esquema teórico de Durkheim, que a função primária dos fluxos de informação digital, ou seja, o sistema de movimentos, é o acesso, à distância, aos diversos recursos de um computador, a transferência de dados e a troca de mensagens de forma rápida e dinâmica. Contudo, não é essa função primária que se pretende identificar, mas a relação de correspondência existente entre esses movimentos e as necessidades do organismo/sociedade. Tanto Castells (2019) quanto Bauman (2001) citam Neil Postman para demonstrar a importância da linguagem. Para Postman (1985, p.15, tradução nossa), “Não vemos a natureza, ou inteligência, ou motivação humana, ou ideologia como ‘ela’ é, mas apenas como nossas línguas são. E nossas línguas são nossa mídia. Nossa mídia é nossa metáfora. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura.”48 . Dessa forma, é possível determinar que os dados, as informações, os conhecimentos e as comunicações, por meio da linguagem, moldam a cultura. Uma vez introduzidas as tecnologias da informação no processo de comunicação por 48 We do not see nature or intelligence or human motivation or ideology as "it" is but only as our languages are. And our languages are our media. Our media are our metaphors. Our metaphors create the content of our culture.
  • 144. 143 meio das redes globais, pode-se identificar uma “desmassificação” da comunicação dominada pelos centros de poder. Dessa forma, constata-se que, assim como a democracia liberal libertou a sociedade do autoritarismo pujante nos séculos passados e atribuiu a liberdade e o poder de escolha a cada cidadão, a tecnologia da rede mundial de computadores deu poder aos usuários para se libertarem das informações provenientes das culturas de massa, dominadas pelos governos e pelos oligopólios empresariais. Ao abordar a cultura de massas proporcionada pelo fenômeno que foi a ascensão da televisão, Castells (2019, p. 416) diz: “O conceito de cultura de massa, originário da sociedade de massa, foi uma expressão direta do sistema de mídia resultante do controle da nova tecnologia de comunicação eletrônica exercido pelo governo e oligopólios empresariais”. Diante dessa concepção, é possível afirmar que a mídia de massas possui um processo de comunicação de mão única que não corresponde à realidade. A rede mundial de computadores supera tais limitações da mídia de massas, ao propor “milhares de vias” no processo de comunicação. Assim, pode-se atribuir aos fluxos em rede o que antes era atribuído apenas à atividade jornalística, o status de quarto poder, uma vez que a rede denuncia e expõe as ilegalidades praticadas pelas centralidades do poder sob as mais diferentes perspectivas. Ainda é válido pontuar que a rede possibilita, de forma mais ampla, a execução do disposto no artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1984, s.n). Nesse sentido, é perceptível que as redes têm se tornado um grande incômodo nas relações de poder preexistentes nas sociedades, sobretudo devido ao fato de o poder vigente querer regular, não o sistema que induz à polarização, mas às informações que ali fluem por meio de seus usuários, sugerindo que, muito além de ser um instrumento de troca de mensagens, os fluxos de informação possuem a função social de executar a preservação da liberdade em uma sociedade, sobretudo no que tange ao seu direito da livre expressão de ideias e do acesso à informação.
  • 145. 144 Conforme Lévy (2010, p. 16), ao fazer uma analogia com a Arca de Noé como sendo a arca o receptáculo de uma informação que persiste a qualquer extermínio, assim diz: "Eles foram extintos da Terra; ficou somente Noé e os que estavam com ele na barca" (Gênesis 7, 23). A operação de salvamento de Noé parece complementar, quase cúmplice de um extermínio. A totalidade com pretensões universais afoga tudo aquilo que não pode reter. (...) Na China, o imperador amarelo mandou destruir quase todos os textos anteriores a seu regime. Qual César, qual conquistador bárbaro deu ordens para deixar queimar a biblioteca de Alexandria a fim de terminar com a desordem helenística? A Inquisição espanhola colocava fogo em autos de fé de onde esvaiam-se em fumaça o Corão, o Talmude e tantas outras páginas inspiradas ou meditadas. Horríveis fogueiras hitlerianas, fogos de livros nas praças europeias, em que ardiam a inteligência e a cultura! Talvez a primeira de todas essas tentativas de aniquilação tenha sido a do império mais antigo, na Mesopotâmia, de onde nos vêm tanto a versão oral como a escrita do dilúvio, muito antes da Bíblia. Pois foi Sargão de Agadé, rei dos quatro países, primeiro imperador da história, que mandou jogar no Eufrates milhares de tabulas de argila, nas quais estavam gravadas lendas de tempos imemoriais, preceitos de sabedoria, manuais de medicina ou de magia, secretados por várias gerações de escribas. Os signos permanecem legíveis por alguns instantes sob a água corrente, depois se apagam. (...) Muitas vozes foram caladas para sempre. Não suscitarão mais nenhum eco, nenhuma resposta. Mas o novo dilúvio não apaga as marcas do espírito. Carrega-as todas juntas. Fluida, virtual, ao mesmo tempo reunida e dispersa, essa biblioteca de Babel não pode ser queimada. As inúmeras vozes que ressoam no ciberespaço continuarão a se fazer ouvir e a gerar respostas. Uma vez que a informação não circula mais pelos meios físicos (por meio de mídia física como livros, filmagens e documentos) e se eterniza nos meios digitais, tornou-se difícil ou quase impossível, que os centros de poder dominantes realizassem o ritual conhecido como “queima de livros”, que assim como o nome sugere, se trata de um ritual realizado em contexto público, onde se queimam livros para demonstrar a oposição do poder opressor vigente a certa visão cultural, religiosa e política de seus conteúdos, impondo, por meio do ritual, a censura. Nesse sentido, é notória a movimentação dos centros de poder em criar um “novo ritual” para controlar o fluxo de informação. Para identificar esse novo ritual que tanto almejam, a fim de controlar esse importante instrumento social, os fluxos de informação, é necessário saber como estes se dão em rede. Para isso, contaremos com uma explicação simples e objetiva de Pierre Lévy. Ao dissociar os usuários de
  • 146. 145 suas ideias, tornou-se possível dar visibilidade a discussões/grupos de interesses que até então não eram notados pelo denominador comum das mídias de massas. Nesse sentido, Lévy (2010, p. 103) afirma que: Ao dar uma visibilidade a estes grupos de discussão, que são feitos e desfeitos o tempo todo, o ciberespaço torna-se uma forma de contatar pessoas não mais em função de seu nome ou de sua posição geográfica, mas a partir de seus centros de interesses. Observa-se que a rede possibilitou a qualquer usuário, independentemente de quem seja, ter visibilidade ao expressar sua opinião em rede. A visibilidade em rede é resultado direto da quantidade de usuários percorrendo os fluxos ao qual a informação de seu interesse se insere e o quanto eles estão engajados em relação a certa informação. Nesse passo, quanto mais usuários buscam certa informação e discutem a respeito dela, mais visível ela se torna. Diante desse cenário, em que as mais variadas ideias e opiniões podem ganhar visibilidade de forma dinâmica, inclusive aquelas ideias e opiniões que vão contra o interesse dos centros de poder vigentes, é perceptível que a regulação e o controle de seus fluxos se tornaram agenda prioritária do Direito como instrumento de controle social. Para Durkheim (1960, p. 10), [...] a sociedade sem o direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida. Nesse sentido, faz-se necessário uma breve análise do Direito como ferramenta reguladora dos fluxos de informação, para entender as relações de poder existentes, em virtude de sua popularização. 5.4 DIREITO, FLUXOS DE INFORMAÇÕES E FUNÇÃO SOCIAL Os Fatos Sociais, as Funções sociais, as Anomias, a Ordem, a Justiça Retributiva e Restaurativa, as Relações Sociais, a Dominação, a Coerção, o Positivismo e vários outros conceitos jurídicos derivam das concepções que os fundadores da Sociologia criaram para entender determinado aspecto da
