Linguagem e Alfabetização
PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Dilma Vana Rousseff
MINISTRO DA EDUCAÇÃO: Fernando Haddad
SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA COORDENAÇÃO DE
APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES
João Carlos Teatini de Souza Clímaco
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE
UNICENTRO
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VICE-REITOR: Osmar Ambrósio de Souza
PRÓ-REITORA DE ENSINO: Márcia Tembil
COORDENADORA UAB/UNICENTRO: Maria Aparecida Crissi Knüppel
COORDENADORA ADJUNTA UAB/UNICENTRO: Margareth Maciel
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
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VICE-DIRETORA: Maria Aparecida Crissi Knüppel
COMITÊ EDITORIAL DA UAB
Aldo Bona, Edelcio Stroparo, Edgar Gandra, Klevi Mary Reali, Margareth de
Fátima Maciel, Maria Aparecida Crissi Knuppel, Rafael Sebrian, Ruth Rieth
Leonhardt.
EQUIPE RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO DO CURSO
PEDAGOGIAA DISTÂNCIA:
Marisa Schneckenberg; Nelsi Antonia Pabis;
Rejane Klein; Sandra Regina Gardacho Pietrobon;
Michelle Fernandes Lima; Anízia Costa Zyck
COORDENADORAS DO CURSO: Marisa Schneckenberg;
Rejane Klein
PARANÁ
www.unicentro.br
REJANE KLEIN
Linguagem e Alfabetização
Catalogação na Publicação
Fabiano de Queiroz Jucá – CRB 9 / 1249
Biblioteca Central – UNICENTRO
COMISSÃO CIENTÍFICA: Marisa Schneckenberg; Nelsi Antonia Pabis; Rejane Klein; Sandra
Regina Gardacho Pietrobon; Michelle Fernandes Lima; Anízia Costa Zyck.
REVISÃO ORTOGRÁFICA
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO:
Sandra Regina Gardacho Pietrobon
Loremi Loregian Penkal
Andressa Rickli
Espencer Ávila Gandra
Natacha Jordão
EDITORA UNICENTRO
DIDÁTICA EDITORA DO BRASIL LTDA.
Copyright: © 2011 Editora UNICENTRO
Nota: O conteúdo da obra é de exclusiva responsabilidade do autor.
Klein, Rejane
K64L Linguagem e alfabetização / Rejane Klein. – – Guarapuava: Ed. da
Unicentro, 2011.
80 p.
ISBN:
Bibliografia
1. Linguagem. 2. Alfabetização. I. Título.
CDD 372.41
978-85-7891-099-0
Sumário
Capítulo 1
Capítulo 2
Alfabetização e Linguagem - concepções
1.1 Ahistóriadaescrita
1.2 Asconcepçõesdedesenvolvimentoe
aprendizagemeascontribuiçõespara
aalfabetização
1.3 Osmétodosdealfabetização
2.1 A Psicolinguística
2.2 A Sociolinguística
2.3 Variação linguística
2.4 Aspectos fonéticos e fonológicos da
linguagem
2.5 Os textos espontâneos e o
desenvolvimento da consciência fonológica
2.6 O letramento
07
08
11
33
45
45
48
50
57
61
62
Osestudoslinguísticoseaalfabetização
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67
72
77
79
Capítulo 3
Considerações finais
Referências
Conhecimentos e atividades necessários
para a aquisição da língua escrita
3.1 A aprendizagem da leitura e da escrita na
perspectiva sociointeracionista
Alfabetização e
Linguagem - concepções
Os conhecimentos oriundos das pesquisas em alfabetização e de
algumas áreas da linguística são fundamentais para a formação do
pedagogo, especialmente para aquele que atuará nas Séries Iniciais. Por
isso, no desenvolvimento desta disciplina apresentaremos as discussões
que vem sendo realizadas no âmbito da alfabetização e daquelas que estão
sendo feitas na linguística, voltadas para aspectos que envolvem a
aquisiçãodalinguagem escritaeaprendizagemdodialetopadrão.
Num primeiro momento, procuraremos apresentar a história da
escrita; em seguida, as concepções de desenvolvimento e aprendizagem
para a compreensão da aquisição da língua escrita e os métodos de
alfabetização. Na segunda parte desta matéria, discutiremos as
contribuições da linguística para a compreensão do processo de
alfabetização, situando, de forma breve, a sociolinguística, a
psicolinguística e suas contribuições para o desenvolvimento da escrita.
Trataremos, dessa forma, de alguns temas que possam trazer subsídios
relacionados aos aspectos fonéticos e fonológicos na aquisição da língua
escrita. Por fim, discutiremos o letramento, distinguindo-o da
alfabetizaçãoconsiderandoascontribuiçõesdestaárea.
L I C E N C I A T U R A E M
Capítulo 1
Na montagem deste material, recorremos ao estudo de autores
consagrados, dentre eles: Emília Ferreiro, Luiz Carlos Cagliari, Lev
Semionovitch Vygotsky, Jean Piaget, José Juvêncio Barbosa, Marisa Del
CioppoEliase IlanaKotujansky.
1.1 AHistóriadaescrita
Para discorrer sobre o desenvolvimento da escrita recorremos ao
texto a “História da escrita”, extraído do livro de Cagliari (2007). O autor
estabelece uma analogia entre os “passos que a humanidade deu” até
chegar ao alfabeto e o processo de alfabetização. Nessa história, a escrita
pode ser caracterizada em três períodos: a escrita pictográfica, a
ideográfica e a alfabética. A pictográfica constitui-se de desenhos, os
pictogramas associam-se a uma imagem do que se quer representar. O
catecismoAsteca e as histórias de quadrinhos são exemplos desta maneira
de escrever. Os desenhos na escrita pictográfica representam os objetos
queoshomensmanuseavam.
Na fase ideográfica utilizou-se de desenhos especiais chamados
ideogramas. Inicialmente, eram imagens que representavam objetos, mas
com o tempo foram perdendo esta forma e adquirindo traços que se
tornaram convenções para explicitar letras. Cagliari (2007) cita um
exemplo: “[...] o a era a representação da cabeça de um boi na escrita
egípcia. [...]. O b era a representação de uma casa egípcia.” (p.108). Como
se vê, aos poucos, os ideogramas perderam a característica do desenho
transformando-senoalfabeto atual.
Como já foi dito os ideogramas evoluíram de desenhos para sinais
e símbolos que representavam ideias. Segundo Barbosa (1994) eram “[...]
sinais que representavam ideias e não palavras. O desenho de um pé
humano significa ‘pé’, ‘caminhar’, ‘estar em pé’, ou se tiver algum sinal
adicional passa a significar ‘apressar-se, ‘carregar’, ‘alicerce’(p.35). Outro
sistema que apareceu, mais tarde, foi a escrita cuneiforme, representando
os nomes por meio de desenhos dos sons. Esta evoluiu para fonográfica,
Rejane Klein
8
onde o signo passou a ter valor fonético ligando-se à língua oral. Exemplo:
a palavra discórdia, que antes era representada por duas mulheres
brigando (representação da idéia), passa a ser representada por uma
mulher e uma corda e, finalmente, por um disco e uma corda (disco +
corda), ligando-se à expressão fonética. O desenho é dos sons, a
representação passa a ser dos sons e não mais do significado.”¹ Como se
vê a forma de expressão escrita modificou-se e com aparecimento de
novossinaisesímbolosfoitornando-semaiscomplexa.
A fase alfabética caracteriza-se pelo uso de letras. No entanto, o
alfabeto passou por muitas transformações até chegar à forma atual. A
origem da escrita alfabética está nos ideogramas que, como já dissemos,
são desenhos ou sinais que representavam ideias. Com o passar do tempo
os desenhos foram se transformando até chegarem a representação
fonéticadealgumasletras.
Dentre os sistemas de representação fonética podemos citar: o
semítico, o indiano e o greco-latino do qual é oriundo nosso alfabeto. O
alfabeto atual também passou por inúmeras transformações até constituir-
se de 23 letras combináveis. Esse sistema foi adotado porque era de fácil
manuseio e memorização. (para saber mais ver veja o vídeo² sobre história
daescrita).
Em nossa língua, utilizamos a escrita alfabética e ideogramas que
são os sinais de numeração e pontuação. Porém, nem todas as letras
possuem um único som ou significado. Conforme o valor funcional da
letra na palavra, a escrita se complexifica. Por exemplo, na palavra: apto, o
pê muda de significado e pê passa a valer pi porque dizemos a-pi-tu³.
Linguagem e Alfabetização
9
¹Idemp. 35.
²AssistaaovídeoproduzidopeloFNDE disponívelem:
http://www.video.com.pt/watch/y1rdfwa54sidafbivryg/Hist%C3%B3ria-da-Escrita---
parte01).Acessoem12/08/2009).
³ Para uma discussão aprofundada desses aspectos ver Cagliari já citado anteriormente e
FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes
Médicas,1985.
Desta forma, “a relação entre as letras e os sons da fala é sempre muito
complicada pelo fato de a escrita não ser o espelho da fala e porque é
possível ler o que está escrito de diversas maneiras.”(CAGLIARI, 2007,p.
117). Isto é uma informação que a criança em processo de alfabetização
precisaadquirir.
Sintetizando: a história da escrita passou da escrita pictográfica
representada por desenhos para a ideográfica e evoluiu do desenho para
ideogramas. A escrita alfabética também passou por diversas
modificações até fixar-se em 23 letras. As letras representam sons, porém
nem todas as letras podem ser traduzidas por um som exato. Isto
dependerá do lugar que a letra ocupa na palavra. Portanto, temos a
representação gráfica das letras que constitui a escrita ortográfica e a
representação dos sons que se expressa oralmente.Autores como Cagliari,
Vygotsky, Ferreiro postulam que a aquisição da língua escrita, pela
criança,passapelasmesmasfasesque a humanidadepassou.
Pesquisadores da área da linguística, da alfabetização e da
psicologia procuram explicar como a criança aprende. Para melhor
compreendermos as contribuições destas três áreas do saber para a
alfabetização, discorremos sobre cada uma delas iniciando pela
Psicologia. Ressaltamos que a Psicologia se divide em vários ramos de
estudo. Dentre eles encontra- se a área que se ocupa em compreender os
processos de desenvolvimento e aprendizagem. A seguir, situaremos três
concepções, oriundas da psicologia, que estudam o desenvolvimento e a
aprendizagem, que vêm orientando as práticas pedagógicas, nos últimos
anos. A maneira como cada concepção explica o desenvolvimento e a
aprendizagem implica na forma como o professor concebe a criança, no
modo de organizar o material didático, na maneira de definir
metodologias e avaliação. Iniciaremos apresentando o Behaviorismo, na
perspectiva associacionista. Esta opção é feita porque o associacionismo
foi uma das teorias que influenciaram muito as formas de se conceber o
ensinoea aprendizagem.
Rejane Klein
10
1.2 As concepções de desenvolvimento e aprendizagem e as contribuições
para a alfabetização
1.2.1.O Behaviorismo
O Behaviorismo é uma corrente de pensamento que surgiu no
final do século XIX e se disseminou na primeira metade do século XX. Os
behavioristas ocuparam-se em estudar o comportamento porque,
segundo eles, este fenômeno poderia ser observado e mensurado.
Comportamento, então, pode ser entendido como conjunto de ações e
reações dos organismos vivos frente a determinadas situações e ou
experimentos. Os estudos desses cientistas foram utilizados tanto para
investigar oscomportamentoshumanosquantoosdeanimais.
John Watson é considerado o pesquisador que mais divulgou as
idéias behavioristas, porém Pavlov, cientista russo e Thorndike, norte
americano,realizaram pesquisasqueantecederamosestudosdeWatson.
Quando falamos desta teoria temos que pensar que existem várias
vertentes desta perspectiva e que o Behaviorismo modifica-se até a
atualidade. Dentre as perspectivas que o compõem temos: o conexionismo
de Thorndike, o condutismo, o associacionismo, o Behaviorismo radical
deSkinner,entre outros.
Como já mencionamos anteriormente o Behaviorismo dividiu-se
em várias perspectivas e, dentre elas, podemos destacar o
associacionismo. Conforme Bock, o associacionismo pode ser considerado
uma teoria pedagógica porque investigou como a aprendizagem ocorria.
Conforme Bigge, “os associacionistas iniciais interessavam-se
primordialmente pelos fenômenos mentais: preocupavam-se com a
associação de idéias na mente. O associacionismo behaviorista moderno,
ao contrário, tende a se enraizar em outro tipo de interesse – o
Linguagem e Alfabetização
11
Para saber mais leia, BOCK, Ana Mercês Bahia. et. al. Psicologias: uma introdução ao
estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999. A leitura do capítulo 3 auxilia o aluno para
umaintroduçãoaoBehaviorismo
4
4
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comportamento do corpo” (BIGGE, 1977, p.53). Então, aprender
consistiria em associar idéias na mente; estas poderiam ser simples ou
complexas. Do estudo de como ocorria a aprendizagem por meio da
associação de idéias, o enfoque modificou-se e, em meados do século XX
postulava-sequeeranecessáriotreinar ocorpo.
Para os associacionistas aprender equivale a formar hábitos. Eles
partiam do princípio de que a criança nascia como tabula rasa. Para este
grupo a natureza do homem não era nem boa nem má, nem ativa. Os
conhecimentos adquiridos eram produtos das experiências por uma
pessoa no decorrer de sua vida. Acreditava-se que o ambiente
determinava a maneiracomoossujeitosagiamepensavam.
Nesta teoria para se fixar a aprendizagem e promover a mudança
de hábito o indivíduo deveria passar pelo condicionamento, ou seja, o
procedimentoestímulo-respostaemqueS=estímuloeR=resposta.
A partir dos anos 50 os estudos de Skinner começam a ser
conhecidos. Skinner postulou que não bastava oferecer estímulos, fazia-se
necessário reforçar o comportamento. Desenvolveu a lei do reforço. O
objetivo da lei do reforço seria a de fixar uma resposta considerada
adequada, ou se poderia também por meio dele extinguir
comportamentosinadequados.
O Behaviorismo disseminou-se nas escolas porque seus
idealizadores possuíam uma preocupação eminentemente pedagógica ,
considerando que o conhecimento está no mundo externo e é
internalizado pelos sujeitos a partir de estímulos adequados. Isso quer
dizer que a aprendizagem decorre da fórmula estímulo-resposta, por meio
deumaassociaçãoentre ambos.
Para o Behaviorismo, desenvolvimento e aprendizagem são
processos independentes, e aprender resulta sempre de um procedimento
Rejane Klein
12
Ver BOCK,Ana Mercês Bahia et.All. Psicologias uma introdução ao estudo de psicologia
13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, GOULART Iris Barbosa. Psicologia da educação
fundamentosteóricosaplicaçõesà práticapedagógica.6ªed.Petrópolis:Vozes,1999.
5
5
5
externo. A fonte do conhecimento estaria na experiência que o
sujeito realiza .
O professor que fundamenta sua prática neste pressuposto crê que
a criança que ingressa na escola não possui nenhum conhecimento
anterior. Cabendo ao docente ensinar-lhe tudo. Parte-se da suposição de
que o conhecimento deve ser impresso na mente da criança. A prática
pedagógica que decorre desta concepção é a de fornecimento de estímulos
adequados e obtenção de respostas das crianças. O aluno é um sujeito
passivoeaprendersignificaformarhábitos.
Na perspectiva Behaviorista a aprendizagem ocorre através do
ensaio, erro e reforço que pode ocorrer na forma de elogios, premiações ou
punições. Por exemplo: receber 05 (cinco) estrelinhas no caderno porque
acertou tudo ou receber apenas 01(uma) ou 02 (duas) porque a tarefa está
mal feita. A criança que recebeu 05 (cinco) estrelinhas sente-se feliz e viu
seuesforçorecompensado,enquantoqueaoutrasesente punida.
Sabemos que a exposição a este tipo de prática, pode, ao longo
do tempo, levar a criança a enxergar a si própria como alguém
incapaz para executar determinadas tarefas. O aluno faz tentativas e,
conforme os estímulos recebidos, poderá incorporar aquele saber em
seu comportamento.
A metodologia decorrente desta concepção no processo de
alfabetização privilegiará, em geral, os métodos sintéticos e os materiais
didáticos fornecidos pela escola. Pode-se dizer que o processo de
alfabetizaçãocentra-seemtextos únicos,comoporexemplo,acartilha.
Observa-se que desta concepção teórica decorre uma forma de
compreender o que é ler, escrever e, consequentemente, uma forma de
organizar a metodologia e a avaliação em sala de aula. Na concepção
associacionista, ler significa simplesmente combinar vogais e consoantes,
como fica evidente nas palavras e frases pré-elaboradas que compõem o
texto das cartilhas. Esses textos, geralmente, não despertam a curiosidade
Linguagem e Alfabetização
13
Para saber mais veja VIGOTSKI, L.S.Aformação social da mente.6ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. Capítulo 06“Interaçãoentre aprendizadoe desenvolvimento.
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6
L I C E N C I A T U R A E M
e nem o desejo, nas crianças, de aprender a língua escrita. Ler nesta
concepção significa também usar a entonação adequada nos sinais de
pontuação. Ler e escrever, neste caso, não passa de mecanização de certas
técnicasedecifraçãodocódigoescrito.
Em relação à aprendizagem da língua escrita concluímos que, “o
único objetivo das cartilhas é colocar em evidência a estrutura da língua
escrita, tal como é concebida pelos métodos de alfabetização. Por isso, as
cartilhas tendem a apresentar uma escrita sem significado.” (BOCK, 1999,
p.60). As crianças, submetidas aos métodos sintéticos, devem captar o
mecanismo da língua escrita e aplicá-lo nas várias atividades de leitura e
escrita. Não se busca a interação da criança com o material que está a sua
frente. Por isto, não há preocupação com o sentido dos textos, na maioria
das vezes textos sem nenhum significado. O professor que adota esta
perspectiva encontra muitas limitações para o desenvolvimento de seu
trabalho, pois, a metodologia implementada em sala de aula tende a tornar
o ensino repetitivo e mecânico. Quanto à avaliação, observa a grafia
corretadaspalavras,apontuaçãoeaacentuaçãoadequadas.
Numa prática alicerçada na perspectiva Behaviorista/associacionista
se enfatiza a internalização da estrutura da língua no processo da escrita, as
técnicasdeumaleituracorretaeamecanizaçãodeumaboagrafia.
O ato de ler e escrever passa pela imitação destas técnicas.Aprática
pedagógica ancorada na perspectiva Behaviorista possui longa tradição,
porém na década de 80, surgiu outra corrente de pensamento que
apontavapara outraformadeseconcebera aquisiçãodalíngua escrita.
Esta corrente ficou conhecida como Construtivismo. No Brasil o
Construtivismo foi amplamente divulgado e incorporado às práticas de
alfabetização. Na atualidade alguns teóricos vêm questionando alguns
dos pressupostos desta perspectiva, especialmente no que se refere ao
processo inicial da língua escrita. Soares (2003) aponta que, em certa
medida, o fracasso escolar denunciado por pesquisadores e pela mídia
pode ser explicado em parte, devido ao modo como se passou a conceber o
Rejane Klein
14
processo de alfabetização nas últimas duas décadas. Para ela isto ocorreu
porque houve alguns equívocos na maneira como muitos educadores
passaramaconcebera alfabetização.
No ano de 2003 a comissão de educação da câmara dos deputados
entregou um relatório no qual se discute a questão da alfabetização. No
relatório sugere-se o retorno ao método fônico para alfabetizar. Ao
discutirmos posteriormente letramento, abordaremos de modo mais
precisoesta questão.
Contudo, faz-se necessário destacar que o Construtivismo
trouxe contribuições inegáveis para se compreender o processo de
alfabetização. A seguir, procuraremos apresentar alguns fundamentos
desta corrente de pensamento.
1.2.2. Construtivismo-ascontribuiçõesdePiaget
O construtivismo é uma teoria que surgiu no início do século XX e
originou-se dos estudos realizados por Jean Piaget . Piaget desenvolveu
uma epistemologia da construção do conhecimento, ou seja, pretendia
demonstrar como ocorre a construção do conhecimento pela criança e,
para isso, criou uma teoria do conhecimento. Este pensador nasceu em
Genebra e, aos 10 (dez) anos de idade publicou um estudo sobre as
observações que realizou sobre uma andorinha albina. Fez parte de um
grupo de pesquisadores que incluía Claparède. Este, investigava como as
crianças resolviam problemas apresentados pelos psicólogos. Na
resolução dos testes, Piaget observou que as crianças cometiam erros e foi
justamenteistoqueeleprocurouexplicar:
Na função de aplicar um mesmo teste a um grande número de
crianças, Piaget descobriu que as respostas erradas eram, com
freqüência, mais interessantes que as corretas. Observou
também que as crianças da mesma idade cometiam os mesmos
tipos de erros nas respostas, fato que o levou a uma conclusão
Linguagem e Alfabetização
15
Para saber mais veja VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente.6ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. Capítulo 06“Interaçãoentre aprendizadoe desenvolvimento.
7
7
L I C E N C I A T U R A E M
importante: para compreender o pensamento da criança era
necessário que se desviasse a atenção da quantidade de
respostas certas e se concentrasse na qualidade da solução por
ela apresentada. Daí a idéia central de sua teoria: a lógica de
funcionamento da criança é qualitativamente diferente da
lógica adulta. Logo, era preciso investigar através de quais
mecanismos ou processos ocorre essa transformação.
(PALANGANA,1998,p.p., 14, 15).
Como se pode perceber, Piaget ficou intrigado com as respostas
das crianças e, ali, onde outros estudiosos observavam erros, ele via um
modo próprio da criança pensar e resolver os problemas propostos. A
partir deentão,passouainvestigar comotal lógicaseconstruía.
Para Piaget a criança nasce com algumas estruturas biológicas
denominadas esquemas de ação, que favorecem a construção do
conhecimento. Goulart (2000) define esquema como: “[...] um padrão de
comportamento ou uma ação com uma certa organização e que consiste
num modo de abordar e conhecer a realidade[...]” (p. 14). Os esquemas
dividem-se em simples, como por exemplo o dos reflexos, e os complexos
utilizados pela criança quando faz operações lógicas. Os esquemas
complexos começam a ser usados pelas crianças por volta dos 07 anos.
Contudo, é necessário ressaltar que estes resultam do aperfeiçoamento
dosesquemasanteriores.
A aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem como resultado
das atividades do sujeito na interação com o meio. Portanto, as
descobertas de Piaget indicam que para aprender e desenvolver-se a
criança necessita de certo grau de maturação biológica e de esquemas de
ação que, inicialmente, são bastante precários. Contudo, na medida em
que a criança atua sobre os objetos e interage com o meio social, estes se
aprimoram e se transformam, tornando-se cada vez mais elaborados e
complexos.O desenvolvimentopassaporestágiosoufases.
Rejane Klein
16
O primeiro estágio , que vai do nascimento aos 02 (dois) anos de
idade divide-se em três fases: a fase dos reflexos, o da organização das
percepçõesehábitoseodainteligência sensomotora.
Os primeiros contatos com o mundo exterior ocorrem por meio da
pessoa que a cuida (PIAGET, 1964, p. 16). Do nascimento aos dois anos,
temosoperíodosensório-motor.Nestafase,odesenvolvimentocentra-seno
próprio corpo da criança. O conhecimento depende das sensações e
movimentos que faz. É também o período da formação dos primeiros
hábitos.Acriançateráconstruídoainteligênciaprática,ouseja,ainteligência
dependente da ação no final deste período.As conquistas desta fase servirão
de base para a fase posterior denominada de primeira infância que vai dos
dois aos sete anos. Na primeira infância entre os 02 aos 04 anos, a criança
aprendeafalareistopossibilitaaconstruçãodafunçãosimbólica.
A linguagem é uma grande conquista, pois isto permite que ela
narre pequenos acontecimentos e interaja com adultos e outras crianças.
Piaget diz que, “[...] a criança torna-se, graças à linguagem, capaz de
reconstituir suas ações passadas sob a forma de narrativas, e de antecipar
suas ações futuras pela representação verbal”. (PIAGET, 1964, p. 23). A
aquisição da linguagem permite a socialização da ação. Além disso, ao
contar acontecimentos, nomear objetos, interioriza a palavra e isto
possibilitaoaparecimentodopensamento.
Nesse período a criança possui um ponto de vista autocentrado,
denominado por Piaget de egocentrismo. É a fase dos “por quês”. A
criança procura a explicação dos acontecimentos e fenômenos da
natureza. Por exemplo: crê que o sol nasce para ela, que a noite é uma
nuvem escura que cobre o céu. (para saber mais, leia “A representação do
mundo pela criança” de Jean Piaget). No final deste período, desenvolve o
pensamento reversível e conserva a noção de ordenação e classificação.As
Linguagem e Alfabetização
17
Para ter uma noção clara sobre as fases do desenvolvimento em Piaget leia. PIAGET, Jean. Seis
estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária LTDA, 1967. O vídeo Jean Piaget da
coleçãograndespensadoresfoiproduzidopelaAttamídia.EstevídeoéapresentadoporYvesde
La Taille. Outro livro interessante é o de GOULART, Iris Barbosa. Piaget experiências básicas
paraautilizaçãodoprofessor.17ªed.RiodeJaneiro,Petrópolis:Vozes,2000.
8
8
L I C E N C I A T U R A E M
noções de tempo e espaço, que na fase anterior eram centradas no próprio
corpo, agora já são percebidas como externas a ela. As noções de ontem,
hoje,mêspassado,tambémaparecemneste período.
O desenvolvimento da linguagem resulta na organização do
pensamento, na internalização dos signos. Do ponto de vista
cognitivo permite que a criança explique oralmente um jogo,
proponha uma brincadeira e compreenda regras. As primeiras noções
morais também aparecem neste período. Nesta fase os jogos e
brincadeiras são fundamentais para a construção da inteligência. A
criança ainda não consegue fazer abstrações e necessita concretizar as
ações para compreendê-las.
A fase seguinte, denominada de estágio operatório concreto, é
chamada também de segunda infância, compreendendo o período que vai
dos sete aos doze anos. Esta é marcada pela capacidade da criança de
estabelecer relações interindividuais e de cooperar com os colegas. Isto
ocorre porque abandonou o egocentrismo. Consegue defender seu
próprio ponto visto de vista e é capaz de coordená-los com o ponto de vista
de seus colegas. Isto permite que faça as primeiras abstrações, pois ao
expor o que pensa, compreende o outro, coordenando mentalmente dois
ou mais pontos de vista. A partir da conquista desta capacidade já
consegue abstrair e lidar com problemas mais complexos. Para saber mais
(verPalangana, 1998; Goulart, 1999,Bock.....).
O último estágio, denominado como estágio operatório formal ou
lógico formal, evidencia as conquistas das fases anteriores. O pensamento,
agora, é lógico, possibilitando abstrações. A operação lógica é construída
pouco a pouco e resulta das conquistas feitas nas fases anteriores. Essas
têm como modelo as operações lógico-matemáticas e se organizam como
estruturasmentais.
Sintetizando: A criança é um sujeito ativo que, no decorrer de seu
desenvolvimento, constrói o conhecimento por meio de ações e interações.
A linguagem representa grande conquista, pois por meio dela pode
manifestaropensamento,narrar históriasediscutirpontosdevista.
Rejane Klein
18
Asfasesdodesenvolvimentosãodivididasdaseguinte forma:
0 a 2 anos – período da inteligência prática. Brinca com objetos e
aprimora seus esquemas de ação. Usa especialmente as sensações e o
própriocorpo.
02 a 07 anos – pré-operatório – com a conquista da linguagem
interioriza as ações, ou seja, torna-as pensamento. Procura uma explicação
para as causas. É a fase dos por quês. Neste período ainda não consegue
coordenar seu ponto de vista com o do outro e tende a pensar os jogos e as
brincadeiras sempre do próprio ponto de vista. Não abstrai. Consegue
resolverquestõeselementaresdeordenaçãoeclassificaçãodeobjetos.
07 a 12 anos – operatório-concreto – estabelece relações
interindividuais, consegue cooperar e compreende o ponto de vista dos
outros. Já construiu noções elementares de tempo, espaço, consegue
entender as causas dos acontecimentos. Do ponto de vista lógico
desenvolveuasnoçõesde:ordenação,classificação,reversibilidade...
12 anos em diante – operatório formal – o adolescente já é capaz de
resolver problemas que exigem a lógica matemática e o pensamento é
abstrato. Conforme Goulart, “[...] as operações lógicas que vão emergindo
ao longo do processo de desenvolvimento têm como modelo as operações
lógico-matemáticas e se organizam como estruturas mentais [...]”.
(GOULART,2000,p.35).
Para Piaget, o desenvolvimento em certa medida antecede a
aprendizagem, pois para aprender a criança precisa estar num certo grau
dematuraçãobiológica.
Ferreiro por outro lado, utilizou-se deste referencial para
demonstrarcomoacriançaaprendealíngua escrita.
Do ponto de vista da aprendizagem da língua escrita, a perspectiva
construtivista fornece possibilidades interessantes, uma vez que focaliza a
competência lingüística e as capacidades cognoscitivas da criança.
(FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p.21).
Linguagem e Alfabetização
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L I C E N C I A T U R A E M
1.2.3EmíliaFerreiro– reflexõessobreaquisiçãodaescrita
Emilia Ferreiro, pesquisadora Argentina, investigou a forma pela
qual a criança constrói os conhecimentos na aquisição da língua escrita. A
pesquisadora baseou-se nos estudos de Piaget procurando compreender
comoa criançaage einterage comostextos escritos.
Numa perspectiva construtivista a criança é considerada como um
sujeito ativo que interage com os objetos e com outras pessoas e, constrói
conhecimentos.
A aprendizagem da leitura e da escrita pressupõe a elaboração de
atividades no sentido de promover o raciocínio. Os professores tendem a
acreditar que a criança possui vivências que auxiliarão na aprendizagem
escolar e crêem que podem e devem desafiar a criança, pois mesmo que a
criança não domine a escrita convencional, já está imersa no mundo letrado.
Ferreirocontrapõeapsicogêneseaoassociacionismoafirmandoque,
O modelo tradicional associacionista da aquisição da
linguagem é simples: existe na criança uma tendência à
imitação (tendência que as diferentes posições
associacionistas justificarão de maneira variada), e no meio
social que a cerca (os adultos que a cuidam) existe uma
tendência a reforçar seletivamente as emissões vocálicas da
criança que correspondem a sons ou pautas sonoras
complexas (palavras da linguagem própria desse meio
social)(FERREIRO;TEBEROSKI,1985, p. 21).
Observemos que, para a perspectiva associacionista a criança
aprende apenas a imitar aquilo que lhe é apresentado. Essa imitação
implica copiar tal e qual, o conteúdo repassado. Talvez, o ato de fazer
cópias intermináveis do quadro negro e de textos didáticos esteja
fundamentado neste pressuposto. Ocorre a reprodução do mundo adulto,
mecanicamente. Para a autora, antes de 1962 “...a psicologia, a linguística
e a pedagogia pareciam, então, coincidir em considerar a leitura inicial
como puro mecanismo.” (FERREIRO; TEBEROSKI, 1985, p. 21). Ferreiro,
ampliando a questão, afirma que esta visão começou a modificar-se a
partir de1962.
Rejane Klein
20
Até essa época, a maior parte dos estudos sobre a linguagem
infantil ocupava-se, predominantemente, do léxico, isto é, da
quantidade e variedade de palavras utilizadas pela criança.
Essas palavras eram classificadas segundo as categorias da
linguagem adulta (verbos, substantivos, adjetivos, etc.), e se
estudava como variava a proporção entre essas diferentes
categorias de palavras, qual a relação existente entre o
incremento do vocabulário, a idade, o sexo, o rendimento
escolar,etc. (FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p. 21).
