Grupo Universitário de Micologia de Évora 2012.12.05
Um método para a identificação de agáricos e boletos
(versão para impressão)
Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
Antes de prosseguir. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Que nome atribuir (4)
O desenvolvimento do corpo frutífero e a interpretação da morfologia. . . . . . . . . . . 6
Procedimentos de observação no campo (in situ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Fichas de identificação (7); Uma nota importante (7)
Chapéu.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Pé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Himenóforo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Corte longitudinal (9); Tubos (11); Lâminas (11)
Esporos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Carne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Ocorrência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Transporte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Esporada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
Preparação da esporada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Laboratório. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Reacções químicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Microscopia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Observação dos esporos (17); Cutícula (18)
Exsiccata.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Notas e referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Agradecimento e dedicatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Resumo das fichas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
Introdução
Quando se pretende identificar um cogumelo (geralmente um agárico ou boleto1
) é indispensável
saber o que procurar nas suas características para atingir esse objectivo com eficiência e rigor.
Este documento, em complemento aos glossários e métodos contidos em diversas publicações2
,
procura sistematizar o método de trabalho que conduz à identificação dos agáricos e boletos,
chamando a atenção para a importância que têm as diversas facetas da observação para tornar
viável uma identificação segura. Em primeiro lugar apresenta-se uma visão do que é o processo
de identificação, que deve ser lida com a maior atenção; prossegue sublinhando as variações
morfológicas associadas à maturação do cogumelo (a avaliação dos caracteres macroscópicos
requer a compreensão dos mesmos no contexto desse processo de maturação), para enfim listar,
por etapas de tratamento da informação (in situ – esporada – laboratório), sugestões de
abordagem à observação destes cogumelos.
2
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
Antes de prosseguir
Seguem-se 6 noções de extrema importância para que um trabalho de investigação possa
considerar-se responsável. Depois de ler, reler; e mais tarde, voltar a reler. Aqui reside muito do
que é realmente próprio do “ofício” de identificar cogumelos.
1. Identifique qualquer cogumelo como se fosse responsabilidade sua dizer a outras pessoas
que poderiam comê-lo. Isto significa poder identificar até à espécie, e ter uma certeza de
“99%” sobre essa identidade — isto é, um grau de certeza MUITO ELEVADO.
2. Porque não “100%”? Porque, mesmo com o grau de certeza mais elevado que nos é possível
atingir, devemos ter a consciência de ainda não ter sido dito tudo acerca da identidade
taxonómica do cogumelo em causa, isto por uma ou mais das seguintes razões:
i) O exemplar que temos entre mãos não é da mesma espécie que os descritos em
guias, chaves, e mesmo monografias (será até uma nova espécie?);
ii) Esse exemplar pertence apenas a uma das espécies dum “complexo” que à data da
identificação se encontram erradamente reunidas num mesmo nome científico (daqui
resulta que o nome científico que é determinado na identificação pode mais tarde vir
a ser substituído, por outro que o consenso dos especialistas considerar ser o mais
correcto para espécimes como o nosso);
iii) A identificação pode falhar, por pouco mas significativamente, seja:
a. por falta de informação de referência (é muito importante dispor de bibliografia
adequada, e de imagens bem identificadas, de modo a avaliar de maneira
crítica todas as alternativas plausíveis), ou
b. porque um carácter diagnosticante foi mal avaliado, ou
c. porque não foi dada importância a um carácter, presente ou ausente, que
estabeleceria a necessária distinção.
3. São situações totalmente diferentes, para quem identifica, quando os exemplares são duma
espécie que é abordada pela primeira vez, ou quando são de uma espécie já identificada
anteriormente pelo próprio.
• O primeiro processo é o de aprendizagem sobre a espécie: é no percurso que se faz
para uma identificação correcta que se torna patente aquilo a que deve ser dada maior
importância na observação de cada exemplar dessa espécie; havendo as condições
para tal, nenhum detalhe deve ser deixado por observar. Nada é melhor do que este
tipo de aprendizagem: é o cogumelo que nos ensina como deve ser observado. E se ela
puder ser feita em grupo, o benefício é múltiplo e reforça a coesão do conhecimento
partilhado. Uma vez feita essa aprendizagem, quando mais tarde houver nova
oportunidade, tem lugar o segundo processo de reconhecimento da espécie, muito mais
célere, e em geral com maior sensação de segurança.
• O mesmo escrúpulo de rigor, utilizado nas identificações iniciais, deve ser mantido com
espécies que se julga reconhecer, pois o excesso de confiança atraiçoa mesmo os mais
experientes3
.
• É sempre de aproveitar para aprender mais sobre espécies já conhecidas, quando se
constate que há caracteres diagnosticantes ainda não observados.
• Por isso, nenhum cogumelo deixa de constituir um desafio quando é pela primeira vez
3
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
abordado; e mesmo que já tenha sido identificado uma vez, podem surgir novas
incertezas, não só quanto à identidade dum novo exemplar, mas até quanto à
identificação anteriormente feita.
4. Dito isto, também é verdade que se deve em princípio considerar qualquer cogumelo como
identificável4
:
i) quando devidamente municiado dos elementos bibliográficos (guias, chaves) e meios
laboratoriais,
ii) seguindo com rigor uma série de etapas de recolha de informações,
iii) dispondo de tempo para uma análise aprofundada, incluindo a consulta com colegas
experientes.
Ou seja, requer investimento — logístico, metodológico (este ponto ii é o principal propósito
do presente ensaio) e de tempo.
5. Se não se consegue certeza suficiente (“99%”) na identificação dum exemplar ao nível da
espécie, deve lembrar-se o seguinte raciocínio: já é bom conseguir chegar ao género, e
melhor ainda se se chega a um pequeno número de espécies num grupo infragenérico. Bom,
apenas como consolação, pois é evidente que em geral não chega para garantir a
“utilização” segura, nomeadamente para a ingestão, dos exemplares identificados
aproximadamente. O grau de incerteza deve por isso ser claro através da identificação
proposta (aqui exemplificado com a nomenclatura para a espécie Cortinarius trivialis Lge.):
i) Cortinarius sp. (identificação só ao nível do género),
ii) Cortinarius subg. Myxacium (identificação ao nível do subgénero),
iii) Cortinarius sect. Myxacium (secção dentro do subgénero Myxacium),
iv) Cortinarius aff. trivialis (aff. = affinis: referindo-se a um grupo muito próximo da
espécie C. trivialis, neste caso dentro da secção Myxacium, mas provavelmente
diferente de C. trivialis),
v) Cortinarius cf. trivialis (cf. = circa forma5
: aparenta ser a espécie C. trivialis, mas com
um grau de incerteza significativo).
Em comparação com o nível de “99%” recomendado, dir-se-ia “95%” para v) e “90%” para iv).
6. Só com a experiência o observador irá aprendendo a apreciar este delicado equilíbrio entre
a certeza e a incerteza (costuma notar-se em indivíduos menos experientes uma tendência
para estarem “demasiado seguros”); mesmo nos mais experientes esta consciência nunca
deixa de evoluir, é um percurso sem fim à vista.
Que nome atribuir
A nomenclatura dos fungos tem sofrido constantes revisões. A obra Dictionary of Fungi (ISBN
9780851998268 para a 10ª edição, de 2008, CABI International6
) procura actualizar-se em
harmonia com essas revisões, e embora constitua, como livro, uma referência de enorme
importância nos mais diversos aspectos, é através dos bancos de dados em
http://www.speciesfungorum.orge http://www.indexfungorum.org, constantemente actualizados,
que todos se apoiam para determinar nomes. Seguem-se dois exemplos que ajudarão a
compreender a utilização destes recursos.
Suponha-se que, pela bibliografia disponível, a identificação dum cogumelo deu Paxillus
panuoides (Fr.) Fr.; procurando no Index Fungorum aparecem, para este registo, outros dois
nomes7
: Agaricus panuoides Fr. (basiónimo) e Tapinella panuoides (Batsch) E.-J. Gilbert. Este último
nome está a verde, indicando precisamente que é um nome consensual listado no Species
Fungorum. O basiónimo é o primeiro nome atribuído a esta espécie, e a ele está associado o
4
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
exemplar ou conjunto de exemplares (holótipo) que esteve na base da descrição original. Neste
caso trata-se dum nome dado por Batsch em 1783, e que em 1818 Elias Fries (representado pelo
Fr.) adoptou; de acordo com uma regra especial da nomenclatura micológica, este processo leva
a que a autoria fique exclusivamente associada a Fries. Mais tarde, Fries separou-o do género
Agaricus, classificando-o com o género Paxillus, definido por ele em 1836, daí o nome com duas
referências a Fr., onde a que está entre parêntesis é indicativa da existência dum nome anterior
(neste caso, o basiónimo). Mas em 1931 Gilbert propôs a separação desta espécie (e outra) do
género Paxillus, incluindo-as no género Tapinella criado para o efeito, e de acordo com as regras
nomenclaturais restaurou-se a autoria de Batsch, que figura entre parêntesis por estar
modificada (Agaricus panuoides  Tapinella panuoides).
Pode perguntar-se: se o nome actualmente aceite data de 1931, então porque é que os guias
de finais do século XX ainda listavam esta espécie dentro do género Paxillus? A resposta é
simples: todos os nomes científicos são meras propostas, que podem ou não ser aceites
consensualmente, e aparentemente esta não o foi durante muitos anos. Mas, quando se percebeu
(pela comparação de sequências de DNA, em 1997) que o género Paxillus poderia ser
heterogéneo e a melhor solução seria separar algumas espécies num outro género, teve de
verificar-se se essa separação já havia sido proposta, e foi assim que se aceitou a de Gilbert.
Um pormenor interessante, é que o entomologista Enderlein tinha já proposto em 1908 o género Tapinella, que
actualmente abarca várias espécies de piolhos. Estas duplicações de nomes acontecem com alguma frequência entre
nomenclaturas botânica e zoológica e não se anulam entre si, por isso Tapinella Enderl. refere-se ao piolho, e
Tapinella E.-J. Gilbert ao cogumelo. A sinonímia de Tapinella no Species Fungorum sugere que Gilbert se baseou no
nome duma “Tribo” Tapinia definida por Fries em 1821 dentro do género Agaricus, e que incluiria o então Agaricus
panuoides.
Este exemplo indicou também que deve sempre começar-se pelo Index Fungorum,
especificamente em http://www.indexfungorum.org/Names/Names.asp e seleccionandoa opção
Name; uma das razões para tal, é que há casos em que o nome figura apenas no Index
Fungorum, sem proporcionar links a verde para o Species Fungorum. Geralmente isso significa
que não existe consenso nomenclatural sobre o nome a utilizar, e nesse caso pode não ser fácil
adoptar um nome. Em situações destas é aconselhável usar pelo menos dois, que pareçam
representativos. Por exemplo, para Amanita ponderosa aparecem 3 entradas, todas a azul:
i) Amanita ponderosa Malençon & R. Heim 1944;
ii) Amanita ponderosa f. ponderosa Malençon & R. Heim 1944;
iii) Amanita ponderosa f. valens (E.-J. Gilbert) Neville & Poumarat 2004.
Se se procurar donde vem o epíteto valens, vê-se que nas Amanitaceae há várias designações,
donde a mais antiga (basiónimo) é Amidella lepiotoides f. valens E.-J. Gilbert 19408
. Na sua
revisão de 2004, Neville e Poumarat consideram que esta última é uma forma de Amanita
ponderosa (que não estava descrita em 1940), não de Amanita (= Amidella) lepiotoides Barla.
Uma regra nomenclatural, é que existindo mais que uma variante subespecífica, a variante de
referência passa a ter-lhe agregado o correspondente nível taxonómico (neste caso a “forma”,
f.), com repetição do epíteto e sem alterar a autoria, daí o ii da lista acima.
As coisas complicam-se quando se busca pelo epíteto ponderosa, que nas Amanitaceae aparece
também em Amanita curtipes var. ponderosa (Malençon & R. Heim) M.L. Castro 1997:
automaticamente, resulta a construção Amanita curtipes var. curtipes E.-J. Gilbert 1941, para a
variedade (“var.”) de referência descrita por Gilbert, e sobretudo passa a haver uma dúvida
sobre o nível de classificação a dar: ou o de espécie com Amanita ponderosa (f. ponderosa), ou
o de variedade com Amanita curtipes var. ponderosa. Aparentemente ainda não foi oficializado
um consenso sobre esta questão, por isso nenhuma destas espécies está no Species Fungorum. É
nestas situações que se considera prudente dar pelo menos um dos sinónimos, neste caso da
5
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
Figura 1 — Esquema idealizado do desenvolvimento dos corpos frutíferos
de agáricos e boletos.
Figura 2 — Três exemplares de Tricholoma equestre
(L.:Fr.) Kummer (n.v. míscaros), em diferentes estados de
maturação (1–3).
seguinte maneira: Amanita ponderosa f. ponderosa (= Amanita curtipes var. ponderosa).
O estudo das sinonímias e acompanhamento da nomenclatura é um trabalho gigantesco que é
canalizado para os curadores destes dois sites, que ao responderem com razoável celeridade
às actualizações merecem de toda a gente em Micologia o respeito e um acompanhamento
constante. Não estão desprovidos de problemas menores (alguns links não funcionam, por
exemplo), mas no geral é o melhor que se pode ter à disposição abarcando todo o reino Fungi9
.
O desenvolvimento do corpo frutífero e a interpretação da morfologia
O corpo frutífero dos agáricos e boletos desenvolve-se a partir dum primórdio globoso, com
duas direcções de crescimento: primeiro predomina na vertical, pelo alongamento do pé, depois
na expansão horizontal, pelo crescimento do chapéu (figura 1).
Numa fase inicial, o conjunto do
corpo frutífero é envolvido por
um véu universal, e a face inferior
do chapéu, donde irão sair mais
tarde os esporos, começa por
estar protegida por um véu
parcial unindo o pé à margem do
chapéu. O véu universal é o
primeiro a romper-se e pode
reconhecer-se a sua existência
pelos restos que possam persistir
sobre o chapéu e/ou ao longo da
metade inferior do pé (abaixo
da inserção do véu parcial); o
véu parcial, após romper, pode deixar vestígios no pé (no seu ponto de inserção) ou na margem
do chapéu. Por sua vez, a base do pé é a parte onde remanesce mais do micélio primordial, e
frequentemente exibe características distintas do restante cogumelo (é muito importante
assegurar que o pé vem completo na altura da colheita).
O crescimento do chapéu faz-se por extensão do
centro para a margem, de que resulta
permanecerem na periferia, durante mais tempo,
as reminiscências da forma globosa original —
assim (figura 2), um exemplar imaturo, apesar de
em muitas espécies já poder ter grande parte da
sua estatura final, tem um chapéu de diâmetro
inferior, mais convexo na periferia (onde a
margem chega a curvar-se sobre a face
inferior); na maturidade, essa convexidade pode
ou não desaparecer, até inverter-se, e a margem
pode até curvar-se para cima na vertical, ou
ainda ondular-se ou fender-se.
Outro aspecto que varia com o desenvolvimento
do chapéu é a cor, seja pela relativa “diluição”
6
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
da mesma quando o chapéu se expande, seja pela evolução das tonalidades durante o processo,
seja ainda pela permanência nos exemplares mais desenvolvidos das tonalidades de fases
imaturas (que, como referido acima, tenderão a permanecer mais tempo junto da margem).
O himénio (o tecido reprodutor que recobre quase totalmente a superfície inferior do chapéu)
pode atravessar uma sucessão de cores ao longo do desenvolvimento do corpo frutífero,
principalmente em casos onde a cor dos esporos é diferente e passa a predominar, ou onde
acontecem mudanças na cor do micélio que lhe serve de base.
Recomenda-se a visualização do filme de Louie Schwartzberg com Paul Stamets, disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=EDkR2HIlEbc, que ilustra diversos aspectos aqui descritos.
Procedimentos de observação no campo (in situ)
Fichas de identificação
Há que distinguir entre a diagnose taxonómica e a identificação prática. A primeira consiste do
registo quanto possível exaustivo dos caracteres observáveis, a segunda apenas requer os
caracteres que permitam uma identificação sem ambiguidades. E saber quais utilizar na prática
de identificação é altamente facilitado pelo contexto taxonómico ao nível do género, pois se é
por vezes relativamente fácil determinar o género, raramente é fácil determinar a espécie —
e dentro de cada género, o conjunto de caracteres relevantes é bastante crítico e peculiar. É
assim necessário ter sempre presente que, seja fácil ou difícil determinar o género, uma vez a
esse nível segue-se em geral um árduo e muitas vezes frustrante trabalho de observação para
a determinação da espécie, que pode ser ainda mais dificultado se não tiver sido feito o registo
de caracteres críticos, que quando se aborda o cogumelo no laboratório já não estão disponíveis,
ou estão alterados. O facto de vários géneros (Russula, Lactarius, Amanita, Laccaria, Agaricus,
Hebeloma, Inocybe ou Cortinarius, e frequentemente as higroforáceas, alguns boletóides e os
lepiotóides) serem “fáceis” de determinar, no sentido em que quem já esteja habituado chega
rapidamente ao nível do género e com relativa segurança, sugere a montagem de estratégias
de identificação diferenciadas, que encontram a sua expressão prática através das fichas de
identificação.