  • 147. 146 organização nas sociedades modernas. Contudo, a Sociologia do Direito propõe um olhar voltado à regulação da vida coletiva a partir das Relações Sociais. Para a Sociologia Jurídica, a coletividade tem responsabilidade para com seus membros, uma vez que os comportamentos, os fatos e os fenômenos sociais decorrem muito mais das relações e responsabilidades que tomamos uns com os outros, do que de atos individuais e subjetivos dos agentes sociais. Como exemplo dessa integração das Ciências Sociais com a norma jurídica e a importância que a coletividade tem na aplicação da lei, temos a função social da propriedade e dos contratos, em que não basta apenas o título aquisitivo de uma propriedade ou uma relação contratual entre as partes para conferir legitimidade aos sujeitos de direitos envolvidos no ato jurídico, mas há de se observar, também, a sensibilidade destes com o dever social imposto pela Constituição Federal à finalidade/função de cada elemento/objeto. José Mário Delaiti de Melo, ao discorrer sobre a função social da propriedade, diz: Quando se fala em função social da propriedade não se indicam as restrições ao uso e gozo dos bens próprios. Tais restrições seriam limites negativos aos direitos do proprietário. A noção de função social da propriedade relaciona-se com a capacidade produtiva da propriedade, ou seja, trata-se do poder de dar ao objeto da propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo (DE MELO, 2013, s.n). Ao discorrer sobre a função social do contrato, Gonçalves (2012, p. 26) diz: É possível afirmar que o atendimento à função social pode ser enfocado sob dois aspectos: um individual, relativo aos contratantes, que se valem do contrato para satisfazer seus interesses próprios, e outro, público, que é o interesse da coletividade sobre o contrato. Nesta medida, a função social do contrato somente estará cumprida quando a sua finalidade – distribuição de riquezas – for atingida de forma justa, ou seja, quando o contrato representar uma fonte de equilíbrio social. Observa-se, que na Sociologia Jurídica, as concepções funcionalistas se encontram presentes em duas das relações mais importantes, comuns e constantes do Direito: a propriedade e o contrato. Nesse sentido, tanto os contratos quanto as propriedades, além de atender às necessidades aparentes dos indivíduos, possuem uma função social de cunho coletivo, voltada ao bem-estar e à produção/circulação de riquezas. Na obra, “Da divisão do trabalho social”, de Émile Durkheim, o Direito é
  • 148. 147 um objeto presente durante todo o percorrer de sua teoria, assumindo um importante papel como uma espécie de condição constitutiva da vida social. Durkheim (1999, p. 31-32) afirma que: De fato, a vida social, onde quer que exista de maneira duradoura, tende inevitavelmente a tomar uma forma definida e a se organizar, e o direito nada mais é que essa mesma organização no que ela tem de mais estável e de mais preciso. A vida geral da sociedade não pode se estender num ponto sem que a vida jurídica nele se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção. Portanto, podemos estar certos de encontrar refletidas no direito todas as variedades essenciais da solidariedade social. Ao analisar a Solidariedade Mecânica (solidarité mécanique), a Solidariedade Orgânica (solidarité organique), o Direito Repressivo (droit répressif) e o Direito Restitutivo (droit restitutif), Durkheim atribui ao Direito o status de indicador das principais formas de uma sociedade. Tal importância é atribuída ao Direito devido ao fato de ele se modificar conforme as relações sociais. Assim, seria possível utilizar as relações sociais como objeto de estudo em que, por meio da classificação dos diversos Direitos existentes, seria possível identificar as formas de uma sociedade. Ao aproximar a Sociologia e o Direito, Durkheim, Weber e Comte influenciaram grande parcela das concepções que o Direito Moderno utiliza em sua aplicação, uma vez que parte de sua base deriva das Ciências Sociais. Nesse sentido, o Direito como objeto de estudo da Sociologia tem por função o controle social, objetivando assegurar a solidariedade e impedindo que fatos contrários ou violadores da sociedade ocorram de forma impune. Em busca de resposta para a questão norteadora que é “qual a função social dos fluxos de informações nas redes sociais e sua relação entre liberdade de expressão e censura no Brasil?”, o presente estudo aprofundou-se em alguns conceitos-base para a sua execução, como por exemplo, o território e a territorialidade em rede, o fluxo de informação no ciberespaço como fato social e sua função social a partir do modelo durkhemiano. A partir dessas concepções e dada a importância do Direito como um fator determinante para a análise de uma sociedade, será possível identificar, por meio de um diálogo entre a função social e o Direito, as consequências de uma regulação que não leve em consideração a função social dos fluxos de informação em rede, qual seja, descentralizar o monopólio da informação e realizar a preservação da liberdade. Este capítulo se dedicará à essa problemática.
  • 149. 148 Uma vez que o Direito é um dos indicadores mais claros e evidentes de uma sociedade, pretende-se, por meio do modelo durkhemiano, realizar a análise do Direito sob o aspecto da liberdade de expressão em rede, posto que tal análise é importante para revelar as implicações que a limitação da função social dos fluxos de informação pode levar a uma regulação autoritária. Nesse sentido, após todas as abordagens realizadas até o presente momento, será de suma importância recorrer à Constituição Federal, a Lei n° 12.965/2014, CPMI das fake news e outros elementos e movimentos políticos como indicadores da função social dos fluxos de informação, ou seja, a qual necessidade os fluxos de informação correspondem. A liberdade de expressão é garantida pela Constituição de 1988, principalmente nos incisos IV e IX do artigo 5º. Enquanto o inciso IV é mais amplo e trata da livre manifestação do pensamento, o inciso IX foca na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Vejamos: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (BRASIL, 1988, p. 17-18). Já na Lei n° 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, dispõe no seu inciso I do arts. 3º e 8º, a garantia da liberdade de expressão em rede. Vejamos: Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet (BRASIL, 2014, p. 1).