Na linha de reflexão que surgiu após 1962, o trabalho pedagógico
se organiza em torno de textos e não letras, palavras e sílabas, como nos
métodos convencionais de alfabetização. A aquisição do código escrito
centra-se, a partir de então, em textos significativos e não na decifração de
letras,sílabase palavrasisoladas.Sobreeste aspectoFerreirodeclaraque,
Nossavisãoatualdoprocessoéradicalmentediferente:nolugar
de uma criança que espera passivamente o reforço externo de
uma resposta produzida pouco menos que ao acaso, aparece
umacriançaqueprocuravacompreenderativamenteanatureza
da linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de
compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca
à prova antecipações e cria sua própria gramática (que não é
simples cópia deformada do modelo adulto mas sim criação
original)(FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p.22).
No lugar de uma criança que apenas imita a linguagem do adulto
aparece o aluno ativo que, muito antes de entrar na escola, já atua sobre
própria linguagem oral utilizada. O aluno passa a ser visto como alguém
capazdepensar,levantar hipóteses,fazerelaboraçõesereelaborações.
A autora considera também que no decorrer do desenvolvimento
intelectual, o indivíduo elabora hipóteses de escrita, ação que o leva a
elaborar hipóteses, cometer erros.Acriança não é um ser que apenas imita
os modelos oferecidos, mas alguém que cria relações novas a partir desses
modelos. Neste sentido, “[...]um sujeito ativo é um sujeito que compara,
exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses,
reorganiza, etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva
Linguagem e Alfabetização
21
L I C E N C I A T U R A E M
(segundo seu nível de desenvolvimento)[...].”(FERREIRO;TEBEROSKI, 1985,
p. 21). contrariando a tese associacionista. Do ponto de vista do processo de
alfabetização, essa concepção instaura uma série de questionamentos
importantes, seja do ponto de vista do desenvolvimento e da aprendizagem,
sejadopontodevistadaorganizaçãodapráticapedagógica.
Embora as pesquisas efetuadas na Psicolinguística e na Psicologia
do desenvolvimento protagonizadas por autores como Piaget, Vygotsky,
Ferreiro..., não respondam a todas as questões, permitem que se
compreenda a aquisição da língua escrita, respeitando-se, profundamente
a inteligência dascrianças.
As pesquisas mencionadas mostram que a criança tende a buscar a
compreensão do sistema como um todo, ou seja, busca o sentido da frase,
preocupando-se em utilizar o substantivo, o verbo e o adjetivo.
Obviamente queelanãoestá preocupadaemnomearestestermos.
Na perspectiva construtivista, defendida por Ferreiro, a
aprendizagem da leitura e da escrita segue os passos desenvolvidos na
aquisição da língua oral. Desta forma, como a criança inventa palavras,
formula hipóteses e cria adaptações para expressar-se oralmente, também
o faz no processo de desenvolvimento da leitura e da escrita. Ferreiro diz
que, “[...] sendo a escrita uma maneira particular de transcrever a
linguagem, tudo muda se supomos que o sujeito que vai abordar a escrita
já possui um notável conhecimento da língua materna, ou se supomos que
não o possui.” (FERREIRO; TEBEROSKI, 1985, p. 23). No capítulo II,
aprofundaremos esta questão, tratando especificamente sobre a
linguagem escrita.
O conhecimento anterior da língua materna é negado à criança
quando o professor centra a atuação pedagógica ancorado numa
perspectiva behaviorista. Não se pode negar que a criança utiliza a
linguagem oral desde os primeiros anos de vida, e que, desde muito cedo,
utiliza-sedelapara interagir comomundoà suavolta.
Rejane Klein
22
Em seu cotidiano, em casa e na rua, ao aprender a falar, permite-se
“o falar errado”. Por que, ao entrar na escola, e iniciar-se a aprendizagem
da escrita, o erro é algo inadmissível e que tem servido para segregar,
classificar e, por fim excluir, a criança da escola? É necessário que o
professor alfabetizador compreenda como se dá o processo de
desenvolvimento e aprendizagem e como a criança faz para aprender a ler
e escrever. Através da oralidade a criança comunica-se, interage e
internaliza o pensamento. Sempre que ela se expressa está refletindo sobre
a linguagem eseuuso.
A partir do construtivismo a aprendizagem mecânica e imitativa
das letras, sílabas e palavras cedeu espaço para uma prática alfabetizadora
centrada em textos, privilegiando a interação das crianças com o
conhecimento e com os colegas. Oralidade e escrita cruzam-se no
processodeapreensãodalíngua escrita.
Como já dissemos anteriormente, Ferreiro baseia as investigações
que fez sobre a aquisição da língua escrita nas pesquisas de Piaget. Já
vimos também que, para Piaget, o conhecimento é construído e passa por
períodos distintos. Pois bem, Ferreiro também estabeleceu algumas fases
no desenvolvimento da escrita. Elias foi um dos autores que sistematizou
estes períodos. Para Elias (1992): “As idéias construtivistas mudam os
caminhos da prática da alfabetização.” (p.p.50, 56). Na medida em que a
criança atinge certo desenvolvimento intelectual modifica sua forma de
interagir comalinguagem escrita.
Os estágios de desenvolvimento da linguagem escrita foram
descritosporEliascomo:
Nível- 01: nesta fase a criança reproduz traços que identifica como
forma de escrita. Utiliza-se de grafismos primitivos, predominando as
garatujas ou pseudoletras. Usa traçados com linhas onduladas, curvas ou
descontínuas.Para a criança,aescritaé umaformadedesenhar.
Nível – 02: Aqui os grafismos são mais próximos das letras.
Predominam as letras de imprensa em maiúsculas. O nome próprio,
geralmente, éopontodepartida.
Linguagem e Alfabetização
23
L I C E N C I A T U R A E M
Nível – 03: Neste nível, tenta atribuir valor sonoro a cada uma das letras
que compõem a escrita. Escreve letras com ou sem valor sonoro
convencional.
Nível – 04: Nesta etapa, a criança tem como hipótese central a
coexistência de duas formas de correspondência de sons e grafias:
fonemas para algumas partes e sílabas para outras partes. Utiliza um
repertóriovariadodeescrita.
Nível- 05: Por fim, compreende que uma letra corresponde a um
fonema (som), entende que as letras combinam-se entre si e formam
palavrasesílabas.
Desta forma, a maneira de compreender o ato da escrita que é
escrever evolui e atinge graus diferenciados em cada estágio.
Entrelaça-se nesse processo a compreensão do que é escrever e o
desenvolvimento cognitivo. Nessa etapa é muito importante propiciar
uma gama de materiais variados para que a criança possa ler e
escrever, seja em casa ou na escola.
Na sala de aula, se deve propor atividades diversificadas para ler,
desenhar, pintar, rabiscar e brincar com jogos pedagógicos, enfim é
necessário colocar a criança em ação constante, permitindo-lhe construir
suas hipóteses. Não importa a quantidade de palavras, letras, ou frases
que foram produzidas e nem quanto a criança conseguiu acertar. O
professor considerará, principalmente, as estratégias que a criança usou
para escrever, por exemplo, seu nome, recorrendo as letras “PLO”. Irá
observar e avaliar o progresso feito por ela quando, após alguns dias, já
consegue escrever Palo. Isso significa grande avanço no processo de
aquisição da língua escrita. Dessa forma, o professor irá avaliá-la
observandoseuprogressoe nãoquantoserrosouacertoscometeu.
O conhecimentodasfasesde desenvolvimentoda escrita evidencia
que a criança passa por diversos estágios até alcançar a escrita
convencional. Contudo, isso não deve servir para instituir práticas
classificatórias na sala de aula já que pode ocorrer que o professor,
Rejane Klein
24
preocupado em conhecer o nível no qual seu aluno se encontre dê
atenção excessiva a esta classificação. As práticas classificatórias
são antipedagógicas.
Como se pode notar, na perspectiva construtivista, a escrita é
construída e passa por fases. O professor alfabetizador deve acompanhar
estasconstruções,propondo novosdesafiosparaa criança.
Outra perspectiva que contribui para se pensar num processo ativo
de alfabetização é a teoria do sociointeracionismo. A seguir
apresentaremosalgunsdosconceitosfundamentaisdestateoria.
1.2.4O sociointeracionismona práticaalfabetizadora
Vygotsky nasceu na cidade de Orsha, na Bielorrússia, em 1896 e
morreu de tuberculose, em 1934. Estudou linguística, ciências sociais,
filosofia e artes. Graduou-se em direito e filosofia. Foi professor de
psicologia, mas relata-se que seu interesse pela psicologia aumentou
quando teve experiência com educação especial. Palangana menciona que
Vygotsky, juntamente com outros pesquisadores, pretendia construir um
modelo teórico que pudesse explicar os processos psicológicos humanos
deumaforma abrangente e completa.
Para melhor compreendermos como surgiu a teoria vygotskyniana
e quais as correntes existentes na Rússia, contemporânea a ele, recorremos
aos estudos de Oliveira (2003).Aautora explica que havia duas maneiras de
se investigar naquele período. A primeira seria baseada na ciência natural
que estudava os aspectos sensoriais e os reflexos, concebendo o homem
como corpo. Esta corrente fazia parte da ciência experimental; A segunda
seria a psicologia mental que estudava os processos superiores, acreditando
que o homem dividia-se em mente, consciência e espírito. Essa tendência
aproximava-se da filosofia e das ciências humanas. Vygotsky e outros
estudiosos da área propuseram construir uma síntese
Linguagem e Alfabetização
25
ParasabermaissobreVygotsky leia, OLIVEIRA,Marta Khol.9
9
L I C E N C I A T U R A E M
destas duas correntes. Oliveira esclarece que este grupo entendia por
síntese o aparecimento de algo novo. Para ela “[...] a abordagem que busca
a síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem
enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto
membro da espécie humana e participante de um processo histórico.”
(OLIVEIRA, 2003, p. 23). A mesma autora diz que essa nova abordagem
podesersintetizadaapartir detrêspontosbásicos:
* as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são
produtosdaatividadecerebral;
* o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais
entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num
processohistórico;
* a relação homem/mundo é mediada por sistemas simbólicos.
(idemp.23).
O cérebro passa a ser concebido como “[...] um sistema aberto de
grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são
moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento
individual.(OLIVEIRA,2003,p.24,grifosdaautora).
O postulado de que o cérebro humano possui plasticidade e
flexibilidade implica na ideia de que existe uma estrutura básica que se
modificacoma evoluçãodaespécie.
Outro aspecto importante desta teoria é que o homem é um ser
biológico e se transforma sócio-histórico. A cultura é parte fundamental
neste processo. Por isso, “[...] não podemos pensar o desenvolvimento
psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o
funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções
psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente
nos modos culturalmente construídos de ordenar o real.” (OLIVEIRA,
2003, p. 24). Por compreender que as funções psicológicas se modificam
influenciadas pela cultura que Vygotsky propõe o conceito de mediação
para explicar como o homem constrói as funções complexas superiores
através do uso de instrumentos. O homem se relaciona com o mundo de
Rejane Klein
26
forma mediada e os sistemas simbólicos são os elementos que
estabelecessema relaçãoentre sujeitoe mundo.
Podemos dizer que a mediação é algo que está entre a ação do
sujeito e o conhecimento necessário para a realização da ação. Por
exemplo: uma criança puxa a toalha que está sobre a mesa e vários objetos
caem. Da próxima vez em que for repetir o mesmo ato poderá lembrar-se
do ocorrido e deixar de executar a ação. Dessa forma, a lembrança do
ocorrido impediu-a de puxar a toalha novamente e derrubar os objetos que
estavam sobre a mesa. A ação de não puxar a toalha foi mediada pela
lembrançadoocorridoanteriormente.
Amediação é feita também através do uso de instrumentos, pois os
diversos objetos construídos pelo homem ajudaram-no a transformar a
natureza. Os instrumentos são objetos materiais tais como: utensílios,
ferramentas,máquinasesimbólicos.
Os instrumentos materiais, ou seja, as ferramentas auxiliaram o
homem a transformar a natureza; contudo, os signos, também, podem ser
utilizados como ferramentas que ajudam o indivíduo a dirigir suas ações,
servindo como meio para organizar o pensamento, a ativar a memória e a
controlarasaçõesdosoutros.
Oliveira (2003, p.30) diz que: “São inúmeras as formas de utilizar
signos como instrumentos que auxiliam o desempenho de atividades
psicológicas. Fazer uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa
para encontrar determinado local, fazer um diagrama para orientar a
construção de um objeto, [...]”. Os signos são marcas, palavras e símbolos
que, em determinadas situações, representam objetos reais, substituindo-
os. A lista de compras, por exemplo, serve como um objeto externo de
memória para os produtos que a pessoa deseja comprar. Contudo, os
signos não existem apenas, como marcas externas. Eles são internalizados,
ouseja,tornam-sepensamento.
Outra característica dos signos é que estes não foram criados
individualmente. Alista de compras, o mapa, o diagrama, ou uma fita que
é amarrada no dedo para nos ajudar a lembrar de algo são sinais que se
Linguagem e Alfabetização
27
L I C E N C I A T U R A E M
transformaram em signos. Estes signos foram criados pelos homens dentro
de uma dada cultura e adotados coletivamente. Portanto, ao
compreendermos e utilizarmos os signos estamos tornando-os instrumento
dopensamentoeconstruindoasfunçõescomplexassuperiores.
Agora que já delineamos de forma geral a teoria de Vygotsky
passaremos a descrever as relações que o autor estabeleceu entre
pensamento e linguagem. Para ele a linguagem é fundamental para que
ocorra a construção das funções complexas superiores. Contudo, este
desenvolvimento é processual, pois, a partir de um determinado
momento, o pensamento e a linguagem se unem, emergindo o
pensamento racional. A criança bem pequena e os antropóides possuem
um grau de inteligência denominado de inteligência prática, porém
somenteoshumanosdesenvolverãoopensamentoracional.
Sintetizando: Para entender como as funções complexas
superiores se desenvolvem, Vygotsky e outros pensadores russos
construíram uma teoria explicativa postulando que: as funções
psicológicaspossuemaspectosbiológicosesociais;
O desenvolvimento destas funções ocorrem no meio social e
dependem das interações estabelecidas entre os homens e destes com o
meio.
Mediação – conceito-chave: Os instrumentos, sejam eles materiais
ou simbólicos são utilizados como mediadores entre o homem e as ações
querealiza.Alinguagem tempapelfundamentalnessedesenvolvimento.
A seguir procuraremos caracterizar o desenvolvimento da
linguagem e a contribuição desta na construção das funções
psicológicas superiores.
A linguagem surgiu devido a necessidade do homem em se
comunicar,portanto,éumaconstruçãohumanainseridanumadadacultura.
Podemos dizer que quando uma criança aprende a falar, está ao
mesmo tempo, internalizando a cultura na qual vive. A linguagem,
portanto, serve como meio de comunicação e de instrumento para a
construçãodopensamentogeneralizante.
Rejane Klein
28
Alinguagem faz parte do sistema simbólico e é formada por signos.
Aspalavrasqueaconstituemsãoformadasdesignificados.ParaVygotsky,a
linguagem possui a função principal de intercâmbio social. A fala se
desenvolve, em princípio, pela necessidade de comunicação. Uma criança
muito pequena se expressa por meio de gestos, expressões faciais, gritos,
choro e riso. Contudo, para poder comunicar-se com as outras pessoas
necessitaconhecereusarossignosqueaspessoasàsuavoltautilizam.
Desta forma, quando nos expressamos oralmente por meio de
palavras estamos ao mesmo tempo, criando significados e distinguindo-
os entre si. As palavras e seus significados organizam o pensamento. Por
exemplo: a criança quando aprende a palavra casa aprende que está
nomeando algo que se denomina casa, que existem diversos tipos de casas,
que a casa é um lugar de morar.As palavras servem para conceituar tudo o
que é aquele objeto, diferenciando-o de outro.Arelação entre a palavra e a
compreensão do significado permite classificar, categorizar, distinguir,
ordenar. Todas estas ações ocorrem no pensamento, ou seja, fazem parte
das funções psicológicas. A essas ações do pensamento, Vygotsky
denomina pensamento generalizante. O pensamento generalizante pode
ser definido então como: a capacidade de ordenar, classificar e distinguir,
objetos,eventos,situaçõesdiferentes.
Relembrando: a linguagem, para Vygotsky, possui duas funções
distintas:o intercâmbiosocialeo pensamentogeneralizante .
Vygotsky investigou como a linguagem e o pensamento se
desenvolvem e estabeleceu algumas fases, porém faz-se necessário
destacarquepara ele,estasnãosãofixas.
O primeiro estágio é denominado de natural ou fala pré-
intelectual. (balbucio, choro, riso). Nesse período, linguagem e
pensamentoencontram-seseparados.
O segundo estágio é denominado de fase das experiências
ingênuas – a criança interage com o próprio corpo, com objetos e pessoas à
Linguagem e Alfabetização
29
Para saber mais veja o vídeo “Lev Vygotsky”. Coleção grandes pensadores produzida
pelaAtta mídiae educação).O vídeoéapresentadoporMartaKholdeOliveira.
10
10
L I C E N C I A T U R A E M
sua volta. Usa instrumentos (brinquedos) desenvolvendo a inteligência
prática.Neleiniciaafala.
O terceiro estágio é o período dos signos exteriores. O pensamento
executa operações, recorrendo ao mundo exterior. Por exemplo, para
conseguir contar ou efetuar uma adição simples utiliza-se dos dedos ou de
objetoscomoformadeauxílioao pensamento.
No quarto estágio interioriza as operações externas. Nessa fase a
criança dispõe de memória lógica e passa do estágio da fala egocêntrica
para o período da fala interior, ou seja, quando está sozinha não se
expressa mais em voz alta. É a fase da fala intelectual, que adquire função
simbólica e generalizante. O pensamento torna-se verbal. A criança já
compreende alguns significados dados pela linguagem. Pensamento e
linguagem se unem e surge o pensamento verbal, ou seja, o pensamento
passa pela mediação da linguagem.Aeste período Vygotsky denomina de
linguagem racional.
A união entre pensamento e linguagem possibilita à criança
compreender que as palavras tem significado e esta compreensão remete
às duas funções fundamentais da linguagem: o intercâmbio social e o
pensamento generalizante. Oliveira (2003) afirma: “[...] O significado é um
componente essencial da palavra e é, ao mesmo tempo, um ato de
pensamento, pois o significado de uma palavra já é em si, uma
generalização.(p.48)
Sintetizando: A linguagem serve como instrumento do
pensamento e é da ordem dos signos. As palavras adquirem significados
que permitem a classificação e categorização de objetos. No entanto, os
significados não são fixos e modificam-se porque são construídos pelos
homensdeacordocomcadacultura.
A linguagem para tornar-se pensamento precisa ser internalizada
pela criança. Essa internalização Vygotsky denomina como discurso
interior. O discurso interior funciona como uma espécie de fala que o sujeito
faz consigo. É como se fosse uma fala silenciosa sem vocalização. Por
exemplo, quando temos muitas atividades num único dia podemos fazer
umroteiromentalestabelecendoomomentopararealizarcadaumadelas.
Rejane Klein
30
A fala, inicialmente, tem função de comunicação e é denominada
de fala social, mas no transcurso do seu desenvolvimento, as funções
psicológicas se aprimoram e a fala é interiorizada sendo chamada de
discurso interior. Contudo, na transição entre fala social e discurso interior
aparece a fala egocêntrica. Este tipo de comunicação aparece entre os três
ou quatro anos e caracteriza-se como uma forma de expressão como se
fosse um modo de pensar alto. Nesse caso, a criança conversa em voz alta,
ao brincar mesmo quando está sozinha. A fala egocêntrica é um
instrumento do pensamento e auxilia no planejamento das atividades
desenvolvidas pelo falante. Conforme a criança vai se desenvolvendo
intelectualmente afalaegocêntricadesapareceetorna-se interiorizada.
Como vimos na perspectiva vygotskyniana, a linguagem
desempenha um papel fundamental na construção das funções complexas
superiores. No entanto, não podemos esquecer que a língua é uma
construçãosocialecultural,modificando-senoespaçoe notempo.
A teoria de Vygotsky influenciou na compreensão do processo de
alfabetização, fazendo perceber que a aquisição da língua escrita também
passa pela relação pensamento e linguagem. Parte-se do princípio de que o
desenvolvimento e aprendizagem funcionam como se fossem círculos
concêntricos, um atuando sobre o outro. No entanto, para que o professor
possa desencadear o processo de desenvolvimento e aprendizagem
necessita compreender ainda dois conceitos-chave do autor: o conceito de
zonadedesenvolvimentoreale oproximal.
O conceito de zona de desenvolvimento real pode ser definido
àquelas atividades que a criança realiza sozinha. O professor procura
saber o que ela já sabe fazer. Em relação à escrita, sabe usar o caderno?
Consegue segurar o lápis? Compreende que escrevemos da direita para a
esquerda? Deste modo, a zona de desenvolvimento real compreende as
atividades que o sujeito realiza sozinho. Do ponto de vista psicológico, são
capacidadesjáconquistadas,completas.
Linguagem e Alfabetização
31
L I C E N C I A T U R A E M
No conceito de zona de desenvolvimento proximal ou potencial está
implícita a idéia de que a criança possui certo grau de desenvolvimento e
poderá realizar determinadas tarefas com ajuda de outros. Por exemplo: a
criança já consegue compreender que existe uma forma de comunicação por
meio da escrita. Sabe usar o caderno, manejar o lápis. Conhece algumas
letras, mas ainda não compreende a relação entre fonema e grafema, ou seja,
não sabe que aquilo que expressa oralmente pode ser escrito. Esta criança
está potencialmente desenvolvida para aprender a escrever. Portanto, se for
solicitada para escrever uma frase, ou pequeno texto e ela estiver na
companhia de um colega que já escreve, ou se, o professor instruí-la,
conseguiráreproduzirporescritoaquiloquefoisolicitado.
Retomando: o conceito de zona de desenvolvimento proximal
indica aquelas capacidades que não estão totalmente desenvolvidas, mas
queatravésdainteração,daajudadeoutros,poderãoseimpulsionadas.
Segundo Vygotsky, a criança encontra-se num determinado
patamar de desenvolvimento denominado como zona real, ou seja, as
crianças são capazes de realizar determinadas tarefas sozinhas. Contudo,
para promover o desenvolvimento e a aprendizagem o professor deverá
atuar na zona de desenvolvimento proximal que seria um espaço que há
entre aquilo que o sujeito realiza sozinho e a capacidade, ou potência para
realizaralgomaiscomplexocoma ajudadeoutros.
Nesta perspectiva, desenvolvimento e aprendizagem são
processos distintos. Contudo, um impulsiona o outro. Vygotsky os
compara a dois círculos concêntricos em que o desenvolvimento seria o
círculoumpoucomenor.
Para finalizar este item vamos retomar alguns conceitos
fundamentais de cada uma das concepções aqui apresentadas. No início
desta seção procuramos conceituar o Behaviorismo na perspectiva
associacionista e vimos que, nessa perspectiva aprender é semelhante a
formar hábitos e a formação destes depende dos estímulos que a criança
recebe edasrespostasqueapresenta.
Rejane Klein
32
A aprendizagem se dá, então, por meio da associação de idéias
simples e complexas, o sujeito aprendente é considerado passivo. A
mente é comparada a uma página em branco na qual se imprimem os
conhecimentos. O meio ambiente e a experiência são determinantes
para a aprendizagem.
Os Construtivistas postulam, no entanto, que a criança é um sujeito
ativo e que aprende por meio da ação sobre os objetos e da interação com o
meio. O desenvolvimento precede a aprendizagem e a criança necessita de
certo grau de maturação biológica para aprender. O conhecimento é
construído passando por diversos estágios, até que a criança atinge o
pensamentológico,maisoumenosaos11 ou12anosdeidade.
Ferreiro, adotando os pressupostos piagetianos, postulou que a
aquisição da língua escrita também ocorre por meio de estágios. As
propostasdeleitura e escritadevemsersignificativasedesafiadoras.
Na perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, a aprendizagem e
o desenvolvimento dependem da interação social, do uso de instrumentos
que podem ser materiais e simbólicos e a linguagem desempenha um
papelfundamentalnaaquisiçãodasfunçõescomplexassuperiores.
A linguagem tem duas funções importantes: a de intercâmbio
social e a de possibilitar a construção do pensamento generalizante. A
linguagem passa por quatro estágios e se une ao pensamento quando é
interiorizada. O uso dos conceitos de mediação, interação e zona de
desenvolvimento proximal faz perceber que para a criança aprender e
desenvolver é necessário propor atividades desafiadoras. Na sequência
trataremosdosmétodosdealfabetização,destacandoosmaisdivulgados.
1.3 Osmétodosde alfabetização
Para discutirmos os métodos de alfabetização necessitamos
mencionar o material didático que era utilizado, pois o conteúdo ensinado
e a metodologia empregada explicitam-se nestes materiais. Embora, não
tenhamos a preocupação em analisar as cartilhas estas serão mencionadas
Linguagem e Alfabetização
33
L I C E N C I A T U R A E M
porque eram os textos que davam suporte para a aprendizagem da leitura.
Além disso, é necessário destacar, ainda, que no início da alfabetização
escolarizada no Brasil o método utilizado era o sintético. Este pode ser
divididoemtrês:soletração,silábicoe fônico.
1.3.1Métododesoletração
A soletração integra os métodos de alfabetização e se explicita nas
Cartas ABC ou cartinhas. Estes, “[...] eram pequenos livros que reuniam o
abcedário, o silabário, e rudimentos do catecismo [...].” (BARBOSA, 1994,
p. 57). A forma como estes livros foram organizados e a metodologia
empregadaaparecenofragmentoabaixo,
Entrei na escola com 7 anos, comecei decorando o alfabeto
em uma cartilha chamada ‘Carta ABC’, no primeiro ano
fraco. Quando comecei a juntar as sílabas, já estava no
primeiro ano médio. Só comecei a ler alguma coisa que não
fosse da cartilha, já estava com dez anos, no segundo ano
primário.(CARVALHO, 2007,p.22).
A metodologia empregada centrava-se na memorização das letras
do alfabeto e, em seguida, na junção das sílabas.Aleitura ficava limitada aos
textos didáticos e o aluno somente conseguia ler outros textos quando já
estava na série seguinte. Esta forma de trabalho se repetia mesmo quando a
criançaaprendiaaleremcasa,comopodemosvernofragmentoabaixo,
Aprendi a ler com meus pais, no seringal, não tinha escola,
então meus pais compraram uma cartilha. Eu tinha que
decorar as letras e depois era tomada a lição com um papel em
cima da página, só um buraquinho para ver a letra. Depois de
decorar as letras, começava a juntá-las, a soletrar. (idem p. 22-
depoimentoscoletadospela autora).
Como se pode ver nos dois fragmentos explicita-se que era preciso
aprender primeiro as letras, depois as sílabas e as palavras eram formadas
somente após a memorização de várias letras e sílabas. No segundo
fragmento, o depoente diz que tinha que decorar as letras, ou seja,
Rejane Klein
34
memorizá-las. Aquele que ensinava tomava a lição, ou seja, a criança
deveria dizer oralmente qual era a letra apresentada e somente após a
memorização de algumas letras é que o alfabetizando começava a soletrar.
Na sala de aula a soletração ocorria em coro, o professor falava a letra ou
sílabae osalunosrepetiamoralmentetodosjuntos.
As cartinhas organizavam-se da seguinte forma: o alfabeto em
letras maiúsculas, minúsculas, de imprensa e as letras cursivas. Carvalho
diz que as cartas ABC eram compostas de nove livros e apresentavam
listas de sílabas com padrões diferentes. Havia a apresentação consoante-
vogal (ba, na, ma), vogal-consoante (al, ar, an), consoante-consoante-vogal
(fla, bla,tra). A oitava carta era composta por palavras com três letras e a
nona apresentava dissílabos. Neste último livro, aparecia, ainda, uma lista
depalavrasemordemalfabética. Baba,bebe, bife, bolo,etc.(idemp.22).
No método da soletração a finalidade era ensinar a combinação
das letras e sons. O professor ensinava que quando duas letras se juntam
formavam uma sílaba que representavam sons. Exemplo: b+a= ba, ou a
junção de vogais como: e+u forma eu. Na medida em que a criança
avançava no processo de alfabetização aprendia as consoantes e
formava as sílabas e, por fim, as palavras. A memorização era o recurso
utilizado pelo aluno.
O pressuposto teórico que ancora este tipo de prática e material é o
associacionismo, pois primeiro ensinava-se o abecedário e, depois, a
combinação de sílabas simples para, em seguida, ensinar-se a combinação
desílabascomplexas.
Explicita-se, nesta organização, ideias sobre o que é aprender e de
quais são os conteúdos considerados apropriados para introduzir os
alunos no mundo da escrita. Na prática da sala de aula, o professor
organizará o conhecimento em pequenas partes e o aluno, aos poucos
mecanizará o conhecimento das letras, para depois juntá-las em sílabas e
por fim formará palavras. O método da soletração utilizado através das
Cartas ABC, integrou-se aos métodos sintéticos, que se dividiam em:
soletração,silábicoefônico.
Linguagem e Alfabetização
35
L I C E N C I A T U R A E M
1.3.2 O métodosilábico
Neste método se procurava mostrar várias sílabas e proceder ao
estudo de cada uma, para em seguida formar palavras. Na década de 70
algumas cartilhas apresentavam as famílias silábicas. O aluno deveria
conhecer as vogais e depois os ditongos, em seguida as sílabas. Após
aprender as vogais e os ditongos o aluno formava palavras. Por exemplo:
após conhecer as sílabas ba, be, bi, bo, bu, formava palavras com três letras,
exemplo, a palavra boi, segundo Barbosa, esta maneira de ensinar baseada
no métodosintético é muito antiga. Tem cercade 2000 anos.De acordocom
Carvalho e Barbosa, o método da soletração e o silábico não apresentam
mudanças significativas, uma vez que ambos se concentram em ensinar a
codificaçãoedecodificaçãodaspalavras.
1.3.3 O métodoFônico
Nos métodos fônicos o professor enfatiza a dimensão sonora da
língua. No material didático, selecionam-se palavras curtas que possuam
apenas dois sons representados por duas letras, para posteriormente
estudar palavras com três ou mais letras. A finalidade é ensinar a
decodificar sons da língua, na leitura e codificá-los na escrita.
(CARVALHO,2007, p.24).
Barbosa diz que aqueles que adotavam este método acreditavam
que a criança para aprender a ler deveria memorizar os sons das letras do
alfabeto um após o outro. Acreditava-se que, se a criança dominasse os
sons das vogais, das consoantes simples, e dos encontros consonantais
aprenderia a ler com facilidade. Acontece que não há correspondência,
termo a termo, entre sons e letras. Barbosa ressalta que, “[...] Uma letra
pode ter vários sons e um fonema pode ter várias grafias [...]”. (BARBOSA,
1994, p. 48). A soletração, os métodos silábicos e fônicos podem ser
denominados de métodos sintéticos porque partem de unidades tais como
menores letras, sons ou sílabas para em seguida formar palavras. No final
doséculoXIXeiníciodoXX,surgemasabordagensanalíticas.
Rejane Klein
36
1.3.4 Umpoucodahistóriadométodoglobal
O método analítico ou global surge de inúmeras críticas feitas aos
métodos sintéticos. Algumas pesquisas na área da psicologia,
principalmente da psicologia da forma ou Gestalt, preconizavam que a
criança aprendia através da observação global. Assim, passou-se a
conceber que o sujeito procurava primeiro a compreensão global de uma
imagem,texto oupalavrae,somentedepois,prestariaatençãonaspartes.
O método analítico se estruturou no início do século XX, mas foi
lançado por NicholasAdam em 1711 . Este pensador defendia que, para se
alfabetizar a criança deveria iniciar por meio de palavras significativas. O
professor escreveria várias palavras em papéis de formatos diferentes e
mandaria a criança ler. No momento em que a criança já conhecesse um
número razoável de palavras poderia escrever frases, e leria rapidamente.
ParaAdam, ler era mais importante do que decifrar. Importava entender o
sentido do texto e não o som das palavras que o compunham. A
decomposição somente seria feita algum tempo depois que as crianças
soubessemlere formularfrases.
Jacolot foi outro autor que escreveu sobre o método global, mas
defendia que a análise das palavras deveria iniciar o mais cedo possível.