Estas fichas tiram partido de circunscrever-se a identificação dentro dum grupo (seja o género
ou níveis próximos do género, como a tribo/subfamília ou o subgénero) para fazer-se uma
observação relativamente simplificada dos caracteres mais significativos, desde logo chamando
a atenção para a informação mais importante a observar no local de colheita. Tem-se a ganhar
com isso menor dispêndio de tempo nas observações de campo, sem perda de informação
crucial. Em apêndice apresenta-se uma compilação destas fichas apenas para efeito de
comparação (incluindo uma ficha geral, que de certa maneira traduz as orientações gerais do
presente ensaio), e que estão disponíveis na forma operacional em Fichas.zip. Em cada uma se
delimitam com um tracejado os caracteres que importa registar no local da colheita.
As fichas preenchidas podem ser arquivadas na forma original, ou separadas por exemplar para
ficarem associadas aos exsiccata.
Uma nota importante
É desejável (mesmo imperativo) basear a identificação num conjunto de exemplares, mas há que
assegurar com a maior confiança que todos esses exemplares correspondem a um mesmo micélio;
doutra maneira, são identificações separadas, mesmo que se conclua serem da mesma espécie.
7
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
Figura 3 — Plano do chapéu dum exemplar
de Amanita vaginata (Bull.) Lam. e a
subdivisão da sua superfície em regiões
concêntricas, desde a margem até ao
centro, destacando-se a diferença de cor no
disco (foto de Ricardo Ramos Silva)
Chapéu
Entende-se aqui a observação dos caracteres externos da face superior do chapéu.
Cor: mesmo que pareça mais ou menos uniforme, verificar
sempre se pelo menos a margem tem tonalidade diferente;
quando não é uniforme, mentalmente subdividir a superfície
considerando a margem, a coroa, o disco e o centro, para
estruturar a observação (figura 3; atenção que a margem
pode ser bastante estreita, e que por vezes entende-se
coroa como sendo toda a superfície para dentro da
margem, isto é, até ao centro).
Por outro lado, o chapéu pode ser higrófano: por exemplo
entre a colheita no campo e a chegada ao laboratório, a
desidratação pode empalidecer a cor do chapéu, o que de
resto é um carácter diagnosticante em vários géneros;
repondo a humidade com água, ou (melhor ainda)
conservando-a em alguns exemplares logo desde a altura
da colheita, permite avaliar o carácter higrófano de
maneira objectiva. Note-se que as diferenças entre
exemplares com diferentes estádios de maturação (v.
secção anterior) não tem a ver com o carácter higrófano, pois este último consiste numa diferença
de cor, dependente da perda da humidade no chapéu, para o mesmo exemplar.
Forma: distinções importantes entre o campanulado, cónico, plano-convexo, côncavo e em funil,
ondulação ou fendimento da margem com a expansão, presença de papila ou umbo no centro,
etc.. Todos estes caracteres são altamente dependentes do estado de maturação (figuras 2 e 4b).
Relevos: distinguir entre restos do véu universal (v. abaixo) e o relevo próprio da cutícula (por
exemplo fendida irregularmente como em Xerocomus chrysentheron, ou separada em escamas
distribuídas mais ou menos regularmente, como em Macrolepiota procera); em certos casos, notam-
se texturas apenas bidimensionais, formando padrões radiais (Amanita phalloides, Russula
cyanoxantha, etc.), concêntricos (Lactarius deliciosus, L. chrysorrheus), etc.. Na margem, é frequente
surgirem estriações radiais regulares, mais ou menos pronunciadas (figura 3), por vezes apenas
à transparência (desenho da inserção das lâminas, visível devido à reduzida espessura da carne
nessa região), mas noutros casos formando sulcos mais ou menos profundos, podendo mesmo
haver relevos entre eles (tubérculos, por exemplo o grupo de Russula subfoetens e R. sororia).
Cutícula: avaliar o brilho e o toque sempre que possível com a cutícula naturalmente húmida,
senão, pelo menos a permanência de restos de solo ou manta morta a ela agarrados podem
denunciar cutícula mais ou menos viscosa no estado húmido. Por vezes o toque é diferente entre
disco e margem. Em Russula, testar a extensão em que a cutícula se separa do chapéu.
Restos de véu universal: quando presentes, registar a disposição, mesmo se formam algum
padrão ou desenho; se ausentes, pode dar-se o caso de terem sido removidos por erosão
(nomeadamente, pela acção da chuva), e nesse caso a sua ausência não é diagnosticante.
Pé
Ápice (junto à inserção do chapéu): não só pela proximidade ao chapéu, mas também por nunca estar
em contacto com o véu universal, e possivelmente outras causas, costuma trazer especificidades
de cor, ou detalhes de textura, por exemplo pruinosidade (v. abaixo); nunca tem restos de véu
universal. Em exemplares maduros, a cor pode estar alterada pelos esporos, devendo tentar-se
observar onde não os haja. Pode haver marcas do contacto com o himenóforo em fases iniciais.
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
Base: é imprescindível assegurar que toda a base é desenterrada, para tal usando-se uma
ferramenta de alavanca, como uma colher de jardinagem10
; as suas particularidades
manifestam-se pela cor ou certas manchas — por isso verificá-lo, se possível de imediato, com
a limpeza de restos aderentes de substrato usando uma escova de dentes (média ou macia) e
água — mas também pelo cheiro e/ou pela forma; pelo menos em Amanita, o tipo de cobertura
da base do pé com restos de véu universal (volva) é indispensável à identificação. A forma da
base, em comparação com o restante do pé, é geralmente importante, pois pode ser atenuada,
mesmo radicante, clavada (dilatando-se como que a formar uma moca invertida), bulbosa
(marginada ou não), encurvada, etc.. Também podem apresentar-se cordões de micélio
(“rizóides”).
Restos de véu parcial: anel (em certos casos muito fugaz) ou, na maior parte dos Cortinarius e
nalguns Hebeloma e Inocybe (também nos géneros Gymnopilus e Hypholoma), vestígios de cortina,
cuja cor pode não corresponder à da superfície do pé. A cor da cortina pode ser difícil de
avaliar se estiver tingida pela deposição de esporos, ou se formar uma camada muito regular
sobre o pé; nestes casos, uma boa maneira de avaliar/confirmar a cor da cortina é pelo exame
das superfícies laterais do pé em corte longitudinal (v. abaixo). O uso do termo anel duplo
refere-se a anéis com duplo rebordo, como por exemplo em Macrolepiota procera.
Restos de véu universal: na base, com variantes que são fundamentais para a identificação no
género Amanita, e por vezes até à zona de inserção do véu parcial (notórios por exemplo em
Amanita excelsa, que praticamente não tem volva na base).
Relevos: principalmente nos boletos e afins, sob a forma de reticulados, fibras ou granulações
no todo ou parte do pé, por vezes com tonalidade própria a distinguir da cor de fundo. É preciso
distinguir entre o que são relevos próprios do pé e os restos de véu parcial ou universal que lhe
ficam colados.
Viscosidade: à semelhança do chapéu, a presença de restos de solo ou manta morta acima da
base pode servir para verificar a viscosidade em exemplares já algo secos.
Pruinosidade: pode ser muito fugaz (sempre muito cuidado na manipulação do pé), verificar com
lupa de mão a sua presença, aspecto e distribuição.
Himenóforo
Himénio e himenóforo são conceitos distintos. O himénio é o tecido fértil, que em agáricos e
boletos está distribuído nas faces das lâminas e no revestimento dos tubos, respectivamente,
formando um tecido de camada simples constituído por basídios e outros elementos, e que se
estuda por microscopia; o himenóforo é a estrutura onde se encontra o himénio, sendo no
presente contexto o conjunto das lâminas ou tubos projectando-se da base do chapéu.
Na orientação das observações do himenóforo, usa-se como padrão o cogumelo com o chapéu
para baixo: a superfície de contacto do himenóforo com a carne do chapéu constitui a sua base,
e fala-se de altura do himenóforo para a medida desde a base até à aresta das lâminas/aos
poros dos tubos. Deve considerar-se, nas descrições do himenóforo, como partindo da periferia
para o centro.
Corte longitudinal
É impressionante a quantidade e importância da informação que pode resultar da observação
dos corpos frutíferos seccionados pelo centro, no sentido longitudinal. A melhor maneira de
efectuar este corte é, utilizando por exemplo um xisato, atravessar o chapéu, entre duas lâminas
do himenóforo, até ao centro, prolongando pelo pé até à base, deste modo cortando o corpo
frutífero em duas metades (em boletos convém que a incisão se faça apenas sobre o chapéu,
9
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separando as duas metades com as mãos para analisar o tipo de trama do himenóforo).
A informação mais universalmente importante é a inserção do himenóforo no pé, mas este corte
também tem grande importância para a observação de zonações da carne, tipo de inserção do
véu parcial no pé, cor da cortina, etc..
Inserção do himenóforo: só pode ser avaliada correctamente quando em corte longitudinal.
O himenóforo pode ser (note-se que esta classificação depende primariamente da maneira como se insere no
pé, sendo que o seu perfil desde a margem até ao pé introduz algumas variantes):
i) livre – não chega a atingir o pé, na maior parte dos casos porque sobe em direcção ao
chapéu mesmo junto ao pé (figura 4a), noutros casos porque termina num “colar” que pende
do chapéu, a envolver o pé sem lhe tocar (himenóforo colariado). Certos himenóforos não-
livres (nem sequer colariados) soltam-se da sua inserção com a expansão do chapéu, o que
se nota no corte pelo perfil abrupto da face que esteve em contacto com o pé. Note-se que
as lâminas incompletas (isto é, que são menos curtas que outras no mesmo himenóforo, i na
figura 4) não contam para um himenóforo ser considerado livre.
ii) adnexo – atinge o pé, mas
estreita-se no troço terminal.
Quando a redução da altura
forma uma concavidade
pronunciada diz-se emarginado
ou sinuado, dependendo se
começa bruscamente, já próximo
do pé, ou mais longe
(respectivamente11
); e diz-se
ascendente se o himenóforo
mantiver uma convexidade
regular. Nos diversos casos a
porção do pé onde se une o
himenóforo pode ser tão estreita
que parece livre (sublivre, ou
e n t ã o “ p r o f u n d a m e n t e
emarginado”), mas no caso dos
himenóforos realmente livres o
ângulo de descida para o
contacto com o chapéu,
praticamente recto, é muito mais
acentuado do que nos adnexos
(figura 4a). É ainda comum
encontrarem-se himenóforos
emarginados “decurrentes de um dente”, v. adiante).
iii) adnato – atinge o pé praticamente sem reduzir a altura. Quando o himenóforo vai
aumentando de altura regularmente, até atingir o pé, diz-se triangular, o que é uma
transição para o himenóforo decurrente (por vezes confundem-se).
iv) decurrente – em sentido estrito, prolonga-se ao longo do ápice do pé, formando com este
um ângulo agudo bastante fechado (figura 4b); é subdecurrente se se prolongar numa
extensão muito curta, de tal maneira que o ângulo com o pé é mais aberto, 60–80º; quando
tem um perfil direito mas uma base côncava, diz-se segmentiforme. Muitos himenóforos
emarginados ou sinuados (v. acima) apresentam um troço terminal decurrente, dizendo-se
Figura 4 — Exemplos de himenóforo livre (a – Agaricus cf.
xanthodermus Genev.) e decurrente (b – Agrocybe cylindracea (DC.)
Maire). Neste último, note-se a influência do estado de
desenvolvimento (vinheta dos cogumelos intactos à esquerda) sobre
a morfologia apresentada. A letra i aponta para os limites de
lâminas incompletas. Em a), note-se o véu parcial ainda intacto e a
sua inserção descendente, isto é, em direcção à base do pé.
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Um método para a identificação de agáricos e boletos
decurrentes de um dente/uncinados (continuando a ser considerados adnexos).
Na verdade, deve considerar-se a variação desde livre a decurrente um contínuo, mas esta
classificação visa simplificar a sua avaliação. Se os extremos (figura 4) são relativamente
consensuais, já as interpretações de tipos intermédios podem variar entre autores, e com isso
dificultar a utilização deste carácter, geralmente muito importante, na diagnose12
.
Tubos
Cor: em muitas espécies do género Boletus o himenóforo pode evoluir do bege ao amarelo
esverdeado à medida que se dá o amadurecimento, independentemente dos esporos; na secção
Luridi, a cor dos poros (alaranjado a vermelho) é distinta da dos tubos (de cor pálida); e a
descoloração do himenóforo para azul, pelo toque, deve ser verificada em vários géneros.
Poros: a sua geometria (circulares, poligonais) e regularidade deve ser investigada usando uma
boa lupa de mão; pode haver interesse em contar o número de poros por milímetro, dando
atenção a duas condicionantes: o grau de maturação (isto é, se o chapéu já se encontra
plenamente expandido), e a possibilidade desse número variar com a distância da margem. O
himenóforo pode deteriorar-se até à chegada ao laboratório, por isso é recomendável que estes
exames se façam logo in situ.
Lâminas
Cor: se os esporos forem pigmentados, tentar descontar o efeito da sua acumulação nas faces;
nalguns casos a remoção dos esporos acumulados à superfície por lavagem resulta, mas não é
recomendado, é preferível comparar entre exemplares em diferentes estados de maturação
para o caso de haver diferenças associadas ao estado de desenvolvimento do corpo frutífero
(importante em Agaricus, e sobretudo em Cortinarius); há casos em que a aresta das lâminas tem
uma cor diferente, e deve-se registar a presença de manchas também de cor diferente, devidas
quer à maturação dos esporos assíncrona (isto é, por zonas), quer à acumulação de pigmentos
(no himénio ou na trama).
Consistência e toque: passar o polegar, como que a “folhear” as lâminas (quebradiças,
gordurosas, ceráceas, etc.).
Morfologia e exsudações: bifurcações, anastomoses ou intervenações, e (geralmente só em
exemplares jovens) gotículas aderentes às faces ou às arestas; a aresta pode ser avaliada com
lupa, interessando o seu recorte (direito, serrilhado, rasgado, etc.) bem como particularidades
de cor (v. acima) e texturas (geralmente devidas a queilocistídeos).
Esporos
A cor dos esporos é um carácter muito importante que se avalia apenas pela esporada (v.
adiante), mas já no campo pode ter-se uma ideia aproximada, o que é importante se isso ajudar
a decidir que ficha utilizar para o registo de observações. Pode fazer-se de duas maneiras:
i) cor dos depósitos de esporos no pé ou restos de véu parcial em exemplares maduros, também
sobre outro objecto que se encontrasse por baixo do himenóforo (acontece frequentemente,
em frutificações imbricadas, o chapéu dum exemplar estar coberto pela esporada doutro
acima dele), ou
ii) caso se encontrem corpos frutíferos representando estádios sucessivos, pela evolução da cor
das faces das lâminas à medida que se dá a maturação.
Esta abordagem permite apenas uma aproximação da cor da esporada, tanto mais que o fundo
onde se avalia (outros objectos, pé, restos de véu, lâminas ou tubos) tem tonalidade própria que
não o branco. Não dispensa, em casos mais críticos (por exemplo no género Russula ou nos
11
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géneros de esporada castanha), a determinação precisa pela esporada. Por outro lado, os
depósitos de esporos sobre o pé podem confundir a avaliação da cor dos relevos da superfície
deste, por isso se possível analisar também zonas do pé que não os tenham.
Carne
Na observação macroscópica, o micélio que preenche o interior dum cogumelo, tanto no pé como
no chapéu, é denominado carne ou, mais tecnicamente, contexto. Já na observação microscópica
designa-se sempre por trama.