  • 150. 149 Como já relatado, não há um consenso definido sobre a concepção de democracia, mas é central em todas as definições que não há como existir democracia em uma sociedade em que a censura e a opressão sejam exercidas. Apesar de a liberdade de expressão ser garantida pelos dispositivos acima mencionados, esses dispositivos vêm sendo minados pelos órgãos estatais como pretexto para regular a opinião e blindar a atuação política de críticas. Como exemplo disso, temos a instauração de várias CPIs nos estados e municípios brasileiros, como por exemplo, a CPI das fake news do Estado de São Paulo, que instaurou a Comissão Parlamentar de Inquérito, por meio do Ato 75/2018, do Presidente da Assembleia, mediante Requerimento nº 1810/2018, com a finalidade de investigar o caso das fake news (notícias falsas) que surgem diariamente nas redes sociais, no Estado de São Paulo, que, para muitos, foi considerada uma grande decepção diante dos resultados inconclusivos. De acordo com a Assembleia Legislativa de São Paulo (2020), a deputada Mônica, da Mandata Ativista, proferiu as seguintes falas: "Nossa CPI não é de um todo conclusiva, diversos fatores atrapalharam, a gente não pode dizer aqui que a gente conhece a verdade de um tema tão complexo". Já a deputada Janaina Paschoal definiu a CPI como injusta e parcial, nas seguintes palavras: "Apesar de reconhecerem que os trabalhos são inconclusivos apresentam uma lista de supostas fake news, todas teoricamente praticadas por direitistas". Nota-se que, por si só, a temática é bastante polêmica na política, uma vez que as partes envolvidas trocam acusações constantes acerca da lisura processual e da utilização das fake News como pretexto para perseguição política. Nesse sentido, é necessário abordar a comissão que mais se destacou no cenário nacional, a CPMI das fake news, instalada em setembro de 2019, com o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) sendo eleito presidente, e a deputada Lídice da Mata (PSB-BA), nomeada relatora. A CPMI das fake news foi criada no Brasil para investigar, no prazo de 180 dias, os ataques cibernéticos que atentam contra a democracia e o debate público; a utilização de perfis falsos para influenciar os resultados das eleições 2018; a prática de cyberbullying sobre os usuários mais vulneráveis da rede de computadores, bem como sobre agentes públicos; o aliciamento e orientação de crianças para o cometimento de crimes de ódio e suicídio.
  • 151. 150 De acordo com o Requerimento (RQN) 11/2019, que deu origem à CPMI, Desde a volta da população às ruas, por ocasião das manifestações de junho de 2013, quando o aumento das tarifas de ônibus fez irromper uma onda de protestos por todo o Brasil, podemos assistir à transformação das redes sociais em um reconhecido espaço de expressão da democracia, uma vez terem estas assumido um protagonismo como instrumento de mobilização e de difusão de informações (DEPUTADO FEDERAL ALEXANDRE LEITE, 2019, p. 1). Como bem observado pelo Requerimento 11/2019, a rede se firmou como um espaço livre e democrático de troca de informações entre os agentes e os indivíduos dos pontos mais distintos do Globo. Como um exemplo criativo e poderoso dessa ferramenta, aliada aos recursos da computação, temos o projeto The Uncensored Library49 , um servidor do jogo Minecraft (jogo mais vendido de todos os tempos, mais de 200 milhões de cópias em todas as plataformas até maio de 2020), dedicado a contornar a censura em países sem liberdade de imprensa. O servidor apresenta um mapa de uma biblioteca que contém artigos proibidos no México, Rússia, Vietnã, Arábia Saudita e Egito, onde os jogadores/usuários, apesar da censura imposta pelo poder estatal, podem percorrer a biblioteca para ler artigos censurados pelo governo. O contorno está justamente no fato de que, apesar de os livros serem proibidos nas soberanias acima mencionadas, o jogo permanece acessível. De acordo com a descrição do projeto, Em muitos países, sites, mídias sociais e blogs são controlados por líderes opressores. Os jovens, em particular, são forçados a crescer em sistemas onde suas opiniões são fortemente manipuladas por campanhas governamentais de desinformação. Mas, mesmo onde quase todas as mídias estão bloqueadas ou controladas, o jogo de computador de maior sucesso no mundo ainda está acessível. Repórteres Sem Fronteiras (RSF) usam essa brecha para contornar a censura da Internet e trazer de volta a verdade - dentro do Minecraft50 (REPORTERS WITHOUT BORDERS, 2020, s.n, tradução nossa). 49 A biblioteca sem censura é um servidor e mapa do jogo Minecraft lançado pela Reporters without Borders e criado pela BlockWorks, DDB Berlin e MediaMonks como uma tentativa de contornar a censura em países sem liberdade de imprensa. Disponível em: https://uncensoredlibrary.com/en Acesso em: 10 de abril de 2021. 50 In many countries, websites, social media and blogs are controlled by oppressive leaders. Young people, in particular, are forced to grow up in systems where their opinion is heavily manipulated by governmental disinformation campaigns. But even where almost all media is blocked or controlled, the world’s most successful computer game is still accessible. Reporters Without Borders (RSF) uses this loophole to bypass internet censorship to bring back the truth – within Minecraft.
  • 152. 151 No Brasil, sobretudo em 2013, com as “Jornadas de Junho”, a internet passou a ser utilizada como ferramenta de ciberativismo e instrumento poderoso na política. Os movimentos políticos em rede, proporcionados pelos atos, foram tão marcantes que, para as eleições de 2014, por meio da Resolução nº 23.404, o TSE passou a dispor sobre os limites para a propaganda eleitoral na internet. Contudo, o RQN 11/2019 continua afirmando em sua justificativa que: No entanto, como reflexo do que acontecia nas ruas, as redes foram inundadas por velhas estratégias políticas de difamação e de manipulação de debates públicos, razão pela qual têm se tornado um verdadeiro campo de batalha. Campanhas de ódio, assédios, exposição da intimidade alheia e até tentativa de homicídio usando a Internet como meio de aproximação são riscos enfrentados com frequência cada vez maior pelos usuários. A Internet e as redes sociais criaram um espaço infinito para a livre circulação de ideias e opiniões, fato que culminou na instalação de verdadeiros tribunais instantâneos que elevam ou enterram as reputações tanto de agentes públicos quanto de cidadãos comuns, sem a menor piedade e responsabilização. (DEPUTADO FEDERAL ALEXANDRE LEITE, 2019, p.1-2). Como já pontuado, as chamadas fake news sempre existiram, e quando se trata do âmbito eleitoral, uma das estratégias mais utilizadas é a difamação e o assassinato da reputação. Reconhecemos isto já com Quintus Tulius Cícero (102 a.C.–43 a.C.). A grande questão ao abordar o aspecto eleitoral da informação é o seu potencial de espalhamento, devido à capilarização das redes. Nesse passo, não se nega aqui o perigo que a desinformação traz à sociedade, como por exemplo, o caso de linchamento de Fabiane Maria de Jesus, em 3 de maio de 201451 . Mas, ressalta-se o perigo que existe quando se tenta regular a livre expressão em rede, sendo esta a principal intenção atual dos políticos, conforme o RQN 11/2019. Assim, fica evidente o papel dessa Casa no sentido de investigar essa série de atos criminosos, cometidos ou propiciados em meio virtual, com foco no aprimoramento do arcabouço legal das relações cibernéticas, indicando providências que visem a coibir atentados 51 Fabiane Maria de Jesus foi uma mulher linchada por moradores do bairro de Morrinhos IV, na periferia do município de Guarujá, no litoral do estado brasileiro de São Paulo, em 3 de maio de 2014. O linchamento ocorreu porque a vítima foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças, cujo retrato falado que havia sido feito, dois anos antes, passou a circular nas mídias sociais. O assassinato de Fabiane Maria de Jesus causou forte comoção nacional, principalmente por ter sido motivado por notícias falsas, disseminadas pelas redes sociais.