Os estudos de Jacolot deram origem ao método eclético. O método global
somente foi aceito no início do século XX, a partir das descobertas da
psicologiadaGestalt.
Devido ao surgimento do método global e dos questionamentos
feitos aos métodos sintéticos, apareceu o método analítico-sintético. A
partir de então, o material didático apresentava uma palavra-chave. Por
exemplo: Bebê. O professor apresentava a palavra e discutia aspectos
relacionados a ela. Em seguida, apresentava a família silábica relacionada
comaletra inicialdapalavra-chave.
O método global adquiriu mais força a partir dos estudos de
Claparède e Ovide Decroly. Decroly defendia a ideia de que a criança
Linguagem e Alfabetização
37
11
Confira,BARBOSA,JoséJuvêncio.Algabetizaçãoe leitura. 2ºed.SãoPaulo:Cortez, 1994.11
L I C E N C I A T U R A E M
aprenderia melhor se efetuasse a leitura de textos significativos. Além
disso, sugeria que se escolhessem frases ligadas ao contexto do aluno.
Na leitura, o professor deveria enfatizar o significado do texto e não a
decodificação. A partir das reflexões destes dois pesquisadores,
surgiram outros métodos globais como método de contos, ideovisual de
Decroly, o método natural de Freinet, as metodologias de base
linguística e psicolinguística, a alfabetização por meio de palavras-
chave, o método Paulo Freire, entre outros. A seguir faremos uma breve
síntese de alguns destes métodos.
1.3.5O métodoglobal decontos
O método de contos foi aplicado nos Estados Unidos, no século
XIX, e, no Brasil, foi divulgado, principalmente, por Lúcia Casasanta que
formava professores em Minas Gerais. Este funcionava da seguinte
forma: o professor criava uma história e contava para as crianças. As
histórias faziam parte do universo infantil e, por isso, almejava-se
explorar o prazer de ouvir histórias. A professora apresentava o texto
completo e, em seguida, fazia-se a análise das frases. A criança aprendia
a reconhecer palavras de modo global. As palavras eram memorizadas
porque muitas delas se repetiam no texto. Em seguida, fazia-se a divisão
das palavras em sílabas e, por fim, a composição de palavras novas a
partir das sílabas estudadas.
1.3.6 O método ideovisual
O método ideovisual de Decroly foi desenvolvido no início do
século XX. Os princípios defendidos pelos estudiosos são semelhantes a
de outros educadores que se filiavam à escola nova. Para ele cabia à
escola respeitar a personalidade da criança, seus interesses e seu ritmo
natural. Preconizava que ação e a cooperação deveriam fazer parte das
atividades pedagógicas.
Rejane Klein
38
Decroly dizia que o ensino deveria desenvolver-se por meio dos
centros de interesse, o que significa que as matérias deveriam ser
ensinadas a partir de um tema de interesse das crianças. Para ele, a leitura
não poderia ser ensinada de maneira separada de atividades de expressão.
Carvalho menciona que esse método. “O aluno reconhecia a forma, o
desenho total, a imagem gráfica da frase. Em seguida, aprendia a
distinguir as palavras, por meio da observação de semelhanças e
diferenças entre elas; em seguida as sílabas, depois as letras.”
(CARVALHO, 2007, p.35-36). Podemos observar que estes métodos
seguiam mais ou menos os mesmos princípios. Partia-se do todo, seja ele
um texto, frase ou palavra-chave e, somente depois de compreender o
significado, partiria-se para a divisão silábica e construção de novas
palavras.
1.3.7O métodonatural deCélestinFreinet
Freinet, educador francês, desenvolveu um método que ficou
conhecido como natural. Para ele, a maneira como se trabalhava nas
escolas tirava toda vivacidade e interesse das crianças. Para modificar
esta situação, criou uma série de atividades, dentre elas: a aula passeio, o
jornal escolar, a correspondência interescolar, a reunião de cooperativa e
o livro da vida.
Todos os dias fazia um passeio com os alunos, e quando
retornavam para a sala de aula, as crianças relatavam o que viram. Após a
conversa, Freinet sugeria que a experiência fosse registrada por meio de
desenhos. No início dessa experiência, ainda recorria aos manuais
escolares. Contudo, quando solicitava que os alunos abrissem os livros
toda a alegria e o interesse desaparecia. Por isso, resolveu modificar
completamenteamaneiradeensinar.
As atividades semanais eram planejadas através da reunião de
cooperativa. Para isso, os alunos escolhiam aquele que iria presidir a
reunião, o secretário, o vice-presidente. Havia uma pauta de discussão
Linguagem e Alfabetização
39
L I C E N C I A T U R A E M
para cada encontro. Todas as decisões eram registradas em ata para
avaliação na reunião seguinte. O objetivo de Freinet com as reuniões de
cooperativa era desenvolver a responsabilidade, autonomia e cooperação
entre grupo. A confecção das atas aparecia como uma maneira de se
produzir textos. A sala de aula era composta por alunos já alfabetizados e
por alunos que ainda não sabiam ler e escrever. Cada grupo desenvolvia as
atividades conforme as habilidades que possuía em relação à leitura e à
escrita, porém a oralidade era o ponto de partida para a organização do
trabalho emsaladeaula.
A alfabetização acontecia naturalmente, pois a cada passeio,
avaliação, ou reunião, havia o relato da experiência e o registro por meio
do desenho e ou de textos. As crianças que ainda não sabiam ler e escrever
desenhavam suas histórias. O professor assumia o papel de escriba do
aluno transcrevendo ortograficamente a história relatada. As crianças
construíam,aospoucos,a distinçãoentre língua oraleescrita.
No método Freinet a escola deveria criar o desejo de ler e escrever,
e este surgia da necessidade de fazê-lo. Por isso, as aulas passeio, as cartas
interescolares, o registro das reuniões e também no livro da vida
instigavamosalunosaquererlereescrever.
Santos (199, p.214) menciona que os motivos para ler e escrever
numapráticaFreinet sãomuitos.Comoporexemplo,
Para localizar o cartão de identificação e colocá-lo no quadro
de controle de sua presença na sala, é preciso ‘ler’o nome nele
escrito; para registrar suas atividades no plano de trabalho, é
preciso ‘ler’ os itens nele discriminados; para saber o que os
correspondentes contaram por escrito, é preciso ‘ler’ suas
cartas; para contar as proezas da turma aos correspondentes
é preciso ‘escrevê-las; para conhecer as histórias contadas nos
livros existentes na biblioteca da classe, é preciso ‘ler’; para
que a família possa conhecer a história criada na classe, é
preciso ‘escrevê-la’.
As crianças aprendiam a ler ouvindo e lendo histórias. A escrita
tinha sempre uma finalidade. Os textos eram produzidos e publicados no
Rejane Klein
40
jornal da escola. As cartas e os desenhos serviam como forma de
intercâmbio e troca de experiências entre crianças de várias partes da
França. Cada texto era produzido e depois corrigido pelos próprios
alunos. Os desenhos ilustravam as páginas de álbuns e revistinhas criadas
na classe. O trabalho coletivo era estimulado sempre. Na atualidade existe
o movimento de escolas Freinet a nível mundial. Escolas particulares e
professoresderedepúblicaadotamométodonatural.
1.3.7O métodoPauloFreire
O método Paulo Freire pode ser considerado de palavração, embora,
utilize palavras geradoras. Este método foi aplicado na educação de
adultos em meados da década de 50 e início da década de 60. Paulo Freire
combateu a idéia de uma educação neutra e bancária. Defendia a tese de
queoiletradoparticipadomundoeviveimersona cultura.
A alfabetização ocorria por meio das palavras geradoras. Para
selecioná-las o educador realizava uma pesquisa na comunidade dos
alfabetizandos, conforme Brandão (1987, p.25): “[...] Trata-se de uma
pesquisa simples que tem como objetivo imediato a obtenção de vocábulos
mais usados pela população a se alfabetizar”. Na seleção dos vocábulos,
recolhiam-se as palavras que retratavam a maneira de viver, a sabedoria
usada no dia a dia para cultivar a terra, resolver situações do cotidiano. O
objetivo principal dos educadores era apreender o modo de ser e viver dos
alfabetizados. Dessa forma, “a partir do levantamento das ‘palavras’ a
pesquisa descobre pistas de um mundo imediato, configurado pelo próprio
repertório dos símbolos através dos quais os educandos passam para as
etapas seguintes do aprendizado coletivo e solidário de uma dupla leitura: a
darealidadesocialqueseviveedapalavraescritaquearetraduz”.(27).
Para a aplicação do método Paulo Freire, privilegiavam-se as
palavras e frases ditas pelas pessoas da comunidade que seria
alfabetizada. A apresentação das palavras geradoras deve suscitar um
debate mútuo e respeitoso entre educador e educandos.Ao se apresentar a
Linguagem e Alfabetização
41
L I C E N C I A T U R A E M
palavra SALÁRIO faz-se uma discussão em torno das condições de
trabalho, direitos trabalhistas, valor do salário mínimo, férias, descanso
semanal entre outros. Somente após uma discussão sobre o tema que se
iniciaa decomposiçãodapalavra emsílabas.Vejaumexemplo,
Gravura de dois homens com enxadas carpindo e ao lado, a
palavra - Trabalho
tra tre tri trotru
ba be bi bobu
lhalhelhilholhu
lhaga te tri do– trabalho
----------------- tropa
------------------ colheita(BRANDÃO,1987,p.63).
Após a apresentação das sílabas os alunos eram incentivados a
escrever palavras com sílabas apresentadas. Poderiam também criar
palavrasnovassequisessem.
Freire sugeria que as aulas acontecessem em espaços disponíveis
na comunidade. Os encontros eram denominados por Freire como
círculos de cultura. A aula iniciava com a apresentação de um cartaz ou
slides para gerar o debate em torno do tema. O educador faria várias
perguntas e conduziria o debate procurando mostrar que, embora os
alunos não soubessem ler e escrever estavam imersos numa cultura e,
também,produziamcultura.
O método Paulo Freire ficou mundialmente conhecido.Apartir do
ano de 1964 foi substituído pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização
MOBRAL, mas é utilizado ainda hoje na educação informal,
principalmente com jovens e adultos. Ainda hoje é adotado por
professoresquesimpatizamcomopensamentodoautor.
Após a descrição dos métodos globais, podemos dizer que embora,
não se observe uma disseminação massiva dos métodos globais, vários
educadores e até escolas particulares adotam alguns deles. Em relação ao
método natural de Freinet, por exemplo, existe uma rede de escolas
Rejane Klein
42
espalhadas pelo mundo e que realizam encontros para discutir novos
estudos, de tempos em tempos. O método Paulo Freire também continua
ativo, principalmente em escolas não oficiais. O mesmo ocorre com os
centrosdeinteressepropostoporDecroly.
Como vimos, de forma geral, os métodos sintéticos dividem-se em
três: o de soletração (parte do alfabeto), os silábicos (parte-todo), os fônicos
(sons das letras). Nota-se que, a elaboração dos materiais didáticos
baseados nestes métodos aparecia sempre, como se apresentassem uma
nova proposta de trabalho. Contudo, embora apareçam com orientação
diferenciada, não se modificou a metodologia e nem modificaram o
pressuposto associacionista que sustenta a sua organização geral. Apartir
deste pressuposto, entende-se que a criança aprende quando recebe o
estímulo adequado. A criança é vista como um ser passivo que tende a
responderaosestímulosquerecebedomeioexterno.
Os métodos globais também conhecidos como analíticos, partem
da premissa de que a criança, quando entra em contato com um texto,
observa primeiroa totalidadepara depoisnotaraspartesqueocompõem.
Como já dissemos, os métodos globais, especialmente da segunda
metade do século XX, consideram que a criança já possui conhecimento
inclusive sobre a língua. É por isso, que em alguns dos métodos globais,
como, por exemplo: o método natural de Freinet, o ideográfico de Decroly,
o método de Paulo Freire e a prática que decorre da perspectiva
construtivista, promovem situações de aprendizagem da leitura e da
escrita centradas na ação da criança. No lugar da cópia, propõe-se que a
criança escreva pequenos textos, quadrinhas, complete frases, entre outras
atividades. Incentiva-se, ainda, a leitura diária de histórias infantis. Estas
podemserlidaseoucontadaspelaprofessorae,também,pelosalunos.
Enquantoacriançaaindanãosabegrafar ortograficamente,deveser
incentivada a desenhar suas histórias. O professor pode se tornar o escriba
doalunoeregistraraquiloquefoidesenhado.Aospoucos,elaperceberáque
existem duas formas de registro: o desenho e a escrita. Piaget e Vygotsky são
ospesquisadoresquealicerçamestacompreensão,naatualidade.
Linguagem e Alfabetização
43
L I C E N C I A T U R A E M
Na primeira seção procuramos apresentar as concepções de
desenvolvimento e aprendizagem nas teorias do Behaviorismo
Associacionista, no Construtivismo e no Sociointeracionismo. O objetivo
central foi apontar como a criança aprende e se desenvolve. Acreditamos
que esta compreensão é fundamental para que o professor alfabetizador
situe-seemrelaçãoàsescolhasquefazemsaladeaula.
Na segunda seção contamos um pouco da história da escrita, pois
de acordo com Vygotsky, a criança que aprende a escrever segue os
mesmos passos que a humanidade deu, nesse processo. Em seguida,
trabalhamos os métodos de alfabetização que basicamente podem ser
divididosemduascategorias:ossintéticoseosanalíticosouglobais.
Nas três seções anteriores apresentamos as reflexões de teóricos da
psicologia e da pedagogia sobre a alfabetização. No próximo capítulo,
apresentaremos as contribuições da Linguística, especialmente, da área da
Linguística aplicada à alfabetização. Os estudos desse campo apresentam
aspectos importantes para se compreender a relação entre aquisição da
fala, a interferência destes pressupostos na compreensão e estruturação da
escrita. Os aspectos relacionados aos estudos da Psicolinguística,
Sociolinguística, da Fonética e da Fonologia, também, são fundamentais
para estacompreensão.
Deste modo, ao tratarmos da Psicolinguística na seção que abre o
segundo capítulo veremos que o Behaviorismo associacionista e o
Construtivismo serão mencionados novamente, mas agora para se
compreender esses pressupostos na aquisição da fala. Retomaremos
apenas alguns aspectos fundamentais relacionados às citadas teorias, pois
em caso de dúvida se pode recorrer ao capítulo I – seção1.2 -As concepções
de desenvolvimento e aprendizagem e as contribuições para a
alfabetização,“concepçõesdealfabetização”.
Rejane Klein
44
Os estudos linguísticos e a
alfabetização
A Linguística é uma ciência que procura explicar como a
linguagem humana funciona e como atuam as línguas em particular. Esta
ciência se divide em várias sub-áreas e, para nós alfabetizadores,
interessam, de modo particular, as reflexões feitas no campo da linguística
aplicadaàalfabetização.
2.1APsicolinguística
Os Psicolinguístas se ocupam em entender como se desenvolve a
aquisição da linguagem pela criança. Kato (2003) menciona que esta
preocupação data da Grécia antiga.As questões que permeiam este tipo de
estudo são de duas ordens: a linguagem seria naturalmente adquirida? Ou
éaprendidaatravés dacultura?Aautoraapontaque,
Na lingüística moderna, pergunta-se igualmente se a língua é
inata no homem ou se ela é adquirida culturalmente. Se é
aprendida, pergunta-se: ‘Qual é a natureza dessa
L I C E N C I A T U R AE M
Capítulo 2
aprendizagem?’; se é parcialmente inata, ‘O que e quanto do
que hoje sabemos já está biologicamente programado, quanto é
adquirido em contato com o ambiente?’ (KATO, 2003, p. 100).
Desta forma, quando a autora pergunta se a língua é inata, remete-
nos a uma corrente teórica denominada de inatismo. Nessa perspectiva, os
seres humanos já nasceriam programados biologicamente para aprender
as gramáticas. Para alguns estudiosos desta área, como Chomsky, muitas
crianças aprendem uma gramática perfeita, mesmo quando seus pais não
fazemusodessetipodefala.
A tese do autor contrapõe-se ao Behaviorismo associacionista,
corrente de pensamento fundamentada na ideia de que a linguagem e
outros conhecimentos são adquiridos através de estímulos externos que o
sujeitorecebe,bemcomodoreforçoe dasrespostasqueapresenta.
Para o associacionismo a aprendizagem da fala ocorre a partir dos
estímulos que a criança recebe do meio externo. No entanto, para
Chomsky e os inatistas o sujeito nasce biologicamente programado e, no
contatocommundo,desenvolveosconhecimentosquejápossui.
Como vimos na seção 1.2.1, os construtivistas piagetianos partem
da tese de que a criança é um ser ativo e, ao nascer possui alguns esquemas
de ação que se modificam cada vez que entra em contato com uma situação
nova.
A tese piagetiana foi introduzida no Brasil na década de 70,
influenciando os estudos psicogenéticos referentes à aquisição da
linguagem. Então, algumas questões surgem. Será que os processos
observados no desenvolvimento da fala podem ser percebidos na
construçãodaescrita?Háinterferênciadafalanesteprocesso?
Emília Ferreiro, utilizando os conhecimentos da psicogênese,
demonstrou como a criança utiliza recursos da fala na aquisição da língua
escrita. Alinguagem é uma construção própria da criança.Aautora afirma
que,
Rejane Klein
46
Todas as crianças de fala espanhola, em torno de 3-4 anos, dizem
yo lo poní, ao invés de yo lo puse. Classicamente trata-se de um
‘erro’, porque a criança ainda não sabe usar verbos irregulares,
Porém, quando analisamos a natureza desse erro, a explicação
não pode se deter num ‘engana-se’, porque precisamente as
crianças‘seenganam’sempredomesmomodo:tratamatodosos
verbosirregularescomosefossemregulares(dizendoyonací,yo
andé, está rompido, etc.). Depois de tudo, assim como comer dá
comíecorrerdácorri,ponerdeveriadarponir,andardeveriadar
andé.(FERREIRO,1985,p.22).
Na análise feita por Ferreiro se percebe que a criança tende a
regularizar os verbos irregulares quando fala. No entanto, os adultos não
falam desta forma. A tese da imitação protagonizada pelo Behaviorismo
não se sustenta, porque se a criança simplesmente imitasse a fala adulta,
tenderia a reproduzi-la tal e qual. Contudo, ao falar, constrói uma forma
própriaparaconjugarosverbos.
A maneira como a criança se expressa criando construções
próprias poderia ser considerada como erro. No entanto, os pesquisadores
observaram que a maioria das crianças de uma idade “X” expressava-se da
mesma forma, isto gerou a seguinte questão: é possível que todos os
sujeitos investigados cometam os mesmos erros? Quais fatores
determinariamesteserros?
Ferreiro e outros investigadores observaram que são “erros”
construtivos, uma vez que a criança está usando uma lógica própria para
falar daquela maneira. Além disso, na medida em que ela se desenvolve e
entra em contato com situações novas, inventa outras formas de se
comunicaraperfeiçoandoa linguagem.
Os estudos psicogenéticos apontam que a criança, na interação
com o meio, constrói os conhecimentos sobre a língua oral, criando
hipóteses, inventando maneiras de falar e de resolver questões. Estas
proposições modificam, também, a maneira de se compreender o processo
deaquisiçãodalíngua escrita.
Linguagem e Alfabetização
47
L I C E N C I A T U R A E M
As contribuições dos estudos da Piscolinguística, especialmente
daqueles relacionados às pesquisas sobre aquisição da língua escrita,
auxiliam o professor a compreender que muitos dos “erros” que as crianças
cometemaoescreversão“erros”construtivosquemostramoestágioemque
a criança se encontra no desenvolvimento da língua escrita. Abrimos um
parêntese aqui, para destacar que, considerando tais estudos, o professor
deve criar atividades que impulsionem o desenvolvimento e aprendizagem
da língua escrita. Não acreditamos que haja uma passagem natural de uma
faseparaoutra.Oserrospodemevidenciaroestágiodedesenvolvimentono
qual a criança se encontra em relação à aquisição da língua escrita, mas
podemmostrartambéma transposiçãododialetofalado.
A maneira como se fala nas comunidades, a variação dialetal de
acordo com a região, com status social, ou com a idade são investigações
realizadaspelaSociolinguística.Éoqueveremosnopróximotópico.
2.2 ASociolinguística
Os sociolinguístas investigam a língua, mostrando a relação entre
linguagem e sociedade. Procuram estudar a influência que o meio social e
culturalexercemsobreofenômenodalíngua.
Para Orlandi (1999), por exemplo, a Sociolinguística tem a
finalidade de sistematizar a variação existente na linguagem, pensada
como um sistema heterogêneo e dinâmico. Procura-se identificar a
variação das formas. Estes pesquisadores localizam tais diferenças na
língua em uso, analisando-as por meio da observação dos falantes nas
comunidadesemquevivem.
Willian Labov, pesquisador norte americano, impulsionou estudos
nesta área. Alguns mencionam que Labov desenvolveu a perspectiva
denominada como variacionista, também, conhecida como
Rejane Klein
48
Sociolinguística Quantitativa. A pesquisa de Labov ficou conhecida por
esta denominação devido ao uso de métodos estatísticos para efetuar a
análise dos dados. Nesta abordagem procura-se estudar a variação da
língua isolando-sea variável.
Para compreender o que é variável observe a explicação de
Orlandi (1999),
[...] Temos como um exemplo, em português, no caso a variável
que é marca do plural, a seguinte variação: os carros
vermelhos/os carros vermelho/os carro vermelho. A presença
ou ausência do “s” é o que se chama variante. Através de
noções como as de registro alto (nós vamos) ou baixo (nóis vai)
e de estilo formal (v.sa.) ou informal (você), a Sociolinguística
vai relacionando as variantes lingüísticas com as variantes
sociológicas (profissão, educação, salário) referidas a
diferenças de idade, sexo, raça. Explica então a variação
lingüística atravésdefatoressociais.(ORLANDI,1999,p.52).
Podemos retomar a questão do que é variável e dizer que o uso do
“s” na frase apresentada é uma variável porque, quando o sociolinguista
faz a análise, considera aspectos sociais como a profissão que se exerce na
comunidade investigada, o nível de instrução escolar, o salário, No
entanto, efetuar um estudo mais completo, o estudioso agrega ainda,
aspectos como idade, sexo, raça entre outros. Não se trata de sinalizar se os
grupos sociais falam errado, ou certo, mas de demonstrar que as variações
sãointrínsecasaosaspectossociaise culturais.
As pesquisas no âmbito da Sociolinguística apontam que a
maneira de falar varia conforme a região, a idade, nível escolar, o status
social e outros fatores. Esta informação é muito importante para o
professor alfabetizador uma vez que se constata que a língua materna, no
nosso caso, o português, apresenta variações e que a norma-padrão
ensinadana escolaé apenasumaentre asmuitasvariaçõesqueexistem .
Linguagem e Alfabetização
49
11
(para saber maisleia“Alíngua deEulália;novelasociolinguística”deMarcosBagno).11
L I C E N C I A T U R A E M
Cagliari (2007) menciona que a Sociolinguística estuda os
problemas de variação linguística e da norma padrão. Diz ainda que, deste
ponto de vista, não existe o certo e o errado, mas o diferente. Podemos nos
perguntar de onde vem o preconceito linguístico? Em primeiro lugar,
pode-se dizer que há uma compreensão geral de que a língua é única, ou
seja, muitos acreditam que somente existe a língua padrão, ou norma culta
e que esta deve servir como modelo para todas as outras variações. Esse
modo de pensar se dissemina através da sociedade em geral, quando se
enaltece a fala e escrita corretas. Contudo, a escola também contribui de
modo decisivo para esta maneira de pensar quando desconsidera a
maneiracomoosalunosutilizamalíngua, corrigindo-osotempotodo.
Ressaltamos que o professor alfabetizador deve ficar muito atento
a estes aspectos, pois, aprender o português padrão é fácil para alunos que
já falam a língua prestigiada, porém esta mesma língua apresenta-se como
estrangeira paraaquelascriançasquenãodominama norma-padrão.
O professor que desconhece as pesquisas da Sociolinguística,
principalmente os aspectos relacionados à variação linguística, pode
disseminar o preconceito lingüístico e provocar sérias dificuldades no
processo de alfabetização. Na próxima seção discutiremosalguns aspectos
referentesà variaçãolingüística.
2.3 Variaçãolinguística
Partimos do princípio de que a língua foi desenvolvida pelos
homens com a função de estabelecer o intercâmbio de idéias. A
comunicação, porém, é apenas uma das funções da linguagem, pois
através dela, se dá ordens, se expressa sentimentos, estabelecem-se
contratos e direitos e se propaga a cultura. No entanto, a língua é um
sistemaquevariaconformearegião,a culturaeonívelsócio-econômicode
Rejane Klein
50
cada grupo social. No Brasil se fala o português brasileiro. Porém, cada
estado e até região fala uma variedade diferente. A estas diferenças
denomina-sevariaçãolinguística.
A variação linguística é objeto de estudo da Sociolinguística e a
preocupação central dos pesquisadores está em descrever e explicar as
variedades dialetais, demonstrando que “[...] todas as variedades, do
ponto de vista estrutural e lingüístico, são perfeitas e completas entre si
[...]”. (CAGLIARI, 2007, p. 8, grifo nosso). A partir disso podemos nos
perguntar: se todas as variedades são perfeitas e completas por que
aprendemos que existe somente um único jeito de falar e escrever
considerado correto? O que justifica o preconceito e a estigmatização em
relação às pessoas que não falam a variedade padrão? De que modo
conhecer e valorizar os dialetos desprestigiados ajudar a crianças das
classes populares a se desenvolverem melhor na escola? Estas são algumas
questões que tentaremos responder. Para isso, recorremos aos estudos de
Cagliari (2007),Bagno(2008),BarreraeMaluf(sd),entre outros.
Bagno (2008) indica que existem mais de duzentas línguas faladas
nas diversas regiões do Brasil. Cita as línguas indígenas, as dos imigrantes
europeus e asiáticos, as surgidas das situações de contato com as zonas
fronteiriças dos países vizinhos e, ainda, aquelas dos remanescentes de
africanos.Comosevê,éumequívocopensarquenoBrasilsefalaumalíngua
única.Deondevemestaideia?Comoseconstróiodialetoprestigiado?
Bagno (2008) explica que o dialeto padrão no Brasil foi se
constituindo a partir das comunidades que habitavam os centros urbanos
mais desenvolvidos. No Brasil, isso começou a ser construído, ainda,
durante o período de colonização. Inicialmente, a colônia era o centro
econômico, administrativo e cultural do Brasil. Aprimeira cidade a sediar
o centro econômico, administrativo e cultural foi Salvador na Bahia.
Contudo, com o descobrimento do ouro em Minas Gerais e o
desenvolvimento de Belo Horizonte, houve o deslocamento do centro
Linguagem e Alfabetização
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L I C E N C I A T U R A E M
administrativo e cultural para o Rio de Janeiro. No início do século XX, São
Paulo começou a se industrializar tornando-se, também, um importante pólo
econômicoecultural.Avariedadelinguísticafaladapelapopulaçãourbanade
melhor poder aquisitivo foi adotada como língua padrão. Portanto, uma
línguatorna-sepadrãoporfatoreshistóricos,econômicoseculturais.
No livro A língua de Eulália, Bagno explica como, e porque, uma
variedade falada numa região torna-se língua-padrão.Aexplicação é dada
por uma das personagens da história chamada Irene que mora num sítio e
que é professora aposentada de linguística. Irene tem uma sobrinha
chamada Vera que mora na cidade. Vera e as amigas Sílvia e Emilia
resolverampassarasfériasnosítiodeIrene.
No sítio, as moças conheceram Eulália que trabalhava na casa de
Irene. Eulália foi alfabetizada quando adulta e falava um dialeto
considerado pelas moças como português errado. Irene chamou a
atenção das visitantes, pois elas ao conhecerem Eulália riam da fala
utilizada pela empregada. Irene organizou uma aula explicando como
uma variedade se torna língua padrão. Explicou que toda a língua muda
e varia. Para exemplificar disse que o português falado e escrito no
período da colonização já não é compreendido hoje em dia . A
personagem Vera indaga:
-Por que será então que eles vão se tornando cada vez menos
compreensíveis para um brasileiro no início do século XXI? –
quersaber Vera.
-Porque toda língua, além de variar geograficamente, no
espaço, também muda com o tempo. A língua que falamos hoje
no Brasil é diferente da que era falada aqui mesmo no início da
colonização, e também é diferente da língua que será falada
aqui mesmodentrodetrezentosouquatrocentosanos!
-Parece lógico – comenta Sílvia. – Todas as coisas mudam, os
costumes,ascrenças,osmeiosdecomunicação,asroupas...até
Rejane Klein
52
A lingua falada no período do Brasil colônia aparece no filme Desmundo – vale a
pena assistir.
12
12
os bichos evoluíram e continuam evoluindo...Por que a língua
nãohaveriademudar, nãoé?
-É por isso, - prossegue Irene que nós lingüistas dizemos que
toda língua muda e varia. Quer dizer, muda com o tempo e varia
no espaço. Temos até uns nomes especiais para esses dois
fenômenos. A mudança ao longo do tempo se chama mudança
diacrônica. A variação geográfica se chama variação diatópica. É
por issotambém quenãoexiste alínguaportuguesa.
-Ah,não?Admira-seEmília.Entãooqueexiste?
-Existe um pequeno número de variedades do português –
faladas numa determinada região e época – que por diversas
razões, foram eleitas para servirem de base para a constituição,
para a elaboração de uma norma-padrão. A norma-padrão é
aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas
autoridades, pelos órgãos oficiais, pelas pessoas cultas, pelos
escritores e jornalistas, aquele que deve ser ensinado e
aprendido na escola. [...] Essa norma, ao longo do tempo, se
torna objetodeumgrande investimento....
-Investimento,Irene?–Pergunta Sílvia.–Comoassim?
-No processo de constituição, de cristalização da norma-
padrão como o que deve ser “a” língua, ela é analisada pelos
gramáticos, que escrevem livros para descrever as regras de
funcionamento dela, livros que servem ao mesmo tempo para
prescrever essas regras, isto é, impor essas regras como as únicas
aceitáveis para o uso “correto” da língua. Os dicionaristas
também se debruçam sobre a norma-padrão e tentam definir
os significados precisos para as palavras que compõem esse
padrão. AAcademia de Letras estabelece a ortografia oficial, a
maneira única de escrever, que é imposta por decreto-lei
governamental. Ela também cuida para que palavras de
origem estrangeira não “contaminem” excessivamente a
língua, e propõe novos termos para substituí-las, termos com
uma forma mais próxima daquilo que os tradicionalistas
chamam de “a índole da língua”. Os autores dos livros
didáticos preparam seus manuais escolares pensando em
estratégias pedagógicas eficazes para que as crianças
aprendam a norma-padrão... Todo esse trabalho de
padronização, de criação e cultivo de um modelo de língua é que
compõe o tal investimento de que eu falei... Por isso a norma-
padrão dá a impressão de ser mais rica, mais complexa, mais
versátil que todas as demais variedades da língua faladas pelas
pessoas do país. Na verdade, ela nada tem de melhor que essas
variedades,elasótem maisqueasoutras.
Linguagem e Alfabetização
53
L I C E N C I A T U R A E M
-Eoque é queelatema maisqueasoutras?–Pergunta Sílvia.
-Por causa de tal investimento, a norma-padrão tem
principalmente mais palavras eruditas, tem mais termos
técnicos, tem vocabulário maior mais diversificado. Ela
também tem mais construções sintáticas consideradas de bom-
gosto, tem expressões de origem erudita que servem de
modelos para serem imitados, metáforas clássicas que dão um
ar “nobre” à linguagem... Mas se esse mesmo investimento
fosse aplicado a qualquer uma das muitas variedades faladas
no país, ela também se enriqueceria e se mostraria capaz de ser
veículo para todo tipo de mensagem, de discurso, de texto
científico e literário[...] (BAGNO, 2008, p.p. 22, 23. Todos os
grifossãodoautor).