Cores e anatomia da carne em corte longitudinal: melhor que em
qualquer outro plano, o corte longitudinal permite avaliar
nuances de cor da carne em várias regiões (subcutícula, junto à
base do himenóforo, córtex do pé, base do pé, etc., figura 5),
transições da cor da carne por exposição ao ar (descoloração
azul em diversos boletos, vermelha e negra na secção
Compactae do género Russula, etc.), assim como caracterizar
eventuais cavidades ou zonações internas, perfil da volva, e
morfologia da base do pé (mais fácil de avaliar do que pelo
exame da superfície). A trama filoporóide em Xerocomus
caracteriza-se facilmente pelo rasgar das paredes dos tubos
quando se realiza a separação manual do himenóforo em duas
metades (a trama boletóide nos restantes boletos permite que
fiquem intactas).
Látex ou leite: em Lactarius, liberta-se após incisão nas lâminas
dum exemplar fresco, devendo observar-se a cor inicial, transparência, abundância e sabor; os
subgrupos dentro deste género definem-se em função da sua cor poder ou não mudar após a
exposição ao ar, ou ao secar sobre as lâminas (também a análise do córtex do pé, em corte
longitudinal ou em corte transversal, pode ser útil nesta análise). Em certas espécies de Mycena,
liberta-se látex cortando o pé transversalmente, devendo observar-se a cor.
Descoloração ao toque: dar atenção aonde se manuseou (ou outros possíveis atritos),
especialmente no pé, himenóforo com tubos, ou no chapéu. Importante por exemplo em Agaricus.
Cheiro: de grande valor diagnosticante dentro de muitos géneros, geralmente requer bastante
habituação (e discussão!) para que se descubra a sugestão de odor duma espécie (alguns dos
mais importantes lembram flocos de farinha ou de aveia, crustáceos a cozer, flor de sardinheira,
pepino, esperma, maçã fresca ou cozida, cloro, iodo, anis, batata, detergente, amêndoas
amargas, rábano, verduras frescas...). É muito importante registar-se no material acabado de
colher assim como no laboratório — pode dar-se o caso do cheiro inicial desaparecer,
intensificar-se, ou até alterar-se. Em princípio qualquer parte do corpo frutífero exala o odor,
mas em certos casos o local é mais preciso: na junção do pé com o chapéu, na margem do
chapéu, na base do pé... Noutros casos só aparece quando se faz a secção longitudinal, ou em
certas fases da maturação, ou algum tempo após a colheita.
É importante reter que não serve de grande coisa caracterizar um odor de maneira vaga como
“agradável”, “a cogumelo”, etc. — deve ser definido de maneira precisa. O reconhecimento de
odores é uma capacidade que se adquire com treino, e que merece a pena desenvolver.
Sabor da carne: muito importante em certos grupos (Russula, Cortinarius, boletos, etc.). A prova
faz-se em geral mordiscando entre os incisivos um pequeno pedaço da superfície do pé ou do
interior do chapéu, cuspindo-se em seguida e aguardando a eventual formação dum paladar
(embora desaconselhado com espécies que se suspeite serem venenosas, o risco é mínimo se se
Figura 5 — Algumas regiões que se
distinguem no corte longitudinal.
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proceder desta forma). Não esquecer que a obliteração do cheiro (por exemplo se se está
constipado) inibe fortemente a sensação do gosto.
Em particular no que respeita a dividirem-se as espécies de Russula entre “picantes” e “não-
picantes”, a utilização deste critério requer alguns esclarecimentos:
i) O sabor da carne pode ser muito contrastante entre lâminas e chapéu ou pé, especialmente
nas espécies do subgénero Compactae (onde este carácter tem de resto relevância menor).
No geral, onde haja diferença as lâminas são mais picantes, e chega-se a especificar
separadamente para as lâminas e para a carne, mas na generalidade dos textos de
referência isso não acontece. Para estabelecer um critério mais útil (v. abaixo), recomenda-se
que o sabor das lâminas não seja levado em conta na avaliação. Além disso, pela
subjectividade de quem faz a prova, e porque são possíveis variações dentro duma espécie,
a intensidade do carácter picante não deve ser sobrevalorizada na identificação.
ii) A classificação dos sabores é mais relevante no subgénero Russula, onde existem algumas
secções que são inteiramente constituídas por espécies picantes (em diferentes graus segundo
as espécies) e outras onde só ocasionalmente existe uma ou outra espécie picante (ver
Russula.zip). Por isso, uma vez determinado o subgénero Russula, só o sabor não-picante tem
interesse porque permite excluir as secções tipicamente picantes, enquanto o sabor picante
pouco faz avançar e tem-se de recorrer a outros critérios.
iii) Na realidade, o termo âcre empregado por Courtecuisse traduz-se como “irritante” ou
“agressivo”, enquanto douce pelo mesmo autor se traduz como “suave”. Por exemplo, um
sabor mentolado é picante, mas não agressivo, e não é descrito como âcre. Quando se tente
especificar para além da distinção entre agressivo ou suave, deve recordar-se o comentário
acima (v. cheiro) sobre avaliações vagas: se se reconhece algum sabor em concreto, fazer o
possível por identificá-lo com precisão (mentol, nozes...).
Ocorrência
Distribuição no local: isolados ou em grupos, e neste caso se chegam a ser cespitosos, ou formam
anéis de fada, dispersos ou localizados, etc.. A abundância local duma espécie (não tanto em
número de corpos frutíferos por unidade de área, mas sim na relativa predominância em
comparação com outras espécies) é uma informação ecológica importante, seja pelas
características do local, seja pela época (temperaturas e datas, etc.). Em climas temperados, o
termo termófilo costuma ser usado para espécies que preferem ecossistemas mediterrânicos, mas
por vezes aplica-se às espécies vernais.
Substrato: solo (humícolas, também terrícolas), manta morta (folícolas), lenho (lenhícolas),
excremento (coprófilos, também fimícolas), dunas (amófilos), etc. — no caso de ser no solo, se com
musgo, em zona queimada por incêndio (pirófilos), salinidade elevada (halófilos), riqueza de
Azoto (nitrófilos), etc.. Registar se há perturbação com mobilizações do solo (mesmo que a alguns
metros de distância).
Flora associada (especialmente em géneros ectomicorrízicos13
): principal distinção entre coníferas
e folhosas (estas sobretudo Quercus, Castanea, Betula, ou outras Fagales, mas também ericáceas,
Cistus, Tuberaria, Alnus, salicáceas, mirtáceas, etc.); também os parasitas e saprófitos podem
preferir certas árvores, e os saprófitos podem especializar-se por ambientes florestais, ou pastos,
próximo de cursos de água, zonas alpinas, etc..
Transporte
Nunca usar sacos de plástico, nunca misturar espécies diferentes (deixá-los juntos num cesto de
vime é péssima ideia), evitar “abafar” as colheitas em envólucros que não facilitem a
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transpiração, como é o caso da folha de alumínio. As melhores opções são: sacos de papel ou
cartão (como para transportar pão) para exemplares grandes, papel de seda para os médios
e pequenos, sempre fazendo por deixar aberturas que facilitem a transpiração; e caixas de ovos
(de preferência meia dúzia cada), especialmente para exemplares de tamanho médio a
pequeno, mas não muito pequenos.
Esporada
Por si só, os esporos fornecem informações muito importantes, a começar pela cor. Este carácter
nem sempre é deduzido correctamente da simples observação das lâminas, mesmo usando uma
lupa forte, ou pela observação de esporos individualmente, ao microscópio (contudo, não deixam
de ser auxiliares importantes!). Este carácter constitui uma verdadeira encruzilhada na
determinação de agáricos ao nível do género (v. por exemplo as chaves em ChavesMoser.zip,
Chaves_E&R.zip, ChavesMcAdam.zip e ChavesCourtecuisse.zip), e só se considera adequada a
observação da “esporada”, isto é, duma massa de esporos sobre superfície branca. A obtenção
da esporada é, praticamente, um procedimento obrigatório em agáricos.
As cores da esporada podem classificar-se segundo o seguinte esquema:
Esporadas pálidas: branco, creme a ocre, amarelos, rosa claros, lilás.
Esporadas de tons médios: róseos pardos (por vezes parecendo cor de tijolo), castanhos
(ferrugem, tabaco, tijolo, caramelo, “chocolate de leite”, castanho seco), cinzento-violeta.
Esporadas de tons escuros: “chocolate preto”, roxo escuro, preto.
Além destas categorias, cada uma representando um ponto de partida para subsequentes
subdivisões tendo em conta outros caracteres, há as esporadas verdes, que dão identificações
quase directas (na Europa, incluem-se o género Melanophyllum e a secção Strobiliformes do
género Amanita).
É importante ter em atenção que a cor “correcta” da esporada é a obtida nas primeiras horas,
pois pode alterar-se (as de Melanophyllum passam a castanho-avermelhado escuro, as de Russula
tanto podem ficar mais claras como escurecerem).
No género Russula o contínuo de cores desde o branco/quase-branco até ao amarelo forte está
subdividido em classes de tonalidades (4 ou 8, segundo os sistemas), e esta informação é crítica
para a identificação: branco (I ou A); creme/bege (II ou B–C); ocres (III ou D–F); amarelos (IV
ou G–H). O sistema mais simples (4 cores) é provavelmente o mais funcional.
Usando exemplares nem muito jovens nem demasiado velhos, a esporada realiza-se sobre uma
superfície branca porque, se se usar fundo escuro, ou de qualquer cor que não o branco, as
diferenças entre branco e quase-branco da esporada, assim como as tonalidades de castanho,
podem não notar-se (o problema de encontrar uma esporada branca sobre superfície branca
resolve-se, se a superfície em questão tiver algum lustro como é o caso das cartolinas, pois os
depósitos são sempre baços, muitas vezes com relevos devido ao perfil das lâminas, e notam-se
sempre pelo exame contra luz tangencial); alternativamente, pode obter-se a esporada sobre
uma superfície transparente, por exemplo uma lâmina de vidro ou película de acetato, e depois
contrastar à transparência com um fundo branco. Quando se use uma superfície branca, deve ser
um cartão resistente, mas que permita recortar quadrados individuais (em geral entre 2,5 e 6
cm de lado, segundo a conveniência), para cada exemplar a identificar.
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Preparação da esporada
Começa-se por limpar a superfície do chapéu, podendo-se humedecê-lo sob água corrente,
secando-se o excesso de água nas margens de encontro a um pano, e só depois separa-se do
pé. Geralmente separa-se cortando-o no ápice, mas em exemplares de chapéu côncavo ou de
grandes dimensões, ou ainda com o himenóforo muito de encontro ao pé como acontece nas
espécies de chapéu campanulado ou cónico, corta-se apenas um sector (∢ 60º–120º) do chapéu.
Depois de colocar sobre a superfície onde irão acumular-se os esporos, embebe-se papel
higiénico (ou semelhante) em água, escorre-se o excesso, e coloca-se sobre a cutícula do chapéu,
deixando o conjunto em repouso durante algumas horas para que se acumulem os esporos. A
ideia é que se mantenha a humidade do chapéu, e para esse efeito este método é melhor do que
simplesmente cobrir com um pequeno copo. Acontece por vezes o papel ficar demasiado colado
após a secagem, por isso (sobretudo em chapéus mais lubrificados) convém deixar algumas áreas
do chapéu sem papel.
Alternativamente, pode conservar-se o cogumelo intacto e mergulhar o
pé em água, simulando a situação no campo (figura 6), mas pode não
ser da mesma eficácia e é menos prático quando se têm muitos
exemplares. Pelo menos com o género Russula, há que ter o cuidado de
só mergulhar a extremidade do pé, para evitar o apodrecimento.
Qualquer que seja a opção, não deixar o himenóforo molhado, pois o
líquido constituiria uma barreira à passagem dos esporos (caso as
lâminas estejam coladas entre si, pode “pentear-se” o himenóforo com
a ajuda dum palito de madeira, substituindo-o se deixar de estar seco
no processo).
Convém escrever no cartão um identificador do exemplar e indicar a
data de colheita, e pode também ser útil desenhar com lápis o contorno
do chapéu (sobretudo em casos que o mesmo encolhe com a secagem
e/ou a esporada é branca). Entre 6 a 8 horas devem ser suficientes
para o diagnóstico da cor, mas no género Russula pode valer a pena
deixar mais tempo para eventualmente intensificar a coloração (mas
vigiar, pelo risco do chapéu apodrecer sobre a esporada, o que iria destruir a informação).
Uma aplicação adicional da esporada é dispor duma amostragem homogénea e abundante de
esporos maduros, que são a referência para todos os procedimentos de microscopia, e também
para os testes químicos (v. adiante).
Laboratório
Reacções químicas
Uma lista mais completa dos reagentes e suas aplicações encontra-se noutro ficheiro
(Reagentes.zip). Os que têm maior utilização são:
• KOH (ou NaOH): Cortinarius (20% dá vários tons diagnosticantes de certos subgéneros e
secções), outras Cortinariaceae (30–40%), Crinipellis, Cystoderma (ambos para hifas da
cutícula, a 3–5%), crisocistídeos...
• FeSO4 a 10%: em Russula, Leccinum e Xerocomus dá importantes colorações diagnosticantes.
Figura 6 — Esquema
alternativo para obtenção
de esporadas (cf. texto).
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• Reagente de Melzer: reacção amilóide (azul-escuro acinzentado) dos esporos distingue muitos
géneros, ou distingue subgéneros dentro de Amanita e Mycena, ou caracteriza o padrão de
ornamentações dos esporos de russuláceas, cora ascos e paráfises em ascomicetos, e a trama
de certas Boletaceae; reacção dextrinóide (vermelho a castanho-avermelhado) nos esporos
de diversos lepiotóides e também na trama de certos Crinipellis, Marasmius e Mycena. O
diagnóstico das reacções em esporos faz-se de preferência macroscopicamente, para tal
usando-se uma massa de esporos, recolhida a seco da esporada, à qual se deixa chegar a
margem duma gota do reagente de Melzer, sendo a coloração praticamente imediata (neste
caso, os esporos dextrinóides reagem como os amilóides, só se distinguindo a tonalidade ao
microscópio).
• Para aumentar o contraste das paredes celularese do citoplasma, usa-se como corante
genérico o vermelho de Congo a 1% (aq.; alguns usam-no em amoníaco a 2%, só indicado
para material re-hidratado); para o conteúdo celular usa-se floxina B amoniacal, azul de
anilina ou azul de metileno (o azul de tripano será ainda melhor, mas é um reagente tóxico).
As colorações duplas (por exemplo azul de metileno e vermelho de Congo) obtêm-se por
exposição sucessiva, intercalada por lavagem com água.
O amoníaco a 25% (em gota, ou só o vapor) pode substituir o KOH/NaOH concentrado em
muitos casos (mas tem o defeito de ser irritante), e o diluído se a 5%, enquanto acrescenta alguns
testes mais específicos em Cortinarius, Xerocomus e Leucoagaricus.
São ainda de referir, entre os mais usados com Russula: a sulfovanilina e similares, o fenol, e a
resina de guaiaco/1-naftol/água de anilina para as fenoloxidases. Outras reacções
diagnosticantes são o metacromatismo com azul de toluidina ou azul de cresilo, e as paredes
cianófilas com azul de anilina.
O resultado das reacções químicas condiz em geral com as descrições, mas pode haver surpresas
(ausência de reacção, tonalidade diferente), seja porque o cogumelo não está na fase de
desenvolvimento ideal para haver o resultado típico, ou por factores ambientais no local de
colheita (ou ainda, trivialmente, por má qualidade do próprio reagente). Um resultado atípico
não invalida forçosamente uma identificação, por isso a diagnose duma espécie não pode
depender apenas de reacções químicas, estas podem sim constituir auxiliares importantes no
percurso de identificação, que terá de incluir outros caracteres diagnosticantes.
Microscopia
Os caracteres microscópicos encontram-se principalmente no himénio, e observam-se
preferencialmente em preparações feitas à mão. É sempre importante (mesmo indispensável em
certos grupos) estudar a organização das hifas da trama, e as características dos esporos,
basídios e cistídeos. Excepto quando é importante observar a anatomia intacta, basta
geralmente um esfregaço: cortar um pedaço de 1 mm × 1 mm da lâmina ou tubo (ou de
“escalpes” muito finos da cutícula ou do pé), dissociá-lo bem sobre a lâmina de microscópio
dentro do meio de montagem (ou corante), e depois comprimi-lo debaixo da lamela,
esborrachando o material com lentos movimentos circulares da lamela, por exemplo com a
borracha que está na ponta oposta ao bico de certos lápis. Deve absorver-se o excesso de
líquido nas bordas da lamela com papel, e se houver interesse em preservar a preparação por
horas ou dias podem selar-se os bordos desta com verniz das unhas.