  • 153. 152 contra a vida e a dignidade da população brasileira, bem como a respeitar a Democracia e as suas instituições (DEPUTADO FEDERAL ALEXANDRE LEITE, 2019, p. 6). Como exposto por Durkheim (1999, p. 32), “A vida geral da sociedade não pode se estender num ponto sem que a vida jurídica nele se estenda ao mesmo tempo e na mesma proporção”. Nesse sentido, é possível observar a legislação avançando no que tange à regulação da livre expressão em rede, por meio da judicialização das demandas, como vimos em capítulos anteriores. Além disso, tem os PLs, como o PL 2763/20, que tramita na Câmara dos Deputados e obriga as empresas responsáveis pelo provimento de serviços de redes sociais na internet a condicionarem o acesso a essas aplicações ao cadastramento prévio do CPF ou do CNPJ do usuário; ou o PL 2844/20, que determina a aplicação de multas, suspensão de isenções fiscais e financiamentos por bancos públicos, além da proibição de contratação pelo Poder Público de pessoas jurídicas que propagam, estimulam ou anunciam, direta ou indiretamente, notícias falsas (fake news) em veículos de comunicação. Como esses, tem vários PLs intentando cercar as chamadas fake News. Contudo, como exposto no capítulo terceiro, tais tentativas podem surgir como oportunidade perfeita para a censura dos críticos e opositores. Nesse sentido, conforme o Portal de Notícias do STF, ao replicar Nota do Gabinete do Ministro Alexandre de Moraes (2020, s.n), As provas colhidas e os laudos técnicos apresentados no inquérito apontaram para a existência de uma associação criminosa dedicada à disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática. Percebe-se, em consenso com o que foi abordado até o momento, que quando o assunto é fake news, as autoridades governamentais nunca apontam com exatidão do que se trata e nem o que se busca punir ou suprimir. Além disso, utilizam palavras genéricas, como conteúdo de ódio e ataques ofensivos, sem especificar o teor das supostas ilicitudes. Nesse sentido, a nota do Ministro Alexandre de Moraes muito se assemelha ao que foi visto pelo mundo como uma tentativa de blindar a classe política russa. A Lei Federal de 18.03.2019 N 30-FZ, que introduz na Lei Federal de 27.07.06 N 149-FZ, faz as seguintes alterações:
  • 154. 153 Artigo 15.1-1. O procedimento para restringir o acesso à informação que se exprima de forma indecente, que ofenda a dignidade humana e a moral pública, um claro desrespeito pela sociedade, o Estado, os símbolos oficiais do Estado da Federação Russa, a Constituição da Federação Russa ou os organismos que exercem o poder estatal na Federação Russa. 1. No caso da descoberta em redes de informação e telecomunicações, incluindo a Internet, de informação que se expresse de forma indecente que ofenda a dignidade humana e a moral pública, um claro desrespeito pela sociedade, o Estado, símbolos oficiais do Estado da Federação Russa, a Constituição da Federação Russa ou organismos que exerçam autoridade estatal na Federação Russa, O Procurador-Geral da Federação Russa ou os seus adjuntos apelam ao órgão executivo federal que desempenha as funções de controlo e fiscalização na área dos meios de comunicação de massas, comunicações de massas, tecnologias de informação e comunicações, para que tome medidas para remover as referidas informações e restringir o acesso aos recursos de informação que divulgam as referidas informações, caso estas não sejam removidas (FEDERAÇÃO RUSSA, 2019, p. 2) Nota-se que na Russia, um país que não pode ser tomado como exemplo de liberdade de expressão, as palavras proferidas pelo Ministro Alexandre de Moraes em relação às fake news já são lei. Ironicamente ou não, tal lei foi aprovada junto à outra que proíbe disseminação de notícias falsas (que trataremos a frente). O Portal Terra (2019, s.n) noticiou o fato da seguinte forma: Parlamentares russos apoiaram uma proposta nesta quinta-feira que prevê prisão por até 15 dias para quem insultar autoridades online e outra proibindo a disseminação de notícias falsas, em medidas que a oposição afirma que visam reprimir dissidência. Ainda é possível observar o TSE (2020) se movimentar no sentido de “regular” um “embrião” do que George Orwell chamou de Ministério da Verdade, por meio do que o Ministro Luís Roberto Barroso denominou de “coalizão para checagem”, com o poder de determinar o que é ou não “verdade” por meio das entidades de fact checking. Nesse sentido, deve-se ressaltar que, juridicamente, ainda não se tem um consenso do que é fake news. É possível observar um cenário muito semelhante ao que encontramos ainda no início dos anos 2000, com a chamada “Guerra ao Terror”. A Guerra ao Terror foi uma campanha ideológica, político-diplomática, econômica e militar que surgiu em resposta aos ataques de 11 de setembro. O então
  • 155. 154 presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, declarou a "Guerra ao Terror" como parte de sua estratégia global de combate ao terrorismo. Contudo, uma das grandes controvérsias da campanha se deu justamente devido à definição do que é terrorismo e, consequentemente, quem seria o alvo das ações militares. De acordo com Campedelli (2011, p. 14), A definição de um termo é uma atividade que envolve poder. Definir termos é estabelecer os parâmetros de uma discussão, o que pode determinar o que é permitido e o que não é. Isso pode dificultar a elaboração neutra de uma definição, pois os interesses daqueles que definem podem influenciar a decisão final sobre a melhor definição. Nesse momento, é importante complementar Campedelli (2011) por meio das ponderações de Schmid (2004, p. 384-385) a respeito do conceito de terrorismo, Antes de mais nada, temos que perceber que não há essência intrínseca ao conceito de terrorismo - ele é uma construção feita pelo homem. As definições geralmente tendem a refletir os interesses daqueles que fazem as definições. Uma definição bem sucedida estabelece os parâmetros para o debate público e pode moldar a agenda da comunidade52 (tradução nossa). Já de acordo com Edward Peck (2006), Vice-diretor da força tarefa da Casa Branca sobre Terrorismo durante a presidência de Ronald Reagan, disse em entrevista realizada em 28 de julho de 2006, pelo canal Democracy Now: “Em 1985, quando eu era o Vice-diretor da força tarefa sobre Terrorismo da Casa Branca de Reagan, eles nos pediram - esta é uma força-tarefa do Gabinete sobre Terrorismo; eu era o Vice-diretor do grupo de trabalho - eles nos pediram para chegarmos a uma definição de terrorismo que pudesse ser usada durante o governo. Produzimos cerca de seis, e cada caso foi rejeitado, porque uma leitura cuidadosa indicaria que nosso próprio país tinha estado envolvido em algumas dessas atividades. Depois que a força tarefa concluiu seu trabalho, o Congresso entrou no assunto, e você pode acessar o Google no Título 18 do Código dos EUA, Seção 2331, e ler a definição de terrorismo dos EUA. E um deles aqui diz - um dos termos, "terrorismo internacional" significa "atividades que," cito, "parecem ser destinadas a afetar a conduta de um governo por destruição em massa, assassinato ou sequestro". Sim, bem, certamente você pode pensar em vários países que estiveram envolvidos em tais 52 First of all, we have to realize that there is no intrinsic essence to the concept of terrorism - it is a man-made construct. Definitions generally tend to reflect the interests of those who do the defining. A successful definition sets the parameters to the public debate and can shape the agenda of the community.