A língua padrão é somente uma variedade entre as tantas outras e
recebeu um tratamento especial, como se pode notar a partir da leitura do
texto acima. No entanto, adotou-se a idéia de que esta variedade
prestigiada é a língua correta a ser falada e ensinada e todo aquele que fala
diferente acaba sofrendo algum tipo de preconceito. Isto é ainda mais
complicadoquandooenvolvidoéumacriançaemfasedealfabetização.
A inserção das crianças das classes populares nas escolas exigui
que se passasse a respeitar os vários dialetos falados nas comunidades.
Isto ocorreu porque a maioria das crianças quando chega à escola se
depara com a variedade padrão, o que gera dificuldades para alunos e
docentes, porém isto não seria tão problemático se os professores
compreendessem que a variedade utilizada pelo aluno é perfeita e
completa como disse Cagliari acima. As dificuldades são maiores ainda
para alunos que iniciam o processo de alfabetização, pois em geral, os
professores apresentam a língua padrão como modelo e desqualificam a
variedadedialetaldacriança.
A compreensão sobre variação linguística é muito importante,
uma vez que as crianças em processo de alfabetização que chegam às
escolas, geralmente, utilizam dialetos estigmatizados na sociedade. Por
outro lado, os professores que não conhecem os estudos da
Rejane Klein
54
Sociolinguística relativos à variação linguística podem dificultar o
desenvolvimentodacriançaemrelaçãoà leitura eescrita.
A criança, ao se alfabetizar, reflete sobre a língua escrita, formula
hipóteses e cria suas formas de registro recorrendo sempre a linguagem
oral. Oralidade, leitura e escrita são processos interligados. Um interfere
no outro durante o processo de alfabetização. Cagliari (2007) diz que, “[...]
a alfabetização é a aprendizagem da leitura e da escrita. [...] ler e escrever
são atos lingüísticos”. (p. 08). Portanto, é de fundamental importância
compreender como a linguística aplicada à alfabetização explica certas
situações que ocorrem no ato de ler e escrever, principalmente, os aspectos
relacionados à variação linguística. Contudo, faz-se necessário
compreender que os atos de ler e escrever não são tão simples como
parecem “[...] a escrita é algo com o qual nós, adultos, estamos tão
envolvidos que nem nos damos conta de como vive alguém que não lê e
não escreve, de como a criança encara essas atividades...”(CAGLIARI,
2007, p.96).
Uma das grandes dificuldades do professor alfabetizador é
justamente perceber como a criança lida com o processo de aprendizagem
da leitura e da escrita.Até iniciar sua escolarização, ela utiliza a linguagem
oral para comunicar-se com as pessoas e com o mundo à sua volta. Na
escola, descobre outra forma de comunicação, a escrita, mas para
compreender esse novo processo, precisa assimilar uma série de
convenções que, muitas vezes, está distante do seu universo de
compreensão. Ao escrever, passa a utilizar-se de signos que representam
os objetos. Além de formar a ideia sobre o objeto, precisa entender que as
palavras são formadas de letras. Percebe, aos poucos, que ao combiná-las
formará determinadas palavras. Descobre também que uma mesma letra
pode ser representada de várias formas. Por exemplo: A, a, e os diferentes
“as” manuscritos. Nos primeiros contatos com o mundo escrito, a criança
confunde muito as letras. Segundo Cagliari, “[...] para nós, adultos,
qualquer A é A, seja ele escrito como for. Quando a criança começa a
aprender a escrever, ninguém lhe diz isso e, muitas vezes, ela fica
Linguagem e Alfabetização
55
L I C E N C I A T U R A E M
admirada diante das coisas que a professora (e os adultos) fazem com as
letras.”(CAGLIARI,2007,p.97).
A alfabetização é um processo de muitas descobertas e a maioria
delas são feitas pela criança sem que ela se dê conta disso, pois “a escola
ensina a escrever sem ensinar o que é escrever, joga com a criança sem lhe
dizerasregrasdojogo.”(CAGLIARI,2007,p.97).
A escola dificulta o desvelamento desse mundo desconhecido e
cheio de novidades, ao ocultar as regras do jogo. O alfabetizando é um
pequeno explorador de áreas não conhecidas, mas muitas vezes, é visto
como aquele em quem se deve apenas imprimir o saber da escola.Asala de
aula deve, portanto, possibilitar atividades que levem o aluno a
estabelecer novas relações, a criar hipóteses, enfim, a explorar o saber que
está recebendo. Um dos passos necessários para isso foi sinalizado por
Ferreiro bem como os outros autores estudados anteriormente ao postular
que a criança é um sujeito ativo. Cagliari (2007) sugere que além de a
vermos como um sujeito ativo, também devemos mostrar a ela o que é
escrever, para que serve escrever e, por último, como se escreve. Esses
procedimentos ajudarão a criança a interagir com um universo até então
desconhecido. Como diz Cagliari “é jogar e mostrar as regras do jogo.” Em
geral, faz-se o caminho contrário: mostra-se como se escreve a partir de
modelospré-definidos.
Barrera e Maluf desenvolveram um estudo em escolas da periferia
de São Paulo e constataram que boa parte dos alunos que falavam o dialeto
não padrão apresentaram dificuldades na aquisição da língua escrita. As
autoras ressaltam que os conhecimentos da Sociolinguística e da variação
linguísticadevemserconhecidospelosfuturosprofessores,poisseevitariaa
disseminação da estigmatização da criança que não fala a língua-padrão
prevenindoaevasãoearepetência.Cagliari(2007)ressalta:
Essa realidade lingüística precisa ser bem entendida pela
escola, para que ela não cometa injustiças para com os alunos e
comprometa o processo de Educação a que se propõe. [...].
Rejane Klein
56
Sobreoestudomencionadoverreferênciasbibliográficasnofinaldofascículo.13
13
Muitos ‘problemas da fala’, atribuídos à falta de ‘discriminação
auditiva’ , são problemas de fato de variação lingüística. A
professora reclama da criança que não distingue sons com p e b
e v e f etc. e diz que ela tem problema de discriminação auditiva
com relação à sonoridade. Geralmente o problema não é nem
de audição. Pode ser que a criança fale uma variedade do
português dizendo, bassoura em vez de vassoura [...]. (p. 85).
Como se vê aquilo que, muitas vezes, é entendido como distúrbio
da fala, problema de discriminação auditiva, pode ser de fato o modo
comoaquelegrupo,oucriançafala.
Existe ainda, outra área da linguística que investiga como os
aspectos fonológicos e fonéticos interferem na apreensão da língua escrita.
Nasequênciaapresentaremosalgumasdiscussõessobreestetema.
2.4 Aspectos fonéticose fonológicosdalinguagem
O professor alfabetizador precisa compreender como o sistema da
escrita funciona. Deve entender que a fala, a leitura e a escrita são
processos distintos, porém, interligados. A aprendizagem da escrita tem
como finalidade a leitura. Esta, por sua vez, focaliza a fala. Afala organiza-
se através de signos compostos por significado e significante. A escrita
baseada no significado é denominada de ideográfica.Aescrita ideográfica
pode ser efetuada por meio de símbolos e desenhos. Estes são criados
culturalmente e independem de uma língua para serem lidos. Os sinais de
trânsito, logotipos, placas com desenhos indicando restaurante, posto de
gasolina, banheiro feminino e masculino são exemplos de escrita
ideográfica. Para compreender estas indicações não importa o país ou a
língua falada, todas as pessoas que partilham desta cultura reconhecem a
indicação.Amenorunidadenestesistemaéa palavra.
A escrita baseada no significante, no entanto, depende da
compreensão dos sons que compõem as palavras. Estes elementos
precisam ser apreendidos e, para isso, aqueles que aprendem a ler e a
escrever precisam decifrá-los. Contudo, a fala não representa fielmente a
escrita e, aí, começam as dificuldades para aqueles que estão em processo
Linguagem e Alfabetização
57
L I C E N C I A T U R A E M
de alfabetização. A escrita baseada no significante é estudada em duas
áreasdalinguística:a Fonéticae a Fonologia.
Cagliari diz que os estudiosos da Fonética se ocupam em descrever
a realidade fônica de uma língua, ou seja, procuram analisar e descrever a
fala nas diversas situações de uso. Os estudiosos da Fonologia também
analisam os sons, mas procuram interpretar o valor e a função que as letras
ocupamnumapalavra.O autorexplicaque,
Quando um falante diz, por exemplo: potxi, txia, tudu, tapa,
até etc., a Fonética constata as pronúncias diferentes tx, t e a
Fonologia interpreta essa diferença atribuindo um valor
único a esses dois sons, uma vez que tx ocorre somente diante
da vogal i, e o t diante de outro som que não seja i. Fato
semelhante ocorre quando um falante diz ora iscada, ora
escada. A ocorrência de i ou de e, neste caso, têm o mesmo
valor.(CAGLIARI,2007,p. 42,43).
Os estudos realizados no campo da Fonética e da Fonologia
possibilitam que o professor compreenda que o aluno, na maioria das vezes,
tende a transferir para a escrita a forma como fala. Por exemplo: na fase
inicial da alfabetização o aluno pode escrever “Iratxi” ao invés de “Irati”. O
professor alfabetizador pode considerar esta grafia como errada, e marcar a
tentativa feita como um erro. Entretanto, se conhecem as discussões
realizadas na área da Fonética e da Fonologia estarão melhor preparados
para mostrar ao aluno que existe uma forma ortográfica de escrever
considerada como padrão, uma convenção usada para que todos possam ler
aquiloquefoiescrito.
A transcrição fonética, geralmente aparece na produção de textos
espontâneos.Cagliari diz(2007)que ,
O alunoescreveiemvez dee, porquefala[i]e não[e];ex:
dici(disse)
qui(que)
tristi(triste)
Rejane Klein
58
(Todososexemplosforamretiradosde(CAGLIARI,2007,p. 139)
14
14
Escreveu emvez deo,poisfala[u]enão[o];ex:
tudu (tudo)
curraiva(comraiva)
Nãoescreve or,pornãohaversomcorrespondentena suafala;ex:
mulhe(mulher
lava(lavar)
Escreveremvezde.Essatrocaécomumnafala;ex:praneta(planeta).
Nos exemplos acima vemos que a criança está escrevendo
foneticamente, uma vez que transfere para a escrita o modo como
pronuncia as palavras. Na escrita fonética a menor unidade da palavra é o
som. Do ponto de vista da língua padrão esta forma de escrita pode ser
considerada erro. Contudo, se recordarmos o que já foi dito anteriormente
sobre os estudos da Sociolinguística e variação linguística, fica
evidenciado que ocorreu apenas uma transposição da fala para a escrita.
Comooprofessorpodeajudaroalunoainternalizar aescritapadrão?
Estudiosos do assunto entre eles: Bortoni, Cardoso-Martins,
Carvalho, sugerem que se trabalhe a consciência fonológica com a criança,
através de uma série de atividades na qual a criança pode contrastar a
escrita fonética com a escrita ortográfica. Pode-se, por exemplo, fazer um
ditado em que o aluno escreva como fala e, na sequência solicitar que
escreva ortograficamente. Porém, o que é consciência fonológica? Aquino
dizque,
Denomina-se consciência fonológica a habilidade
metalingüística de tomada de consciência das características
formais da linguagem. Esta habilidade compreende dois
níveis: o primeiro relaciona-se à consciência de que a língua
falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a
frase pode ser segmentada em palavras, em sílabas e as sílabas,
em fonemas; a segunda a consciência de que essas mesmas
unidades repetem-se em diferentes palavras faladas
(AQUINO,2008,p. 04).
Linguagem e Alfabetização
59
L I C E N C I A T U R A E M
A criança em processo de alfabetização descobre, aos poucos,
como a linguagem funciona. Quando o professor trabalha esse aspecto
com os alunos possibilita que eles percebam que a língua falada pode ser
segmentada, ou seja, a frase pode ser dividida em palavras. As palavras
em sílabas, e as sílabas separadas em letras. Porém, a criança precisa
compreender que há uma forma de escrita em que cada letra ocupa uma
função. Exemplo: a palavra casa não pode ser escrita com as letras xmop,
pois existe uma convenção que determina que seja escrita com as letras CA
S A. Dessa forma, cada letra ocupa sua posição. Caso esta posição seja
invertida, teremos outra palavra. A ortografia da palavra casa quando
falada, pode ser escrita de várias formas, por exemplo: kaza, caza, qasa....,
masapenasumadelasé consideradaa correta.
Quando a criança compreender que a frase que fala pode ser
segmentada e que cada letra representa um som, já está iniciando o
processo de decifração da escrita. A decifração é parte importante no
processodeaquisiçãodalíngua escrita.
Como vimos anteriormente a consciência fonológica ocorre em
dois níveis, pois quando a criança compreendeu a segmentação das
palavras pode também observar que estas unidades se repetem em outras
palavras. Nesse processo, o alfabetizando descobre que existem letras
semelhantes com sons diferentes, e ainda notar que palavras que iniciam
com as mesmas letras indicam coisas diversas. O professor alfabetizador
pode trabalhar com rimas, trava-línguas, parlendas para desenvolver
estas percepções. É importante que a criança perceba que a brincadeira
quefazoralmentepodeserescrita.
Resumindo - a consciência fonológica consiste em: perceber que as
palavras tanto na modalidade oral quanto na escrita, podem ser
segmentadas; que o texto compõe-se de frases; que as frases formam-se de
palavras, as palavras de sílabas e as sílabas de letras. Consiste em perceber,
também, que cada letra corresponde a um som, contudo, são poucas as
letrasqueremetemaumúnicosom.
Rejane Klein
60
Os estudos realizados na área da Fonética e da Fonologia,
portanto, esclarecem o professor sobre estes aspectos, mas isto não
significa que a criança deva passar pelo processo silábico de
alfabetização. Para apreender o funcionamento da língua escrita é
fundamental que a alfabetização inicie com textos variados. Além disso,
a criança deve produzir textos espontâneos. A escrita espontânea
ajudará o professor a perceber como a criança está raciocinando e
mostrará, ainda, que tipo de dificuldades apresenta. No próximo tópico
falaremos sobre a produção de textos espontâneos e alguns “erros” que
precisam ser trabalhados pelos professores.
2.2 Ostextos espontâneos e odesenvolvimento daconsciênciafonológica
Cagliari (2007) analisa uma frase extraída de um texto espontâneo e
aponta os conhecimentos que este aluno demonstra em relação à língua
escrita. Afrase é a seguinte: “euquérocazá”. O autor declara que a criança já
conhece o sistema de acentuação, pois, acentua o “e” e o “a” e ao trocar o “z”
pelo “s”, revela conhecer o valor de z. A produção dessa frase revela um
processo intenso de reflexão, pois o aluno traçou no papel o conhecimento
que possui sobre a língua escrita e várias de suas convenções. O professor
alfabetizadordeveestaratentoaotrabalhofeitopeloalfabetizandoeanalisar
o progresso do aluno. Deve observar o estágio de desenvolvimento da
linguagemnoqualacriançaseencontranoiníciodaalfabetizaçãoeoestágio
queatingiuapósummêsdeaulas,porexemplo.
Outro problema bastante comum, na transcrição fonética é a
hipercorreção. Isso ocorre quando os alunos já conhecem a forma
ortográfica e sabem que a pronúncia é diferente. Por exemplo: ao escrever
as palavras Lopes e Lápes transfere a pronúncia do primeiro e do segundo
juntando-os.Assim sendo, grafa lápes ao invés de lápis. Ou “almadilia” ao
invés de armadilha. Pode fazer a modificação segmental das palavras
provocando a troca de letras f por v, ex: voi (foi), bida (vida). Pode ocorrer,
também,asupressãoouacréscimodeletras.
Linguagem e Alfabetização
61
L I C E N C I A T U R A E M
No primeiro exemplo vemos a supressão macao (macaco),
mecadio (mercadinho) e no segundo o acréscimo, como se pode observar
na palavra sosato significando susto. Ocorre ainda a juntura e
segmentação intervocabular como em ‘jalicotei’(já lhe contei), a gora
(agora) a fundou (afundou). O aluno pode, também, modificar a
morfologia da palavra adepois (depois), ni um (em um ou num), também
fazer uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, acentos gráficos,
sinaisdepontuaçãoeproblemassintáticos .
Todos esses problemas apareceram nos textos espontâneos
produzidospelos alunos investigados por Cagliari. Ferreiro discorre sobre
problemas semelhantes no livro “Psicogênese da língua escrita”. O
professor alfabetizador de posse das reflexões dos autores estudados e de
textos espontâneos produzidos pelos alunos terá um material farto para
auxiliar seualunoaprogredirnaaquisiçãodalíngua escrita.
No próximo item discutiremos como o letramento pode ampliar
emcertosentido,a concepçãodealfabetização.
2.6 Letramento
As discussões em torno do letramento no Brasil surgiram na
década de 80. O debate envolveu questões sobre o que é ser alfabetizado e
o é que ser letrado. Para diferenciar os dois termos Carvalho (2007)
menciona, “[...] uso a palavra alfabetização no sentido restrito de
aprendizagem inicial da leitura e da escrita, isto é a ação de ensinar (ou o
resultado de aprender) o código alfabético, ou seja, as relações entre
letras e sons.” (p.65). Observa-se que a autora aponta para uma
especificidade da alfabetização que seria a ação do professor ensinar e do
aluno aprender o código alfabético. Por outro lado, letrado seria aquele
sujeito que conhece a leitura e a escrita e consegue utilizá-las para resolver
situaçõesdodiaa dia.Carvalhoexplicita adiferença,
Rejane Klein
62
Todos os exemplos foram retirados do livro Alfabetização e linguística de Luiz Carlos
.
Cagliari. Vejareferênciacompletanofinal dofascículo.
15
15
Uma pessoa alfabetizada conhece o código alfabético,
domina as relações grafofônicas, em outras palavras, sabe
que sons as letras representam, é capaz de ler palavras textos
simples mas não necessariamente é usuário da leitura e da
escrita na vida social. Pessoas alfabetizadas podem,
eventualmente, ter pouca ou nenhuma familiaridade com a
escrita dos jornais, livros, revistas, documentos, e muitos
outros tipos de textos; podem também encontrar dificuldades
para se expressarem por escrito. [...] Letrado, no sentido em
que estamos usando esse termo, é alguém que se apropriou
suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las
com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas
atribuições sociais e profissionais (CARVALHO, 2007, p.66 -
grifonosso).
O alfabetizado conhece o código, lê e escreve, mas têm pouca
familiaridade com textos que circulam nas diversas instâncias sociais. A
aquisição do código pode ter ficado restrito ao material didático e o aluno
acaba construindo a ideia de que somente este tipo de texto serve para
aprenderalereescrever.
O letrado, por sua vez, usa a leitura e a escrita com desembaraço
para resolver situações na vida social e profissional, mas desconhece o
funcionamento do código. Numa comparação, o alfabetizado pode
imaginar que a leitura e a escrita são atividades para serem realizadas na
escola. O letrado sabe ler e escrever sem realizar uma reflexão sobre o
código. Pode se dizer que a convivência no mundo letrado e as exigências
postas no cotidiano fizeram-no ler e escrever. Contudo, se o primeiro
conhece o código e entende que as palavras são formadas de letras e que as
letras possuem determinados sons, o segundo lê e escreve, mas não possui
estashabilidades.
Soares (2003) afirma, porém, que não há uma distinção clara entre
alfabetização e letramento. Para ela os dois conceitos se superpõem uma
vez que, aqui no Brasil se considera que um sujeito alfabetizado seja capaz
de ler e redigir um bilhete simples, ou seja, ao ler e escrever a pessoa faz
usodestashabilidades.
Linguagem e Alfabetização
63
L I C E N C I A T U R A E M
A fusão entre os conceitos teria gerado problemas referentes à
especificidade da cada uma destas práticas. Letramento e alfabetização
são processos distintos, porém interdependentes e indissociáveis. Soares
aponta quenoletramentoocorre,
[...] imersão das crianças na cultura escrita, participação em
experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento
e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito
– e o que é propriamente da alfabetização, [...] consciência
fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema-
grafema, habilidades de codificação e decodificação da
língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos
de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da
escrita.[...] (SOARES,2003, p. 15).
Como se pode observar, letramento e alfabetização são processos
distintos, mas que não devem ser dissociados. Não se trata de alfabetizar
sem letrar ou vice-versa. É importante ressaltar que, na alfabetização, no
momento atual, se deve selecionar textos significativos que circulam na
sociedadee promoverumareflexãosobrealíngua.
No segundo capítulo procuramos apresentar as contribuições dos
estudos linguísticos para a área da alfabetização. Abrimos o segundo
capítulo procurando apresentar a Psicolinguística. Vimos que os
estudiosos desta área se ocupam em explicar como se dá aquisição da fala.
Observamos que, para os inatistas a criança nasceria com uma gramática
universal internalizada. Conforme cresce adquire a fala. Os Behavioristas,
por outro lado, afirmam que a linguagem faz parte do meio externo e a
criança a aprende por meio de estímulos e reforços. Para os pesquisadores
que adotam a perspectiva psicogenética, a fala, como outros
conhecimentos, é construída através da ação do sujeito sobre os objetos e
dainteraçãodestecomomundo.
Na seção sobre a Sociolinguística vimos que os pesquisadores
desta área desconstruíram o mito da língua única e realizam estudos
analisando a língua em uso. Para estudar como se utiliza a língua numa
Rejane Klein
64
determinada região levam em conta aspectos sociais do grupo
investigado, como por exemplo: a profissão, o nível de instrução escolar e
o status social. Associam a estes aspectos a idade, sexo, raça e outros. A
grande contribuição da Sociolinguística para o professor alfabetizador
está em demonstrar que a língua se modifica de acordo com a região e com
tempo.Ossociolinguístasocupam-secomavariaçãolinguística.
A variação linguística possibilita compreender que o mito da
língua única pode gerar preconceitos e classificações das pessoas que
utilizam as variações desprestigiadas. Além disso, sinaliza que os alunos
que não utilizam a língua padrão podem encontrar dificuldades na
aprendizagemdaleitura e daescrita.
Na penúltima seção deste capítulo apresentamos os estudos
realizados na área da Fonética e da Fonologia para a compreensão dos
aspectos fonéticos e fonológicos da linguagem. Pontuamos que trabalhar
os aspectos fônicos da linguagem é de suma importância para que o aluno
entenda que a oralidade e a escrita, embora, sejam interdependentes, não
são processos idênticos. Isto evidencia que as palavras quando
reproduzidas na escrita, seguem uma convenção ortográfica. Contudo, se
o aluno escrever como fala, incorrerá em “erros”. No entanto, do ponto de
vista da psicogênese e dos estudos linguísticos, não são erros, mas formas
deensaiareexperimentar a escrita.
Por fim, tratamos do letramento, demonstrando que alfabetizar e
letrar são processos distintos, porém interdependentes. A criança precisa
conhecer uma série de convenções em relação à língua escrita para se
alfabetizar. Contudo, o conhecimento do código deve se basear em textos
com os quais a criança se defronta diariamente. O professor deve trazer
para sala de aula revistas, jornais, livros de literatura infantil, bula de
remédios,placas,entre outros.
Como vimos existe uma relação estreita entre a linguagem oral e o
processo de reflexão sobre a linguagem escrita. Na sequência apontamos
algumas atividades que podem ser realizadas, através das quais, é
Linguagem e Alfabetização
65
L I C E N C I A T U R A E M
possível alfabetizar letrando. Todas as sugestões apresentadas
serão retiradas do livro “Alfabetizar sem bá, bé, bi, bó, bú, de Luis
Carlos Cagliari.
Rejane Klein
66
Conhecimentos e atividades
para a aquisição da língua
escrita e da leitura
Conhecer a língua: a criança precisa saber que aquilo que está
escrito é uma palavra que está escrita no idioma que ela fala e pode ousar
emdecifrá-la.
Conhecer o sistema de escrita: o professor precisa mostrar a
diferença entre desenho e escrita. Para construir este entendimento, o
professor conta uma história e solicita que os alunos desenhem uma parte
da história. Em seguida, faz uma roda para que cada criança conte aquilo
que desenhou. Por fim, pode escolher uma das histórias e transcrevê-la em
papel pardo. Os alunos percebem que existe diferença entre as duas
formasderegistro.
Conhecer o alfabeto: o professor deve dizer que o alfabeto é
formado por um conjunto de letras, e que cada letra tem um nome e que
estas representam sons. Aqui, é necessário cuidar para que a criança não
crie a ideia de que cada letra refere-se a um som em específico, pois isso
traria dificuldades na escrita, uma vez que algumas letras possuem sons
diferentes conforme a posição que ocupam nas palavras. Exemplo: a letra
“S”na palavracasatemsomde“Z”.
L I C E N C I A T U R AE M
Capítulo 3
Conhecer a categorização e valor funcional das letras: Cagliari
destaca que este é um dos aspectos mais importantes da alfabetização, e ao
compreender isso a criança avança no processo de alfabetização.Acriança
tem que entender que não é possível escrever a palavra casa com qualquer
letra, por outro lado, necessita saber que as letras têm nomes e ocupam
funções na palavra. A palavra CASA é escrita ortograficamente com as
letrascê,a,esse,a.
Conhecer as letras: a criança precisa entender que as letras são as
unidades do alfabeto e que representam sons vocálicos ou consonantais,
que graficamente constituem as palavras. Outro conhecimento necessário
é que existe uma maneira de grafar cada letra e nas palavras as letras
ocupam posições que não podem ser trocadas. Por exemplo: para escrever
a palavra rua as letras r u a são postas numa sequência linear, e cada letra
têm um valor funcional, caso se inverta a posição escrevendo de trás para
frente terei a palavra aur.
É preciso diferenciar letras de números e de outros sinais. Além
disso, é importante que a criança saiba que a grafia das letras pode
adquirir várias formas. Exemplo: letra de fôrma, maiúscula e minúscula,
letra cursiva.
Uma letra pode ser escrita de várias formas, mas na palavra exerce
sempre a mesma função. A criança compreende o sistema da escrita
quando entende a função das letras na palavra, e compreende que o
sistema de escrita segue uma convenção. Com o tempo, entende que a
escrita é ortográfica. Esse conhecimento possibilita à criança compreender
que todos os participantes daquela cultura e língua podem ler aquilo que
está escrito.
Conhecer a categorização e valor funcional das letras: Cagliari
destaca que este é um dos aspectos mais importantes da alfabetização, e ao
compreender isso a criança avança no processo de alfabetização.Acriança
tem que entender que não é possível escrever a palavra casa com qualquer
letra, por outro lado, necessita saber que as letras têm nomes e ocupam
funções na palavra. A palavra CASA é escrita ortograficamente com as
letrascê,a,esse,a.
Rejane Klein
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Conhecer a ortografia: ajuda a criança a entender que cada palavra
deve ser escrita de uma forma e, se evita a transcrição fonética, por outro
lado,ajudaa distinguirfaladaescrita.
Conhecer o nome das letras: ensinar o nome das letras a, bê, cê, cê-
cedilha... destacando que algumas letras se diferenciam por exemplo: k,
W,Y, H.
O professor deve desenvolver atividades de leitura e escrita que
envolva dramatização, desenho, mímica, leitura de textos variados para
queacriançapossaadquirirosconhecimentoscitadosacima.
É importante observar também que todo o trabalho deve partir de
textos, destacando-se o título e procedendo a leitura completa. Em
seguida, identificar frases no texto, palavras e rimas. Destacar algumas
palavras e comparar diferenças e semelhanças na forma oral e escrita.
Proceder a troca, supressão ou acréscimo de letras e sílabas para trabalhar
asrelaçõesletras/som,palavra/sílaba.
Como vimos anteriormente, para Cagliari, Ferreiro e os
Psicolinguístas a fala e a escrita cruzam-se quando a criança está sendo
alfabetizada. A criança tende a reproduzir, na escrita, o que a fala lhe dita.
Daí comete vários “erros” quando tem a possibilidade de elaborar seus
próprios textos sem copiá-los. Os erros podem ser ortográficos, mas
podem também refletir a variedade dialetal. Por exemplo: ao escrever
piscina ela poderá reproduzir essa palavra escrevendo psi-na ou pi-si-na e
por diante. Portanto, não são erros que comete, mas tentativas para
compreender o nosso sistema de escrita que como já foi dito, é muito
complexo.Cabe aodocenteorganizaratividadessignificativas.
A escrita significativa é aquela escrita que representa algo
importante para a criança. Escrever seu próprio nome, um bilhete para os
pais, solicitando uma autorização para ir a um passeio da escola, uma carta
a algum amigo, um cartaz, divulgando uma exposição que a sala fará no
final do mês entre outras atividades. De acordo com Geraldi ela precisa ter
razões para escrever diria ter o que dizer, para quem dizer e porque dizer.
Asatividades,então,sãoelaboradascomobjetivosdefinidos.
Linguagem e Alfabetização
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L I C E N C I A T U R A E M
A criança compreende, aos poucos, que seu escrito será lido por
outras pessoas e que a leitura é a tradução dos símbolos escritos, em fala.
Desde muito cedo, a criança procura entender o mundo a sua volta,
observando sinais, letreiros, nomes de lojas, de brinquedos, marcas de
produtos, ou seja, ela está imersa num universo no qual a linguagem
escrita é utilizada constantemente e este contato possibilita-lhe efetuar
uma “pseudo leitura.” Utilizar esses materiais em sala de aula é um fator
importante já que ao incentivar a leitura de placas, símbolos, letreiros,
marcas de produtos e outros materiais presentes em todos os lugares por
onde a criança passa mostra por um lado que ela vive num mundo letrado
e, por outro, faz entender que a leitura não ocorre somente no interior da
sala de aula. Acriança perceberá que o ato de ler não se reduz aos livros da
escola e que pode ler em qualquer lugar e de diversas maneiras. O aluno,
enquanto escritor/ leitor, faz parte de um meio cultural que se utiliza
abundantemente, da escrita. E se for incentivado a ler tudo o que vê nas
ruas, compreenderá que a leitura não é um ato que se realiza somente na
escola. Ou seja, ao ler uma placa irá descobrir para que serve a mensagem
ali explicitada, qual é o objetivo daquele escrito, alertar, sinalizar, advertir,
proibir . A escrita tem como finalidade a leitura. Ler e escrever são
atividades complexas e para que o aluno consiga ler e escrever faz-se
necessário estruturar uma série de atividades. A seguir apresentamos
algumas atividades que podem ser realizadas com as crianças que estão no
período de alfabetização. A atividade envolvendo o nome próprio dos
alunospodemotivarváriasdescobertas.
No início do ano letivo o professor pode reunir as crianças numa
roda e falar seu nome, em seguida, contar algum fato relacionado a ele, ou
o significado que tem e diante das crianças escreve o nome no crachá.Após
esta atividade, cada um fala seu nome e também relata algo sobre ele. Na
medida em que as crianças falam seus nomes, a professora os escreve no
crachá e solicita que as crianças observem como ele foi escrito. Em seguida,
cada um pode ler seu nome e colocar o crachá no quadro de nomes
dispostonaparededasaladeaula.
Rejane Klein
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Neste mesmo dia pode criar um texto coletivo no qual se conta a
história dos nomes dos alunos. É interessante que o texto fique afixado na
saladuranteumasemana.
Outra atividade interessante em relação aos nomes é solicitar que
algunsalunosescrevamosseusnomesnoquadro,porexemplo:
Adrian
Antonio
Ana
Carlos
Gabriel
Giovanni
Marcos
Após a escrita, lê-se com os alunos cada um dos nomes e, em
seguida, propõe-se uma atividade na qual os alunos circulem os nomes
que iniciam com a mesma letra. Pode ainda, solicitar que encontrem os
nomes que terminam com a mesma letra. Por fim, pode se propor que
escrevam nomes de animais que iniciem com as mesmas letras dos nomes
apresentados. Outra atividade interessante consiste em contar o número
de letras em cada nome, contar quantas sílabas tem. Substituir uma sílaba e
criaroutrapalavra.Exemplo:marCa
Car ro
Além das atividades com os nomes das crianças o professor pode
propor atividades que envolvam a elaboração de cartazes que podem ser
informativos ou até na forma de convite, para alguma atividade na escola.