Quando se trata de colorações, pode ser necessário deixar passar 1 minuto antes de observar
(mas muito mais tempo para a reacção cianofílica), e pode ser necessário remover o excesso de
corante, para clarificar a cor do fundo, para tal colocando uma gota de meio de montagem dum
dos lados da lamela e absorvendo com papel do lado oposto. Ainda melhor é corar-se o
material a observar antes da montagem.
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Para a observação de queilocistídeos recomenda-se cortar com uma lâmina de barbear ou bisturi
um pequeno segmento só da aresta da lâmina, por exemplo uns 2 mm de comprimento por menos
de 0,5 mm de largura (só mesmo a aresta!), cora-se, e depois comprime-se sob a lamela como
descrito acima. Praticamente todo o material que se vai observar são queilocistídeos, se os
houver.
Só em certos casos, para observar a anatomia da
lâmina ou tubo, se tem de recorrer a cortes com
orientação definida.Deve evitar-se que a montagem
da lamela os oriente erradamente, nomeadamente
se forem menos finos tendem a assentar sobre a
superfície do himénio e desse modo não se consegue
ver nada. Para obter-se a necessária precisão,
fazem-se os cortes com auxílio duma boa lupa; as
técnicas usadas, nomeadamente a da “dupla faca”,
que até dispensa lupa, a tangencial ou a do bisturi
curvo (guilhotina), encontram-se descritas em
pormenor em Microscopia.zip.
A montagem da lamela tende a movimentar os
cortes e assim pode perder-se a orientação
pretendida para observação; uma maneira de
evitá-lo pode ser deixar secar-se o líquido
envolvente com papel absorvente, que facilita a sua
adesão ao vidro antes de adicionar meio de
montagem ou corante, e depois a lamela.
Com himenóforo de tubos, é preferível fazer os
cortes em material seco (pode cortar-se um bloco
estreito de chapéu fresco com tubos, e usar-se uma
lâmpada incandescente para fazer uma secagem rápida), e re-hidratar os cortes durante 10 a
15 segundos em etanol a 96%, transferindo para água a seguir. Segundo a orientação dos
cortes, o procedimento varia: para os cortes transversais, progredir dos poros até à base,
separando as observações de diferentes troços dos tubos (junto aos poros costuma haver
demasiados cistídeos); nos longitudinais (para ver a orientação da trama), é recomendável
manter alguma carne do chapéu unida à base dos tubos, para facilitar os cortes.
Pode usar-se KOH a 2–5% ou hidrato de cloral como meio de montagem (após a coloração)
para clarificar a preparação. Em Microscopia.zip encontram-se as fórmulas de diversos meios
de montagem com glicerina, que aumenta o índice de refracção e, com isso, a resolução.
Os esporos, que são talvez o mais universalmente importante carácter microscópico, embora
sejam observáveis nas preparações do himénio maduro, podem ser mais facilmente estudados
a partir da esporada; transfere-se com uma agulha espatulada um pouco do pó da esporada
para uma lâmina de microscópio seca, e adiciona-se o meio de montagem (ou reagente) e a
lamela. (nalguns casos, pequenas porções de himenóforo ficam coladas à superfície do cartão onde se fez a
esporada, por isso não é aconselhável raspar a esporada para transferir os esporos para a lâmina de microscópio,
mas sim tocar com uma agulha espatulada, humedecida se tal for necessário).
Observação dos esporos
Certos géneros muito grandes e com grande diversidade de morfologias dos cogumelos são
essencialmente unificados pelas características dos esporos (figura 8), por exemplo Entoloma
(esporos angulosos) e Cortinarius (globosos a forma de amêndoa, com verrugas); noutros a
Figura 7 — Sucessão de passos para a produção
de cortes à mão pela técnica da guilhotina,
exemplificados num pedaço de himenóforo lamelar
(cinzento). À esquerda, o material a cortar sobre
uma lâmina de microscópio, mostrando a orientação
da aresta e localização dalguns elementos do
himénio. A seta ilustra o primeiro corte. À direita,
posicionamento duma lamela de vidro sobre o
material a cortar, de modo a servir de guia para a
produção de cortes finos, a transferir para uma
gota de água colocada perto.
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variação da morfologia dos esporos é um elemento auxiliar de grande importância: Russula
(padrão formado pelas ornamentações amilóides), Lepiota (morfologias diversas).14
As dimensões dos esporos são bastante importantes, por vezes sendo o critério necessário para
distinguir duas espécies muito próximas entre si (no caso de Laccaria, até as dimensões das
equínulas são fundamentais, ver Laccaria.zip). Devem ser medidas com ocular micrométrica
calibrada e objectiva de 100×, com óleo de imersão entre a lamela e a objectiva; numa
amostra, a variação entre esporos pode ser bastante grande, de modo que se devem observar
vários (pelo menos 20) e indicar as médias e os limites superior e inferior de cada medida15
. O
quociente entre o comprimento máximo e a largura máxima de cada esporo é uma medida
complementar informativa, e a respectiva média e os valores extremos devem também ser
registados.
Cutícula
Quando seja necessário examinar microscopicamente a cutícula ou superfície do pé, pode ser
necessário realizar cortes. Isto, porque as definições para os diferentes arranjos de hifas na
cutícula pode exigir uma preservação cuidadosa da estrutura, que em esfregaço deve perder-se
ou ser difícil de interpretar. Os cortes geralmente têm de realizar-se na orientação radial para
evitar decapitar as hifas, usando a técnica da dupla faca (ver Microscopia.zip). Em certos casos
têm de analisar-se separadamente disco, coroa e/ou margem.
A lista de géneros que segue baseia-se nas chaves de géneros de Moser. Note-se que pode
haver espécies dos géneros listados que não exibem a característica em causa.
• Cutícula himeniforme: Bolbitius, Galerella, Conocybe, Pholiotina, Agrocybe, Simocybe, Gloiocephala, Dermoloma,
Myxomphalia, Fayodia, Oudemansiella, Mycenella, Strobilurus, Marasmius, Naucoria;
• Cutícula tricodérmica: Xerocomus, Oudemansiella, Flammulaster, Phaeomarasmius;
• Cutícula epitelial: Simocybe;
• Cutícula celular: Galeropsis, Flammulaster, Mycena, Phaeolepiota;
• Cutícula ramealis, hifas ornamentadas: Marasmiellus, Mycena, Campanella, Mycenella, Clitocybe alnetorum;
• Hifas gelatinizadas: Oudemansiella, Flammulina, Micromphale, Campanella, Hohenbuehelia, Resupinatus;
• Dermatocistídeos/caulocistídeos: Macrocystidia, Conocybe, Hydropus, Baeospora, Oudemansiella, Strobilurus,
Simocybe;
• Esferocistídeos: Melanophyllum, Cystolepiota, Cystoderma, Squamanita paradoxum, Phaeolepiota.
As espécies tradicionalmente classificadas no género Coprinus, que se subdividiram em 4 géneros,
são primariamentedistintaspela cutícula: epitelial, Coprinellus; himeniforme, Parasola; cútis radial,
Coprinus ou Coprinopsis.
Figura 8 — Variação da morfologia dos esporos dentro do padrão típico de alguns géneros.
18
Grupo Universitário de Micologia de Évora
Um método para a identificação de agáricos e boletos
Exsiccata
A preservação dos cogumelos secos para a verificação ulterior dos mais diversos aspectos
microscópicos, ou para obtenção de DNA, é muito importante não só para quem os identifica
como para quem alguma vez queira confirmar essa identificação. Este requisito é especialmente
crítico em espécies menos comuns, ou onde seja mais provável que ainda subsistam dúvidas, já
para não falar de quando talvez se trate duma espécie ainda não descrita ou dum trabalho
científico a publicar.
A preparação de exsiccata resume-se a secar os exemplares a uma temperatura moderada (30
a 40 ºC), de preferência com ventilação. Temperaturas mais elevadas podem prejudicar a futura
obtenção de DNA, enquanto temperaturas mais baixas não se adequam a espécies
deliquescentes, pela necessidade de conseguir a desidratação antes que fiquem em papa. É por
isso útil a ventilação, pois ajuda a acelerar a secagem. Por exemplo o himénio é instável nas
Agaricaceae, o chapéu também em certos Entoloma, Suillus, Russula, coprinóides, etc..
Os exemplares secos são preservados em sacos transparentes selados, contendo no interior uma
etiqueta de papel com o nome científico, um identificador único para catalogação, a data e o
local de colheita, eventualmente o contexto ecológico e comentários, senão mesmo a própria
ficha do exemplar; convém que a esporada esteja junta no saco. Muito importante assegurar a
completa desidratação do material, pelo risco doutros fungos começarem a crescer, ou de ácaros
devorarem os exemplares. Há seladores de sacos que aspiram o ar dentro do saco antes da
selagem, o que é fortemente indicado.
A análise micológica de exsiccata faz-se essencialmente por microscopia, usando meios de
rehidratação adequados (classicamente KOH a 2–4%, mas ver alternativas mais sofisticadas em
Microscopia.zip), e deve ter-se presente que muitas reacções químicas já não funcionam em
material preservado.
19
Grupo Universitário de Micologia de Évora
Um método para a identificação de agáricos e boletos
1. Entende-se aqui agáricos e boletos como espécies cujos corpos frutíferos são constituídos por chapéu (píleo) e pé
(estipe); os primeiros têm himenóforo com lâminas (lamelado) e os segundos himenóforo com tubos separáveis do
chapéu. Não confundir com os géneros Agaricus L. e Boletus L..
2. Ver http://www.dbio.uevora.pt/ectoiberica/GUME/, um site que disponibiliza e organiza a utilização desses
materiais. Todos os ficheiros referenciados neste documento pertencem a este site, bastando adicionar os nomes
apresentados a este URI.
3. No estudo de Morgado et al. (2006) sobre intoxicações com cogumelos registadas nas urgências do Hospital do
Espírito Santo de Évora, concluiu-se que em cada ocorrência havia sempre pelo menos um indivíduo entre os atingidos
capaz de reconhecer Amanita ponderosa Mal. & Heim correctamente, e no entanto não souberam detectar a
presença de exemplares de A. verna (Bull.) Lam., cujos sintomas de síndrome faloidínica foram claramente
documentados pelo processo patológico. Disponível em
http://home.dbio.uevora.pt/~oliveira/Genetica/Abstracts.htm#8
4. Se se estiver perante uma nova espécie, os elementos recolhidos, e a conservação dos espécimes, precisam de ser
suficientes para um especialista atestá-lo. Ver secção final sobre exsiccata.
5. Vê-se muitas vezes a tradução de cf. para “conferir”, o que não será exacto.
6. http://bookshop.cabi.org/?page=2633&pid=2112&site=191 (14-Outubro-2012).
7. http://www.indexfungorum.org/Names/namesrecord.asp?RecordId=234375 (14-Outubro-2012).
8. Amidella é, segundo Neville & Poumarat 2004, uma “série” dentro da subsecção Ovoideinae do género Amanita.
9. Entre outros sites de interesse geral, destaca-se o Mycobank, que em certos casos inclui as descrições usadas na
diagnose das espécies http://www.mycobank.org/Biolomics.aspx?Table=Mycobank (14-Outubro-2012).
10. O uso de pé-de-cabra é também opção comum, mas com a colher o esporocarpo acabado de levantar
“repousa” sobre ela, o que permite realizar observações sem precisar de lhe tocar.
11. Existe bastante variação entre autores sobre o conceito de sinuado, havendo algumas descrições que usam esse
termo para o que aqui se descreve como emarginado.
12. As descrições de Agrocybe cylindracea geralmente caracterizam a inserção do himenóforo como “adnata a
subdecurrente”, enquanto o exemplo da figura 4b é caracteristicamente decurrente. Ressalvando a possibilidade
dos exemplares em 4b não serem dessa espécie, este é mais um exemplo eloquente da variabilidade de critérios
entre autores, e/ou da possibilidade da variação entre espécies ser tal que haja exemplos que fogem à regra.
13. Ver ficheiro ECM.zip.
14. Figuras retiradas dos seguintes sites: http://www.entoloma.nl/html/entinrtoeng.html (Entoloma),
http://www.britmycolsoc.org.uk/download_file/view/109/ (Cortinarius),
http://www.mtsn.tn.it/russulales-news/tc_spores.asp (Russula), http://nature.berkeley.edu/brunslab/people/ev.html
(Lepiota)
15. Uma regra, descrita em Microscopia.zip, consiste em especificar os limites que deverão conter, na distribuição
Gaussiana, 90% das observações (média ± 1,65 desvio-padrão), e entre parêntesis os limites mínimo ou máximo
observados, se saírem fora desses limites.
Notas e referências
Agradecimento e dedicatória
A Guilhermina Marques (UTAD), agradeço os comentários e sugestões a este ensaio.
A Fátima Pinho-Almeida, Sandra Ferreira, Maria da Luz Calado, Ricardo Ramos Silva, Celeste Santos Silva, Luís
Morgado, Nuno Alegria, Carlos Vila-Viçosa, Rogério Louro, Rui Miguel Carvalho, Vasco Fachada, Isabel Passos e
Ricardo Castilho, a aprendizagem convosco está aqui, neste documento.
Grupo Universitário de Micologia de Évora
quan-
tidade
quan-
tidade
quan-
tidade
quan-
tidade
(Geral/ Amanitáceas e Pluteáceas/ Agaricus e lepiotóides)
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (cores, margem, text. macrosc./submacrosc., diâm.)
Geral (agaricóides)
HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, consistência/toque, detalhes)
PPÉÉ (cores, text., véu parc., forma, ápice, base, esporos, comprim.)
CCONSISTÊNCIAONSISTÊNCIA
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
hidnóide 9 liso/merulióide 9 poróide 9 gelatinoso 9
gasteróide 9 hipógeo 9 ressupinado 9 corticóide 9
coralóide/claviforme 9 falóide 9 acetabuliforme 9
DDESCRIÇÃO GERALESCRIÇÃO GERAL (formas, cores, margem, text.
macrosc./submacrosc., diâm.)
Geral (não-agaricóides)
HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, consistência/toque, detalhes)
CCONSISTÊNCIAONSISTÊNCIA
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte, r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (cor, margem, restos de véu universal ou parcial,
textura, diâmetro)
Amanitáceas e Pluteáceas
PPÉÉ (cor, restos de véu parcial, textura)
VVOLOLVVAA (tipo, cores)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (forma, umbo, textura centro e periferia, diâmetro)
Agaricus e Lepiotóides
LLÂMINAS JOÂMINAS JOVENSVENS (cor, detalhes)
PPÉÉ (texturas, cores, forma da base)
AANELNEL (textura, morfologia, detalhes)
DDESCOLESCOLORAÇÃOORAÇÃO (rosado, amarelo, etc.)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
Grupo Universitário de Micologia de Évora
quan-
tidade quan-
tidade
quan-
tidade
quan-
tidade
(Russula/Lactarius/Cortinarius etc./Higroforáceas)
Data das observações _____–_____–_____ Preenchido por _______________
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (brilho, cor predominante/secundárias, margem,
destacamento da cutícula, diâm.)
Russula
LLÂMINASÂMINAS (cor, reflexos, consistência, detalhes)
PPÉÉ (cor, descoloração, base, comprimento)
CCARNEARNE (sabor, consistência)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
FFERROERRO
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (cor/desenho, textura/toque, margem, diâm.)
Lactarius
LLEITEEITE (cor inicial, abundância, sabor, cor final)
LLÂMINASÂMINAS (cor, detalhes)
PPÉÉ (cor geral, cor na base, comprimento)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, anatomia do pé)
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
VVISCOSIDISCOSIDADEADE (chapéu, pé)
CCHAPÉUHAPÉU (textura, cor, margem, umbo, diâm.)
Cortinarius, Hebeloma,
Inocybe, Gymnopilus
LLÂMINAS JOÂMINAS JOVENSVENS (cor, detalhes)
PPÉÉ (cores, ápice, base)
VVÉU PÉU PARCIALARCIAL (tipo, cor, posição)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (diâmetro, cores, textura, viscosidade, descoloração)
Boletóides
HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor jovem/maduro, diâm. poros, descolor.)
PPÉÉ (cor de fundo, relevos, descolor., anel)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
EESPORADSPORADAA
CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, descolor., sabor, inserção do
himenóforo)
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs
., microsc., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA
Grupo Universitário de Micologia de Évora
quan-
tidade
quan-
tidade
(Higroforáceas/Mycena e afins)
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (viscosid., cores marg/ disco, perfil, diâm., descoloraç.,
text.)
higroforáceas
HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, aresta, descolor.)
PPÉÉ (base-meio-ápice: viscosid., text., cores; restos véu, descolor.,
forma, comprim.)