  • 156. 155 atividades. O nosso é um deles. Israel é outro. E assim, o terrorista, é claro, está nos olhos de quem vê”53 (PECK, 2006, s.n, tradução nossa). Nesse passo, é possível observar que assim como a Guerra ao Terror, em que o “alvo-inimigo” poderia ser qualquer país, existe uma grande dificuldade do poder estatal em definir o que é fake news, sobretudo devido ao fato de a linha entre a fake news e a liberdade de expressão ser deveras tênue. Como já bem colocado durante a dissertação, a informação é um instrumento de poder. Diante das novas multiterritorialidades digitais e a quebra do monopólio da informação disseminada pelos centros de poder, resultante da popularização da rede nas camadas mais diversas da sociedade, é possível observar a ascensão do que Pierre Lévy (2010) chamou de “o homem da cibercultura”, ou seja, uma sociedade informada que não se deixa levar por narrativas dos centros de poder, sejam políticas, ideológicas, religiosas, etc. Pela própria percepção e pela busca da verdade factual, o homem da cibercultura exprime suas ideias e se opõe, por meio da sua opinião, aos poderes autoritários e opressores que limitam sua liberdade. Diante disso, Lévy (2010, p. 238) pondera que: A crítica pensa estar fundamentada ao denunciar um "totalitarismo" ameaçador e ao anunciar-se como porta-voz de "excluídos" aos quais, por sinal, ela nunca pergunta a opinião. De fato, a pseudoelite crítica sente uma nostalgia por uma totalidade que ela dominava; mas esse sentimento indizível é negado, invertido e projetado sobre um outro aterrador: o homem da cibercultura. As lamentações sobre o declínio dos fechamentos semânticos e a dissolução das totalidades domináveis (vivenciadas como desagregação da cultura) escondem a defesa dos poderes. Dessa forma, a circulação da informação possui papel central na manutenção das liberdades, seja da liberdade de expressão, imprensa e/ou pensamento. Portanto, é válido novamente pontuar a famosa obra 1984 de George Orwell, que 53 In 1985, when I was the Deputy Director of the Reagan White House Task Force on Terrorism, they asked us—this is a Cabinet Task Force on Terrorism; I was the Deputy Director of the working group—they asked us to come up with a definition of terrorism that could be used throughout the government. We produced about six, and each and every case, they were rejected, because careful reading would indicate that our own country had been involved in some of those activities. After the task force concluded its work, Congress got into it, and you can Google into U.S. Code Title 18, Section 2331, and read the U.S. definition of terrorism. And one of them in here says—one of the terms, ‘international terrorism’ means ‘activities that,’ I quote, ‘appear to be intended to affect the conduct of a government by mass destruction, assassination or kidnapping.’ Yes, well, certainly, you can think of a number of countries that have been involved in such activities. Ours is one of them. Israel is another. And so, the terrorist, of course, is in the eye of the beholder.
  • 157. 156 nos mostra um cenário em que o Estado controla as massas, justamente por meio da manipulação da informação. No Brasil, o Art. 5º, Inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988 dispõe: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (BRASIL, 1988, p. 19). O inciso em questão consagra o princípio nullum crimen, nulla poena sine praevia lege, que significa “não há crime nem pena sem lei prévia”. Assim, é possível afirmar que, no Brasil, atualmente, não existe crime de criação/propagação de fake news, isto devido ao fato de a norma jurídica ainda estar caminhando para a regulação da rede, o que nos remete às reflexões de Durkheim (1999) no que tange ao fato de a vida em sociedade não poder se estender, sem que a norma jurídica também o faça. Contudo, o fato de não existir lei específica que aborde fake news não significa que a jurisdição não possua ferramentas para punir o dano causado por elas. Nesse sentido, assim como no mundo de vida, se um indivíduo passar a espalhar informações falsas em rede que gerem danos à imagem/honra de uma pessoa física/jurídica/política/pública, por meio da calúnia (Artigo 138 do Código Penal), difamação (Artigo 139 do Código Penal) ou injúria (Artigo 140 do Código Penal), poderá responder legalmente por tais incitações ou provar suas alegações por meio da Exceção da Verdade (Artigo 138, §3º do Código Penal). Ainda é válido registrar que a Lei Eleitoral também possui ferramentas para inibir a propagação de notícias/anúncios irregulares (artigos 38, §8º e 40-B). Nesse sentido, de acordo com a base de dados abaixo destacada, os fundamentos mais utilizados em processos relacionados à fake news são:
  • 158. 157 Gráfico 4. Fundamentos mais utilizados por quem se engajou em movimentar uma peça processual. Fonte: Elaboração Própria com base no Jusbrasil – Fundamentos mais usados por quem se engajou em movimentar uma peça processual - 21 de dezembro de 2020. Número base Nº: 188. Apesar de existirem ferramentas para lidar com a propagação de fake News, como a tipificação de calunia, difamação, injúria e exceção da verdade, existe um esforço político utilizando-se do novo fenômeno como pretexto para regular o controle da rede, por meio de uma lei específica para fake news. Nesse sentido, como já foi apontado nos capítulos anteriores e por meio de vários filósofos, é possível observar o uso das fake news como pretexto para se regular os conteúdos que circulam pelos fluxos em rede. Assim sendo, uma breve análise comparativa da liberdade em rede agregará e auxiliará na vindoura discussão. Portanto, vejamos como a liberdade em rede evoluiu em alguns países no período de 10 anos (2009- 2019).