Elaboração de relatórios sobre uma visita ou um passeio. Cartas para
comunicar-se com colegas de outra classe, ou escola. Bilhetes convidando
ospaisparaparticiparemdeatividadesnocolégio.
O trabalho com estes textos exigirá a reescrita e este é um momento
para se trabalhar os aspectos relacionados à convenção do código e a
utilidadesocialdaescrita.
Dentre várias atividades as parlendas e trava-línguas ajudam as
crianças a refletir sobre a linguagem.As parlendas são manifestações orais
e fazemparte dofolclorebrasileiro.Citoalgumas:
Linguagem e Alfabetização
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L I C E N C I A T U R A E M
“Umdois,feijãocomarroz “Uni,duni,tê;
Três,quatrofeijãonoprato; Salamê,mínguê;
Cinco,seisfalaringlês; O sorvete colorê;
Nove,dez,comerpastéis”. O escolhido foi
você!”
O trava-línguas é um jogo verbal que consiste em dizer com clareza
e rapidezversosoufrasescomsílabasdifíceis.
“O Jucaajuda:encaixaa caixa,agacha,engraxa”.
“O ratoroeuorabodaraposa”
“-Alô, o tatu tai? – Não o tatu num tá. Mas a mulher do tatu tando é
omesmoqueotatu ta ”.
Além destas atividades, é necessário promover momentos de
escrita de textos coletivos e individuais possibilitando a troca de
experiências entre as crianças. Na sequência, apresentamos um exemplo
de trabalho com textos com crianças que ainda não dominam totalmente o
códigoescrito.
3.1 Aaprendizagemdaleiturae daescritanaperspectiva sociointeracionista
Para o sociointeracionismo a aquisição da escrita pela criança pode
ser comparada à construção da escrita vivida pela humanidade. Assim
como na humanidade primitiva que usava a escrita pictográfica, a criança,
numa fase inicial da escrita, escreve desenhando suas histórias. Vygotsky
denomina esse processo de pré-história da escrita que passa pela fixação
do gesto, rabisco no ar e evolui para a representação escrita, encaminha-se
para oregistrodejogos,brincadeirase históriaspormeiododesenho.
Inicialmente a criança elabora rabiscos, imitando, do seu jeito a
escrita do adulto e por último, começa a utilizar-se de letras,
aleatoriamente. Por fim, os traços se aproximam da escrita convencional e,
emalgunsmomentos,misturaletrasconhecidas, rabiscosedesenhos.
Acriança entende que a palavra ou o desenho podem ser colocados
no lugar do objeto, na medida em que compreende o funcionamento do
Rejane Klein
72
Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/218592. Acesso em
16/08/2009.
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registro escrito. Luria fez o seguinte experimento: o pesquisador sugeriu
que a criança representasse mil estrelas. Ela criou uma convenção.
Desenhou três estrelas e afirmou que ali estavam representadas as mil
estrelas. Isto possibilitou a compreensão de que as palavras representam
objetose queexiste outralinguagem quepodeserregistradanopapel.
Perez (1993), no texto intitulado “com lápis de cor e varinha de
condão ... um processo de aprendizagem da leitura e escrita”, mostra como
elaborar atividades de leitura e escrita que sejam significativas para as
crianças. A autora adota os pressupostos teóricos de Vygotsky e Henri
Wallon para desenvolver atividades criativas com as crianças em fase de
alfabetização, na pré-escola. Vamos relembrar novamente alguns dos
pressupostos de Vygotsky. Atese central desse autor consiste em afirmar
que a linguagem exerce uma influência decisiva no desenvolvimento
intelectual da criança. Para ele a inteligência se constrói a partir da
linguagem. A criança internaliza a linguagem aprendendo cultura do
gruposocialcomoqualconvive.Alinguagem é umaconstruçãosocial,por
isso, altera-se de acordo com as necessidades humanas e com a cultura
existente. Diz ainda que a linguagem está na base de todas as operações
mentais que envolvem o uso de signos. Os signos são formados por
significado e significante. O significado é aprendido por meio da cultura e
são aquelas convenções que independem da língua para serem
compreendidos. Para exemplificar podemos dizer que são os semáforos,
as placas de trânsito, notações científicas, mapas etc. O significante é
formadoporletras.Easletrasrepresentamsons.
Além disso, precisa entender que as palavras podem representar
objetos ausentes e que a fala pode ser escrita. A criança, em seu trabalho
com a linguagem, passa por quatro estágios. Porém, o autor ressalta que
esses não são fixos e nem rígidos, ou seja, numa fase a criança pode ter
avanços significativos em alguns aspectos de seu desenvolvimento e
passarporretrocessosemoutros.
Linguagem e Alfabetização
73
Confira VYGOSTKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Especialmente os capítulos; 06,07,08 p.p 103 a 157. Ainda; VYGOSTKY et al.Psicologia e
pedagogia 1a. edição 1991. São Paulo: Moraes. VYGOSTKY et. al. Linguagem
desenvolvimentoe aprendizagem7a. edição.SãoPaulo:Ícone.
17
17
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Apoiando-se nesses pressupostos, Perez (1993) afirma que: “A
criança da pré-escola se encontra num processo importante de apropriação
da linguagem. Progressivamente vem construindo conhecimentos sobre a
língua materna. A linguagem se estrutura e se incorpora a partir de suas
relações intersubjetivas com o meio social.”(p. 90). Segundo a autora, a
língua oral materna desempenha um papel primordial no desenvolvimento
da escrita pois, para escrever a criança interage com o meio social
estabelecendo uma inter-relação entre os conhecimentos que tem e os
novos saberes que aprende. Essa inter-relação, num primeiro momento, faz
parte da inteligência prática e, aos poucos, acaba sendo interiorizada pelo
aluno. Ao aprender a falar e a escrever ela internaliza os valores sociais
subjacentes à sua língua materna. Não são simplesmente palavras ou textos
que apreende, mas crenças, valores, conceitos de certo e errado, enfim,
incorporasuahistóriaesuacultura.
Perez (1993, p.90) compara a palavra a uma ferramenta, a um símbolo
que a criança manipula no cotidiano. “Crianças e poetas fazem da palavra
uma ferramenta e objeto de criação, usando-a como os pintores usam seus
pincéis,telasetintas.Apalavracriadoraéambígua,prazerosaepolissêmica”.
Acriança não está simplesmente se comunicando ao falar, mas está
agindo com a palavra. Através da linguagem oral impõe seus desejos, fala
de suas aspirações e sonhos, reage às coisas das quais discorda, nomeia
jogos e brincadeiras, cria regras e internaliza regras estabelecidas. Nesse
sentido, a palavra é signo e símbolo. Na escola aprenderá novos usos para
a palavra, compreenderá, principalmente, que a palavra pode ser escrita e
que esta é uma nova forma de comunicação, ou seja, manipulará a
linguagem para expressar tudo aquilo que deseja e necessita. Perez diz
que, “tradicionalmente, a escola concebe a língua apenas como um
conjunto de palavras-ferramenta e, na melhor das hipóteses, reserva um
espaço para a criatividade dirigida, ou seja, a produção ‘criativa’acontece
segundocritériosestéticosdaprofessora”(PEREZ,1993, p.90).
A autora joga com as palavras atribuindo-lhes dois sentidos,
palavra como objeto e ferramenta de criação e a palavra como ferramenta
Rejane Klein
74
para se ensinar a estrutura da língua. Em geral, quando o professor utiliza-
se da cartilha para alfabetizar assumindo os pressupostos associacionistas
faz da palavra uma ferramenta para dirigir a criatividade do aluno. Usar
tal método significa limitá-la ao ensino da estrutura formal da língua.
Quando a linguagem é usada como ferramenta/criação o professor
coordenará trabalhos que possibilitem ao aluno a criação, o jogo, o
exercício dos poetas e pintores. Nos dois casos temos encaminhamentos
metodológicos diferenciados e, consequentemente, resultados diferentes.
Dependendo da opção que o professor faz, formará um aluno que
interage com o conhecimento ou um aluno que apenas reproduz o modelo
que o professor estabelece. Segundo Perez, a melhor metodologia de
trabalho será estimular a criatividade das crianças a partir das
necessidadese possibilidadesdeles.
Como mencionamos anteriormente, alguns professores
questionam esta forma de alfabetizar, e, muitas vezes, ao abrir mão da
cartilha, sentem-se desorientados para iniciar este processo. Uma das
sugestões propostas por Perez é que o professor utilize-se de relatos orais
dos alunos para a composição de textos. “O relato de uma criança expressa
sua vivência e suas experiências, o seu modo particular de entender o
mundo. Ao criar uma história, ao relatar uma experiência, a criança está
construindoconhecimentossobrea escrita.”(PEREZ,1993,p.91).
Esses relatos devem servir de base para a elaboração de textos
individuais e coletivos. Sugere, também, que o professor conte uma
história e peça que as crianças criem outro enredo com a mesma situação
da história original. Propõe que o professor transcreva o texto produzido
para trabalhar a leitura e a escrita. Para isso, cada aluno deve ter em mãos
umacópiadotexto.
Registrar por escrito o que se diz possibilita compreender vários
aspectos da convencionalidade da língua escrita já assinalados por
Cagliari. Seriaacompreensãodoqueéescrever.Perez (1993)dizque,
Linguagem e Alfabetização
75
L I C E N C I A T U R A E M
O registro escrito de suas produções permite que a criança
através de suas observações, construa conhecimentos sobre a
linguagem escrita e sobre sua função: o que falamos pode ser
escrito, através da escrita comunicamos nossas idéias, escrever
é diferente de falar, escrevemos da esquerda para a direita etc...
neste processo a professora atua como mediadora da
aprendizagem da criança e de suas relações com a escrita,
enquanto um objeto de conhecimento socialmente construído.
(PEREZ,1993, p.94).
Ressalta que, as histórias infantis e os contos de fadas são de
grande importância para a alfabetização, pois “na aprendizagem da
leitura e da escrita é importante que a criança se sinta encorajada a utilizar
a escrita como um veículo para a sua expressão criadora, mesmo que ainda
não domine o código convencional, pois é escrevendo que a criança vai
construindoseusconhecimentossobrea escrita.”(PEREZ,1993, p.101).
A aprendizagem da leitura e da escrita torna-se um espaço de
invenção, construção, elaboração de hipóteses e de desencadeamento do
conflito cognitivo. A criança não precisa escrever todas as palavras
corretamente. O professor irá avaliar seu grau de criatividade e
compreensãodotexto e nãoa incorporaçãodaestrutura dalíngua.
Esta maneira de conceber a alfabetização tem gerado uma série
de debates nos meios acadêmicos. Alguns pesquisadores indicam que,
embora tenha se modificado o paradigma de alfabetização muitas
crianças ainda fracassam na escola. As avaliações externas às escolas
como o SAEB e o ENEM demonstram que muitas crianças após terem
freqüentado vários anos de escola, não desenvolveram habilidades
básicas para ler e ou redigir adequadamente um texto. Por isso,
acreditamos que seja fundamental compreender o que é alfabetizar e o
que é letrar. Na alfabetização ensina-se a estrutura da língua escrita e
como esta funciona, usando de textos diversos.
Rejane Klein
76
SistemadeAvaliaçãodaEducaçãoBásica.
ExameNacionaldoEnsinoMédio.
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19
Considerações finais
Ao finalizar o estudo deste fascículo esperamos que o aluno tenha
compreendido as correntes teóricas que alicerçam as práticas de
alfabetização. Procuramos apresentar um panorama sucinto das
discussões realizadas no âmbito da linguística aplicada à alfabetização e
das concepções pedagógicas alicerçadas na psicologia da educação
focalizandodesenvolvimentoe aprendizagem.
Defendemos a tese de que é importante conhecer como as diversas
correntes teóricas explicam a aprendizagem e o desenvolvimento da
criança, pois de posse destes conhecimentos o professor poderá
acompanhar o crescimento cognitivo de seu aluno. No entanto, além dos
conhecimentos em Psicologia, necessita também compreender a estrutura
e o funcionamento da língua falada e ecrita. Neste sentido, os
conhecimentos oriundos da Linguística em seus vários ramos são
fundamentais.
Como vimos a aquisição da língua escrita e da leitura exige que a
criança construa uma série de conhecimentos relativos ao funcionamento
L I C E N C I A T U R A E M
da língua escrita, uma vez que falar, ler e escrever são processos distintos,
poréminterligados.
A Psicolinguística, a Sociolinguística, a Fonética e a Fonologia
apresentam contribuições muito importantes para a compreensão sobre a
aquisiçãodafala,daleitura edaescrita.
Os estudos da Psicolinguística explicam como a criança adquire a
fala a partir de três correntes teóricas: o Inatismo, o Behaviorismo e o
Construtivismo. Para o Inatismo a criança nasceria com uma gramática
internalizada. No Behaviorismo defende-se que a criança é uma tabula
rasa na qual os conhecimentos seriam impressos, e para o Construtivismo,
o sujeito nasce com alguns esquemas de ação muito elementares que serão
constantemente reconstruídos por meio da ação sobre os objetos e da
interaçãocomomeio.
Assim sendo, a compreensão de como a criança se desenvolve e
aprende, o conhecimento em relação a história da escrita, dos métodos de
alfabetização, da variação linguística e da Psicolinguística são
fundamentaisparaatuar nosprocessosdealfabetização.
Rejane Klein
78
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Rejane Klein
82

Linguagem e alfabetização

  • 1.
  • 2.
    PRESIDENTE DA REPÚBLICA:Dilma Vana Rousseff MINISTRO DA EDUCAÇÃO: Fernando Haddad SISTEMA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DA COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR - CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE UNICENTRO REITOR: Aldo Nelson Bona VICE-REITOR: Osmar Ambrósio de Souza PRÓ-REITORA DE ENSINO: Márcia Tembil COORDENADORA UAB/UNICENTRO: Maria Aparecida Crissi Knüppel COORDENADORA ADJUNTA UAB/UNICENTRO: Margareth Maciel SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DIRETOR: Carlos Eduardo Schipanski VICE-DIRETORA: Maria Aparecida Crissi Knüppel COMITÊ EDITORIAL DA UAB Aldo Bona, Edelcio Stroparo, Edgar Gandra, Klevi Mary Reali, Margareth de Fátima Maciel, Maria Aparecida Crissi Knuppel, Rafael Sebrian, Ruth Rieth Leonhardt. EQUIPE RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO DO CURSO PEDAGOGIAA DISTÂNCIA: Marisa Schneckenberg; Nelsi Antonia Pabis; Rejane Klein; Sandra Regina Gardacho Pietrobon; Michelle Fernandes Lima; Anízia Costa Zyck COORDENADORAS DO CURSO: Marisa Schneckenberg; Rejane Klein PARANÁ www.unicentro.br
  • 3.
    REJANE KLEIN Linguagem eAlfabetização
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    Catalogação na Publicação Fabianode Queiroz Jucá – CRB 9 / 1249 Biblioteca Central – UNICENTRO COMISSÃO CIENTÍFICA: Marisa Schneckenberg; Nelsi Antonia Pabis; Rejane Klein; Sandra Regina Gardacho Pietrobon; Michelle Fernandes Lima; Anízia Costa Zyck. REVISÃO ORTOGRÁFICA PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO: Sandra Regina Gardacho Pietrobon Loremi Loregian Penkal Andressa Rickli Espencer Ávila Gandra Natacha Jordão EDITORA UNICENTRO DIDÁTICA EDITORA DO BRASIL LTDA. Copyright: © 2011 Editora UNICENTRO Nota: O conteúdo da obra é de exclusiva responsabilidade do autor. Klein, Rejane K64L Linguagem e alfabetização / Rejane Klein. – – Guarapuava: Ed. da Unicentro, 2011. 80 p. ISBN: Bibliografia 1. Linguagem. 2. Alfabetização. I. Título. CDD 372.41 978-85-7891-099-0
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    Sumário Capítulo 1 Capítulo 2 Alfabetizaçãoe Linguagem - concepções 1.1 Ahistóriadaescrita 1.2 Asconcepçõesdedesenvolvimentoe aprendizagemeascontribuiçõespara aalfabetização 1.3 Osmétodosdealfabetização 2.1 A Psicolinguística 2.2 A Sociolinguística 2.3 Variação linguística 2.4 Aspectos fonéticos e fonológicos da linguagem 2.5 Os textos espontâneos e o desenvolvimento da consciência fonológica 2.6 O letramento 07 08 11 33 45 45 48 50 57 61 62 Osestudoslinguísticoseaalfabetização L I C E N C I A T U R A E M
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    67 72 77 79 Capítulo 3 Considerações finais Referências Conhecimentose atividades necessários para a aquisição da língua escrita 3.1 A aprendizagem da leitura e da escrita na perspectiva sociointeracionista
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    Alfabetização e Linguagem -concepções Os conhecimentos oriundos das pesquisas em alfabetização e de algumas áreas da linguística são fundamentais para a formação do pedagogo, especialmente para aquele que atuará nas Séries Iniciais. Por isso, no desenvolvimento desta disciplina apresentaremos as discussões que vem sendo realizadas no âmbito da alfabetização e daquelas que estão sendo feitas na linguística, voltadas para aspectos que envolvem a aquisiçãodalinguagem escritaeaprendizagemdodialetopadrão. Num primeiro momento, procuraremos apresentar a história da escrita; em seguida, as concepções de desenvolvimento e aprendizagem para a compreensão da aquisição da língua escrita e os métodos de alfabetização. Na segunda parte desta matéria, discutiremos as contribuições da linguística para a compreensão do processo de alfabetização, situando, de forma breve, a sociolinguística, a psicolinguística e suas contribuições para o desenvolvimento da escrita. Trataremos, dessa forma, de alguns temas que possam trazer subsídios relacionados aos aspectos fonéticos e fonológicos na aquisição da língua escrita. Por fim, discutiremos o letramento, distinguindo-o da alfabetizaçãoconsiderandoascontribuiçõesdestaárea. L I C E N C I A T U R A E M Capítulo 1
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    Na montagem destematerial, recorremos ao estudo de autores consagrados, dentre eles: Emília Ferreiro, Luiz Carlos Cagliari, Lev Semionovitch Vygotsky, Jean Piaget, José Juvêncio Barbosa, Marisa Del CioppoEliase IlanaKotujansky. 1.1 AHistóriadaescrita Para discorrer sobre o desenvolvimento da escrita recorremos ao texto a “História da escrita”, extraído do livro de Cagliari (2007). O autor estabelece uma analogia entre os “passos que a humanidade deu” até chegar ao alfabeto e o processo de alfabetização. Nessa história, a escrita pode ser caracterizada em três períodos: a escrita pictográfica, a ideográfica e a alfabética. A pictográfica constitui-se de desenhos, os pictogramas associam-se a uma imagem do que se quer representar. O catecismoAsteca e as histórias de quadrinhos são exemplos desta maneira de escrever. Os desenhos na escrita pictográfica representam os objetos queoshomensmanuseavam. Na fase ideográfica utilizou-se de desenhos especiais chamados ideogramas. Inicialmente, eram imagens que representavam objetos, mas com o tempo foram perdendo esta forma e adquirindo traços que se tornaram convenções para explicitar letras. Cagliari (2007) cita um exemplo: “[...] o a era a representação da cabeça de um boi na escrita egípcia. [...]. O b era a representação de uma casa egípcia.” (p.108). Como se vê, aos poucos, os ideogramas perderam a característica do desenho transformando-senoalfabeto atual. Como já foi dito os ideogramas evoluíram de desenhos para sinais e símbolos que representavam ideias. Segundo Barbosa (1994) eram “[...] sinais que representavam ideias e não palavras. O desenho de um pé humano significa ‘pé’, ‘caminhar’, ‘estar em pé’, ou se tiver algum sinal adicional passa a significar ‘apressar-se, ‘carregar’, ‘alicerce’(p.35). Outro sistema que apareceu, mais tarde, foi a escrita cuneiforme, representando os nomes por meio de desenhos dos sons. Esta evoluiu para fonográfica, Rejane Klein 8
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    onde o signopassou a ter valor fonético ligando-se à língua oral. Exemplo: a palavra discórdia, que antes era representada por duas mulheres brigando (representação da idéia), passa a ser representada por uma mulher e uma corda e, finalmente, por um disco e uma corda (disco + corda), ligando-se à expressão fonética. O desenho é dos sons, a representação passa a ser dos sons e não mais do significado.”¹ Como se vê a forma de expressão escrita modificou-se e com aparecimento de novossinaisesímbolosfoitornando-semaiscomplexa. A fase alfabética caracteriza-se pelo uso de letras. No entanto, o alfabeto passou por muitas transformações até chegar à forma atual. A origem da escrita alfabética está nos ideogramas que, como já dissemos, são desenhos ou sinais que representavam ideias. Com o passar do tempo os desenhos foram se transformando até chegarem a representação fonéticadealgumasletras. Dentre os sistemas de representação fonética podemos citar: o semítico, o indiano e o greco-latino do qual é oriundo nosso alfabeto. O alfabeto atual também passou por inúmeras transformações até constituir- se de 23 letras combináveis. Esse sistema foi adotado porque era de fácil manuseio e memorização. (para saber mais ver veja o vídeo² sobre história daescrita). Em nossa língua, utilizamos a escrita alfabética e ideogramas que são os sinais de numeração e pontuação. Porém, nem todas as letras possuem um único som ou significado. Conforme o valor funcional da letra na palavra, a escrita se complexifica. Por exemplo, na palavra: apto, o pê muda de significado e pê passa a valer pi porque dizemos a-pi-tu³. Linguagem e Alfabetização 9 ¹Idemp. 35. ²AssistaaovídeoproduzidopeloFNDE disponívelem: http://www.video.com.pt/watch/y1rdfwa54sidafbivryg/Hist%C3%B3ria-da-Escrita--- parte01).Acessoem12/08/2009). ³ Para uma discussão aprofundada desses aspectos ver Cagliari já citado anteriormente e FERREIRO, Emilia e TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas,1985.
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    Desta forma, “arelação entre as letras e os sons da fala é sempre muito complicada pelo fato de a escrita não ser o espelho da fala e porque é possível ler o que está escrito de diversas maneiras.”(CAGLIARI, 2007,p. 117). Isto é uma informação que a criança em processo de alfabetização precisaadquirir. Sintetizando: a história da escrita passou da escrita pictográfica representada por desenhos para a ideográfica e evoluiu do desenho para ideogramas. A escrita alfabética também passou por diversas modificações até fixar-se em 23 letras. As letras representam sons, porém nem todas as letras podem ser traduzidas por um som exato. Isto dependerá do lugar que a letra ocupa na palavra. Portanto, temos a representação gráfica das letras que constitui a escrita ortográfica e a representação dos sons que se expressa oralmente.Autores como Cagliari, Vygotsky, Ferreiro postulam que a aquisição da língua escrita, pela criança,passapelasmesmasfasesque a humanidadepassou. Pesquisadores da área da linguística, da alfabetização e da psicologia procuram explicar como a criança aprende. Para melhor compreendermos as contribuições destas três áreas do saber para a alfabetização, discorremos sobre cada uma delas iniciando pela Psicologia. Ressaltamos que a Psicologia se divide em vários ramos de estudo. Dentre eles encontra- se a área que se ocupa em compreender os processos de desenvolvimento e aprendizagem. A seguir, situaremos três concepções, oriundas da psicologia, que estudam o desenvolvimento e a aprendizagem, que vêm orientando as práticas pedagógicas, nos últimos anos. A maneira como cada concepção explica o desenvolvimento e a aprendizagem implica na forma como o professor concebe a criança, no modo de organizar o material didático, na maneira de definir metodologias e avaliação. Iniciaremos apresentando o Behaviorismo, na perspectiva associacionista. Esta opção é feita porque o associacionismo foi uma das teorias que influenciaram muito as formas de se conceber o ensinoea aprendizagem. Rejane Klein 10
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    1.2 As concepçõesde desenvolvimento e aprendizagem e as contribuições para a alfabetização 1.2.1.O Behaviorismo O Behaviorismo é uma corrente de pensamento que surgiu no final do século XIX e se disseminou na primeira metade do século XX. Os behavioristas ocuparam-se em estudar o comportamento porque, segundo eles, este fenômeno poderia ser observado e mensurado. Comportamento, então, pode ser entendido como conjunto de ações e reações dos organismos vivos frente a determinadas situações e ou experimentos. Os estudos desses cientistas foram utilizados tanto para investigar oscomportamentoshumanosquantoosdeanimais. John Watson é considerado o pesquisador que mais divulgou as idéias behavioristas, porém Pavlov, cientista russo e Thorndike, norte americano,realizaram pesquisasqueantecederamosestudosdeWatson. Quando falamos desta teoria temos que pensar que existem várias vertentes desta perspectiva e que o Behaviorismo modifica-se até a atualidade. Dentre as perspectivas que o compõem temos: o conexionismo de Thorndike, o condutismo, o associacionismo, o Behaviorismo radical deSkinner,entre outros. Como já mencionamos anteriormente o Behaviorismo dividiu-se em várias perspectivas e, dentre elas, podemos destacar o associacionismo. Conforme Bock, o associacionismo pode ser considerado uma teoria pedagógica porque investigou como a aprendizagem ocorria. Conforme Bigge, “os associacionistas iniciais interessavam-se primordialmente pelos fenômenos mentais: preocupavam-se com a associação de idéias na mente. O associacionismo behaviorista moderno, ao contrário, tende a se enraizar em outro tipo de interesse – o Linguagem e Alfabetização 11 Para saber mais leia, BOCK, Ana Mercês Bahia. et. al. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Saraiva, 1999. A leitura do capítulo 3 auxilia o aluno para umaintroduçãoaoBehaviorismo 4 4 L I C E N C I A T U R A E M
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    comportamento do corpo”(BIGGE, 1977, p.53). Então, aprender consistiria em associar idéias na mente; estas poderiam ser simples ou complexas. Do estudo de como ocorria a aprendizagem por meio da associação de idéias, o enfoque modificou-se e, em meados do século XX postulava-sequeeranecessáriotreinar ocorpo. Para os associacionistas aprender equivale a formar hábitos. Eles partiam do princípio de que a criança nascia como tabula rasa. Para este grupo a natureza do homem não era nem boa nem má, nem ativa. Os conhecimentos adquiridos eram produtos das experiências por uma pessoa no decorrer de sua vida. Acreditava-se que o ambiente determinava a maneiracomoossujeitosagiamepensavam. Nesta teoria para se fixar a aprendizagem e promover a mudança de hábito o indivíduo deveria passar pelo condicionamento, ou seja, o procedimentoestímulo-respostaemqueS=estímuloeR=resposta. A partir dos anos 50 os estudos de Skinner começam a ser conhecidos. Skinner postulou que não bastava oferecer estímulos, fazia-se necessário reforçar o comportamento. Desenvolveu a lei do reforço. O objetivo da lei do reforço seria a de fixar uma resposta considerada adequada, ou se poderia também por meio dele extinguir comportamentosinadequados. O Behaviorismo disseminou-se nas escolas porque seus idealizadores possuíam uma preocupação eminentemente pedagógica , considerando que o conhecimento está no mundo externo e é internalizado pelos sujeitos a partir de estímulos adequados. Isso quer dizer que a aprendizagem decorre da fórmula estímulo-resposta, por meio deumaassociaçãoentre ambos. Para o Behaviorismo, desenvolvimento e aprendizagem são processos independentes, e aprender resulta sempre de um procedimento Rejane Klein 12 Ver BOCK,Ana Mercês Bahia et.All. Psicologias uma introdução ao estudo de psicologia 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, GOULART Iris Barbosa. Psicologia da educação fundamentosteóricosaplicaçõesà práticapedagógica.6ªed.Petrópolis:Vozes,1999. 5 5 5
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    externo. A fontedo conhecimento estaria na experiência que o sujeito realiza . O professor que fundamenta sua prática neste pressuposto crê que a criança que ingressa na escola não possui nenhum conhecimento anterior. Cabendo ao docente ensinar-lhe tudo. Parte-se da suposição de que o conhecimento deve ser impresso na mente da criança. A prática pedagógica que decorre desta concepção é a de fornecimento de estímulos adequados e obtenção de respostas das crianças. O aluno é um sujeito passivoeaprendersignificaformarhábitos. Na perspectiva Behaviorista a aprendizagem ocorre através do ensaio, erro e reforço que pode ocorrer na forma de elogios, premiações ou punições. Por exemplo: receber 05 (cinco) estrelinhas no caderno porque acertou tudo ou receber apenas 01(uma) ou 02 (duas) porque a tarefa está mal feita. A criança que recebeu 05 (cinco) estrelinhas sente-se feliz e viu seuesforçorecompensado,enquantoqueaoutrasesente punida. Sabemos que a exposição a este tipo de prática, pode, ao longo do tempo, levar a criança a enxergar a si própria como alguém incapaz para executar determinadas tarefas. O aluno faz tentativas e, conforme os estímulos recebidos, poderá incorporar aquele saber em seu comportamento. A metodologia decorrente desta concepção no processo de alfabetização privilegiará, em geral, os métodos sintéticos e os materiais didáticos fornecidos pela escola. Pode-se dizer que o processo de alfabetizaçãocentra-seemtextos únicos,comoporexemplo,acartilha. Observa-se que desta concepção teórica decorre uma forma de compreender o que é ler, escrever e, consequentemente, uma forma de organizar a metodologia e a avaliação em sala de aula. Na concepção associacionista, ler significa simplesmente combinar vogais e consoantes, como fica evidente nas palavras e frases pré-elaboradas que compõem o texto das cartilhas. Esses textos, geralmente, não despertam a curiosidade Linguagem e Alfabetização 13 Para saber mais veja VIGOTSKI, L.S.Aformação social da mente.6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Capítulo 06“Interaçãoentre aprendizadoe desenvolvimento. 6 6 L I C E N C I A T U R A E M
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    e nem odesejo, nas crianças, de aprender a língua escrita. Ler nesta concepção significa também usar a entonação adequada nos sinais de pontuação. Ler e escrever, neste caso, não passa de mecanização de certas técnicasedecifraçãodocódigoescrito. Em relação à aprendizagem da língua escrita concluímos que, “o único objetivo das cartilhas é colocar em evidência a estrutura da língua escrita, tal como é concebida pelos métodos de alfabetização. Por isso, as cartilhas tendem a apresentar uma escrita sem significado.” (BOCK, 1999, p.60). As crianças, submetidas aos métodos sintéticos, devem captar o mecanismo da língua escrita e aplicá-lo nas várias atividades de leitura e escrita. Não se busca a interação da criança com o material que está a sua frente. Por isto, não há preocupação com o sentido dos textos, na maioria das vezes textos sem nenhum significado. O professor que adota esta perspectiva encontra muitas limitações para o desenvolvimento de seu trabalho, pois, a metodologia implementada em sala de aula tende a tornar o ensino repetitivo e mecânico. Quanto à avaliação, observa a grafia corretadaspalavras,apontuaçãoeaacentuaçãoadequadas. Numa prática alicerçada na perspectiva Behaviorista/associacionista se enfatiza a internalização da estrutura da língua no processo da escrita, as técnicasdeumaleituracorretaeamecanizaçãodeumaboagrafia. O ato de ler e escrever passa pela imitação destas técnicas.Aprática pedagógica ancorada na perspectiva Behaviorista possui longa tradição, porém na década de 80, surgiu outra corrente de pensamento que apontavapara outraformadeseconcebera aquisiçãodalíngua escrita. Esta corrente ficou conhecida como Construtivismo. No Brasil o Construtivismo foi amplamente divulgado e incorporado às práticas de alfabetização. Na atualidade alguns teóricos vêm questionando alguns dos pressupostos desta perspectiva, especialmente no que se refere ao processo inicial da língua escrita. Soares (2003) aponta que, em certa medida, o fracasso escolar denunciado por pesquisadores e pela mídia pode ser explicado em parte, devido ao modo como se passou a conceber o Rejane Klein 14
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    processo de alfabetizaçãonas últimas duas décadas. Para ela isto ocorreu porque houve alguns equívocos na maneira como muitos educadores passaramaconcebera alfabetização. No ano de 2003 a comissão de educação da câmara dos deputados entregou um relatório no qual se discute a questão da alfabetização. No relatório sugere-se o retorno ao método fônico para alfabetizar. Ao discutirmos posteriormente letramento, abordaremos de modo mais precisoesta questão. Contudo, faz-se necessário destacar que o Construtivismo trouxe contribuições inegáveis para se compreender o processo de alfabetização. A seguir, procuraremos apresentar alguns fundamentos desta corrente de pensamento. 1.2.2. Construtivismo-ascontribuiçõesdePiaget O construtivismo é uma teoria que surgiu no início do século XX e originou-se dos estudos realizados por Jean Piaget . Piaget desenvolveu uma epistemologia da construção do conhecimento, ou seja, pretendia demonstrar como ocorre a construção do conhecimento pela criança e, para isso, criou uma teoria do conhecimento. Este pensador nasceu em Genebra e, aos 10 (dez) anos de idade publicou um estudo sobre as observações que realizou sobre uma andorinha albina. Fez parte de um grupo de pesquisadores que incluía Claparède. Este, investigava como as crianças resolviam problemas apresentados pelos psicólogos. Na resolução dos testes, Piaget observou que as crianças cometiam erros e foi justamenteistoqueeleprocurouexplicar: Na função de aplicar um mesmo teste a um grande número de crianças, Piaget descobriu que as respostas erradas eram, com freqüência, mais interessantes que as corretas. Observou também que as crianças da mesma idade cometiam os mesmos tipos de erros nas respostas, fato que o levou a uma conclusão Linguagem e Alfabetização 15 Para saber mais veja VIGOTSKI, L.S. A formação social da mente.6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Capítulo 06“Interaçãoentre aprendizadoe desenvolvimento. 7 7 L I C E N C I A T U R A E M