CCHEIROHEIRO
SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO
CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, inserç. himenóforo)
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (robustez, sabor, trama, esporos)
PPROPOSTROPOSTAA
ID _____ Local _______________ Data ___________
CCHAPÉUHAPÉU (diâmetro, cores, forma jovem, forma centro, textura,
separação cutícula, viscosidade)
Mycena, Mycenella,
Hemimycena, Resinomycena
HHIMENÓFOROIMENÓFORO (número de lâminas completas, pseudocolar, cor
geral, aresta)
PPÉÉ (comprimento, largura, cores, textura, consistência, leite, base)
CCHEIRO E GOSTOHEIRO E GOSTO
SSUBSTRAUBSTRATOTO
EESPORADSPORADAA
CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (inserção do himenóforo, etc.)
MMICROSCOPIAICROSCOPIA (esporos, queilocist., cutícula, caulocist.)
OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs
., etc.)
PPROPOSTROPOSTAA

Fungos identificação cogumelo

  • 1.
    Grupo Universitário deMicologia de Évora 2012.12.05 Um método para a identificação de agáricos e boletos (versão para impressão) Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 Antes de prosseguir. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Que nome atribuir (4) O desenvolvimento do corpo frutífero e a interpretação da morfologia. . . . . . . . . . . 6 Procedimentos de observação no campo (in situ). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Fichas de identificação (7); Uma nota importante (7) Chapéu.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Pé. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Himenóforo.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Corte longitudinal (9); Tubos (11); Lâminas (11) Esporos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Carne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Ocorrência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Transporte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Esporada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Preparação da esporada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Laboratório. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Reacções químicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Microscopia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Observação dos esporos (17); Cutícula (18) Exsiccata.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Notas e referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Agradecimento e dedicatória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Resumo das fichas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 1
  • 2.
    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Introdução Quando se pretende identificar um cogumelo (geralmente um agárico ou boleto1 ) é indispensável saber o que procurar nas suas características para atingir esse objectivo com eficiência e rigor. Este documento, em complemento aos glossários e métodos contidos em diversas publicações2 , procura sistematizar o método de trabalho que conduz à identificação dos agáricos e boletos, chamando a atenção para a importância que têm as diversas facetas da observação para tornar viável uma identificação segura. Em primeiro lugar apresenta-se uma visão do que é o processo de identificação, que deve ser lida com a maior atenção; prossegue sublinhando as variações morfológicas associadas à maturação do cogumelo (a avaliação dos caracteres macroscópicos requer a compreensão dos mesmos no contexto desse processo de maturação), para enfim listar, por etapas de tratamento da informação (in situ – esporada – laboratório), sugestões de abordagem à observação destes cogumelos. 2
  • 3.
    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Antes de prosseguir Seguem-se 6 noções de extrema importância para que um trabalho de investigação possa considerar-se responsável. Depois de ler, reler; e mais tarde, voltar a reler. Aqui reside muito do que é realmente próprio do “ofício” de identificar cogumelos. 1. Identifique qualquer cogumelo como se fosse responsabilidade sua dizer a outras pessoas que poderiam comê-lo. Isto significa poder identificar até à espécie, e ter uma certeza de “99%” sobre essa identidade — isto é, um grau de certeza MUITO ELEVADO. 2. Porque não “100%”? Porque, mesmo com o grau de certeza mais elevado que nos é possível atingir, devemos ter a consciência de ainda não ter sido dito tudo acerca da identidade taxonómica do cogumelo em causa, isto por uma ou mais das seguintes razões: i) O exemplar que temos entre mãos não é da mesma espécie que os descritos em guias, chaves, e mesmo monografias (será até uma nova espécie?); ii) Esse exemplar pertence apenas a uma das espécies dum “complexo” que à data da identificação se encontram erradamente reunidas num mesmo nome científico (daqui resulta que o nome científico que é determinado na identificação pode mais tarde vir a ser substituído, por outro que o consenso dos especialistas considerar ser o mais correcto para espécimes como o nosso); iii) A identificação pode falhar, por pouco mas significativamente, seja: a. por falta de informação de referência (é muito importante dispor de bibliografia adequada, e de imagens bem identificadas, de modo a avaliar de maneira crítica todas as alternativas plausíveis), ou b. porque um carácter diagnosticante foi mal avaliado, ou c. porque não foi dada importância a um carácter, presente ou ausente, que estabeleceria a necessária distinção. 3. São situações totalmente diferentes, para quem identifica, quando os exemplares são duma espécie que é abordada pela primeira vez, ou quando são de uma espécie já identificada anteriormente pelo próprio. • O primeiro processo é o de aprendizagem sobre a espécie: é no percurso que se faz para uma identificação correcta que se torna patente aquilo a que deve ser dada maior importância na observação de cada exemplar dessa espécie; havendo as condições para tal, nenhum detalhe deve ser deixado por observar. Nada é melhor do que este tipo de aprendizagem: é o cogumelo que nos ensina como deve ser observado. E se ela puder ser feita em grupo, o benefício é múltiplo e reforça a coesão do conhecimento partilhado. Uma vez feita essa aprendizagem, quando mais tarde houver nova oportunidade, tem lugar o segundo processo de reconhecimento da espécie, muito mais célere, e em geral com maior sensação de segurança. • O mesmo escrúpulo de rigor, utilizado nas identificações iniciais, deve ser mantido com espécies que se julga reconhecer, pois o excesso de confiança atraiçoa mesmo os mais experientes3 . • É sempre de aproveitar para aprender mais sobre espécies já conhecidas, quando se constate que há caracteres diagnosticantes ainda não observados. • Por isso, nenhum cogumelo deixa de constituir um desafio quando é pela primeira vez 3
  • 4.
    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos abordado; e mesmo que já tenha sido identificado uma vez, podem surgir novas incertezas, não só quanto à identidade dum novo exemplar, mas até quanto à identificação anteriormente feita. 4. Dito isto, também é verdade que se deve em princípio considerar qualquer cogumelo como identificável4 : i) quando devidamente municiado dos elementos bibliográficos (guias, chaves) e meios laboratoriais, ii) seguindo com rigor uma série de etapas de recolha de informações, iii) dispondo de tempo para uma análise aprofundada, incluindo a consulta com colegas experientes. Ou seja, requer investimento — logístico, metodológico (este ponto ii é o principal propósito do presente ensaio) e de tempo. 5. Se não se consegue certeza suficiente (“99%”) na identificação dum exemplar ao nível da espécie, deve lembrar-se o seguinte raciocínio: já é bom conseguir chegar ao género, e melhor ainda se se chega a um pequeno número de espécies num grupo infragenérico. Bom, apenas como consolação, pois é evidente que em geral não chega para garantir a “utilização” segura, nomeadamente para a ingestão, dos exemplares identificados aproximadamente. O grau de incerteza deve por isso ser claro através da identificação proposta (aqui exemplificado com a nomenclatura para a espécie Cortinarius trivialis Lge.): i) Cortinarius sp. (identificação só ao nível do género), ii) Cortinarius subg. Myxacium (identificação ao nível do subgénero), iii) Cortinarius sect. Myxacium (secção dentro do subgénero Myxacium), iv) Cortinarius aff. trivialis (aff. = affinis: referindo-se a um grupo muito próximo da espécie C. trivialis, neste caso dentro da secção Myxacium, mas provavelmente diferente de C. trivialis), v) Cortinarius cf. trivialis (cf. = circa forma5 : aparenta ser a espécie C. trivialis, mas com um grau de incerteza significativo). Em comparação com o nível de “99%” recomendado, dir-se-ia “95%” para v) e “90%” para iv). 6. Só com a experiência o observador irá aprendendo a apreciar este delicado equilíbrio entre a certeza e a incerteza (costuma notar-se em indivíduos menos experientes uma tendência para estarem “demasiado seguros”); mesmo nos mais experientes esta consciência nunca deixa de evoluir, é um percurso sem fim à vista. Que nome atribuir A nomenclatura dos fungos tem sofrido constantes revisões. A obra Dictionary of Fungi (ISBN 9780851998268 para a 10ª edição, de 2008, CABI International6 ) procura actualizar-se em harmonia com essas revisões, e embora constitua, como livro, uma referência de enorme importância nos mais diversos aspectos, é através dos bancos de dados em http://www.speciesfungorum.orge http://www.indexfungorum.org, constantemente actualizados, que todos se apoiam para determinar nomes. Seguem-se dois exemplos que ajudarão a compreender a utilização destes recursos. Suponha-se que, pela bibliografia disponível, a identificação dum cogumelo deu Paxillus panuoides (Fr.) Fr.; procurando no Index Fungorum aparecem, para este registo, outros dois nomes7 : Agaricus panuoides Fr. (basiónimo) e Tapinella panuoides (Batsch) E.-J. Gilbert. Este último nome está a verde, indicando precisamente que é um nome consensual listado no Species Fungorum. O basiónimo é o primeiro nome atribuído a esta espécie, e a ele está associado o 4
  • 5.
    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos exemplar ou conjunto de exemplares (holótipo) que esteve na base da descrição original. Neste caso trata-se dum nome dado por Batsch em 1783, e que em 1818 Elias Fries (representado pelo Fr.) adoptou; de acordo com uma regra especial da nomenclatura micológica, este processo leva a que a autoria fique exclusivamente associada a Fries. Mais tarde, Fries separou-o do género Agaricus, classificando-o com o género Paxillus, definido por ele em 1836, daí o nome com duas referências a Fr., onde a que está entre parêntesis é indicativa da existência dum nome anterior (neste caso, o basiónimo). Mas em 1931 Gilbert propôs a separação desta espécie (e outra) do género Paxillus, incluindo-as no género Tapinella criado para o efeito, e de acordo com as regras nomenclaturais restaurou-se a autoria de Batsch, que figura entre parêntesis por estar modificada (Agaricus panuoides  Tapinella panuoides). Pode perguntar-se: se o nome actualmente aceite data de 1931, então porque é que os guias de finais do século XX ainda listavam esta espécie dentro do género Paxillus? A resposta é simples: todos os nomes científicos são meras propostas, que podem ou não ser aceites consensualmente, e aparentemente esta não o foi durante muitos anos. Mas, quando se percebeu (pela comparação de sequências de DNA, em 1997) que o género Paxillus poderia ser heterogéneo e a melhor solução seria separar algumas espécies num outro género, teve de verificar-se se essa separação já havia sido proposta, e foi assim que se aceitou a de Gilbert. Um pormenor interessante, é que o entomologista Enderlein tinha já proposto em 1908 o género Tapinella, que actualmente abarca várias espécies de piolhos. Estas duplicações de nomes acontecem com alguma frequência entre nomenclaturas botânica e zoológica e não se anulam entre si, por isso Tapinella Enderl. refere-se ao piolho, e Tapinella E.-J. Gilbert ao cogumelo. A sinonímia de Tapinella no Species Fungorum sugere que Gilbert se baseou no nome duma “Tribo” Tapinia definida por Fries em 1821 dentro do género Agaricus, e que incluiria o então Agaricus panuoides. Este exemplo indicou também que deve sempre começar-se pelo Index Fungorum, especificamente em http://www.indexfungorum.org/Names/Names.asp e seleccionandoa opção Name; uma das razões para tal, é que há casos em que o nome figura apenas no Index Fungorum, sem proporcionar links a verde para o Species Fungorum. Geralmente isso significa que não existe consenso nomenclatural sobre o nome a utilizar, e nesse caso pode não ser fácil adoptar um nome. Em situações destas é aconselhável usar pelo menos dois, que pareçam representativos. Por exemplo, para Amanita ponderosa aparecem 3 entradas, todas a azul: i) Amanita ponderosa Malençon & R. Heim 1944; ii) Amanita ponderosa f. ponderosa Malençon & R. Heim 1944; iii) Amanita ponderosa f. valens (E.-J. Gilbert) Neville & Poumarat 2004. Se se procurar donde vem o epíteto valens, vê-se que nas Amanitaceae há várias designações, donde a mais antiga (basiónimo) é Amidella lepiotoides f. valens E.-J. Gilbert 19408 . Na sua revisão de 2004, Neville e Poumarat consideram que esta última é uma forma de Amanita ponderosa (que não estava descrita em 1940), não de Amanita (= Amidella) lepiotoides Barla. Uma regra nomenclatural, é que existindo mais que uma variante subespecífica, a variante de referência passa a ter-lhe agregado o correspondente nível taxonómico (neste caso a “forma”, f.), com repetição do epíteto e sem alterar a autoria, daí o ii da lista acima. As coisas complicam-se quando se busca pelo epíteto ponderosa, que nas Amanitaceae aparece também em Amanita curtipes var. ponderosa (Malençon & R. Heim) M.L. Castro 1997: automaticamente, resulta a construção Amanita curtipes var. curtipes E.-J. Gilbert 1941, para a variedade (“var.”) de referência descrita por Gilbert, e sobretudo passa a haver uma dúvida sobre o nível de classificação a dar: ou o de espécie com Amanita ponderosa (f. ponderosa), ou o de variedade com Amanita curtipes var. ponderosa. Aparentemente ainda não foi oficializado um consenso sobre esta questão, por isso nenhuma destas espécies está no Species Fungorum. É nestas situações que se considera prudente dar pelo menos um dos sinónimos, neste caso da 5
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Figura 1 — Esquema idealizado do desenvolvimento dos corpos frutíferos de agáricos e boletos. Figura 2 — Três exemplares de Tricholoma equestre (L.:Fr.) Kummer (n.v. míscaros), em diferentes estados de maturação (1–3). seguinte maneira: Amanita ponderosa f. ponderosa (= Amanita curtipes var. ponderosa). O estudo das sinonímias e acompanhamento da nomenclatura é um trabalho gigantesco que é canalizado para os curadores destes dois sites, que ao responderem com razoável celeridade às actualizações merecem de toda a gente em Micologia o respeito e um acompanhamento constante. Não estão desprovidos de problemas menores (alguns links não funcionam, por exemplo), mas no geral é o melhor que se pode ter à disposição abarcando todo o reino Fungi9 . O desenvolvimento do corpo frutífero e a interpretação da morfologia O corpo frutífero dos agáricos e boletos desenvolve-se a partir dum primórdio globoso, com duas direcções de crescimento: primeiro predomina na vertical, pelo alongamento do pé, depois na expansão horizontal, pelo crescimento do chapéu (figura 1). Numa fase inicial, o conjunto do corpo frutífero é envolvido por um véu universal, e a face inferior do chapéu, donde irão sair mais tarde os esporos, começa por estar protegida por um véu parcial unindo o pé à margem do chapéu. O véu universal é o primeiro a romper-se e pode reconhecer-se a sua existência pelos restos que possam persistir sobre o chapéu e/ou ao longo da metade inferior do pé (abaixo da inserção do véu parcial); o véu parcial, após romper, pode deixar vestígios no pé (no seu ponto de inserção) ou na margem do chapéu. Por sua vez, a base do pé é a parte onde remanesce mais do micélio primordial, e frequentemente exibe características distintas do restante cogumelo (é muito importante assegurar que o pé vem completo na altura da colheita). O crescimento do chapéu faz-se por extensão do centro para a margem, de que resulta permanecerem na periferia, durante mais tempo, as reminiscências da forma globosa original — assim (figura 2), um exemplar imaturo, apesar de em muitas espécies já poder ter grande parte da sua estatura final, tem um chapéu de diâmetro inferior, mais convexo na periferia (onde a margem chega a curvar-se sobre a face inferior); na maturidade, essa convexidade pode ou não desaparecer, até inverter-se, e a margem pode até curvar-se para cima na vertical, ou ainda ondular-se ou fender-se. Outro aspecto que varia com o desenvolvimento do chapéu é a cor, seja pela relativa “diluição” 6