  • 159. 158 Figura 13. Liberdade na internet (2009). Fonte: FREEDOM ON THE NET, A Global Assessment of Internet and Digital Media, 2009. Figura 14. Liberdade na internet (2019). Fonte: FREEDOM ON THE NET 2019, The Crisis of Social Media, 2019. Como já observado nos capítulos anteriores, desde 2006 a China possui em pleno funcionamento o projeto Golden Shield, implantado para “proteger a sociedade da desinformação”. Devido ao seu eficiente sistema de censura e supressão da informação, o país permanece como uma das redes mais nocivas à liberdade desde 2009. Já em relação à Russia, é possível observar pelo mapa, que seu espaço
  • 160. 159 digital passou de uma rede parcialmente livre para uma rede controlada e passível de censura pelo governo. Já o Brasil, que possuía uma rede livre, involuiu para um ciberespaço parcialmente livre, por meio de algumas regulações. Nesse sentido, cita-se o Projeto de Lei do Senado n° 473, de 2017, que busca punir com detenção de seis meses a dois anos, acrescido de multa para quem divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. Art. 287-A - Divulgar notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º Se o agente pratica a conduta prevista no caput valendose da internet ou de outro meio que facilite a divulgação da notícia falsa: Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 2º A pena aumenta-se de um a dois terços, se o agente divulga a notícia falsa visando à obtenção de vantagem para si ou para outrem (BRASIL, 2017, p. 2). A descrição do PL muito se assemelha ao código penal de dois dos países onde a liberdade em rede, de acordo com o mapa freedom on the internet da Organização Freedom House inexiste, China e Rússia. Para fins de comparação, vejamos os Artigos 207.1 e 207.2 do Código Penal da Federação Russa: Código Penal da Federação Russa Artigo 207.1. Divulgação pública de informações conscientemente falsas sobre circunstâncias que põem em perigo a vida e a segurança dos cidadãos (Introduzido pela Lei Federal de 01.04.2020 N 100-FZ). Difusão pública sob o pretexto de mensagens fiáveis de informações conscientemente falsas sobre circunstâncias que constituem uma ameaça à vida e à segurança dos cidadãos, e (ou) sobre medidas tomadas para garantir a segurança da população e dos territórios, técnicas e métodos de protecção contra as referidas circunstâncias - Será punido com uma multa no montante de trezentos mil a setecentos mil rublos, ou no montante do salário ou outro rendimento da pessoa condenada por um período de um ano a dezoito meses,
  • 161. 160 ou por trabalho obrigatório até trezentas e sessenta horas, ou por trabalho correctivo até um ano, ou por restrição da liberdade por um período até três anos. Nota. As circunstâncias que constituam uma ameaça à vida e à segurança dos cidadãos neste artigo serão consideradas emergências naturais e provocadas pelo homem, emergências ecológicas, incluindo epidemias, epizootias e outras circunstâncias que tenham surgido como resultado de acidentes, perigos naturais, catástrofes, catástrofes naturais e outras catástrofes, que tenham causado (podem causar) baixas humanas, danos à saúde humana e ao ambiente, perdas materiais consideráveis e perturbação das condições de vida da população. Código Penal da Federação Russa Artigo 207.2. Divulgação pública de informação socialmente significativa, intencionalmente falsa, com graves consequências (introduzido pela Lei Federal de 01.04.2020 N 100-FZ). 1. Divulgação pública sob o pretexto de mensagens fiáveis de informação socialmente significativa conscientemente falsa, resultando na inflicção negligente de danos para a saúde humana - será punido com uma multa de setecentos mil a um milhão e quinhentos mil rublos, ou no montante do salário ou outro rendimento da pessoa condenada por um período até dezoito meses, ou por trabalho correccional por um período até um ano, ou por trabalho obrigatório por um período até três anos, ou por prisão pelo mesmo período. 2. O mesmo acto que tenha implicado a morte de uma pessoa por negligência ou outras consequências graves - será punido com uma multa do mesmo montante ou de outro montante. Será punido com uma multa no montante de um milhão e quinhentos mil rublos a dois milhões de rublos, ou no montante do salário ou outro rendimento da pessoa condenada por um período de dezoito meses a três anos, ou por trabalho correccional por um período até dois anos, ou por trabalho obrigatório por um período até cinco anos, ou por privação de liberdade pelo mesmo período. (FEDERAÇÃO RUSSA, 2020, s.n). Já de acordo com a Lei de Punição da Administração da Segurança Pública e a Nona Alteração à Lei Criminal da RPC, adotada pelo Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo, em 29 de agosto de 2015, assim dispõe: I. Como punir o crime de desinformação da rede O artigo 32º da Emenda à Lei Penal (IX) prevê que seja aditado um parágrafo ao artigo 291º da Lei Penal como segundo parágrafo: "Quem criar uma ameaça falsa, uma epidemia, uma catástrofe ou uma situação policial e a difundir na rede de informação ou noutros
  • 162. 161 meios de comunicação social, ou difundir conscientemente as informações falsas acima referidas na rede de informação ou noutros meios de comunicação social, perturbando gravemente a ordem social, será condenado a uma pena não superior a três anos prisão preventiva, detenção ou controlo; se forem causadas consequências graves, a pena será de prisão preventiva não inferior a três anos, mas não superior a sete anos". II. sanções administrativas para os rumores da Internet O artigo 25º da Lei de Punição da Administração da Segurança Pública estabelece que: "Quem cometer um dos seguintes actos será condenado a uma pena de detenção não inferior a cinco dias e não superior a dez dias, e não poderá ser multado em mais de quinhentos yuan; se as circunstâncias forem menos graves, será condenado a uma pena de detenção não superior a cinco dias ou a uma multa não superior a quinhentos yuan: (a) espalhar boatos, denunciar falsamente situações perigosas, epidemias ou situações policiais ou perturbar intencionalmente a ordem pública por outros meios; (...) III. Responsabilidade Civil por Rumores na Internet Se a divulgação de rumores infringir os direitos de reputação de cidadãos individuais ou a boa vontade de pessoas colectivas, de acordo com as disposições dos Princípios Gerais de Direito Civil da China, a pessoa será responsável por pôr termo à infracção, restaurar a reputação, eliminar o impacto, apresentar um pedido de desculpas e compensar os danos. (INTERNET CRIME REPORTING CENTER, 2019, s.n). Além de as leis serem semelhantes, direta ou indiretamente, a criação de uma lei que regulamenta uma punição para a produção e compartilhamento das chamadas fake news, implica na regulação de um ente, seja público ou privado, para decidir sobre o que é ou não verdade. Pierre Lévy (2010, p. 251), ao abordar a cibercultura, alerta: Já que todos podem alimentar a rede sem qualquer intermediário ou censura, já que nenhum governo, nenhuma instituição, nem qualquer autoridade moral garante o valor dos dados disponíveis, como podemos confiar nas informações encontradas no ciberespaço? [...] É certo que nenhuma autoridade central garante o valor das informações disponíveis no conjunto da rede. Ainda assim, os sites são produzidos e mantidos por pessoas e instituições que assinam suas contribuições e defendem sua validade frente à comunidade dos internautas. [...] Não se pode ter ao mesmo tempo a liberdade de informação e a seleção a priori das informações por uma instância que supostamente sabe o que é bom e verdadeiro para todos, seja essa instância jornalística, científica, política ou religiosa. Como bem pontuado por Lévy (2010), não há como existir ao mesmo tempo a liberdade de expressão, quando há uma instância hierárquica que sabe o que é bom