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    importante: para compreendero pensamento da criança era necessário que se desviasse a atenção da quantidade de respostas certas e se concentrasse na qualidade da solução por ela apresentada. Daí a idéia central de sua teoria: a lógica de funcionamento da criança é qualitativamente diferente da lógica adulta. Logo, era preciso investigar através de quais mecanismos ou processos ocorre essa transformação. (PALANGANA,1998,p.p., 14, 15). Como se pode perceber, Piaget ficou intrigado com as respostas das crianças e, ali, onde outros estudiosos observavam erros, ele via um modo próprio da criança pensar e resolver os problemas propostos. A partir deentão,passouainvestigar comotal lógicaseconstruía. Para Piaget a criança nasce com algumas estruturas biológicas denominadas esquemas de ação, que favorecem a construção do conhecimento. Goulart (2000) define esquema como: “[...] um padrão de comportamento ou uma ação com uma certa organização e que consiste num modo de abordar e conhecer a realidade[...]” (p. 14). Os esquemas dividem-se em simples, como por exemplo o dos reflexos, e os complexos utilizados pela criança quando faz operações lógicas. Os esquemas complexos começam a ser usados pelas crianças por volta dos 07 anos. Contudo, é necessário ressaltar que estes resultam do aperfeiçoamento dosesquemasanteriores. A aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem como resultado das atividades do sujeito na interação com o meio. Portanto, as descobertas de Piaget indicam que para aprender e desenvolver-se a criança necessita de certo grau de maturação biológica e de esquemas de ação que, inicialmente, são bastante precários. Contudo, na medida em que a criança atua sobre os objetos e interage com o meio social, estes se aprimoram e se transformam, tornando-se cada vez mais elaborados e complexos.O desenvolvimentopassaporestágiosoufases. Rejane Klein 16
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    O primeiro estágio, que vai do nascimento aos 02 (dois) anos de idade divide-se em três fases: a fase dos reflexos, o da organização das percepçõesehábitoseodainteligência sensomotora. Os primeiros contatos com o mundo exterior ocorrem por meio da pessoa que a cuida (PIAGET, 1964, p. 16). Do nascimento aos dois anos, temosoperíodosensório-motor.Nestafase,odesenvolvimentocentra-seno próprio corpo da criança. O conhecimento depende das sensações e movimentos que faz. É também o período da formação dos primeiros hábitos.Acriançateráconstruídoainteligênciaprática,ouseja,ainteligência dependente da ação no final deste período.As conquistas desta fase servirão de base para a fase posterior denominada de primeira infância que vai dos dois aos sete anos. Na primeira infância entre os 02 aos 04 anos, a criança aprendeafalareistopossibilitaaconstruçãodafunçãosimbólica. A linguagem é uma grande conquista, pois isto permite que ela narre pequenos acontecimentos e interaja com adultos e outras crianças. Piaget diz que, “[...] a criança torna-se, graças à linguagem, capaz de reconstituir suas ações passadas sob a forma de narrativas, e de antecipar suas ações futuras pela representação verbal”. (PIAGET, 1964, p. 23). A aquisição da linguagem permite a socialização da ação. Além disso, ao contar acontecimentos, nomear objetos, interioriza a palavra e isto possibilitaoaparecimentodopensamento. Nesse período a criança possui um ponto de vista autocentrado, denominado por Piaget de egocentrismo. É a fase dos “por quês”. A criança procura a explicação dos acontecimentos e fenômenos da natureza. Por exemplo: crê que o sol nasce para ela, que a noite é uma nuvem escura que cobre o céu. (para saber mais, leia “A representação do mundo pela criança” de Jean Piaget). No final deste período, desenvolve o pensamento reversível e conserva a noção de ordenação e classificação.As Linguagem e Alfabetização 17 Para ter uma noção clara sobre as fases do desenvolvimento em Piaget leia. PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária LTDA, 1967. O vídeo Jean Piaget da coleçãograndespensadoresfoiproduzidopelaAttamídia.EstevídeoéapresentadoporYvesde La Taille. Outro livro interessante é o de GOULART, Iris Barbosa. Piaget experiências básicas paraautilizaçãodoprofessor.17ªed.RiodeJaneiro,Petrópolis:Vozes,2000. 8 8 L I C E N C I A T U R A E M
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    noções de tempoe espaço, que na fase anterior eram centradas no próprio corpo, agora já são percebidas como externas a ela. As noções de ontem, hoje,mêspassado,tambémaparecemneste período. O desenvolvimento da linguagem resulta na organização do pensamento, na internalização dos signos. Do ponto de vista cognitivo permite que a criança explique oralmente um jogo, proponha uma brincadeira e compreenda regras. As primeiras noções morais também aparecem neste período. Nesta fase os jogos e brincadeiras são fundamentais para a construção da inteligência. A criança ainda não consegue fazer abstrações e necessita concretizar as ações para compreendê-las. A fase seguinte, denominada de estágio operatório concreto, é chamada também de segunda infância, compreendendo o período que vai dos sete aos doze anos. Esta é marcada pela capacidade da criança de estabelecer relações interindividuais e de cooperar com os colegas. Isto ocorre porque abandonou o egocentrismo. Consegue defender seu próprio ponto visto de vista e é capaz de coordená-los com o ponto de vista de seus colegas. Isto permite que faça as primeiras abstrações, pois ao expor o que pensa, compreende o outro, coordenando mentalmente dois ou mais pontos de vista. A partir da conquista desta capacidade já consegue abstrair e lidar com problemas mais complexos. Para saber mais (verPalangana, 1998; Goulart, 1999,Bock.....). O último estágio, denominado como estágio operatório formal ou lógico formal, evidencia as conquistas das fases anteriores. O pensamento, agora, é lógico, possibilitando abstrações. A operação lógica é construída pouco a pouco e resulta das conquistas feitas nas fases anteriores. Essas têm como modelo as operações lógico-matemáticas e se organizam como estruturasmentais. Sintetizando: A criança é um sujeito ativo que, no decorrer de seu desenvolvimento, constrói o conhecimento por meio de ações e interações. A linguagem representa grande conquista, pois por meio dela pode manifestaropensamento,narrar históriasediscutirpontosdevista. Rejane Klein 18
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    Asfasesdodesenvolvimentosãodivididasdaseguinte forma: 0 a2 anos – período da inteligência prática. Brinca com objetos e aprimora seus esquemas de ação. Usa especialmente as sensações e o própriocorpo. 02 a 07 anos – pré-operatório – com a conquista da linguagem interioriza as ações, ou seja, torna-as pensamento. Procura uma explicação para as causas. É a fase dos por quês. Neste período ainda não consegue coordenar seu ponto de vista com o do outro e tende a pensar os jogos e as brincadeiras sempre do próprio ponto de vista. Não abstrai. Consegue resolverquestõeselementaresdeordenaçãoeclassificaçãodeobjetos. 07 a 12 anos – operatório-concreto – estabelece relações interindividuais, consegue cooperar e compreende o ponto de vista dos outros. Já construiu noções elementares de tempo, espaço, consegue entender as causas dos acontecimentos. Do ponto de vista lógico desenvolveuasnoçõesde:ordenação,classificação,reversibilidade... 12 anos em diante – operatório formal – o adolescente já é capaz de resolver problemas que exigem a lógica matemática e o pensamento é abstrato. Conforme Goulart, “[...] as operações lógicas que vão emergindo ao longo do processo de desenvolvimento têm como modelo as operações lógico-matemáticas e se organizam como estruturas mentais [...]”. (GOULART,2000,p.35). Para Piaget, o desenvolvimento em certa medida antecede a aprendizagem, pois para aprender a criança precisa estar num certo grau dematuraçãobiológica. Ferreiro por outro lado, utilizou-se deste referencial para demonstrarcomoacriançaaprendealíngua escrita. Do ponto de vista da aprendizagem da língua escrita, a perspectiva construtivista fornece possibilidades interessantes, uma vez que focaliza a competência lingüística e as capacidades cognoscitivas da criança. (FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p.21). Linguagem e Alfabetização 19 L I C E N C I A T U R A E M
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    1.2.3EmíliaFerreiro– reflexõessobreaquisiçãodaescrita Emilia Ferreiro,pesquisadora Argentina, investigou a forma pela qual a criança constrói os conhecimentos na aquisição da língua escrita. A pesquisadora baseou-se nos estudos de Piaget procurando compreender comoa criançaage einterage comostextos escritos. Numa perspectiva construtivista a criança é considerada como um sujeito ativo que interage com os objetos e com outras pessoas e, constrói conhecimentos. A aprendizagem da leitura e da escrita pressupõe a elaboração de atividades no sentido de promover o raciocínio. Os professores tendem a acreditar que a criança possui vivências que auxiliarão na aprendizagem escolar e crêem que podem e devem desafiar a criança, pois mesmo que a criança não domine a escrita convencional, já está imersa no mundo letrado. Ferreirocontrapõeapsicogêneseaoassociacionismoafirmandoque, O modelo tradicional associacionista da aquisição da linguagem é simples: existe na criança uma tendência à imitação (tendência que as diferentes posições associacionistas justificarão de maneira variada), e no meio social que a cerca (os adultos que a cuidam) existe uma tendência a reforçar seletivamente as emissões vocálicas da criança que correspondem a sons ou pautas sonoras complexas (palavras da linguagem própria desse meio social)(FERREIRO;TEBEROSKI,1985, p. 21). Observemos que, para a perspectiva associacionista a criança aprende apenas a imitar aquilo que lhe é apresentado. Essa imitação implica copiar tal e qual, o conteúdo repassado. Talvez, o ato de fazer cópias intermináveis do quadro negro e de textos didáticos esteja fundamentado neste pressuposto. Ocorre a reprodução do mundo adulto, mecanicamente. Para a autora, antes de 1962 “...a psicologia, a linguística e a pedagogia pareciam, então, coincidir em considerar a leitura inicial como puro mecanismo.” (FERREIRO; TEBEROSKI, 1985, p. 21). Ferreiro, ampliando a questão, afirma que esta visão começou a modificar-se a partir de1962. Rejane Klein 20
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    Até essa época,a maior parte dos estudos sobre a linguagem infantil ocupava-se, predominantemente, do léxico, isto é, da quantidade e variedade de palavras utilizadas pela criança. Essas palavras eram classificadas segundo as categorias da linguagem adulta (verbos, substantivos, adjetivos, etc.), e se estudava como variava a proporção entre essas diferentes categorias de palavras, qual a relação existente entre o incremento do vocabulário, a idade, o sexo, o rendimento escolar,etc. (FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p. 21). Na linha de reflexão que surgiu após 1962, o trabalho pedagógico se organiza em torno de textos e não letras, palavras e sílabas, como nos métodos convencionais de alfabetização. A aquisição do código escrito centra-se, a partir de então, em textos significativos e não na decifração de letras,sílabase palavrasisoladas.Sobreeste aspectoFerreirodeclaraque, Nossavisãoatualdoprocessoéradicalmentediferente:nolugar de uma criança que espera passivamente o reforço externo de uma resposta produzida pouco menos que ao acaso, aparece umacriançaqueprocuravacompreenderativamenteanatureza da linguagem que se fala à sua volta, e que, tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à prova antecipações e cria sua própria gramática (que não é simples cópia deformada do modelo adulto mas sim criação original)(FERREIRO;TEBEROSKI,1985,p.22). No lugar de uma criança que apenas imita a linguagem do adulto aparece o aluno ativo que, muito antes de entrar na escola, já atua sobre própria linguagem oral utilizada. O aluno passa a ser visto como alguém capazdepensar,levantar hipóteses,fazerelaboraçõesereelaborações. A autora considera também que no decorrer do desenvolvimento intelectual, o indivíduo elabora hipóteses de escrita, ação que o leva a elaborar hipóteses, cometer erros.Acriança não é um ser que apenas imita os modelos oferecidos, mas alguém que cria relações novas a partir desses modelos. Neste sentido, “[...]um sujeito ativo é um sujeito que compara, exclui, ordena, categoriza, reformula, comprova, formula hipóteses, reorganiza, etc., em ação interiorizada (pensamento) ou em ação efetiva Linguagem e Alfabetização 21 L I C E N C I A T U R A E M
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    (segundo seu nívelde desenvolvimento)[...].”(FERREIRO;TEBEROSKI, 1985, p. 21). contrariando a tese associacionista. Do ponto de vista do processo de alfabetização, essa concepção instaura uma série de questionamentos importantes, seja do ponto de vista do desenvolvimento e da aprendizagem, sejadopontodevistadaorganizaçãodapráticapedagógica. Embora as pesquisas efetuadas na Psicolinguística e na Psicologia do desenvolvimento protagonizadas por autores como Piaget, Vygotsky, Ferreiro..., não respondam a todas as questões, permitem que se compreenda a aquisição da língua escrita, respeitando-se, profundamente a inteligência dascrianças. As pesquisas mencionadas mostram que a criança tende a buscar a compreensão do sistema como um todo, ou seja, busca o sentido da frase, preocupando-se em utilizar o substantivo, o verbo e o adjetivo. Obviamente queelanãoestá preocupadaemnomearestestermos. Na perspectiva construtivista, defendida por Ferreiro, a aprendizagem da leitura e da escrita segue os passos desenvolvidos na aquisição da língua oral. Desta forma, como a criança inventa palavras, formula hipóteses e cria adaptações para expressar-se oralmente, também o faz no processo de desenvolvimento da leitura e da escrita. Ferreiro diz que, “[...] sendo a escrita uma maneira particular de transcrever a linguagem, tudo muda se supomos que o sujeito que vai abordar a escrita já possui um notável conhecimento da língua materna, ou se supomos que não o possui.” (FERREIRO; TEBEROSKI, 1985, p. 23). No capítulo II, aprofundaremos esta questão, tratando especificamente sobre a linguagem escrita. O conhecimento anterior da língua materna é negado à criança quando o professor centra a atuação pedagógica ancorado numa perspectiva behaviorista. Não se pode negar que a criança utiliza a linguagem oral desde os primeiros anos de vida, e que, desde muito cedo, utiliza-sedelapara interagir comomundoà suavolta. Rejane Klein 22
  • 23.
    Em seu cotidiano,em casa e na rua, ao aprender a falar, permite-se “o falar errado”. Por que, ao entrar na escola, e iniciar-se a aprendizagem da escrita, o erro é algo inadmissível e que tem servido para segregar, classificar e, por fim excluir, a criança da escola? É necessário que o professor alfabetizador compreenda como se dá o processo de desenvolvimento e aprendizagem e como a criança faz para aprender a ler e escrever. Através da oralidade a criança comunica-se, interage e internaliza o pensamento. Sempre que ela se expressa está refletindo sobre a linguagem eseuuso. A partir do construtivismo a aprendizagem mecânica e imitativa das letras, sílabas e palavras cedeu espaço para uma prática alfabetizadora centrada em textos, privilegiando a interação das crianças com o conhecimento e com os colegas. Oralidade e escrita cruzam-se no processodeapreensãodalíngua escrita. Como já dissemos anteriormente, Ferreiro baseia as investigações que fez sobre a aquisição da língua escrita nas pesquisas de Piaget. Já vimos também que, para Piaget, o conhecimento é construído e passa por períodos distintos. Pois bem, Ferreiro também estabeleceu algumas fases no desenvolvimento da escrita. Elias foi um dos autores que sistematizou estes períodos. Para Elias (1992): “As idéias construtivistas mudam os caminhos da prática da alfabetização.” (p.p.50, 56). Na medida em que a criança atinge certo desenvolvimento intelectual modifica sua forma de interagir comalinguagem escrita. Os estágios de desenvolvimento da linguagem escrita foram descritosporEliascomo: Nível- 01: nesta fase a criança reproduz traços que identifica como forma de escrita. Utiliza-se de grafismos primitivos, predominando as garatujas ou pseudoletras. Usa traçados com linhas onduladas, curvas ou descontínuas.Para a criança,aescritaé umaformadedesenhar. Nível – 02: Aqui os grafismos são mais próximos das letras. Predominam as letras de imprensa em maiúsculas. O nome próprio, geralmente, éopontodepartida. Linguagem e Alfabetização 23 L I C E N C I A T U R A E M
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    Nível – 03:Neste nível, tenta atribuir valor sonoro a cada uma das letras que compõem a escrita. Escreve letras com ou sem valor sonoro convencional. Nível – 04: Nesta etapa, a criança tem como hipótese central a coexistência de duas formas de correspondência de sons e grafias: fonemas para algumas partes e sílabas para outras partes. Utiliza um repertóriovariadodeescrita. Nível- 05: Por fim, compreende que uma letra corresponde a um fonema (som), entende que as letras combinam-se entre si e formam palavrasesílabas. Desta forma, a maneira de compreender o ato da escrita que é escrever evolui e atinge graus diferenciados em cada estágio. Entrelaça-se nesse processo a compreensão do que é escrever e o desenvolvimento cognitivo. Nessa etapa é muito importante propiciar uma gama de materiais variados para que a criança possa ler e escrever, seja em casa ou na escola. Na sala de aula, se deve propor atividades diversificadas para ler, desenhar, pintar, rabiscar e brincar com jogos pedagógicos, enfim é necessário colocar a criança em ação constante, permitindo-lhe construir suas hipóteses. Não importa a quantidade de palavras, letras, ou frases que foram produzidas e nem quanto a criança conseguiu acertar. O professor considerará, principalmente, as estratégias que a criança usou para escrever, por exemplo, seu nome, recorrendo as letras “PLO”. Irá observar e avaliar o progresso feito por ela quando, após alguns dias, já consegue escrever Palo. Isso significa grande avanço no processo de aquisição da língua escrita. Dessa forma, o professor irá avaliá-la observandoseuprogressoe nãoquantoserrosouacertoscometeu. O conhecimentodasfasesde desenvolvimentoda escrita evidencia que a criança passa por diversos estágios até alcançar a escrita convencional. Contudo, isso não deve servir para instituir práticas classificatórias na sala de aula já que pode ocorrer que o professor, Rejane Klein 24
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    preocupado em conhecero nível no qual seu aluno se encontre dê atenção excessiva a esta classificação. As práticas classificatórias são antipedagógicas. Como se pode notar, na perspectiva construtivista, a escrita é construída e passa por fases. O professor alfabetizador deve acompanhar estasconstruções,propondo novosdesafiosparaa criança. Outra perspectiva que contribui para se pensar num processo ativo de alfabetização é a teoria do sociointeracionismo. A seguir apresentaremosalgunsdosconceitosfundamentaisdestateoria. 1.2.4O sociointeracionismona práticaalfabetizadora Vygotsky nasceu na cidade de Orsha, na Bielorrússia, em 1896 e morreu de tuberculose, em 1934. Estudou linguística, ciências sociais, filosofia e artes. Graduou-se em direito e filosofia. Foi professor de psicologia, mas relata-se que seu interesse pela psicologia aumentou quando teve experiência com educação especial. Palangana menciona que Vygotsky, juntamente com outros pesquisadores, pretendia construir um modelo teórico que pudesse explicar os processos psicológicos humanos deumaforma abrangente e completa. Para melhor compreendermos como surgiu a teoria vygotskyniana e quais as correntes existentes na Rússia, contemporânea a ele, recorremos aos estudos de Oliveira (2003).Aautora explica que havia duas maneiras de se investigar naquele período. A primeira seria baseada na ciência natural que estudava os aspectos sensoriais e os reflexos, concebendo o homem como corpo. Esta corrente fazia parte da ciência experimental; A segunda seria a psicologia mental que estudava os processos superiores, acreditando que o homem dividia-se em mente, consciência e espírito. Essa tendência aproximava-se da filosofia e das ciências humanas. Vygotsky e outros estudiosos da área propuseram construir uma síntese Linguagem e Alfabetização 25 ParasabermaissobreVygotsky leia, OLIVEIRA,Marta Khol.9 9 L I C E N C I A T U R A E M
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    destas duas correntes.Oliveira esclarece que este grupo entendia por síntese o aparecimento de algo novo. Para ela “[...] a abordagem que busca a síntese para a psicologia integra, numa mesma perspectiva, o homem enquanto corpo e mente, enquanto ser biológico e ser social, enquanto membro da espécie humana e participante de um processo histórico.” (OLIVEIRA, 2003, p. 23). A mesma autora diz que essa nova abordagem podesersintetizadaapartir detrêspontosbásicos: * as funções psicológicas têm um suporte biológico, pois são produtosdaatividadecerebral; * o funcionamento psicológico fundamenta-se nas relações sociais entre o indivíduo e o mundo exterior, as quais desenvolvem-se num processohistórico; * a relação homem/mundo é mediada por sistemas simbólicos. (idemp.23). O cérebro passa a ser concebido como “[...] um sistema aberto de grande plasticidade, cuja estrutura e modos de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.(OLIVEIRA,2003,p.24,grifosdaautora). O postulado de que o cérebro humano possui plasticidade e flexibilidade implica na ideia de que existe uma estrutura básica que se modificacoma evoluçãodaespécie. Outro aspecto importante desta teoria é que o homem é um ser biológico e se transforma sócio-histórico. A cultura é parte fundamental neste processo. Por isso, “[...] não podemos pensar o desenvolvimento psicológico como um processo abstrato, descontextualizado, universal: o funcionamento psicológico, particularmente no que se refere às funções psicológicas superiores, tipicamente humanas, está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real.” (OLIVEIRA, 2003, p. 24). Por compreender que as funções psicológicas se modificam influenciadas pela cultura que Vygotsky propõe o conceito de mediação para explicar como o homem constrói as funções complexas superiores através do uso de instrumentos. O homem se relaciona com o mundo de Rejane Klein 26
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    forma mediada eos sistemas simbólicos são os elementos que estabelecessema relaçãoentre sujeitoe mundo. Podemos dizer que a mediação é algo que está entre a ação do sujeito e o conhecimento necessário para a realização da ação. Por exemplo: uma criança puxa a toalha que está sobre a mesa e vários objetos caem. Da próxima vez em que for repetir o mesmo ato poderá lembrar-se do ocorrido e deixar de executar a ação. Dessa forma, a lembrança do ocorrido impediu-a de puxar a toalha novamente e derrubar os objetos que estavam sobre a mesa. A ação de não puxar a toalha foi mediada pela lembrançadoocorridoanteriormente. Amediação é feita também através do uso de instrumentos, pois os diversos objetos construídos pelo homem ajudaram-no a transformar a natureza. Os instrumentos são objetos materiais tais como: utensílios, ferramentas,máquinasesimbólicos. Os instrumentos materiais, ou seja, as ferramentas auxiliaram o homem a transformar a natureza; contudo, os signos, também, podem ser utilizados como ferramentas que ajudam o indivíduo a dirigir suas ações, servindo como meio para organizar o pensamento, a ativar a memória e a controlarasaçõesdosoutros. Oliveira (2003, p.30) diz que: “São inúmeras as formas de utilizar signos como instrumentos que auxiliam o desempenho de atividades psicológicas. Fazer uma lista de compras por escrito, utilizar um mapa para encontrar determinado local, fazer um diagrama para orientar a construção de um objeto, [...]”. Os signos são marcas, palavras e símbolos que, em determinadas situações, representam objetos reais, substituindo- os. A lista de compras, por exemplo, serve como um objeto externo de memória para os produtos que a pessoa deseja comprar. Contudo, os signos não existem apenas, como marcas externas. Eles são internalizados, ouseja,tornam-sepensamento. Outra característica dos signos é que estes não foram criados individualmente. Alista de compras, o mapa, o diagrama, ou uma fita que é amarrada no dedo para nos ajudar a lembrar de algo são sinais que se Linguagem e Alfabetização 27 L I C E N C I A T U R A E M
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    transformaram em signos.Estes signos foram criados pelos homens dentro de uma dada cultura e adotados coletivamente. Portanto, ao compreendermos e utilizarmos os signos estamos tornando-os instrumento dopensamentoeconstruindoasfunçõescomplexassuperiores. Agora que já delineamos de forma geral a teoria de Vygotsky passaremos a descrever as relações que o autor estabeleceu entre pensamento e linguagem. Para ele a linguagem é fundamental para que ocorra a construção das funções complexas superiores. Contudo, este desenvolvimento é processual, pois, a partir de um determinado momento, o pensamento e a linguagem se unem, emergindo o pensamento racional. A criança bem pequena e os antropóides possuem um grau de inteligência denominado de inteligência prática, porém somenteoshumanosdesenvolverãoopensamentoracional. Sintetizando: Para entender como as funções complexas superiores se desenvolvem, Vygotsky e outros pensadores russos construíram uma teoria explicativa postulando que: as funções psicológicaspossuemaspectosbiológicosesociais; O desenvolvimento destas funções ocorrem no meio social e dependem das interações estabelecidas entre os homens e destes com o meio. Mediação – conceito-chave: Os instrumentos, sejam eles materiais ou simbólicos são utilizados como mediadores entre o homem e as ações querealiza.Alinguagem tempapelfundamentalnessedesenvolvimento. A seguir procuraremos caracterizar o desenvolvimento da linguagem e a contribuição desta na construção das funções psicológicas superiores. A linguagem surgiu devido a necessidade do homem em se comunicar,portanto,éumaconstruçãohumanainseridanumadadacultura. Podemos dizer que quando uma criança aprende a falar, está ao mesmo tempo, internalizando a cultura na qual vive. A linguagem, portanto, serve como meio de comunicação e de instrumento para a construçãodopensamentogeneralizante. Rejane Klein 28
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    Alinguagem faz partedo sistema simbólico e é formada por signos. Aspalavrasqueaconstituemsãoformadasdesignificados.ParaVygotsky,a linguagem possui a função principal de intercâmbio social. A fala se desenvolve, em princípio, pela necessidade de comunicação. Uma criança muito pequena se expressa por meio de gestos, expressões faciais, gritos, choro e riso. Contudo, para poder comunicar-se com as outras pessoas necessitaconhecereusarossignosqueaspessoasàsuavoltautilizam. Desta forma, quando nos expressamos oralmente por meio de palavras estamos ao mesmo tempo, criando significados e distinguindo- os entre si. As palavras e seus significados organizam o pensamento. Por exemplo: a criança quando aprende a palavra casa aprende que está nomeando algo que se denomina casa, que existem diversos tipos de casas, que a casa é um lugar de morar.As palavras servem para conceituar tudo o que é aquele objeto, diferenciando-o de outro.Arelação entre a palavra e a compreensão do significado permite classificar, categorizar, distinguir, ordenar. Todas estas ações ocorrem no pensamento, ou seja, fazem parte das funções psicológicas. A essas ações do pensamento, Vygotsky denomina pensamento generalizante. O pensamento generalizante pode ser definido então como: a capacidade de ordenar, classificar e distinguir, objetos,eventos,situaçõesdiferentes. Relembrando: a linguagem, para Vygotsky, possui duas funções distintas:o intercâmbiosocialeo pensamentogeneralizante . Vygotsky investigou como a linguagem e o pensamento se desenvolvem e estabeleceu algumas fases, porém faz-se necessário destacarquepara ele,estasnãosãofixas. O primeiro estágio é denominado de natural ou fala pré- intelectual. (balbucio, choro, riso). Nesse período, linguagem e pensamentoencontram-seseparados. O segundo estágio é denominado de fase das experiências ingênuas – a criança interage com o próprio corpo, com objetos e pessoas à Linguagem e Alfabetização 29 Para saber mais veja o vídeo “Lev Vygotsky”. Coleção grandes pensadores produzida pelaAtta mídiae educação).O vídeoéapresentadoporMartaKholdeOliveira. 10 10 L I C E N C I A T U R A E M
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    sua volta. Usainstrumentos (brinquedos) desenvolvendo a inteligência prática.Neleiniciaafala. O terceiro estágio é o período dos signos exteriores. O pensamento executa operações, recorrendo ao mundo exterior. Por exemplo, para conseguir contar ou efetuar uma adição simples utiliza-se dos dedos ou de objetoscomoformadeauxílioao pensamento. No quarto estágio interioriza as operações externas. Nessa fase a criança dispõe de memória lógica e passa do estágio da fala egocêntrica para o período da fala interior, ou seja, quando está sozinha não se expressa mais em voz alta. É a fase da fala intelectual, que adquire função simbólica e generalizante. O pensamento torna-se verbal. A criança já compreende alguns significados dados pela linguagem. Pensamento e linguagem se unem e surge o pensamento verbal, ou seja, o pensamento passa pela mediação da linguagem.Aeste período Vygotsky denomina de linguagem racional. A união entre pensamento e linguagem possibilita à criança compreender que as palavras tem significado e esta compreensão remete às duas funções fundamentais da linguagem: o intercâmbio social e o pensamento generalizante. Oliveira (2003) afirma: “[...] O significado é um componente essencial da palavra e é, ao mesmo tempo, um ato de pensamento, pois o significado de uma palavra já é em si, uma generalização.(p.48) Sintetizando: A linguagem serve como instrumento do pensamento e é da ordem dos signos. As palavras adquirem significados que permitem a classificação e categorização de objetos. No entanto, os significados não são fixos e modificam-se porque são construídos pelos homensdeacordocomcadacultura. A linguagem para tornar-se pensamento precisa ser internalizada pela criança. Essa internalização Vygotsky denomina como discurso interior. O discurso interior funciona como uma espécie de fala que o sujeito faz consigo. É como se fosse uma fala silenciosa sem vocalização. Por exemplo, quando temos muitas atividades num único dia podemos fazer umroteiromentalestabelecendoomomentopararealizarcadaumadelas. Rejane Klein 30
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    A fala, inicialmente,tem função de comunicação e é denominada de fala social, mas no transcurso do seu desenvolvimento, as funções psicológicas se aprimoram e a fala é interiorizada sendo chamada de discurso interior. Contudo, na transição entre fala social e discurso interior aparece a fala egocêntrica. Este tipo de comunicação aparece entre os três ou quatro anos e caracteriza-se como uma forma de expressão como se fosse um modo de pensar alto. Nesse caso, a criança conversa em voz alta, ao brincar mesmo quando está sozinha. A fala egocêntrica é um instrumento do pensamento e auxilia no planejamento das atividades desenvolvidas pelo falante. Conforme a criança vai se desenvolvendo intelectualmente afalaegocêntricadesapareceetorna-se interiorizada. Como vimos na perspectiva vygotskyniana, a linguagem desempenha um papel fundamental na construção das funções complexas superiores. No entanto, não podemos esquecer que a língua é uma construçãosocialecultural,modificando-senoespaçoe notempo. A teoria de Vygotsky influenciou na compreensão do processo de alfabetização, fazendo perceber que a aquisição da língua escrita também passa pela relação pensamento e linguagem. Parte-se do princípio de que o desenvolvimento e aprendizagem funcionam como se fossem círculos concêntricos, um atuando sobre o outro. No entanto, para que o professor possa desencadear o processo de desenvolvimento e aprendizagem necessita compreender ainda dois conceitos-chave do autor: o conceito de zonadedesenvolvimentoreale oproximal. O conceito de zona de desenvolvimento real pode ser definido àquelas atividades que a criança realiza sozinha. O professor procura saber o que ela já sabe fazer. Em relação à escrita, sabe usar o caderno? Consegue segurar o lápis? Compreende que escrevemos da direita para a esquerda? Deste modo, a zona de desenvolvimento real compreende as atividades que o sujeito realiza sozinho. Do ponto de vista psicológico, são capacidadesjáconquistadas,completas. Linguagem e Alfabetização 31 L I C E N C I A T U R A E M