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos da mesma quando o chapéu se expande, seja pela evolução das tonalidades durante o processo, seja ainda pela permanência nos exemplares mais desenvolvidos das tonalidades de fases imaturas (que, como referido acima, tenderão a permanecer mais tempo junto da margem). O himénio (o tecido reprodutor que recobre quase totalmente a superfície inferior do chapéu) pode atravessar uma sucessão de cores ao longo do desenvolvimento do corpo frutífero, principalmente em casos onde a cor dos esporos é diferente e passa a predominar, ou onde acontecem mudanças na cor do micélio que lhe serve de base. Recomenda-se a visualização do filme de Louie Schwartzberg com Paul Stamets, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=EDkR2HIlEbc, que ilustra diversos aspectos aqui descritos. Procedimentos de observação no campo (in situ) Fichas de identificação Há que distinguir entre a diagnose taxonómica e a identificação prática. A primeira consiste do registo quanto possível exaustivo dos caracteres observáveis, a segunda apenas requer os caracteres que permitam uma identificação sem ambiguidades. E saber quais utilizar na prática de identificação é altamente facilitado pelo contexto taxonómico ao nível do género, pois se é por vezes relativamente fácil determinar o género, raramente é fácil determinar a espécie — e dentro de cada género, o conjunto de caracteres relevantes é bastante crítico e peculiar. É assim necessário ter sempre presente que, seja fácil ou difícil determinar o género, uma vez a esse nível segue-se em geral um árduo e muitas vezes frustrante trabalho de observação para a determinação da espécie, que pode ser ainda mais dificultado se não tiver sido feito o registo de caracteres críticos, que quando se aborda o cogumelo no laboratório já não estão disponíveis, ou estão alterados. O facto de vários géneros (Russula, Lactarius, Amanita, Laccaria, Agaricus, Hebeloma, Inocybe ou Cortinarius, e frequentemente as higroforáceas, alguns boletóides e os lepiotóides) serem “fáceis” de determinar, no sentido em que quem já esteja habituado chega rapidamente ao nível do género e com relativa segurança, sugere a montagem de estratégias de identificação diferenciadas, que encontram a sua expressão prática através das fichas de identificação. Estas fichas tiram partido de circunscrever-se a identificação dentro dum grupo (seja o género ou níveis próximos do género, como a tribo/subfamília ou o subgénero) para fazer-se uma observação relativamente simplificada dos caracteres mais significativos, desde logo chamando a atenção para a informação mais importante a observar no local de colheita. Tem-se a ganhar com isso menor dispêndio de tempo nas observações de campo, sem perda de informação crucial. Em apêndice apresenta-se uma compilação destas fichas apenas para efeito de comparação (incluindo uma ficha geral, que de certa maneira traduz as orientações gerais do presente ensaio), e que estão disponíveis na forma operacional em Fichas.zip. Em cada uma se delimitam com um tracejado os caracteres que importa registar no local da colheita. As fichas preenchidas podem ser arquivadas na forma original, ou separadas por exemplar para ficarem associadas aos exsiccata. Uma nota importante É desejável (mesmo imperativo) basear a identificação num conjunto de exemplares, mas há que assegurar com a maior confiança que todos esses exemplares correspondem a um mesmo micélio; doutra maneira, são identificações separadas, mesmo que se conclua serem da mesma espécie. 7
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Figura 3 — Plano do chapéu dum exemplar de Amanita vaginata (Bull.) Lam. e a subdivisão da sua superfície em regiões concêntricas, desde a margem até ao centro, destacando-se a diferença de cor no disco (foto de Ricardo Ramos Silva) Chapéu Entende-se aqui a observação dos caracteres externos da face superior do chapéu. Cor: mesmo que pareça mais ou menos uniforme, verificar sempre se pelo menos a margem tem tonalidade diferente; quando não é uniforme, mentalmente subdividir a superfície considerando a margem, a coroa, o disco e o centro, para estruturar a observação (figura 3; atenção que a margem pode ser bastante estreita, e que por vezes entende-se coroa como sendo toda a superfície para dentro da margem, isto é, até ao centro). Por outro lado, o chapéu pode ser higrófano: por exemplo entre a colheita no campo e a chegada ao laboratório, a desidratação pode empalidecer a cor do chapéu, o que de resto é um carácter diagnosticante em vários géneros; repondo a humidade com água, ou (melhor ainda) conservando-a em alguns exemplares logo desde a altura da colheita, permite avaliar o carácter higrófano de maneira objectiva. Note-se que as diferenças entre exemplares com diferentes estádios de maturação (v. secção anterior) não tem a ver com o carácter higrófano, pois este último consiste numa diferença de cor, dependente da perda da humidade no chapéu, para o mesmo exemplar. Forma: distinções importantes entre o campanulado, cónico, plano-convexo, côncavo e em funil, ondulação ou fendimento da margem com a expansão, presença de papila ou umbo no centro, etc.. Todos estes caracteres são altamente dependentes do estado de maturação (figuras 2 e 4b). Relevos: distinguir entre restos do véu universal (v. abaixo) e o relevo próprio da cutícula (por exemplo fendida irregularmente como em Xerocomus chrysentheron, ou separada em escamas distribuídas mais ou menos regularmente, como em Macrolepiota procera); em certos casos, notam- se texturas apenas bidimensionais, formando padrões radiais (Amanita phalloides, Russula cyanoxantha, etc.), concêntricos (Lactarius deliciosus, L. chrysorrheus), etc.. Na margem, é frequente surgirem estriações radiais regulares, mais ou menos pronunciadas (figura 3), por vezes apenas à transparência (desenho da inserção das lâminas, visível devido à reduzida espessura da carne nessa região), mas noutros casos formando sulcos mais ou menos profundos, podendo mesmo haver relevos entre eles (tubérculos, por exemplo o grupo de Russula subfoetens e R. sororia). Cutícula: avaliar o brilho e o toque sempre que possível com a cutícula naturalmente húmida, senão, pelo menos a permanência de restos de solo ou manta morta a ela agarrados podem denunciar cutícula mais ou menos viscosa no estado húmido. Por vezes o toque é diferente entre disco e margem. Em Russula, testar a extensão em que a cutícula se separa do chapéu. Restos de véu universal: quando presentes, registar a disposição, mesmo se formam algum padrão ou desenho; se ausentes, pode dar-se o caso de terem sido removidos por erosão (nomeadamente, pela acção da chuva), e nesse caso a sua ausência não é diagnosticante. Pé Ápice (junto à inserção do chapéu): não só pela proximidade ao chapéu, mas também por nunca estar em contacto com o véu universal, e possivelmente outras causas, costuma trazer especificidades de cor, ou detalhes de textura, por exemplo pruinosidade (v. abaixo); nunca tem restos de véu universal. Em exemplares maduros, a cor pode estar alterada pelos esporos, devendo tentar-se observar onde não os haja. Pode haver marcas do contacto com o himenóforo em fases iniciais. 8
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Base: é imprescindível assegurar que toda a base é desenterrada, para tal usando-se uma ferramenta de alavanca, como uma colher de jardinagem10 ; as suas particularidades manifestam-se pela cor ou certas manchas — por isso verificá-lo, se possível de imediato, com a limpeza de restos aderentes de substrato usando uma escova de dentes (média ou macia) e água — mas também pelo cheiro e/ou pela forma; pelo menos em Amanita, o tipo de cobertura da base do pé com restos de véu universal (volva) é indispensável à identificação. A forma da base, em comparação com o restante do pé, é geralmente importante, pois pode ser atenuada, mesmo radicante, clavada (dilatando-se como que a formar uma moca invertida), bulbosa (marginada ou não), encurvada, etc.. Também podem apresentar-se cordões de micélio (“rizóides”). Restos de véu parcial: anel (em certos casos muito fugaz) ou, na maior parte dos Cortinarius e nalguns Hebeloma e Inocybe (também nos géneros Gymnopilus e Hypholoma), vestígios de cortina, cuja cor pode não corresponder à da superfície do pé. A cor da cortina pode ser difícil de avaliar se estiver tingida pela deposição de esporos, ou se formar uma camada muito regular sobre o pé; nestes casos, uma boa maneira de avaliar/confirmar a cor da cortina é pelo exame das superfícies laterais do pé em corte longitudinal (v. abaixo). O uso do termo anel duplo refere-se a anéis com duplo rebordo, como por exemplo em Macrolepiota procera. Restos de véu universal: na base, com variantes que são fundamentais para a identificação no género Amanita, e por vezes até à zona de inserção do véu parcial (notórios por exemplo em Amanita excelsa, que praticamente não tem volva na base). Relevos: principalmente nos boletos e afins, sob a forma de reticulados, fibras ou granulações no todo ou parte do pé, por vezes com tonalidade própria a distinguir da cor de fundo. É preciso distinguir entre o que são relevos próprios do pé e os restos de véu parcial ou universal que lhe ficam colados. Viscosidade: à semelhança do chapéu, a presença de restos de solo ou manta morta acima da base pode servir para verificar a viscosidade em exemplares já algo secos. Pruinosidade: pode ser muito fugaz (sempre muito cuidado na manipulação do pé), verificar com lupa de mão a sua presença, aspecto e distribuição. Himenóforo Himénio e himenóforo são conceitos distintos. O himénio é o tecido fértil, que em agáricos e boletos está distribuído nas faces das lâminas e no revestimento dos tubos, respectivamente, formando um tecido de camada simples constituído por basídios e outros elementos, e que se estuda por microscopia; o himenóforo é a estrutura onde se encontra o himénio, sendo no presente contexto o conjunto das lâminas ou tubos projectando-se da base do chapéu. Na orientação das observações do himenóforo, usa-se como padrão o cogumelo com o chapéu para baixo: a superfície de contacto do himenóforo com a carne do chapéu constitui a sua base, e fala-se de altura do himenóforo para a medida desde a base até à aresta das lâminas/aos poros dos tubos. Deve considerar-se, nas descrições do himenóforo, como partindo da periferia para o centro. Corte longitudinal É impressionante a quantidade e importância da informação que pode resultar da observação dos corpos frutíferos seccionados pelo centro, no sentido longitudinal. A melhor maneira de efectuar este corte é, utilizando por exemplo um xisato, atravessar o chapéu, entre duas lâminas do himenóforo, até ao centro, prolongando pelo pé até à base, deste modo cortando o corpo frutífero em duas metades (em boletos convém que a incisão se faça apenas sobre o chapéu, 9
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos separando as duas metades com as mãos para analisar o tipo de trama do himenóforo). A informação mais universalmente importante é a inserção do himenóforo no pé, mas este corte também tem grande importância para a observação de zonações da carne, tipo de inserção do véu parcial no pé, cor da cortina, etc.. Inserção do himenóforo: só pode ser avaliada correctamente quando em corte longitudinal. O himenóforo pode ser (note-se que esta classificação depende primariamente da maneira como se insere no pé, sendo que o seu perfil desde a margem até ao pé introduz algumas variantes): i) livre – não chega a atingir o pé, na maior parte dos casos porque sobe em direcção ao chapéu mesmo junto ao pé (figura 4a), noutros casos porque termina num “colar” que pende do chapéu, a envolver o pé sem lhe tocar (himenóforo colariado). Certos himenóforos não- livres (nem sequer colariados) soltam-se da sua inserção com a expansão do chapéu, o que se nota no corte pelo perfil abrupto da face que esteve em contacto com o pé. Note-se que as lâminas incompletas (isto é, que são menos curtas que outras no mesmo himenóforo, i na figura 4) não contam para um himenóforo ser considerado livre. ii) adnexo – atinge o pé, mas estreita-se no troço terminal. Quando a redução da altura forma uma concavidade pronunciada diz-se emarginado ou sinuado, dependendo se começa bruscamente, já próximo do pé, ou mais longe (respectivamente11 ); e diz-se ascendente se o himenóforo mantiver uma convexidade regular. Nos diversos casos a porção do pé onde se une o himenóforo pode ser tão estreita que parece livre (sublivre, ou e n t ã o “ p r o f u n d a m e n t e emarginado”), mas no caso dos himenóforos realmente livres o ângulo de descida para o contacto com o chapéu, praticamente recto, é muito mais acentuado do que nos adnexos (figura 4a). É ainda comum encontrarem-se himenóforos emarginados “decurrentes de um dente”, v. adiante). iii) adnato – atinge o pé praticamente sem reduzir a altura. Quando o himenóforo vai aumentando de altura regularmente, até atingir o pé, diz-se triangular, o que é uma transição para o himenóforo decurrente (por vezes confundem-se). iv) decurrente – em sentido estrito, prolonga-se ao longo do ápice do pé, formando com este um ângulo agudo bastante fechado (figura 4b); é subdecurrente se se prolongar numa extensão muito curta, de tal maneira que o ângulo com o pé é mais aberto, 60–80º; quando tem um perfil direito mas uma base côncava, diz-se segmentiforme. Muitos himenóforos emarginados ou sinuados (v. acima) apresentam um troço terminal decurrente, dizendo-se Figura 4 — Exemplos de himenóforo livre (a – Agaricus cf. xanthodermus Genev.) e decurrente (b – Agrocybe cylindracea (DC.) Maire). Neste último, note-se a influência do estado de desenvolvimento (vinheta dos cogumelos intactos à esquerda) sobre a morfologia apresentada. A letra i aponta para os limites de lâminas incompletas. Em a), note-se o véu parcial ainda intacto e a sua inserção descendente, isto é, em direcção à base do pé. 10
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos decurrentes de um dente/uncinados (continuando a ser considerados adnexos). Na verdade, deve considerar-se a variação desde livre a decurrente um contínuo, mas esta classificação visa simplificar a sua avaliação. Se os extremos (figura 4) são relativamente consensuais, já as interpretações de tipos intermédios podem variar entre autores, e com isso dificultar a utilização deste carácter, geralmente muito importante, na diagnose12 . Tubos Cor: em muitas espécies do género Boletus o himenóforo pode evoluir do bege ao amarelo esverdeado à medida que se dá o amadurecimento, independentemente dos esporos; na secção Luridi, a cor dos poros (alaranjado a vermelho) é distinta da dos tubos (de cor pálida); e a descoloração do himenóforo para azul, pelo toque, deve ser verificada em vários géneros. Poros: a sua geometria (circulares, poligonais) e regularidade deve ser investigada usando uma boa lupa de mão; pode haver interesse em contar o número de poros por milímetro, dando atenção a duas condicionantes: o grau de maturação (isto é, se o chapéu já se encontra plenamente expandido), e a possibilidade desse número variar com a distância da margem. O himenóforo pode deteriorar-se até à chegada ao laboratório, por isso é recomendável que estes exames se façam logo in situ. Lâminas Cor: se os esporos forem pigmentados, tentar descontar o efeito da sua acumulação nas faces; nalguns casos a remoção dos esporos acumulados à superfície por lavagem resulta, mas não é recomendado, é preferível comparar entre exemplares em diferentes estados de maturação para o caso de haver diferenças associadas ao estado de desenvolvimento do corpo frutífero (importante em Agaricus, e sobretudo em Cortinarius); há casos em que a aresta das lâminas tem uma cor diferente, e deve-se registar a presença de manchas também de cor diferente, devidas quer à maturação dos esporos assíncrona (isto é, por zonas), quer à acumulação de pigmentos (no himénio ou na trama). Consistência e toque: passar o polegar, como que a “folhear” as lâminas (quebradiças, gordurosas, ceráceas, etc.). Morfologia e exsudações: bifurcações, anastomoses ou intervenações, e (geralmente só em exemplares jovens) gotículas aderentes às faces ou às arestas; a aresta pode ser avaliada com lupa, interessando o seu recorte (direito, serrilhado, rasgado, etc.) bem como particularidades de cor (v. acima) e texturas (geralmente devidas a queilocistídeos). Esporos A cor dos esporos é um carácter muito importante que se avalia apenas pela esporada (v. adiante), mas já no campo pode ter-se uma ideia aproximada, o que é importante se isso ajudar a decidir que ficha utilizar para o registo de observações. Pode fazer-se de duas maneiras: i) cor dos depósitos de esporos no pé ou restos de véu parcial em exemplares maduros, também sobre outro objecto que se encontrasse por baixo do himenóforo (acontece frequentemente, em frutificações imbricadas, o chapéu dum exemplar estar coberto pela esporada doutro acima dele), ou ii) caso se encontrem corpos frutíferos representando estádios sucessivos, pela evolução da cor das faces das lâminas à medida que se dá a maturação. Esta abordagem permite apenas uma aproximação da cor da esporada, tanto mais que o fundo onde se avalia (outros objectos, pé, restos de véu, lâminas ou tubos) tem tonalidade própria que não o branco. Não dispensa, em casos mais críticos (por exemplo no género Russula ou nos 11