  • 163. 162 e verdadeiro. Nesse passo, em 2019, de acordo com a emissora estatal Al Jazeera, com sede em Doha, Catar, ao entrevistar o Legislador Russo Kurinnyi Aleksei Vladimiroviсh e o vice-chefe do grupo parlamentar “Just Russia”, Valery Gartung, sobre a “lei das fake News russa”, noticiou: O legislador comunista Alexei Kurinnyi advertiu que as autoridades poderiam usar a lei das fake news para punir os críticos. Valery Gartung, do Partido Político Just Rússia, também criticou a legislação dizendo que a sua imprecisão abriria caminho para uma interpretação seletiva. [...] "O nosso Partido partilha esta preocupação", disse Gartung. "A questão levantada com esta lei é de fato muito importante, e temos de encontrar uma forma de combater as falsificações, mas não podemos apoiar esta lei sob o seu atual projeto porque não iria atingir os objetivos especificados. Estamos preocupados com a sua prática de aplicação da lei, que temos razões para crer que seria seletiva, e não podemos permitir que isso aconteça54 (ALJAZEERA, 2019, s.n, tradução nossa). Nesse sentido, é perceptível que os centros de poder, ao perder o monopólio da informação para a rede mundial de computadores, vêm procurando meios para limitar os fluxos em rede, que passaram a ser um incômodo para a perpetuação de seu domínio e para o controle social. Assim, emerge ainda mais o valor no estudo da função social dos fluxos de informação no território do ciberespaço. Tanto os governos quanto os grandes oligopólios da informação encontraram na supressão e no engajamento de certas informações uma grande fonte de poder e controle social. Dessa forma, caminhando para o final da presente dissertação, é válido pontuar a urgência dos estudos no território digital, uma vez que esse espaço, de acordo com Lévy (1994, p. 1), é “um terreno onde está funcionando a humanidade, hoje”. O estudo da função social dos fluxos de informação das redes sociais presentes no ciberespaço é o primeiro passo para se estabelecer o reforço benéfico da liberdade para a sociedade, além de o primeiro passo para destroçar todo intento totalitário e tirânico de controlar a informação. 54 Communist lawmaker Alexei Kurinnyi warned that the authorities could use the “fake news” bill to punish critics. Valery Gartung of the Just Russia faction also criticised the legislation, saying its vagueness would open the way for selective interpretation. “Our faction shares this concern,” said Gartung. “The issue raised with this law is indeed very important, and we do have to find a way to combat the fakes, but we cannot support this law under its current draft because it wouldn’t achieve the specified goals. We are worried about its law-enforcement practice, which we have a reason to believe would be selective, and we can’t allow that to happen.
  • 164. 163 6 CONCLUSÃO Este trabalho buscou compreender a função social dos fluxos de informação presentes no ciberespaço, por meio de um diálogo interdisciplinar entre os campos da Geografia, da Sociologia e do Direito. Por meio da Geografia e das concepções basais de espaço, foi possível elaborar uma abordagem dos conceitos de território e territorialidade, ambos os elementos essenciais para fundamentar a presente pesquisa, posto que sem esses conceitos, seria inconcebível a análise de ciberespaço como um território. Para tal análise, utilizou-se o primeiro capítulo para entender as diversas concepções de território e territorialidade. Após conceber o que é território e territorialidade, foi possível dialogar com Ratzel, por meio de sua concepção de espaço vital, e com Yves Lacoste, por meio da Geografia Crítica. A concepção de espaço vital, que via o território como elemento de poder, resultou na ascensão de governos tiranos e expansionistas, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. Com o fim da Segunda Grande Guerra, o mundo que acabara de contemplar grandes horrores, criou a ONU. Originada da Ligas das Nações, a Organização foi instituída em 24 de outubro de 1945, com o objetivo de se evitar que outra guerra nas mesmas proporções ocorresse. Uma vez instituída a Organização Mundial, os conflitos internacionais, sobretudo aqueles relacionados à demarcação territorial, passaram a ser conduzidos pelo princípio da “inadmissibilidade da aquisição de território pela guerra ou força”. Diante de um cenário em que as guerras violentas e/ou forçadas são boicotadas por sanções internacionais originadas de outros países, a guerra violenta deixou de ser rentável aos centros de poder e criou-se novos modelos de guerras, que passaram a ocorrer em novas dimensões, como por exemplo, guerras ideológicas, culturais, tecnológicas e etc. Nesse sentido, na década de 1960 nascia a ARPANET, o embrião de um novo território que passaria a ocupar a centralidade de todas as atividades humanas, a Internet. Durante quase duas décadas, a rede foi utilizada exclusivamente para fins militares e acadêmicos. Contudo, a rede digital teve uma rápida evolução quando passou a ser comercializada pela iniciativa privada. Enquanto os Estados Unidos da América criavam a internet na década de 1960, no Brasil ainda se contava as redes de telecomunicação, elemento essencial para que fosse desenvolvida a rede digital
  • 165. 164 de internet, que só viria a ser comercializada em 1994. Nesse sentido, as redes não só nos EUA como no mundo, passaram a ocupar a essencialidade como instrumento de trabalho. Nesse período, da origem à expansão, foi possível, por meio do aporte teórico de Haesbaert, pesquisar as redes digitais como territórios modernos, frutos da modernização da comunicação e centro dos grandes embates modernos, uma vez que a supressão das guerras violentas forçou os centros de poder a criarem novos modelos. Assim, por meio das concepções de lógica reticular e lógica zonal, estabeleceu-se o ciberespaço como um território que possui multiterritorialidades, sendo este o receptáculo de milhões de territorialidades e multiterritorialidades. A partir dessa divisão, constituiu-se o território estrutural da rede e o território/territorialidade humano da rede. Com Floridi, filósofo da informação e Hannah Arendt, filósofa política, foi importante estabelecer um diálogo sobre o que é informação, desinformação e fake news, elementos centrais para identificar a função social dos fluxos de informação. Uma vez que o espaço digital se tornou palco dos grandes embates travados pelos centros de poder, é perceptível que os fluxos de informação se tornaram objeto de grande desejo desses poderes, sobretudo devido à capilaridade que as