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    No conceito dezona de desenvolvimento proximal ou potencial está implícita a idéia de que a criança possui certo grau de desenvolvimento e poderá realizar determinadas tarefas com ajuda de outros. Por exemplo: a criança já consegue compreender que existe uma forma de comunicação por meio da escrita. Sabe usar o caderno, manejar o lápis. Conhece algumas letras, mas ainda não compreende a relação entre fonema e grafema, ou seja, não sabe que aquilo que expressa oralmente pode ser escrito. Esta criança está potencialmente desenvolvida para aprender a escrever. Portanto, se for solicitada para escrever uma frase, ou pequeno texto e ela estiver na companhia de um colega que já escreve, ou se, o professor instruí-la, conseguiráreproduzirporescritoaquiloquefoisolicitado. Retomando: o conceito de zona de desenvolvimento proximal indica aquelas capacidades que não estão totalmente desenvolvidas, mas queatravésdainteração,daajudadeoutros,poderãoseimpulsionadas. Segundo Vygotsky, a criança encontra-se num determinado patamar de desenvolvimento denominado como zona real, ou seja, as crianças são capazes de realizar determinadas tarefas sozinhas. Contudo, para promover o desenvolvimento e a aprendizagem o professor deverá atuar na zona de desenvolvimento proximal que seria um espaço que há entre aquilo que o sujeito realiza sozinho e a capacidade, ou potência para realizaralgomaiscomplexocoma ajudadeoutros. Nesta perspectiva, desenvolvimento e aprendizagem são processos distintos. Contudo, um impulsiona o outro. Vygotsky os compara a dois círculos concêntricos em que o desenvolvimento seria o círculoumpoucomenor. Para finalizar este item vamos retomar alguns conceitos fundamentais de cada uma das concepções aqui apresentadas. No início desta seção procuramos conceituar o Behaviorismo na perspectiva associacionista e vimos que, nessa perspectiva aprender é semelhante a formar hábitos e a formação destes depende dos estímulos que a criança recebe edasrespostasqueapresenta. Rejane Klein 32
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    A aprendizagem sedá, então, por meio da associação de idéias simples e complexas, o sujeito aprendente é considerado passivo. A mente é comparada a uma página em branco na qual se imprimem os conhecimentos. O meio ambiente e a experiência são determinantes para a aprendizagem. Os Construtivistas postulam, no entanto, que a criança é um sujeito ativo e que aprende por meio da ação sobre os objetos e da interação com o meio. O desenvolvimento precede a aprendizagem e a criança necessita de certo grau de maturação biológica para aprender. O conhecimento é construído passando por diversos estágios, até que a criança atinge o pensamentológico,maisoumenosaos11 ou12anosdeidade. Ferreiro, adotando os pressupostos piagetianos, postulou que a aquisição da língua escrita também ocorre por meio de estágios. As propostasdeleitura e escritadevemsersignificativasedesafiadoras. Na perspectiva sociointeracionista de Vygotsky, a aprendizagem e o desenvolvimento dependem da interação social, do uso de instrumentos que podem ser materiais e simbólicos e a linguagem desempenha um papelfundamentalnaaquisiçãodasfunçõescomplexassuperiores. A linguagem tem duas funções importantes: a de intercâmbio social e a de possibilitar a construção do pensamento generalizante. A linguagem passa por quatro estágios e se une ao pensamento quando é interiorizada. O uso dos conceitos de mediação, interação e zona de desenvolvimento proximal faz perceber que para a criança aprender e desenvolver é necessário propor atividades desafiadoras. Na sequência trataremosdosmétodosdealfabetização,destacandoosmaisdivulgados. 1.3 Osmétodosde alfabetização Para discutirmos os métodos de alfabetização necessitamos mencionar o material didático que era utilizado, pois o conteúdo ensinado e a metodologia empregada explicitam-se nestes materiais. Embora, não tenhamos a preocupação em analisar as cartilhas estas serão mencionadas Linguagem e Alfabetização 33 L I C E N C I A T U R A E M
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    porque eram ostextos que davam suporte para a aprendizagem da leitura. Além disso, é necessário destacar, ainda, que no início da alfabetização escolarizada no Brasil o método utilizado era o sintético. Este pode ser divididoemtrês:soletração,silábicoe fônico. 1.3.1Métododesoletração A soletração integra os métodos de alfabetização e se explicita nas Cartas ABC ou cartinhas. Estes, “[...] eram pequenos livros que reuniam o abcedário, o silabário, e rudimentos do catecismo [...].” (BARBOSA, 1994, p. 57). A forma como estes livros foram organizados e a metodologia empregadaaparecenofragmentoabaixo, Entrei na escola com 7 anos, comecei decorando o alfabeto em uma cartilha chamada ‘Carta ABC’, no primeiro ano fraco. Quando comecei a juntar as sílabas, já estava no primeiro ano médio. Só comecei a ler alguma coisa que não fosse da cartilha, já estava com dez anos, no segundo ano primário.(CARVALHO, 2007,p.22). A metodologia empregada centrava-se na memorização das letras do alfabeto e, em seguida, na junção das sílabas.Aleitura ficava limitada aos textos didáticos e o aluno somente conseguia ler outros textos quando já estava na série seguinte. Esta forma de trabalho se repetia mesmo quando a criançaaprendiaaleremcasa,comopodemosvernofragmentoabaixo, Aprendi a ler com meus pais, no seringal, não tinha escola, então meus pais compraram uma cartilha. Eu tinha que decorar as letras e depois era tomada a lição com um papel em cima da página, só um buraquinho para ver a letra. Depois de decorar as letras, começava a juntá-las, a soletrar. (idem p. 22- depoimentoscoletadospela autora). Como se pode ver nos dois fragmentos explicita-se que era preciso aprender primeiro as letras, depois as sílabas e as palavras eram formadas somente após a memorização de várias letras e sílabas. No segundo fragmento, o depoente diz que tinha que decorar as letras, ou seja, Rejane Klein 34
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    memorizá-las. Aquele queensinava tomava a lição, ou seja, a criança deveria dizer oralmente qual era a letra apresentada e somente após a memorização de algumas letras é que o alfabetizando começava a soletrar. Na sala de aula a soletração ocorria em coro, o professor falava a letra ou sílabae osalunosrepetiamoralmentetodosjuntos. As cartinhas organizavam-se da seguinte forma: o alfabeto em letras maiúsculas, minúsculas, de imprensa e as letras cursivas. Carvalho diz que as cartas ABC eram compostas de nove livros e apresentavam listas de sílabas com padrões diferentes. Havia a apresentação consoante- vogal (ba, na, ma), vogal-consoante (al, ar, an), consoante-consoante-vogal (fla, bla,tra). A oitava carta era composta por palavras com três letras e a nona apresentava dissílabos. Neste último livro, aparecia, ainda, uma lista depalavrasemordemalfabética. Baba,bebe, bife, bolo,etc.(idemp.22). No método da soletração a finalidade era ensinar a combinação das letras e sons. O professor ensinava que quando duas letras se juntam formavam uma sílaba que representavam sons. Exemplo: b+a= ba, ou a junção de vogais como: e+u forma eu. Na medida em que a criança avançava no processo de alfabetização aprendia as consoantes e formava as sílabas e, por fim, as palavras. A memorização era o recurso utilizado pelo aluno. O pressuposto teórico que ancora este tipo de prática e material é o associacionismo, pois primeiro ensinava-se o abecedário e, depois, a combinação de sílabas simples para, em seguida, ensinar-se a combinação desílabascomplexas. Explicita-se, nesta organização, ideias sobre o que é aprender e de quais são os conteúdos considerados apropriados para introduzir os alunos no mundo da escrita. Na prática da sala de aula, o professor organizará o conhecimento em pequenas partes e o aluno, aos poucos mecanizará o conhecimento das letras, para depois juntá-las em sílabas e por fim formará palavras. O método da soletração utilizado através das Cartas ABC, integrou-se aos métodos sintéticos, que se dividiam em: soletração,silábicoefônico. Linguagem e Alfabetização 35 L I C E N C I A T U R A E M
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    1.3.2 O métodosilábico Nestemétodo se procurava mostrar várias sílabas e proceder ao estudo de cada uma, para em seguida formar palavras. Na década de 70 algumas cartilhas apresentavam as famílias silábicas. O aluno deveria conhecer as vogais e depois os ditongos, em seguida as sílabas. Após aprender as vogais e os ditongos o aluno formava palavras. Por exemplo: após conhecer as sílabas ba, be, bi, bo, bu, formava palavras com três letras, exemplo, a palavra boi, segundo Barbosa, esta maneira de ensinar baseada no métodosintético é muito antiga. Tem cercade 2000 anos.De acordocom Carvalho e Barbosa, o método da soletração e o silábico não apresentam mudanças significativas, uma vez que ambos se concentram em ensinar a codificaçãoedecodificaçãodaspalavras. 1.3.3 O métodoFônico Nos métodos fônicos o professor enfatiza a dimensão sonora da língua. No material didático, selecionam-se palavras curtas que possuam apenas dois sons representados por duas letras, para posteriormente estudar palavras com três ou mais letras. A finalidade é ensinar a decodificar sons da língua, na leitura e codificá-los na escrita. (CARVALHO,2007, p.24). Barbosa diz que aqueles que adotavam este método acreditavam que a criança para aprender a ler deveria memorizar os sons das letras do alfabeto um após o outro. Acreditava-se que, se a criança dominasse os sons das vogais, das consoantes simples, e dos encontros consonantais aprenderia a ler com facilidade. Acontece que não há correspondência, termo a termo, entre sons e letras. Barbosa ressalta que, “[...] Uma letra pode ter vários sons e um fonema pode ter várias grafias [...]”. (BARBOSA, 1994, p. 48). A soletração, os métodos silábicos e fônicos podem ser denominados de métodos sintéticos porque partem de unidades tais como menores letras, sons ou sílabas para em seguida formar palavras. No final doséculoXIXeiníciodoXX,surgemasabordagensanalíticas. Rejane Klein 36
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    1.3.4 Umpoucodahistóriadométodoglobal O métodoanalítico ou global surge de inúmeras críticas feitas aos métodos sintéticos. Algumas pesquisas na área da psicologia, principalmente da psicologia da forma ou Gestalt, preconizavam que a criança aprendia através da observação global. Assim, passou-se a conceber que o sujeito procurava primeiro a compreensão global de uma imagem,texto oupalavrae,somentedepois,prestariaatençãonaspartes. O método analítico se estruturou no início do século XX, mas foi lançado por NicholasAdam em 1711 . Este pensador defendia que, para se alfabetizar a criança deveria iniciar por meio de palavras significativas. O professor escreveria várias palavras em papéis de formatos diferentes e mandaria a criança ler. No momento em que a criança já conhecesse um número razoável de palavras poderia escrever frases, e leria rapidamente. ParaAdam, ler era mais importante do que decifrar. Importava entender o sentido do texto e não o som das palavras que o compunham. A decomposição somente seria feita algum tempo depois que as crianças soubessemlere formularfrases. Jacolot foi outro autor que escreveu sobre o método global, mas defendia que a análise das palavras deveria iniciar o mais cedo possível. Os estudos de Jacolot deram origem ao método eclético. O método global somente foi aceito no início do século XX, a partir das descobertas da psicologiadaGestalt. Devido ao surgimento do método global e dos questionamentos feitos aos métodos sintéticos, apareceu o método analítico-sintético. A partir de então, o material didático apresentava uma palavra-chave. Por exemplo: Bebê. O professor apresentava a palavra e discutia aspectos relacionados a ela. Em seguida, apresentava a família silábica relacionada comaletra inicialdapalavra-chave. O método global adquiriu mais força a partir dos estudos de Claparède e Ovide Decroly. Decroly defendia a ideia de que a criança Linguagem e Alfabetização 37 11 Confira,BARBOSA,JoséJuvêncio.Algabetizaçãoe leitura. 2ºed.SãoPaulo:Cortez, 1994.11 L I C E N C I A T U R A E M
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    aprenderia melhor seefetuasse a leitura de textos significativos. Além disso, sugeria que se escolhessem frases ligadas ao contexto do aluno. Na leitura, o professor deveria enfatizar o significado do texto e não a decodificação. A partir das reflexões destes dois pesquisadores, surgiram outros métodos globais como método de contos, ideovisual de Decroly, o método natural de Freinet, as metodologias de base linguística e psicolinguística, a alfabetização por meio de palavras- chave, o método Paulo Freire, entre outros. A seguir faremos uma breve síntese de alguns destes métodos. 1.3.5O métodoglobal decontos O método de contos foi aplicado nos Estados Unidos, no século XIX, e, no Brasil, foi divulgado, principalmente, por Lúcia Casasanta que formava professores em Minas Gerais. Este funcionava da seguinte forma: o professor criava uma história e contava para as crianças. As histórias faziam parte do universo infantil e, por isso, almejava-se explorar o prazer de ouvir histórias. A professora apresentava o texto completo e, em seguida, fazia-se a análise das frases. A criança aprendia a reconhecer palavras de modo global. As palavras eram memorizadas porque muitas delas se repetiam no texto. Em seguida, fazia-se a divisão das palavras em sílabas e, por fim, a composição de palavras novas a partir das sílabas estudadas. 1.3.6 O método ideovisual O método ideovisual de Decroly foi desenvolvido no início do século XX. Os princípios defendidos pelos estudiosos são semelhantes a de outros educadores que se filiavam à escola nova. Para ele cabia à escola respeitar a personalidade da criança, seus interesses e seu ritmo natural. Preconizava que ação e a cooperação deveriam fazer parte das atividades pedagógicas. Rejane Klein 38
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    Decroly dizia queo ensino deveria desenvolver-se por meio dos centros de interesse, o que significa que as matérias deveriam ser ensinadas a partir de um tema de interesse das crianças. Para ele, a leitura não poderia ser ensinada de maneira separada de atividades de expressão. Carvalho menciona que esse método. “O aluno reconhecia a forma, o desenho total, a imagem gráfica da frase. Em seguida, aprendia a distinguir as palavras, por meio da observação de semelhanças e diferenças entre elas; em seguida as sílabas, depois as letras.” (CARVALHO, 2007, p.35-36). Podemos observar que estes métodos seguiam mais ou menos os mesmos princípios. Partia-se do todo, seja ele um texto, frase ou palavra-chave e, somente depois de compreender o significado, partiria-se para a divisão silábica e construção de novas palavras. 1.3.7O métodonatural deCélestinFreinet Freinet, educador francês, desenvolveu um método que ficou conhecido como natural. Para ele, a maneira como se trabalhava nas escolas tirava toda vivacidade e interesse das crianças. Para modificar esta situação, criou uma série de atividades, dentre elas: a aula passeio, o jornal escolar, a correspondência interescolar, a reunião de cooperativa e o livro da vida. Todos os dias fazia um passeio com os alunos, e quando retornavam para a sala de aula, as crianças relatavam o que viram. Após a conversa, Freinet sugeria que a experiência fosse registrada por meio de desenhos. No início dessa experiência, ainda recorria aos manuais escolares. Contudo, quando solicitava que os alunos abrissem os livros toda a alegria e o interesse desaparecia. Por isso, resolveu modificar completamenteamaneiradeensinar. As atividades semanais eram planejadas através da reunião de cooperativa. Para isso, os alunos escolhiam aquele que iria presidir a reunião, o secretário, o vice-presidente. Havia uma pauta de discussão Linguagem e Alfabetização 39 L I C E N C I A T U R A E M
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    para cada encontro.Todas as decisões eram registradas em ata para avaliação na reunião seguinte. O objetivo de Freinet com as reuniões de cooperativa era desenvolver a responsabilidade, autonomia e cooperação entre grupo. A confecção das atas aparecia como uma maneira de se produzir textos. A sala de aula era composta por alunos já alfabetizados e por alunos que ainda não sabiam ler e escrever. Cada grupo desenvolvia as atividades conforme as habilidades que possuía em relação à leitura e à escrita, porém a oralidade era o ponto de partida para a organização do trabalho emsaladeaula. A alfabetização acontecia naturalmente, pois a cada passeio, avaliação, ou reunião, havia o relato da experiência e o registro por meio do desenho e ou de textos. As crianças que ainda não sabiam ler e escrever desenhavam suas histórias. O professor assumia o papel de escriba do aluno transcrevendo ortograficamente a história relatada. As crianças construíam,aospoucos,a distinçãoentre língua oraleescrita. No método Freinet a escola deveria criar o desejo de ler e escrever, e este surgia da necessidade de fazê-lo. Por isso, as aulas passeio, as cartas interescolares, o registro das reuniões e também no livro da vida instigavamosalunosaquererlereescrever. Santos (199, p.214) menciona que os motivos para ler e escrever numapráticaFreinet sãomuitos.Comoporexemplo, Para localizar o cartão de identificação e colocá-lo no quadro de controle de sua presença na sala, é preciso ‘ler’o nome nele escrito; para registrar suas atividades no plano de trabalho, é preciso ‘ler’ os itens nele discriminados; para saber o que os correspondentes contaram por escrito, é preciso ‘ler’ suas cartas; para contar as proezas da turma aos correspondentes é preciso ‘escrevê-las; para conhecer as histórias contadas nos livros existentes na biblioteca da classe, é preciso ‘ler’; para que a família possa conhecer a história criada na classe, é preciso ‘escrevê-la’. As crianças aprendiam a ler ouvindo e lendo histórias. A escrita tinha sempre uma finalidade. Os textos eram produzidos e publicados no Rejane Klein 40
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    jornal da escola.As cartas e os desenhos serviam como forma de intercâmbio e troca de experiências entre crianças de várias partes da França. Cada texto era produzido e depois corrigido pelos próprios alunos. Os desenhos ilustravam as páginas de álbuns e revistinhas criadas na classe. O trabalho coletivo era estimulado sempre. Na atualidade existe o movimento de escolas Freinet a nível mundial. Escolas particulares e professoresderedepúblicaadotamométodonatural. 1.3.7O métodoPauloFreire O método Paulo Freire pode ser considerado de palavração, embora, utilize palavras geradoras. Este método foi aplicado na educação de adultos em meados da década de 50 e início da década de 60. Paulo Freire combateu a idéia de uma educação neutra e bancária. Defendia a tese de queoiletradoparticipadomundoeviveimersona cultura. A alfabetização ocorria por meio das palavras geradoras. Para selecioná-las o educador realizava uma pesquisa na comunidade dos alfabetizandos, conforme Brandão (1987, p.25): “[...] Trata-se de uma pesquisa simples que tem como objetivo imediato a obtenção de vocábulos mais usados pela população a se alfabetizar”. Na seleção dos vocábulos, recolhiam-se as palavras que retratavam a maneira de viver, a sabedoria usada no dia a dia para cultivar a terra, resolver situações do cotidiano. O objetivo principal dos educadores era apreender o modo de ser e viver dos alfabetizados. Dessa forma, “a partir do levantamento das ‘palavras’ a pesquisa descobre pistas de um mundo imediato, configurado pelo próprio repertório dos símbolos através dos quais os educandos passam para as etapas seguintes do aprendizado coletivo e solidário de uma dupla leitura: a darealidadesocialqueseviveedapalavraescritaquearetraduz”.(27). Para a aplicação do método Paulo Freire, privilegiavam-se as palavras e frases ditas pelas pessoas da comunidade que seria alfabetizada. A apresentação das palavras geradoras deve suscitar um debate mútuo e respeitoso entre educador e educandos.Ao se apresentar a Linguagem e Alfabetização 41 L I C E N C I A T U R A E M
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    palavra SALÁRIO faz-seuma discussão em torno das condições de trabalho, direitos trabalhistas, valor do salário mínimo, férias, descanso semanal entre outros. Somente após uma discussão sobre o tema que se iniciaa decomposiçãodapalavra emsílabas.Vejaumexemplo, Gravura de dois homens com enxadas carpindo e ao lado, a palavra - Trabalho tra tre tri trotru ba be bi bobu lhalhelhilholhu lhaga te tri do– trabalho ----------------- tropa ------------------ colheita(BRANDÃO,1987,p.63). Após a apresentação das sílabas os alunos eram incentivados a escrever palavras com sílabas apresentadas. Poderiam também criar palavrasnovassequisessem. Freire sugeria que as aulas acontecessem em espaços disponíveis na comunidade. Os encontros eram denominados por Freire como círculos de cultura. A aula iniciava com a apresentação de um cartaz ou slides para gerar o debate em torno do tema. O educador faria várias perguntas e conduziria o debate procurando mostrar que, embora os alunos não soubessem ler e escrever estavam imersos numa cultura e, também,produziamcultura. O método Paulo Freire ficou mundialmente conhecido.Apartir do ano de 1964 foi substituído pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização MOBRAL, mas é utilizado ainda hoje na educação informal, principalmente com jovens e adultos. Ainda hoje é adotado por professoresquesimpatizamcomopensamentodoautor. Após a descrição dos métodos globais, podemos dizer que embora, não se observe uma disseminação massiva dos métodos globais, vários educadores e até escolas particulares adotam alguns deles. Em relação ao método natural de Freinet, por exemplo, existe uma rede de escolas Rejane Klein 42
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    espalhadas pelo mundoe que realizam encontros para discutir novos estudos, de tempos em tempos. O método Paulo Freire também continua ativo, principalmente em escolas não oficiais. O mesmo ocorre com os centrosdeinteressepropostoporDecroly. Como vimos, de forma geral, os métodos sintéticos dividem-se em três: o de soletração (parte do alfabeto), os silábicos (parte-todo), os fônicos (sons das letras). Nota-se que, a elaboração dos materiais didáticos baseados nestes métodos aparecia sempre, como se apresentassem uma nova proposta de trabalho. Contudo, embora apareçam com orientação diferenciada, não se modificou a metodologia e nem modificaram o pressuposto associacionista que sustenta a sua organização geral. Apartir deste pressuposto, entende-se que a criança aprende quando recebe o estímulo adequado. A criança é vista como um ser passivo que tende a responderaosestímulosquerecebedomeioexterno. Os métodos globais também conhecidos como analíticos, partem da premissa de que a criança, quando entra em contato com um texto, observa primeiroa totalidadepara depoisnotaraspartesqueocompõem. Como já dissemos, os métodos globais, especialmente da segunda metade do século XX, consideram que a criança já possui conhecimento inclusive sobre a língua. É por isso, que em alguns dos métodos globais, como, por exemplo: o método natural de Freinet, o ideográfico de Decroly, o método de Paulo Freire e a prática que decorre da perspectiva construtivista, promovem situações de aprendizagem da leitura e da escrita centradas na ação da criança. No lugar da cópia, propõe-se que a criança escreva pequenos textos, quadrinhas, complete frases, entre outras atividades. Incentiva-se, ainda, a leitura diária de histórias infantis. Estas podemserlidaseoucontadaspelaprofessorae,também,pelosalunos. Enquantoacriançaaindanãosabegrafar ortograficamente,deveser incentivada a desenhar suas histórias. O professor pode se tornar o escriba doalunoeregistraraquiloquefoidesenhado.Aospoucos,elaperceberáque existem duas formas de registro: o desenho e a escrita. Piaget e Vygotsky são ospesquisadoresquealicerçamestacompreensão,naatualidade. Linguagem e Alfabetização 43 L I C E N C I A T U R A E M
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    Na primeira seçãoprocuramos apresentar as concepções de desenvolvimento e aprendizagem nas teorias do Behaviorismo Associacionista, no Construtivismo e no Sociointeracionismo. O objetivo central foi apontar como a criança aprende e se desenvolve. Acreditamos que esta compreensão é fundamental para que o professor alfabetizador situe-seemrelaçãoàsescolhasquefazemsaladeaula. Na segunda seção contamos um pouco da história da escrita, pois de acordo com Vygotsky, a criança que aprende a escrever segue os mesmos passos que a humanidade deu, nesse processo. Em seguida, trabalhamos os métodos de alfabetização que basicamente podem ser divididosemduascategorias:ossintéticoseosanalíticosouglobais. Nas três seções anteriores apresentamos as reflexões de teóricos da psicologia e da pedagogia sobre a alfabetização. No próximo capítulo, apresentaremos as contribuições da Linguística, especialmente, da área da Linguística aplicada à alfabetização. Os estudos desse campo apresentam aspectos importantes para se compreender a relação entre aquisição da fala, a interferência destes pressupostos na compreensão e estruturação da escrita. Os aspectos relacionados aos estudos da Psicolinguística, Sociolinguística, da Fonética e da Fonologia, também, são fundamentais para estacompreensão. Deste modo, ao tratarmos da Psicolinguística na seção que abre o segundo capítulo veremos que o Behaviorismo associacionista e o Construtivismo serão mencionados novamente, mas agora para se compreender esses pressupostos na aquisição da fala. Retomaremos apenas alguns aspectos fundamentais relacionados às citadas teorias, pois em caso de dúvida se pode recorrer ao capítulo I – seção1.2 -As concepções de desenvolvimento e aprendizagem e as contribuições para a alfabetização,“concepçõesdealfabetização”. Rejane Klein 44
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    Os estudos linguísticose a alfabetização A Linguística é uma ciência que procura explicar como a linguagem humana funciona e como atuam as línguas em particular. Esta ciência se divide em várias sub-áreas e, para nós alfabetizadores, interessam, de modo particular, as reflexões feitas no campo da linguística aplicadaàalfabetização. 2.1APsicolinguística Os Psicolinguístas se ocupam em entender como se desenvolve a aquisição da linguagem pela criança. Kato (2003) menciona que esta preocupação data da Grécia antiga.As questões que permeiam este tipo de estudo são de duas ordens: a linguagem seria naturalmente adquirida? Ou éaprendidaatravés dacultura?Aautoraapontaque, Na lingüística moderna, pergunta-se igualmente se a língua é inata no homem ou se ela é adquirida culturalmente. Se é aprendida, pergunta-se: ‘Qual é a natureza dessa L I C E N C I A T U R AE M Capítulo 2
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    aprendizagem?’; se éparcialmente inata, ‘O que e quanto do que hoje sabemos já está biologicamente programado, quanto é adquirido em contato com o ambiente?’ (KATO, 2003, p. 100). Desta forma, quando a autora pergunta se a língua é inata, remete- nos a uma corrente teórica denominada de inatismo. Nessa perspectiva, os seres humanos já nasceriam programados biologicamente para aprender as gramáticas. Para alguns estudiosos desta área, como Chomsky, muitas crianças aprendem uma gramática perfeita, mesmo quando seus pais não fazemusodessetipodefala. A tese do autor contrapõe-se ao Behaviorismo associacionista, corrente de pensamento fundamentada na ideia de que a linguagem e outros conhecimentos são adquiridos através de estímulos externos que o sujeitorecebe,bemcomodoreforçoe dasrespostasqueapresenta. Para o associacionismo a aprendizagem da fala ocorre a partir dos estímulos que a criança recebe do meio externo. No entanto, para Chomsky e os inatistas o sujeito nasce biologicamente programado e, no contatocommundo,desenvolveosconhecimentosquejápossui. Como vimos na seção 1.2.1, os construtivistas piagetianos partem da tese de que a criança é um ser ativo e, ao nascer possui alguns esquemas de ação que se modificam cada vez que entra em contato com uma situação nova. A tese piagetiana foi introduzida no Brasil na década de 70, influenciando os estudos psicogenéticos referentes à aquisição da linguagem. Então, algumas questões surgem. Será que os processos observados no desenvolvimento da fala podem ser percebidos na construçãodaescrita?Háinterferênciadafalanesteprocesso? Emília Ferreiro, utilizando os conhecimentos da psicogênese, demonstrou como a criança utiliza recursos da fala na aquisição da língua escrita. Alinguagem é uma construção própria da criança.Aautora afirma que, Rejane Klein 46
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    Todas as criançasde fala espanhola, em torno de 3-4 anos, dizem yo lo poní, ao invés de yo lo puse. Classicamente trata-se de um ‘erro’, porque a criança ainda não sabe usar verbos irregulares, Porém, quando analisamos a natureza desse erro, a explicação não pode se deter num ‘engana-se’, porque precisamente as crianças‘seenganam’sempredomesmomodo:tratamatodosos verbosirregularescomosefossemregulares(dizendoyonací,yo andé, está rompido, etc.). Depois de tudo, assim como comer dá comíecorrerdácorri,ponerdeveriadarponir,andardeveriadar andé.(FERREIRO,1985,p.22). Na análise feita por Ferreiro se percebe que a criança tende a regularizar os verbos irregulares quando fala. No entanto, os adultos não falam desta forma. A tese da imitação protagonizada pelo Behaviorismo não se sustenta, porque se a criança simplesmente imitasse a fala adulta, tenderia a reproduzi-la tal e qual. Contudo, ao falar, constrói uma forma própriaparaconjugarosverbos. A maneira como a criança se expressa criando construções próprias poderia ser considerada como erro. No entanto, os pesquisadores observaram que a maioria das crianças de uma idade “X” expressava-se da mesma forma, isto gerou a seguinte questão: é possível que todos os sujeitos investigados cometam os mesmos erros? Quais fatores determinariamesteserros? Ferreiro e outros investigadores observaram que são “erros” construtivos, uma vez que a criança está usando uma lógica própria para falar daquela maneira. Além disso, na medida em que ela se desenvolve e entra em contato com situações novas, inventa outras formas de se comunicaraperfeiçoandoa linguagem. Os estudos psicogenéticos apontam que a criança, na interação com o meio, constrói os conhecimentos sobre a língua oral, criando hipóteses, inventando maneiras de falar e de resolver questões. Estas proposições modificam, também, a maneira de se compreender o processo deaquisiçãodalíngua escrita. Linguagem e Alfabetização 47 L I C E N C I A T U R A E M
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    As contribuições dosestudos da Piscolinguística, especialmente daqueles relacionados às pesquisas sobre aquisição da língua escrita, auxiliam o professor a compreender que muitos dos “erros” que as crianças cometemaoescreversão“erros”construtivosquemostramoestágioemque a criança se encontra no desenvolvimento da língua escrita. Abrimos um parêntese aqui, para destacar que, considerando tais estudos, o professor deve criar atividades que impulsionem o desenvolvimento e aprendizagem da língua escrita. Não acreditamos que haja uma passagem natural de uma faseparaoutra.Oserrospodemevidenciaroestágiodedesenvolvimentono qual a criança se encontra em relação à aquisição da língua escrita, mas podemmostrartambéma transposiçãododialetofalado. A maneira como se fala nas comunidades, a variação dialetal de acordo com a região, com status social, ou com a idade são investigações realizadaspelaSociolinguística.Éoqueveremosnopróximotópico. 2.2 ASociolinguística Os sociolinguístas investigam a língua, mostrando a relação entre linguagem e sociedade. Procuram estudar a influência que o meio social e culturalexercemsobreofenômenodalíngua. Para Orlandi (1999), por exemplo, a Sociolinguística tem a finalidade de sistematizar a variação existente na linguagem, pensada como um sistema heterogêneo e dinâmico. Procura-se identificar a variação das formas. Estes pesquisadores localizam tais diferenças na língua em uso, analisando-as por meio da observação dos falantes nas comunidadesemquevivem. Willian Labov, pesquisador norte americano, impulsionou estudos nesta área. Alguns mencionam que Labov desenvolveu a perspectiva denominada como variacionista, também, conhecida como Rejane Klein 48