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos géneros de esporada castanha), a determinação precisa pela esporada. Por outro lado, os depósitos de esporos sobre o pé podem confundir a avaliação da cor dos relevos da superfície deste, por isso se possível analisar também zonas do pé que não os tenham. Carne Na observação macroscópica, o micélio que preenche o interior dum cogumelo, tanto no pé como no chapéu, é denominado carne ou, mais tecnicamente, contexto. Já na observação microscópica designa-se sempre por trama. Cores e anatomia da carne em corte longitudinal: melhor que em qualquer outro plano, o corte longitudinal permite avaliar nuances de cor da carne em várias regiões (subcutícula, junto à base do himenóforo, córtex do pé, base do pé, etc., figura 5), transições da cor da carne por exposição ao ar (descoloração azul em diversos boletos, vermelha e negra na secção Compactae do género Russula, etc.), assim como caracterizar eventuais cavidades ou zonações internas, perfil da volva, e morfologia da base do pé (mais fácil de avaliar do que pelo exame da superfície). A trama filoporóide em Xerocomus caracteriza-se facilmente pelo rasgar das paredes dos tubos quando se realiza a separação manual do himenóforo em duas metades (a trama boletóide nos restantes boletos permite que fiquem intactas). Látex ou leite: em Lactarius, liberta-se após incisão nas lâminas dum exemplar fresco, devendo observar-se a cor inicial, transparência, abundância e sabor; os subgrupos dentro deste género definem-se em função da sua cor poder ou não mudar após a exposição ao ar, ou ao secar sobre as lâminas (também a análise do córtex do pé, em corte longitudinal ou em corte transversal, pode ser útil nesta análise). Em certas espécies de Mycena, liberta-se látex cortando o pé transversalmente, devendo observar-se a cor. Descoloração ao toque: dar atenção aonde se manuseou (ou outros possíveis atritos), especialmente no pé, himenóforo com tubos, ou no chapéu. Importante por exemplo em Agaricus. Cheiro: de grande valor diagnosticante dentro de muitos géneros, geralmente requer bastante habituação (e discussão!) para que se descubra a sugestão de odor duma espécie (alguns dos mais importantes lembram flocos de farinha ou de aveia, crustáceos a cozer, flor de sardinheira, pepino, esperma, maçã fresca ou cozida, cloro, iodo, anis, batata, detergente, amêndoas amargas, rábano, verduras frescas...). É muito importante registar-se no material acabado de colher assim como no laboratório — pode dar-se o caso do cheiro inicial desaparecer, intensificar-se, ou até alterar-se. Em princípio qualquer parte do corpo frutífero exala o odor, mas em certos casos o local é mais preciso: na junção do pé com o chapéu, na margem do chapéu, na base do pé... Noutros casos só aparece quando se faz a secção longitudinal, ou em certas fases da maturação, ou algum tempo após a colheita. É importante reter que não serve de grande coisa caracterizar um odor de maneira vaga como “agradável”, “a cogumelo”, etc. — deve ser definido de maneira precisa. O reconhecimento de odores é uma capacidade que se adquire com treino, e que merece a pena desenvolver. Sabor da carne: muito importante em certos grupos (Russula, Cortinarius, boletos, etc.). A prova faz-se em geral mordiscando entre os incisivos um pequeno pedaço da superfície do pé ou do interior do chapéu, cuspindo-se em seguida e aguardando a eventual formação dum paladar (embora desaconselhado com espécies que se suspeite serem venenosas, o risco é mínimo se se Figura 5 — Algumas regiões que se distinguem no corte longitudinal. 12
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos proceder desta forma). Não esquecer que a obliteração do cheiro (por exemplo se se está constipado) inibe fortemente a sensação do gosto. Em particular no que respeita a dividirem-se as espécies de Russula entre “picantes” e “não- picantes”, a utilização deste critério requer alguns esclarecimentos: i) O sabor da carne pode ser muito contrastante entre lâminas e chapéu ou pé, especialmente nas espécies do subgénero Compactae (onde este carácter tem de resto relevância menor). No geral, onde haja diferença as lâminas são mais picantes, e chega-se a especificar separadamente para as lâminas e para a carne, mas na generalidade dos textos de referência isso não acontece. Para estabelecer um critério mais útil (v. abaixo), recomenda-se que o sabor das lâminas não seja levado em conta na avaliação. Além disso, pela subjectividade de quem faz a prova, e porque são possíveis variações dentro duma espécie, a intensidade do carácter picante não deve ser sobrevalorizada na identificação. ii) A classificação dos sabores é mais relevante no subgénero Russula, onde existem algumas secções que são inteiramente constituídas por espécies picantes (em diferentes graus segundo as espécies) e outras onde só ocasionalmente existe uma ou outra espécie picante (ver Russula.zip). Por isso, uma vez determinado o subgénero Russula, só o sabor não-picante tem interesse porque permite excluir as secções tipicamente picantes, enquanto o sabor picante pouco faz avançar e tem-se de recorrer a outros critérios. iii) Na realidade, o termo âcre empregado por Courtecuisse traduz-se como “irritante” ou “agressivo”, enquanto douce pelo mesmo autor se traduz como “suave”. Por exemplo, um sabor mentolado é picante, mas não agressivo, e não é descrito como âcre. Quando se tente especificar para além da distinção entre agressivo ou suave, deve recordar-se o comentário acima (v. cheiro) sobre avaliações vagas: se se reconhece algum sabor em concreto, fazer o possível por identificá-lo com precisão (mentol, nozes...). Ocorrência Distribuição no local: isolados ou em grupos, e neste caso se chegam a ser cespitosos, ou formam anéis de fada, dispersos ou localizados, etc.. A abundância local duma espécie (não tanto em número de corpos frutíferos por unidade de área, mas sim na relativa predominância em comparação com outras espécies) é uma informação ecológica importante, seja pelas características do local, seja pela época (temperaturas e datas, etc.). Em climas temperados, o termo termófilo costuma ser usado para espécies que preferem ecossistemas mediterrânicos, mas por vezes aplica-se às espécies vernais. Substrato: solo (humícolas, também terrícolas), manta morta (folícolas), lenho (lenhícolas), excremento (coprófilos, também fimícolas), dunas (amófilos), etc. — no caso de ser no solo, se com musgo, em zona queimada por incêndio (pirófilos), salinidade elevada (halófilos), riqueza de Azoto (nitrófilos), etc.. Registar se há perturbação com mobilizações do solo (mesmo que a alguns metros de distância). Flora associada (especialmente em géneros ectomicorrízicos13 ): principal distinção entre coníferas e folhosas (estas sobretudo Quercus, Castanea, Betula, ou outras Fagales, mas também ericáceas, Cistus, Tuberaria, Alnus, salicáceas, mirtáceas, etc.); também os parasitas e saprófitos podem preferir certas árvores, e os saprófitos podem especializar-se por ambientes florestais, ou pastos, próximo de cursos de água, zonas alpinas, etc.. Transporte Nunca usar sacos de plástico, nunca misturar espécies diferentes (deixá-los juntos num cesto de vime é péssima ideia), evitar “abafar” as colheitas em envólucros que não facilitem a 13
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos transpiração, como é o caso da folha de alumínio. As melhores opções são: sacos de papel ou cartão (como para transportar pão) para exemplares grandes, papel de seda para os médios e pequenos, sempre fazendo por deixar aberturas que facilitem a transpiração; e caixas de ovos (de preferência meia dúzia cada), especialmente para exemplares de tamanho médio a pequeno, mas não muito pequenos. Esporada Por si só, os esporos fornecem informações muito importantes, a começar pela cor. Este carácter nem sempre é deduzido correctamente da simples observação das lâminas, mesmo usando uma lupa forte, ou pela observação de esporos individualmente, ao microscópio (contudo, não deixam de ser auxiliares importantes!). Este carácter constitui uma verdadeira encruzilhada na determinação de agáricos ao nível do género (v. por exemplo as chaves em ChavesMoser.zip, Chaves_E&R.zip, ChavesMcAdam.zip e ChavesCourtecuisse.zip), e só se considera adequada a observação da “esporada”, isto é, duma massa de esporos sobre superfície branca. A obtenção da esporada é, praticamente, um procedimento obrigatório em agáricos. As cores da esporada podem classificar-se segundo o seguinte esquema: Esporadas pálidas: branco, creme a ocre, amarelos, rosa claros, lilás. Esporadas de tons médios: róseos pardos (por vezes parecendo cor de tijolo), castanhos (ferrugem, tabaco, tijolo, caramelo, “chocolate de leite”, castanho seco), cinzento-violeta. Esporadas de tons escuros: “chocolate preto”, roxo escuro, preto. Além destas categorias, cada uma representando um ponto de partida para subsequentes subdivisões tendo em conta outros caracteres, há as esporadas verdes, que dão identificações quase directas (na Europa, incluem-se o género Melanophyllum e a secção Strobiliformes do género Amanita). É importante ter em atenção que a cor “correcta” da esporada é a obtida nas primeiras horas, pois pode alterar-se (as de Melanophyllum passam a castanho-avermelhado escuro, as de Russula tanto podem ficar mais claras como escurecerem). No género Russula o contínuo de cores desde o branco/quase-branco até ao amarelo forte está subdividido em classes de tonalidades (4 ou 8, segundo os sistemas), e esta informação é crítica para a identificação: branco (I ou A); creme/bege (II ou B–C); ocres (III ou D–F); amarelos (IV ou G–H). O sistema mais simples (4 cores) é provavelmente o mais funcional. Usando exemplares nem muito jovens nem demasiado velhos, a esporada realiza-se sobre uma superfície branca porque, se se usar fundo escuro, ou de qualquer cor que não o branco, as diferenças entre branco e quase-branco da esporada, assim como as tonalidades de castanho, podem não notar-se (o problema de encontrar uma esporada branca sobre superfície branca resolve-se, se a superfície em questão tiver algum lustro como é o caso das cartolinas, pois os depósitos são sempre baços, muitas vezes com relevos devido ao perfil das lâminas, e notam-se sempre pelo exame contra luz tangencial); alternativamente, pode obter-se a esporada sobre uma superfície transparente, por exemplo uma lâmina de vidro ou película de acetato, e depois contrastar à transparência com um fundo branco. Quando se use uma superfície branca, deve ser um cartão resistente, mas que permita recortar quadrados individuais (em geral entre 2,5 e 6 cm de lado, segundo a conveniência), para cada exemplar a identificar. 14
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Preparação da esporada Começa-se por limpar a superfície do chapéu, podendo-se humedecê-lo sob água corrente, secando-se o excesso de água nas margens de encontro a um pano, e só depois separa-se do pé. Geralmente separa-se cortando-o no ápice, mas em exemplares de chapéu côncavo ou de grandes dimensões, ou ainda com o himenóforo muito de encontro ao pé como acontece nas espécies de chapéu campanulado ou cónico, corta-se apenas um sector (∢ 60º–120º) do chapéu. Depois de colocar sobre a superfície onde irão acumular-se os esporos, embebe-se papel higiénico (ou semelhante) em água, escorre-se o excesso, e coloca-se sobre a cutícula do chapéu, deixando o conjunto em repouso durante algumas horas para que se acumulem os esporos. A ideia é que se mantenha a humidade do chapéu, e para esse efeito este método é melhor do que simplesmente cobrir com um pequeno copo. Acontece por vezes o papel ficar demasiado colado após a secagem, por isso (sobretudo em chapéus mais lubrificados) convém deixar algumas áreas do chapéu sem papel. Alternativamente, pode conservar-se o cogumelo intacto e mergulhar o pé em água, simulando a situação no campo (figura 6), mas pode não ser da mesma eficácia e é menos prático quando se têm muitos exemplares. Pelo menos com o género Russula, há que ter o cuidado de só mergulhar a extremidade do pé, para evitar o apodrecimento. Qualquer que seja a opção, não deixar o himenóforo molhado, pois o líquido constituiria uma barreira à passagem dos esporos (caso as lâminas estejam coladas entre si, pode “pentear-se” o himenóforo com a ajuda dum palito de madeira, substituindo-o se deixar de estar seco no processo). Convém escrever no cartão um identificador do exemplar e indicar a data de colheita, e pode também ser útil desenhar com lápis o contorno do chapéu (sobretudo em casos que o mesmo encolhe com a secagem e/ou a esporada é branca). Entre 6 a 8 horas devem ser suficientes para o diagnóstico da cor, mas no género Russula pode valer a pena deixar mais tempo para eventualmente intensificar a coloração (mas vigiar, pelo risco do chapéu apodrecer sobre a esporada, o que iria destruir a informação). Uma aplicação adicional da esporada é dispor duma amostragem homogénea e abundante de esporos maduros, que são a referência para todos os procedimentos de microscopia, e também para os testes químicos (v. adiante). Laboratório Reacções químicas Uma lista mais completa dos reagentes e suas aplicações encontra-se noutro ficheiro (Reagentes.zip). Os que têm maior utilização são: • KOH (ou NaOH): Cortinarius (20% dá vários tons diagnosticantes de certos subgéneros e secções), outras Cortinariaceae (30–40%), Crinipellis, Cystoderma (ambos para hifas da cutícula, a 3–5%), crisocistídeos... • FeSO4 a 10%: em Russula, Leccinum e Xerocomus dá importantes colorações diagnosticantes. Figura 6 — Esquema alternativo para obtenção de esporadas (cf. texto). 15
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos • Reagente de Melzer: reacção amilóide (azul-escuro acinzentado) dos esporos distingue muitos géneros, ou distingue subgéneros dentro de Amanita e Mycena, ou caracteriza o padrão de ornamentações dos esporos de russuláceas, cora ascos e paráfises em ascomicetos, e a trama de certas Boletaceae; reacção dextrinóide (vermelho a castanho-avermelhado) nos esporos de diversos lepiotóides e também na trama de certos Crinipellis, Marasmius e Mycena. O diagnóstico das reacções em esporos faz-se de preferência macroscopicamente, para tal usando-se uma massa de esporos, recolhida a seco da esporada, à qual se deixa chegar a margem duma gota do reagente de Melzer, sendo a coloração praticamente imediata (neste caso, os esporos dextrinóides reagem como os amilóides, só se distinguindo a tonalidade ao microscópio). • Para aumentar o contraste das paredes celularese do citoplasma, usa-se como corante genérico o vermelho de Congo a 1% (aq.; alguns usam-no em amoníaco a 2%, só indicado para material re-hidratado); para o conteúdo celular usa-se floxina B amoniacal, azul de anilina ou azul de metileno (o azul de tripano será ainda melhor, mas é um reagente tóxico). As colorações duplas (por exemplo azul de metileno e vermelho de Congo) obtêm-se por exposição sucessiva, intercalada por lavagem com água. O amoníaco a 25% (em gota, ou só o vapor) pode substituir o KOH/NaOH concentrado em muitos casos (mas tem o defeito de ser irritante), e o diluído se a 5%, enquanto acrescenta alguns testes mais específicos em Cortinarius, Xerocomus e Leucoagaricus. São ainda de referir, entre os mais usados com Russula: a sulfovanilina e similares, o fenol, e a resina de guaiaco/1-naftol/água de anilina para as fenoloxidases. Outras reacções diagnosticantes são o metacromatismo com azul de toluidina ou azul de cresilo, e as paredes cianófilas com azul de anilina. O resultado das reacções químicas condiz em geral com as descrições, mas pode haver surpresas (ausência de reacção, tonalidade diferente), seja porque o cogumelo não está na fase de desenvolvimento ideal para haver o resultado típico, ou por factores ambientais no local de colheita (ou ainda, trivialmente, por má qualidade do próprio reagente). Um resultado atípico não invalida forçosamente uma identificação, por isso a diagnose duma espécie não pode depender apenas de reacções químicas, estas podem sim constituir auxiliares importantes no percurso de identificação, que terá de incluir outros caracteres diagnosticantes. Microscopia Os caracteres microscópicos encontram-se principalmente no himénio, e observam-se preferencialmente em preparações feitas à mão. É sempre importante (mesmo indispensável em certos grupos) estudar a organização das hifas da trama, e as características dos esporos, basídios e cistídeos. Excepto quando é importante observar a anatomia intacta, basta geralmente um esfregaço: cortar um pedaço de 1 mm × 1 mm da lâmina ou tubo (ou de “escalpes” muito finos da cutícula ou do pé), dissociá-lo bem sobre a lâmina de microscópio dentro do meio de montagem (ou corante), e depois comprimi-lo debaixo da lamela, esborrachando o material com lentos movimentos circulares da lamela, por exemplo com a borracha que está na ponta oposta ao bico de certos lápis. Deve absorver-se o excesso de líquido nas bordas da lamela com papel, e se houver interesse em preservar a preparação por horas ou dias podem selar-se os bordos desta com verniz das unhas. Quando se trata de colorações, pode ser necessário deixar passar 1 minuto antes de observar (mas muito mais tempo para a reacção cianofílica), e pode ser necessário remover o excesso de corante, para clarificar a cor do fundo, para tal colocando uma gota de meio de montagem dum dos lados da lamela e absorvendo com papel do lado oposto. Ainda melhor é corar-se o material a observar antes da montagem. 16