redes possuem nas mais variadas camadas sociais. Nesse sentido, surgiu como possibilidade de controle dos fluxos, a regulação da informação em rede, sobretudo no que tange às informações cunhadas pelo termo fake news. Nesse passo, como observado por Shahbaz (2018), “Ao longo do ano, os autoritários usaram alegações de ‘notícias falsas’ e escândalos de dados como pretexto para se aproximar do modelo chinês". O termo genérico fake news passou a pautar o que deve ou não permanecer nas redes, sobretudo no que tange à judicialização de causas. Diante de um cenário em que os termos são genéricos, foi imprescindível observar e determinar o que é informação. Informação são dados trabalhados e conhecimento são informações trabalhadas. Diante disso, é notório que a condição para que uma informação seja verdadeira, depende unicamente do dado e não de sua decodificação. Resumidamente, o que diferencia uma informação de uma desinformação é a verdade factual. Ao aprofundar a discussão, por meio da pontuação de Bittman, foi possível definir fake news como sendo notícias intencionalmente sem a verdade factual, maquiadas pela credibilidade de um ente,
  • 166. 165 órgão, jornal, associação (Idem) e disseminada nas redes sociais como Twitter, Facebook, Whatsapp, etc, com propósitos específicos. Contudo, mesmo com uma definição mais clara, percebeu-se que a regulação do conteúdo de uma informação poderia desencadear graves consequências, como, por exemplo, a ascenção do autoritarismo e a supressão daqueles que pensam diferente. Nesse passo, evocou-se como aportes teóricos John Stuart Mill e John Locke, filósofos que abordam a tolerância e a liberdade. Nesse sentido, ambos defendem que a supressão de uma ideia ou opinião, por mais errada que esteja, pode levar a cenários mais desastrosos do que aqueles em que o erro se propaga. Sendo assim, Mill (2019, p. 46) questiona: “O discernimento é dado aos homens para que o usem. Porque possa ser usado erroneamente, deve-se dizer-lhes que não o usem em absoluto?” Já Locke (1983, p. 27) pontua: “Não é a diversidade de opiniões (o que não pode ser evitado), mas a recusa de tolerância para com os que têm opinião diversa, o que se poderia admitir, que deu origem à maioria das disputas e guerras que se têm manifestado no mundo cristão por causa da religião”. Diante dessas colocações, percebe-se que ambos os filósofos temiam que a intervenção estatal ou privada na regulação de um conteúdo de uma informação, implicaria, direta ou indiretamente, no que George Orwell definiu como Ministério da Verdade, um órgão estatal que regula o que é ou não verdade na obra 1984, um romance fictício que se passa em um cenário distópico, resultando nas ascenção autoritária. Diante desse cenário, percebe-se que o ciberespaço como um território é o palco das novas relações de poder existentes, onde as informações surgiram como novo instrumento de controle social. Diante disso e a partir do modelo durkheimiano, passou-se a analisar as concepções de função social dos fatos sociais. Nesse sentido, foi possível estabelecer os fluxos de informação presentes nas redes sociais, no território ciberespacial como um fato social que possui funções sociais. Fato social, de acordo com Durkheim, são fatos, hábitos, costumes, maneiras de comportar e de pensar (idem) que determinam a forma como os indivíduos se comportam em uma sociedade. Para identificar um fato social deve-se detectar a generalidade, a exterioridade e a coercitividade. Nesse sentido, comprovadas as três características presentes nos fluxos de informação em rede, foi possível estabelecer e identificar a função social dos fluxos de informação. De acordo com o modelo Durkheimiano (1999, p. 13), função social, além de representar um “sistema de movimentos vitais”,
  • 167. 166 também obedecia a uma “relação de correspondência que existe entre esses movimentos e algumas necessidades do organismo”, sendo esta última a que se procurava entender. Portanto, no presente trabalho, buscou-se compreender a qual necessidade os fluxos de informação correspondem no corpo social. Ao longo da presente dissertação, procurou-se argumentar que, muito mais que uma rede que favorece a troca dinâmica de dados, informações e conhecimentos, o ciberespaço é um território com territorialidades pujantes e que possui a função social de realizar a manutenção da liberdade, além de descentralizar o poder da informação dos grandes oligopólios e governos. Ou seja, a rede exerce o equilíbrio para que nenhum ente, público ou privado, execute o autoritarismo por meio do monopólio da informação. A partir das observações, da análise bibliográfica, documental, da análise de decisões judiciais e da análise de matérias jornalísticas, compreende-se que a comunicação em rede e os fluxos que se formam nela, repercutem nas relações do território, sobretudo no que diz respeito às praticas de manifestações políticas, por meio da liberdade de expressão. Concluímos e denunciamos, nesta pesquisa, a tentativa dos governos e das grandes empresas de informação e comunicação em controlar os fluxos. Os resultados desta pesquisa nos apresentam que uma possível regulação de combate às fake news pode expandir para o autoritarismo, uma vez que a informação passaria a ser verificada e controlada por uma pessoa privada/pública, emergindo no sistema político ocidental o que George Orwell chamou de Ministério da Verdade, uma entidade que controlava a informação e publicava apenas a “verdade estatal”, no romance distópico 1984. Por meio da análise de 241 decisões judiciais, foi possível observar que a maior parte do engajamento em mover peças processuais relacionadas às fake news partem dos políticos, e o maior alvo dessas peças são outros políticos, seguidos de pessoas físicas e jornalistas. Ainda se observou que grande parcela das ações não propôs o que demonstra uma tentativa reiterada dos políticos de criarem precedentes no judiciário, mesmo que não se tenha razão de causa. Além disso, verificou-se o uso da imunidade conferida pela seção 230, do communications decency act, por parte dos grandes oligopólios da informação, para suprimir ou engajar o alcance de certos discursos, o que implica não só em censura, mas em desinformação.
  • 168. 167 Nesse passo, acredita-se que o estabelecimento de uma função social para os fluxos de informação, sobretudo nas Ciências Sociais Aplicadas, contribui para estabelecer os limites adequados e o reforço necessário para a tomada de medidas que combatam a desinformação e reforcem a liberdade de expressão em rede. Assim, ressalta-se novamente o caráter emancipador dos fluxos de informação, que libertam de todas as formas de opressão que existem nas centralidades do poder da informação nas mãos dos governos e oligopólios da informação. Por fim, o estudo realizado contribui para que se considere, nas políticas públicas voltadas à liberdade de expressão, a proteção dos diversos dados, informações e conhecimentos que fluem por meio de diferentes óticas presentes no território e na territorialidade em rede, tornando-os acessíveis e visíveis a todos aqueles que possam se interessar de forma justa e livre de censura.
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