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Para a observação de queilocistídeos recomenda-se cortar com uma lâmina de barbear ou bisturi um pequeno segmento só da aresta da lâmina, por exemplo uns 2 mm de comprimento por menos de 0,5 mm de largura (só mesmo a aresta!), cora-se, e depois comprime-se sob a lamela como descrito acima. Praticamente todo o material que se vai observar são queilocistídeos, se os houver. Só em certos casos, para observar a anatomia da lâmina ou tubo, se tem de recorrer a cortes com orientação definida.Deve evitar-se que a montagem da lamela os oriente erradamente, nomeadamente se forem menos finos tendem a assentar sobre a superfície do himénio e desse modo não se consegue ver nada. Para obter-se a necessária precisão, fazem-se os cortes com auxílio duma boa lupa; as técnicas usadas, nomeadamente a da “dupla faca”, que até dispensa lupa, a tangencial ou a do bisturi curvo (guilhotina), encontram-se descritas em pormenor em Microscopia.zip. A montagem da lamela tende a movimentar os cortes e assim pode perder-se a orientação pretendida para observação; uma maneira de evitá-lo pode ser deixar secar-se o líquido envolvente com papel absorvente, que facilita a sua adesão ao vidro antes de adicionar meio de montagem ou corante, e depois a lamela. Com himenóforo de tubos, é preferível fazer os cortes em material seco (pode cortar-se um bloco estreito de chapéu fresco com tubos, e usar-se uma lâmpada incandescente para fazer uma secagem rápida), e re-hidratar os cortes durante 10 a 15 segundos em etanol a 96%, transferindo para água a seguir. Segundo a orientação dos cortes, o procedimento varia: para os cortes transversais, progredir dos poros até à base, separando as observações de diferentes troços dos tubos (junto aos poros costuma haver demasiados cistídeos); nos longitudinais (para ver a orientação da trama), é recomendável manter alguma carne do chapéu unida à base dos tubos, para facilitar os cortes. Pode usar-se KOH a 2–5% ou hidrato de cloral como meio de montagem (após a coloração) para clarificar a preparação. Em Microscopia.zip encontram-se as fórmulas de diversos meios de montagem com glicerina, que aumenta o índice de refracção e, com isso, a resolução. Os esporos, que são talvez o mais universalmente importante carácter microscópico, embora sejam observáveis nas preparações do himénio maduro, podem ser mais facilmente estudados a partir da esporada; transfere-se com uma agulha espatulada um pouco do pó da esporada para uma lâmina de microscópio seca, e adiciona-se o meio de montagem (ou reagente) e a lamela. (nalguns casos, pequenas porções de himenóforo ficam coladas à superfície do cartão onde se fez a esporada, por isso não é aconselhável raspar a esporada para transferir os esporos para a lâmina de microscópio, mas sim tocar com uma agulha espatulada, humedecida se tal for necessário). Observação dos esporos Certos géneros muito grandes e com grande diversidade de morfologias dos cogumelos são essencialmente unificados pelas características dos esporos (figura 8), por exemplo Entoloma (esporos angulosos) e Cortinarius (globosos a forma de amêndoa, com verrugas); noutros a Figura 7 — Sucessão de passos para a produção de cortes à mão pela técnica da guilhotina, exemplificados num pedaço de himenóforo lamelar (cinzento). À esquerda, o material a cortar sobre uma lâmina de microscópio, mostrando a orientação da aresta e localização dalguns elementos do himénio. A seta ilustra o primeiro corte. À direita, posicionamento duma lamela de vidro sobre o material a cortar, de modo a servir de guia para a produção de cortes finos, a transferir para uma gota de água colocada perto. 17
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos variação da morfologia dos esporos é um elemento auxiliar de grande importância: Russula (padrão formado pelas ornamentações amilóides), Lepiota (morfologias diversas).14 As dimensões dos esporos são bastante importantes, por vezes sendo o critério necessário para distinguir duas espécies muito próximas entre si (no caso de Laccaria, até as dimensões das equínulas são fundamentais, ver Laccaria.zip). Devem ser medidas com ocular micrométrica calibrada e objectiva de 100×, com óleo de imersão entre a lamela e a objectiva; numa amostra, a variação entre esporos pode ser bastante grande, de modo que se devem observar vários (pelo menos 20) e indicar as médias e os limites superior e inferior de cada medida15 . O quociente entre o comprimento máximo e a largura máxima de cada esporo é uma medida complementar informativa, e a respectiva média e os valores extremos devem também ser registados. Cutícula Quando seja necessário examinar microscopicamente a cutícula ou superfície do pé, pode ser necessário realizar cortes. Isto, porque as definições para os diferentes arranjos de hifas na cutícula pode exigir uma preservação cuidadosa da estrutura, que em esfregaço deve perder-se ou ser difícil de interpretar. Os cortes geralmente têm de realizar-se na orientação radial para evitar decapitar as hifas, usando a técnica da dupla faca (ver Microscopia.zip). Em certos casos têm de analisar-se separadamente disco, coroa e/ou margem. A lista de géneros que segue baseia-se nas chaves de géneros de Moser. Note-se que pode haver espécies dos géneros listados que não exibem a característica em causa. • Cutícula himeniforme: Bolbitius, Galerella, Conocybe, Pholiotina, Agrocybe, Simocybe, Gloiocephala, Dermoloma, Myxomphalia, Fayodia, Oudemansiella, Mycenella, Strobilurus, Marasmius, Naucoria; • Cutícula tricodérmica: Xerocomus, Oudemansiella, Flammulaster, Phaeomarasmius; • Cutícula epitelial: Simocybe; • Cutícula celular: Galeropsis, Flammulaster, Mycena, Phaeolepiota; • Cutícula ramealis, hifas ornamentadas: Marasmiellus, Mycena, Campanella, Mycenella, Clitocybe alnetorum; • Hifas gelatinizadas: Oudemansiella, Flammulina, Micromphale, Campanella, Hohenbuehelia, Resupinatus; • Dermatocistídeos/caulocistídeos: Macrocystidia, Conocybe, Hydropus, Baeospora, Oudemansiella, Strobilurus, Simocybe; • Esferocistídeos: Melanophyllum, Cystolepiota, Cystoderma, Squamanita paradoxum, Phaeolepiota. As espécies tradicionalmente classificadas no género Coprinus, que se subdividiram em 4 géneros, são primariamentedistintaspela cutícula: epitelial, Coprinellus; himeniforme, Parasola; cútis radial, Coprinus ou Coprinopsis. Figura 8 — Variação da morfologia dos esporos dentro do padrão típico de alguns géneros. 18
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos Exsiccata A preservação dos cogumelos secos para a verificação ulterior dos mais diversos aspectos microscópicos, ou para obtenção de DNA, é muito importante não só para quem os identifica como para quem alguma vez queira confirmar essa identificação. Este requisito é especialmente crítico em espécies menos comuns, ou onde seja mais provável que ainda subsistam dúvidas, já para não falar de quando talvez se trate duma espécie ainda não descrita ou dum trabalho científico a publicar. A preparação de exsiccata resume-se a secar os exemplares a uma temperatura moderada (30 a 40 ºC), de preferência com ventilação. Temperaturas mais elevadas podem prejudicar a futura obtenção de DNA, enquanto temperaturas mais baixas não se adequam a espécies deliquescentes, pela necessidade de conseguir a desidratação antes que fiquem em papa. É por isso útil a ventilação, pois ajuda a acelerar a secagem. Por exemplo o himénio é instável nas Agaricaceae, o chapéu também em certos Entoloma, Suillus, Russula, coprinóides, etc.. Os exemplares secos são preservados em sacos transparentes selados, contendo no interior uma etiqueta de papel com o nome científico, um identificador único para catalogação, a data e o local de colheita, eventualmente o contexto ecológico e comentários, senão mesmo a própria ficha do exemplar; convém que a esporada esteja junta no saco. Muito importante assegurar a completa desidratação do material, pelo risco doutros fungos começarem a crescer, ou de ácaros devorarem os exemplares. Há seladores de sacos que aspiram o ar dentro do saco antes da selagem, o que é fortemente indicado. A análise micológica de exsiccata faz-se essencialmente por microscopia, usando meios de rehidratação adequados (classicamente KOH a 2–4%, mas ver alternativas mais sofisticadas em Microscopia.zip), e deve ter-se presente que muitas reacções químicas já não funcionam em material preservado. 19
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora Um método para a identificação de agáricos e boletos 1. Entende-se aqui agáricos e boletos como espécies cujos corpos frutíferos são constituídos por chapéu (píleo) e pé (estipe); os primeiros têm himenóforo com lâminas (lamelado) e os segundos himenóforo com tubos separáveis do chapéu. Não confundir com os géneros Agaricus L. e Boletus L.. 2. Ver http://www.dbio.uevora.pt/ectoiberica/GUME/, um site que disponibiliza e organiza a utilização desses materiais. Todos os ficheiros referenciados neste documento pertencem a este site, bastando adicionar os nomes apresentados a este URI. 3. No estudo de Morgado et al. (2006) sobre intoxicações com cogumelos registadas nas urgências do Hospital do Espírito Santo de Évora, concluiu-se que em cada ocorrência havia sempre pelo menos um indivíduo entre os atingidos capaz de reconhecer Amanita ponderosa Mal. & Heim correctamente, e no entanto não souberam detectar a presença de exemplares de A. verna (Bull.) Lam., cujos sintomas de síndrome faloidínica foram claramente documentados pelo processo patológico. Disponível em http://home.dbio.uevora.pt/~oliveira/Genetica/Abstracts.htm#8 4. Se se estiver perante uma nova espécie, os elementos recolhidos, e a conservação dos espécimes, precisam de ser suficientes para um especialista atestá-lo. Ver secção final sobre exsiccata. 5. Vê-se muitas vezes a tradução de cf. para “conferir”, o que não será exacto. 6. http://bookshop.cabi.org/?page=2633&pid=2112&site=191 (14-Outubro-2012). 7. http://www.indexfungorum.org/Names/namesrecord.asp?RecordId=234375 (14-Outubro-2012). 8. Amidella é, segundo Neville & Poumarat 2004, uma “série” dentro da subsecção Ovoideinae do género Amanita. 9. Entre outros sites de interesse geral, destaca-se o Mycobank, que em certos casos inclui as descrições usadas na diagnose das espécies http://www.mycobank.org/Biolomics.aspx?Table=Mycobank (14-Outubro-2012). 10. O uso de pé-de-cabra é também opção comum, mas com a colher o esporocarpo acabado de levantar “repousa” sobre ela, o que permite realizar observações sem precisar de lhe tocar. 11. Existe bastante variação entre autores sobre o conceito de sinuado, havendo algumas descrições que usam esse termo para o que aqui se descreve como emarginado. 12. As descrições de Agrocybe cylindracea geralmente caracterizam a inserção do himenóforo como “adnata a subdecurrente”, enquanto o exemplo da figura 4b é caracteristicamente decurrente. Ressalvando a possibilidade dos exemplares em 4b não serem dessa espécie, este é mais um exemplo eloquente da variabilidade de critérios entre autores, e/ou da possibilidade da variação entre espécies ser tal que haja exemplos que fogem à regra. 13. Ver ficheiro ECM.zip. 14. Figuras retiradas dos seguintes sites: http://www.entoloma.nl/html/entinrtoeng.html (Entoloma), http://www.britmycolsoc.org.uk/download_file/view/109/ (Cortinarius), http://www.mtsn.tn.it/russulales-news/tc_spores.asp (Russula), http://nature.berkeley.edu/brunslab/people/ev.html (Lepiota) 15. Uma regra, descrita em Microscopia.zip, consiste em especificar os limites que deverão conter, na distribuição Gaussiana, 90% das observações (média ± 1,65 desvio-padrão), e entre parêntesis os limites mínimo ou máximo observados, se saírem fora desses limites. Notas e referências Agradecimento e dedicatória A Guilhermina Marques (UTAD), agradeço os comentários e sugestões a este ensaio. A Fátima Pinho-Almeida, Sandra Ferreira, Maria da Luz Calado, Ricardo Ramos Silva, Celeste Santos Silva, Luís Morgado, Nuno Alegria, Carlos Vila-Viçosa, Rogério Louro, Rui Miguel Carvalho, Vasco Fachada, Isabel Passos e Ricardo Castilho, a aprendizagem convosco está aqui, neste documento.
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora quan- tidade quan- tidade quan- tidade quan- tidade (Geral/ Amanitáceas e Pluteáceas/ Agaricus e lepiotóides) ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (cores, margem, text. macrosc./submacrosc., diâm.) Geral (agaricóides) HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, consistência/toque, detalhes) PPÉÉ (cores, text., véu parc., forma, ápice, base, esporos, comprim.) CCONSISTÊNCIAONSISTÊNCIA CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ hidnóide 9 liso/merulióide 9 poróide 9 gelatinoso 9 gasteróide 9 hipógeo 9 ressupinado 9 corticóide 9 coralóide/claviforme 9 falóide 9 acetabuliforme 9 DDESCRIÇÃO GERALESCRIÇÃO GERAL (formas, cores, margem, text. macrosc./submacrosc., diâm.) Geral (não-agaricóides) HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, consistência/toque, detalhes) CCONSISTÊNCIAONSISTÊNCIA CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte, r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (cor, margem, restos de véu universal ou parcial, textura, diâmetro) Amanitáceas e Pluteáceas PPÉÉ (cor, restos de véu parcial, textura) VVOLOLVVAA (tipo, cores) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (forma, umbo, textura centro e periferia, diâmetro) Agaricus e Lepiotóides LLÂMINAS JOÂMINAS JOVENSVENS (cor, detalhes) PPÉÉ (texturas, cores, forma da base) AANELNEL (textura, morfologia, detalhes) DDESCOLESCOLORAÇÃOORAÇÃO (rosado, amarelo, etc.) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora quan- tidade quan- tidade quan- tidade quan- tidade (Russula/Lactarius/Cortinarius etc./Higroforáceas) Data das observações _____–_____–_____ Preenchido por _______________ ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (brilho, cor predominante/secundárias, margem, destacamento da cutícula, diâm.) Russula LLÂMINASÂMINAS (cor, reflexos, consistência, detalhes) PPÉÉ (cor, descoloração, base, comprimento) CCARNEARNE (sabor, consistência) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA FFERROERRO OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (cor/desenho, textura/toque, margem, diâm.) Lactarius LLEITEEITE (cor inicial, abundância, sabor, cor final) LLÂMINASÂMINAS (cor, detalhes) PPÉÉ (cor geral, cor na base, comprimento) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, anatomia do pé) OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ VVISCOSIDISCOSIDADEADE (chapéu, pé) CCHAPÉUHAPÉU (textura, cor, margem, umbo, diâm.) Cortinarius, Hebeloma, Inocybe, Gymnopilus LLÂMINAS JOÂMINAS JOVENSVENS (cor, detalhes) PPÉÉ (cores, ápice, base) VVÉU PÉU PARCIALARCIAL (tipo, cor, posição) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (corte longit., r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (diâmetro, cores, textura, viscosidade, descoloração) Boletóides HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor jovem/maduro, diâm. poros, descolor.) PPÉÉ (cor de fundo, relevos, descolor., anel) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO EESPORADSPORADAA CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, descolor., sabor, inserção do himenóforo) OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs ., microsc., etc.) PPROPOSTROPOSTAA
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    Grupo Universitário deMicologia de Évora quan- tidade quan- tidade (Higroforáceas/Mycena e afins) ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (viscosid., cores marg/ disco, perfil, diâm., descoloraç., text.) higroforáceas HHIMENÓFOROIMENÓFORO (cor, aresta, descolor.) PPÉÉ (base-meio-ápice: viscosid., text., cores; restos véu, descolor., forma, comprim.) CCHEIROHEIRO SSUBSTRAUBSTRATOTO//ASSOCIAÇÃOASSOCIAÇÃO CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (cores, inserç. himenóforo) OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (robustez, sabor, trama, esporos) PPROPOSTROPOSTAA ID _____ Local _______________ Data ___________ CCHAPÉUHAPÉU (diâmetro, cores, forma jovem, forma centro, textura, separação cutícula, viscosidade) Mycena, Mycenella, Hemimycena, Resinomycena HHIMENÓFOROIMENÓFORO (número de lâminas completas, pseudocolar, cor geral, aresta) PPÉÉ (comprimento, largura, cores, textura, consistência, leite, base) CCHEIRO E GOSTOHEIRO E GOSTO SSUBSTRAUBSTRATOTO EESPORADSPORADAA CCORTE LORTE LONGITUDINALONGITUDINAL (inserção do himenóforo, etc.) MMICROSCOPIAICROSCOPIA (esporos, queilocist., cutícula, caulocist.) OOUTROS CARAUTROS CARACTERESCTERES (r. químs ., etc.) PPROPOSTROPOSTAA