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    Sociolinguística Quantitativa. Apesquisa de Labov ficou conhecida por esta denominação devido ao uso de métodos estatísticos para efetuar a análise dos dados. Nesta abordagem procura-se estudar a variação da língua isolando-sea variável. Para compreender o que é variável observe a explicação de Orlandi (1999), [...] Temos como um exemplo, em português, no caso a variável que é marca do plural, a seguinte variação: os carros vermelhos/os carros vermelho/os carro vermelho. A presença ou ausência do “s” é o que se chama variante. Através de noções como as de registro alto (nós vamos) ou baixo (nóis vai) e de estilo formal (v.sa.) ou informal (você), a Sociolinguística vai relacionando as variantes lingüísticas com as variantes sociológicas (profissão, educação, salário) referidas a diferenças de idade, sexo, raça. Explica então a variação lingüística atravésdefatoressociais.(ORLANDI,1999,p.52). Podemos retomar a questão do que é variável e dizer que o uso do “s” na frase apresentada é uma variável porque, quando o sociolinguista faz a análise, considera aspectos sociais como a profissão que se exerce na comunidade investigada, o nível de instrução escolar, o salário, No entanto, efetuar um estudo mais completo, o estudioso agrega ainda, aspectos como idade, sexo, raça entre outros. Não se trata de sinalizar se os grupos sociais falam errado, ou certo, mas de demonstrar que as variações sãointrínsecasaosaspectossociaise culturais. As pesquisas no âmbito da Sociolinguística apontam que a maneira de falar varia conforme a região, a idade, nível escolar, o status social e outros fatores. Esta informação é muito importante para o professor alfabetizador uma vez que se constata que a língua materna, no nosso caso, o português, apresenta variações e que a norma-padrão ensinadana escolaé apenasumaentre asmuitasvariaçõesqueexistem . Linguagem e Alfabetização 49 11 (para saber maisleia“Alíngua deEulália;novelasociolinguística”deMarcosBagno).11 L I C E N C I A T U R A E M
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    Cagliari (2007) mencionaque a Sociolinguística estuda os problemas de variação linguística e da norma padrão. Diz ainda que, deste ponto de vista, não existe o certo e o errado, mas o diferente. Podemos nos perguntar de onde vem o preconceito linguístico? Em primeiro lugar, pode-se dizer que há uma compreensão geral de que a língua é única, ou seja, muitos acreditam que somente existe a língua padrão, ou norma culta e que esta deve servir como modelo para todas as outras variações. Esse modo de pensar se dissemina através da sociedade em geral, quando se enaltece a fala e escrita corretas. Contudo, a escola também contribui de modo decisivo para esta maneira de pensar quando desconsidera a maneiracomoosalunosutilizamalíngua, corrigindo-osotempotodo. Ressaltamos que o professor alfabetizador deve ficar muito atento a estes aspectos, pois, aprender o português padrão é fácil para alunos que já falam a língua prestigiada, porém esta mesma língua apresenta-se como estrangeira paraaquelascriançasquenãodominama norma-padrão. O professor que desconhece as pesquisas da Sociolinguística, principalmente os aspectos relacionados à variação linguística, pode disseminar o preconceito lingüístico e provocar sérias dificuldades no processo de alfabetização. Na próxima seção discutiremosalguns aspectos referentesà variaçãolingüística. 2.3 Variaçãolinguística Partimos do princípio de que a língua foi desenvolvida pelos homens com a função de estabelecer o intercâmbio de idéias. A comunicação, porém, é apenas uma das funções da linguagem, pois através dela, se dá ordens, se expressa sentimentos, estabelecem-se contratos e direitos e se propaga a cultura. No entanto, a língua é um sistemaquevariaconformearegião,a culturaeonívelsócio-econômicode Rejane Klein 50
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    cada grupo social.No Brasil se fala o português brasileiro. Porém, cada estado e até região fala uma variedade diferente. A estas diferenças denomina-sevariaçãolinguística. A variação linguística é objeto de estudo da Sociolinguística e a preocupação central dos pesquisadores está em descrever e explicar as variedades dialetais, demonstrando que “[...] todas as variedades, do ponto de vista estrutural e lingüístico, são perfeitas e completas entre si [...]”. (CAGLIARI, 2007, p. 8, grifo nosso). A partir disso podemos nos perguntar: se todas as variedades são perfeitas e completas por que aprendemos que existe somente um único jeito de falar e escrever considerado correto? O que justifica o preconceito e a estigmatização em relação às pessoas que não falam a variedade padrão? De que modo conhecer e valorizar os dialetos desprestigiados ajudar a crianças das classes populares a se desenvolverem melhor na escola? Estas são algumas questões que tentaremos responder. Para isso, recorremos aos estudos de Cagliari (2007),Bagno(2008),BarreraeMaluf(sd),entre outros. Bagno (2008) indica que existem mais de duzentas línguas faladas nas diversas regiões do Brasil. Cita as línguas indígenas, as dos imigrantes europeus e asiáticos, as surgidas das situações de contato com as zonas fronteiriças dos países vizinhos e, ainda, aquelas dos remanescentes de africanos.Comosevê,éumequívocopensarquenoBrasilsefalaumalíngua única.Deondevemestaideia?Comoseconstróiodialetoprestigiado? Bagno (2008) explica que o dialeto padrão no Brasil foi se constituindo a partir das comunidades que habitavam os centros urbanos mais desenvolvidos. No Brasil, isso começou a ser construído, ainda, durante o período de colonização. Inicialmente, a colônia era o centro econômico, administrativo e cultural do Brasil. Aprimeira cidade a sediar o centro econômico, administrativo e cultural foi Salvador na Bahia. Contudo, com o descobrimento do ouro em Minas Gerais e o desenvolvimento de Belo Horizonte, houve o deslocamento do centro Linguagem e Alfabetização 51 L I C E N C I A T U R A E M
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    administrativo e culturalpara o Rio de Janeiro. No início do século XX, São Paulo começou a se industrializar tornando-se, também, um importante pólo econômicoecultural.Avariedadelinguísticafaladapelapopulaçãourbanade melhor poder aquisitivo foi adotada como língua padrão. Portanto, uma línguatorna-sepadrãoporfatoreshistóricos,econômicoseculturais. No livro A língua de Eulália, Bagno explica como, e porque, uma variedade falada numa região torna-se língua-padrão.Aexplicação é dada por uma das personagens da história chamada Irene que mora num sítio e que é professora aposentada de linguística. Irene tem uma sobrinha chamada Vera que mora na cidade. Vera e as amigas Sílvia e Emilia resolverampassarasfériasnosítiodeIrene. No sítio, as moças conheceram Eulália que trabalhava na casa de Irene. Eulália foi alfabetizada quando adulta e falava um dialeto considerado pelas moças como português errado. Irene chamou a atenção das visitantes, pois elas ao conhecerem Eulália riam da fala utilizada pela empregada. Irene organizou uma aula explicando como uma variedade se torna língua padrão. Explicou que toda a língua muda e varia. Para exemplificar disse que o português falado e escrito no período da colonização já não é compreendido hoje em dia . A personagem Vera indaga: -Por que será então que eles vão se tornando cada vez menos compreensíveis para um brasileiro no início do século XXI? – quersaber Vera. -Porque toda língua, além de variar geograficamente, no espaço, também muda com o tempo. A língua que falamos hoje no Brasil é diferente da que era falada aqui mesmo no início da colonização, e também é diferente da língua que será falada aqui mesmodentrodetrezentosouquatrocentosanos! -Parece lógico – comenta Sílvia. – Todas as coisas mudam, os costumes,ascrenças,osmeiosdecomunicação,asroupas...até Rejane Klein 52 A lingua falada no período do Brasil colônia aparece no filme Desmundo – vale a pena assistir. 12 12
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    os bichos evoluírame continuam evoluindo...Por que a língua nãohaveriademudar, nãoé? -É por isso, - prossegue Irene que nós lingüistas dizemos que toda língua muda e varia. Quer dizer, muda com o tempo e varia no espaço. Temos até uns nomes especiais para esses dois fenômenos. A mudança ao longo do tempo se chama mudança diacrônica. A variação geográfica se chama variação diatópica. É por issotambém quenãoexiste alínguaportuguesa. -Ah,não?Admira-seEmília.Entãooqueexiste? -Existe um pequeno número de variedades do português – faladas numa determinada região e época – que por diversas razões, foram eleitas para servirem de base para a constituição, para a elaboração de uma norma-padrão. A norma-padrão é aquele modelo ideal de língua que deve ser usado pelas autoridades, pelos órgãos oficiais, pelas pessoas cultas, pelos escritores e jornalistas, aquele que deve ser ensinado e aprendido na escola. [...] Essa norma, ao longo do tempo, se torna objetodeumgrande investimento.... -Investimento,Irene?–Pergunta Sílvia.–Comoassim? -No processo de constituição, de cristalização da norma- padrão como o que deve ser “a” língua, ela é analisada pelos gramáticos, que escrevem livros para descrever as regras de funcionamento dela, livros que servem ao mesmo tempo para prescrever essas regras, isto é, impor essas regras como as únicas aceitáveis para o uso “correto” da língua. Os dicionaristas também se debruçam sobre a norma-padrão e tentam definir os significados precisos para as palavras que compõem esse padrão. AAcademia de Letras estabelece a ortografia oficial, a maneira única de escrever, que é imposta por decreto-lei governamental. Ela também cuida para que palavras de origem estrangeira não “contaminem” excessivamente a língua, e propõe novos termos para substituí-las, termos com uma forma mais próxima daquilo que os tradicionalistas chamam de “a índole da língua”. Os autores dos livros didáticos preparam seus manuais escolares pensando em estratégias pedagógicas eficazes para que as crianças aprendam a norma-padrão... Todo esse trabalho de padronização, de criação e cultivo de um modelo de língua é que compõe o tal investimento de que eu falei... Por isso a norma- padrão dá a impressão de ser mais rica, mais complexa, mais versátil que todas as demais variedades da língua faladas pelas pessoas do país. Na verdade, ela nada tem de melhor que essas variedades,elasótem maisqueasoutras. Linguagem e Alfabetização 53 L I C E N C I A T U R A E M
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    -Eoque é queelatemamaisqueasoutras?–Pergunta Sílvia. -Por causa de tal investimento, a norma-padrão tem principalmente mais palavras eruditas, tem mais termos técnicos, tem vocabulário maior mais diversificado. Ela também tem mais construções sintáticas consideradas de bom- gosto, tem expressões de origem erudita que servem de modelos para serem imitados, metáforas clássicas que dão um ar “nobre” à linguagem... Mas se esse mesmo investimento fosse aplicado a qualquer uma das muitas variedades faladas no país, ela também se enriqueceria e se mostraria capaz de ser veículo para todo tipo de mensagem, de discurso, de texto científico e literário[...] (BAGNO, 2008, p.p. 22, 23. Todos os grifossãodoautor). A língua padrão é somente uma variedade entre as tantas outras e recebeu um tratamento especial, como se pode notar a partir da leitura do texto acima. No entanto, adotou-se a idéia de que esta variedade prestigiada é a língua correta a ser falada e ensinada e todo aquele que fala diferente acaba sofrendo algum tipo de preconceito. Isto é ainda mais complicadoquandooenvolvidoéumacriançaemfasedealfabetização. A inserção das crianças das classes populares nas escolas exigui que se passasse a respeitar os vários dialetos falados nas comunidades. Isto ocorreu porque a maioria das crianças quando chega à escola se depara com a variedade padrão, o que gera dificuldades para alunos e docentes, porém isto não seria tão problemático se os professores compreendessem que a variedade utilizada pelo aluno é perfeita e completa como disse Cagliari acima. As dificuldades são maiores ainda para alunos que iniciam o processo de alfabetização, pois em geral, os professores apresentam a língua padrão como modelo e desqualificam a variedadedialetaldacriança. A compreensão sobre variação linguística é muito importante, uma vez que as crianças em processo de alfabetização que chegam às escolas, geralmente, utilizam dialetos estigmatizados na sociedade. Por outro lado, os professores que não conhecem os estudos da Rejane Klein 54
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    Sociolinguística relativos àvariação linguística podem dificultar o desenvolvimentodacriançaemrelaçãoà leitura eescrita. A criança, ao se alfabetizar, reflete sobre a língua escrita, formula hipóteses e cria suas formas de registro recorrendo sempre a linguagem oral. Oralidade, leitura e escrita são processos interligados. Um interfere no outro durante o processo de alfabetização. Cagliari (2007) diz que, “[...] a alfabetização é a aprendizagem da leitura e da escrita. [...] ler e escrever são atos lingüísticos”. (p. 08). Portanto, é de fundamental importância compreender como a linguística aplicada à alfabetização explica certas situações que ocorrem no ato de ler e escrever, principalmente, os aspectos relacionados à variação linguística. Contudo, faz-se necessário compreender que os atos de ler e escrever não são tão simples como parecem “[...] a escrita é algo com o qual nós, adultos, estamos tão envolvidos que nem nos damos conta de como vive alguém que não lê e não escreve, de como a criança encara essas atividades...”(CAGLIARI, 2007, p.96). Uma das grandes dificuldades do professor alfabetizador é justamente perceber como a criança lida com o processo de aprendizagem da leitura e da escrita.Até iniciar sua escolarização, ela utiliza a linguagem oral para comunicar-se com as pessoas e com o mundo à sua volta. Na escola, descobre outra forma de comunicação, a escrita, mas para compreender esse novo processo, precisa assimilar uma série de convenções que, muitas vezes, está distante do seu universo de compreensão. Ao escrever, passa a utilizar-se de signos que representam os objetos. Além de formar a ideia sobre o objeto, precisa entender que as palavras são formadas de letras. Percebe, aos poucos, que ao combiná-las formará determinadas palavras. Descobre também que uma mesma letra pode ser representada de várias formas. Por exemplo: A, a, e os diferentes “as” manuscritos. Nos primeiros contatos com o mundo escrito, a criança confunde muito as letras. Segundo Cagliari, “[...] para nós, adultos, qualquer A é A, seja ele escrito como for. Quando a criança começa a aprender a escrever, ninguém lhe diz isso e, muitas vezes, ela fica Linguagem e Alfabetização 55 L I C E N C I A T U R A E M
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    admirada diante dascoisas que a professora (e os adultos) fazem com as letras.”(CAGLIARI,2007,p.97). A alfabetização é um processo de muitas descobertas e a maioria delas são feitas pela criança sem que ela se dê conta disso, pois “a escola ensina a escrever sem ensinar o que é escrever, joga com a criança sem lhe dizerasregrasdojogo.”(CAGLIARI,2007,p.97). A escola dificulta o desvelamento desse mundo desconhecido e cheio de novidades, ao ocultar as regras do jogo. O alfabetizando é um pequeno explorador de áreas não conhecidas, mas muitas vezes, é visto como aquele em quem se deve apenas imprimir o saber da escola.Asala de aula deve, portanto, possibilitar atividades que levem o aluno a estabelecer novas relações, a criar hipóteses, enfim, a explorar o saber que está recebendo. Um dos passos necessários para isso foi sinalizado por Ferreiro bem como os outros autores estudados anteriormente ao postular que a criança é um sujeito ativo. Cagliari (2007) sugere que além de a vermos como um sujeito ativo, também devemos mostrar a ela o que é escrever, para que serve escrever e, por último, como se escreve. Esses procedimentos ajudarão a criança a interagir com um universo até então desconhecido. Como diz Cagliari “é jogar e mostrar as regras do jogo.” Em geral, faz-se o caminho contrário: mostra-se como se escreve a partir de modelospré-definidos. Barrera e Maluf desenvolveram um estudo em escolas da periferia de São Paulo e constataram que boa parte dos alunos que falavam o dialeto não padrão apresentaram dificuldades na aquisição da língua escrita. As autoras ressaltam que os conhecimentos da Sociolinguística e da variação linguísticadevemserconhecidospelosfuturosprofessores,poisseevitariaa disseminação da estigmatização da criança que não fala a língua-padrão prevenindoaevasãoearepetência.Cagliari(2007)ressalta: Essa realidade lingüística precisa ser bem entendida pela escola, para que ela não cometa injustiças para com os alunos e comprometa o processo de Educação a que se propõe. [...]. Rejane Klein 56 Sobreoestudomencionadoverreferênciasbibliográficasnofinaldofascículo.13 13
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    Muitos ‘problemas dafala’, atribuídos à falta de ‘discriminação auditiva’ , são problemas de fato de variação lingüística. A professora reclama da criança que não distingue sons com p e b e v e f etc. e diz que ela tem problema de discriminação auditiva com relação à sonoridade. Geralmente o problema não é nem de audição. Pode ser que a criança fale uma variedade do português dizendo, bassoura em vez de vassoura [...]. (p. 85). Como se vê aquilo que, muitas vezes, é entendido como distúrbio da fala, problema de discriminação auditiva, pode ser de fato o modo comoaquelegrupo,oucriançafala. Existe ainda, outra área da linguística que investiga como os aspectos fonológicos e fonéticos interferem na apreensão da língua escrita. Nasequênciaapresentaremosalgumasdiscussõessobreestetema. 2.4 Aspectos fonéticose fonológicosdalinguagem O professor alfabetizador precisa compreender como o sistema da escrita funciona. Deve entender que a fala, a leitura e a escrita são processos distintos, porém, interligados. A aprendizagem da escrita tem como finalidade a leitura. Esta, por sua vez, focaliza a fala. Afala organiza- se através de signos compostos por significado e significante. A escrita baseada no significado é denominada de ideográfica.Aescrita ideográfica pode ser efetuada por meio de símbolos e desenhos. Estes são criados culturalmente e independem de uma língua para serem lidos. Os sinais de trânsito, logotipos, placas com desenhos indicando restaurante, posto de gasolina, banheiro feminino e masculino são exemplos de escrita ideográfica. Para compreender estas indicações não importa o país ou a língua falada, todas as pessoas que partilham desta cultura reconhecem a indicação.Amenorunidadenestesistemaéa palavra. A escrita baseada no significante, no entanto, depende da compreensão dos sons que compõem as palavras. Estes elementos precisam ser apreendidos e, para isso, aqueles que aprendem a ler e a escrever precisam decifrá-los. Contudo, a fala não representa fielmente a escrita e, aí, começam as dificuldades para aqueles que estão em processo Linguagem e Alfabetização 57 L I C E N C I A T U R A E M
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    de alfabetização. Aescrita baseada no significante é estudada em duas áreasdalinguística:a Fonéticae a Fonologia. Cagliari diz que os estudiosos da Fonética se ocupam em descrever a realidade fônica de uma língua, ou seja, procuram analisar e descrever a fala nas diversas situações de uso. Os estudiosos da Fonologia também analisam os sons, mas procuram interpretar o valor e a função que as letras ocupamnumapalavra.O autorexplicaque, Quando um falante diz, por exemplo: potxi, txia, tudu, tapa, até etc., a Fonética constata as pronúncias diferentes tx, t e a Fonologia interpreta essa diferença atribuindo um valor único a esses dois sons, uma vez que tx ocorre somente diante da vogal i, e o t diante de outro som que não seja i. Fato semelhante ocorre quando um falante diz ora iscada, ora escada. A ocorrência de i ou de e, neste caso, têm o mesmo valor.(CAGLIARI,2007,p. 42,43). Os estudos realizados no campo da Fonética e da Fonologia possibilitam que o professor compreenda que o aluno, na maioria das vezes, tende a transferir para a escrita a forma como fala. Por exemplo: na fase inicial da alfabetização o aluno pode escrever “Iratxi” ao invés de “Irati”. O professor alfabetizador pode considerar esta grafia como errada, e marcar a tentativa feita como um erro. Entretanto, se conhecem as discussões realizadas na área da Fonética e da Fonologia estarão melhor preparados para mostrar ao aluno que existe uma forma ortográfica de escrever considerada como padrão, uma convenção usada para que todos possam ler aquiloquefoiescrito. A transcrição fonética, geralmente aparece na produção de textos espontâneos.Cagliari diz(2007)que , O alunoescreveiemvez dee, porquefala[i]e não[e];ex: dici(disse) qui(que) tristi(triste) Rejane Klein 58 (Todososexemplosforamretiradosde(CAGLIARI,2007,p. 139) 14 14
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    Escreveu emvez deo,poisfala[u]enão[o];ex: tudu(tudo) curraiva(comraiva) Nãoescreve or,pornãohaversomcorrespondentena suafala;ex: mulhe(mulher lava(lavar) Escreveremvezde.Essatrocaécomumnafala;ex:praneta(planeta). Nos exemplos acima vemos que a criança está escrevendo foneticamente, uma vez que transfere para a escrita o modo como pronuncia as palavras. Na escrita fonética a menor unidade da palavra é o som. Do ponto de vista da língua padrão esta forma de escrita pode ser considerada erro. Contudo, se recordarmos o que já foi dito anteriormente sobre os estudos da Sociolinguística e variação linguística, fica evidenciado que ocorreu apenas uma transposição da fala para a escrita. Comooprofessorpodeajudaroalunoainternalizar aescritapadrão? Estudiosos do assunto entre eles: Bortoni, Cardoso-Martins, Carvalho, sugerem que se trabalhe a consciência fonológica com a criança, através de uma série de atividades na qual a criança pode contrastar a escrita fonética com a escrita ortográfica. Pode-se, por exemplo, fazer um ditado em que o aluno escreva como fala e, na sequência solicitar que escreva ortograficamente. Porém, o que é consciência fonológica? Aquino dizque, Denomina-se consciência fonológica a habilidade metalingüística de tomada de consciência das características formais da linguagem. Esta habilidade compreende dois níveis: o primeiro relaciona-se à consciência de que a língua falada pode ser segmentada em unidades distintas, ou seja, a frase pode ser segmentada em palavras, em sílabas e as sílabas, em fonemas; a segunda a consciência de que essas mesmas unidades repetem-se em diferentes palavras faladas (AQUINO,2008,p. 04). Linguagem e Alfabetização 59 L I C E N C I A T U R A E M
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    A criança emprocesso de alfabetização descobre, aos poucos, como a linguagem funciona. Quando o professor trabalha esse aspecto com os alunos possibilita que eles percebam que a língua falada pode ser segmentada, ou seja, a frase pode ser dividida em palavras. As palavras em sílabas, e as sílabas separadas em letras. Porém, a criança precisa compreender que há uma forma de escrita em que cada letra ocupa uma função. Exemplo: a palavra casa não pode ser escrita com as letras xmop, pois existe uma convenção que determina que seja escrita com as letras CA S A. Dessa forma, cada letra ocupa sua posição. Caso esta posição seja invertida, teremos outra palavra. A ortografia da palavra casa quando falada, pode ser escrita de várias formas, por exemplo: kaza, caza, qasa...., masapenasumadelasé consideradaa correta. Quando a criança compreender que a frase que fala pode ser segmentada e que cada letra representa um som, já está iniciando o processo de decifração da escrita. A decifração é parte importante no processodeaquisiçãodalíngua escrita. Como vimos anteriormente a consciência fonológica ocorre em dois níveis, pois quando a criança compreendeu a segmentação das palavras pode também observar que estas unidades se repetem em outras palavras. Nesse processo, o alfabetizando descobre que existem letras semelhantes com sons diferentes, e ainda notar que palavras que iniciam com as mesmas letras indicam coisas diversas. O professor alfabetizador pode trabalhar com rimas, trava-línguas, parlendas para desenvolver estas percepções. É importante que a criança perceba que a brincadeira quefazoralmentepodeserescrita. Resumindo - a consciência fonológica consiste em: perceber que as palavras tanto na modalidade oral quanto na escrita, podem ser segmentadas; que o texto compõe-se de frases; que as frases formam-se de palavras, as palavras de sílabas e as sílabas de letras. Consiste em perceber, também, que cada letra corresponde a um som, contudo, são poucas as letrasqueremetemaumúnicosom. Rejane Klein 60
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    Os estudos realizadosna área da Fonética e da Fonologia, portanto, esclarecem o professor sobre estes aspectos, mas isto não significa que a criança deva passar pelo processo silábico de alfabetização. Para apreender o funcionamento da língua escrita é fundamental que a alfabetização inicie com textos variados. Além disso, a criança deve produzir textos espontâneos. A escrita espontânea ajudará o professor a perceber como a criança está raciocinando e mostrará, ainda, que tipo de dificuldades apresenta. No próximo tópico falaremos sobre a produção de textos espontâneos e alguns “erros” que precisam ser trabalhados pelos professores. 2.2 Ostextos espontâneos e odesenvolvimento daconsciênciafonológica Cagliari (2007) analisa uma frase extraída de um texto espontâneo e aponta os conhecimentos que este aluno demonstra em relação à língua escrita. Afrase é a seguinte: “euquérocazá”. O autor declara que a criança já conhece o sistema de acentuação, pois, acentua o “e” e o “a” e ao trocar o “z” pelo “s”, revela conhecer o valor de z. A produção dessa frase revela um processo intenso de reflexão, pois o aluno traçou no papel o conhecimento que possui sobre a língua escrita e várias de suas convenções. O professor alfabetizadordeveestaratentoaotrabalhofeitopeloalfabetizandoeanalisar o progresso do aluno. Deve observar o estágio de desenvolvimento da linguagemnoqualacriançaseencontranoiníciodaalfabetizaçãoeoestágio queatingiuapósummêsdeaulas,porexemplo. Outro problema bastante comum, na transcrição fonética é a hipercorreção. Isso ocorre quando os alunos já conhecem a forma ortográfica e sabem que a pronúncia é diferente. Por exemplo: ao escrever as palavras Lopes e Lápes transfere a pronúncia do primeiro e do segundo juntando-os.Assim sendo, grafa lápes ao invés de lápis. Ou “almadilia” ao invés de armadilha. Pode fazer a modificação segmental das palavras provocando a troca de letras f por v, ex: voi (foi), bida (vida). Pode ocorrer, também,asupressãoouacréscimodeletras. Linguagem e Alfabetização 61 L I C E N C I A T U R A E M
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    No primeiro exemplovemos a supressão macao (macaco), mecadio (mercadinho) e no segundo o acréscimo, como se pode observar na palavra sosato significando susto. Ocorre ainda a juntura e segmentação intervocabular como em ‘jalicotei’(já lhe contei), a gora (agora) a fundou (afundou). O aluno pode, também, modificar a morfologia da palavra adepois (depois), ni um (em um ou num), também fazer uso indevido de letras maiúsculas e minúsculas, acentos gráficos, sinaisdepontuaçãoeproblemassintáticos . Todos esses problemas apareceram nos textos espontâneos produzidospelos alunos investigados por Cagliari. Ferreiro discorre sobre problemas semelhantes no livro “Psicogênese da língua escrita”. O professor alfabetizador de posse das reflexões dos autores estudados e de textos espontâneos produzidos pelos alunos terá um material farto para auxiliar seualunoaprogredirnaaquisiçãodalíngua escrita. No próximo item discutiremos como o letramento pode ampliar emcertosentido,a concepçãodealfabetização. 2.6 Letramento As discussões em torno do letramento no Brasil surgiram na década de 80. O debate envolveu questões sobre o que é ser alfabetizado e o é que ser letrado. Para diferenciar os dois termos Carvalho (2007) menciona, “[...] uso a palavra alfabetização no sentido restrito de aprendizagem inicial da leitura e da escrita, isto é a ação de ensinar (ou o resultado de aprender) o código alfabético, ou seja, as relações entre letras e sons.” (p.65). Observa-se que a autora aponta para uma especificidade da alfabetização que seria a ação do professor ensinar e do aluno aprender o código alfabético. Por outro lado, letrado seria aquele sujeito que conhece a leitura e a escrita e consegue utilizá-las para resolver situaçõesdodiaa dia.Carvalhoexplicita adiferença, Rejane Klein 62 Todos os exemplos foram retirados do livro Alfabetização e linguística de Luiz Carlos . Cagliari. Vejareferênciacompletanofinal dofascículo. 15 15
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    Uma pessoa alfabetizadaconhece o código alfabético, domina as relações grafofônicas, em outras palavras, sabe que sons as letras representam, é capaz de ler palavras textos simples mas não necessariamente é usuário da leitura e da escrita na vida social. Pessoas alfabetizadas podem, eventualmente, ter pouca ou nenhuma familiaridade com a escrita dos jornais, livros, revistas, documentos, e muitos outros tipos de textos; podem também encontrar dificuldades para se expressarem por escrito. [...] Letrado, no sentido em que estamos usando esse termo, é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais e profissionais (CARVALHO, 2007, p.66 - grifonosso). O alfabetizado conhece o código, lê e escreve, mas têm pouca familiaridade com textos que circulam nas diversas instâncias sociais. A aquisição do código pode ter ficado restrito ao material didático e o aluno acaba construindo a ideia de que somente este tipo de texto serve para aprenderalereescrever. O letrado, por sua vez, usa a leitura e a escrita com desembaraço para resolver situações na vida social e profissional, mas desconhece o funcionamento do código. Numa comparação, o alfabetizado pode imaginar que a leitura e a escrita são atividades para serem realizadas na escola. O letrado sabe ler e escrever sem realizar uma reflexão sobre o código. Pode se dizer que a convivência no mundo letrado e as exigências postas no cotidiano fizeram-no ler e escrever. Contudo, se o primeiro conhece o código e entende que as palavras são formadas de letras e que as letras possuem determinados sons, o segundo lê e escreve, mas não possui estashabilidades. Soares (2003) afirma, porém, que não há uma distinção clara entre alfabetização e letramento. Para ela os dois conceitos se superpõem uma vez que, aqui no Brasil se considera que um sujeito alfabetizado seja capaz de ler e redigir um bilhete simples, ou seja, ao ler e escrever a pessoa faz usodestashabilidades. Linguagem e Alfabetização 63 L I C E N C I A T U R A E M
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    A fusão entreos conceitos teria gerado problemas referentes à especificidade da cada uma destas práticas. Letramento e alfabetização são processos distintos, porém interdependentes e indissociáveis. Soares aponta quenoletramentoocorre, [...] imersão das crianças na cultura escrita, participação em experiências variadas com a leitura e a escrita, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros de material escrito – e o que é propriamente da alfabetização, [...] consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema- grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita.[...] (SOARES,2003, p. 15). Como se pode observar, letramento e alfabetização são processos distintos, mas que não devem ser dissociados. Não se trata de alfabetizar sem letrar ou vice-versa. É importante ressaltar que, na alfabetização, no momento atual, se deve selecionar textos significativos que circulam na sociedadee promoverumareflexãosobrealíngua. No segundo capítulo procuramos apresentar as contribuições dos estudos linguísticos para a área da alfabetização. Abrimos o segundo capítulo procurando apresentar a Psicolinguística. Vimos que os estudiosos desta área se ocupam em explicar como se dá aquisição da fala. Observamos que, para os inatistas a criança nasceria com uma gramática universal internalizada. Conforme cresce adquire a fala. Os Behavioristas, por outro lado, afirmam que a linguagem faz parte do meio externo e a criança a aprende por meio de estímulos e reforços. Para os pesquisadores que adotam a perspectiva psicogenética, a fala, como outros conhecimentos, é construída através da ação do sujeito sobre os objetos e dainteraçãodestecomomundo. Na seção sobre a Sociolinguística vimos que os pesquisadores desta área desconstruíram o mito da língua única e realizam estudos analisando a língua em uso. Para estudar como se utiliza a língua numa Rejane Klein 64
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    determinada região levamem conta aspectos sociais do grupo investigado, como por exemplo: a profissão, o nível de instrução escolar e o status social. Associam a estes aspectos a idade, sexo, raça e outros. A grande contribuição da Sociolinguística para o professor alfabetizador está em demonstrar que a língua se modifica de acordo com a região e com tempo.Ossociolinguístasocupam-secomavariaçãolinguística. A variação linguística possibilita compreender que o mito da língua única pode gerar preconceitos e classificações das pessoas que utilizam as variações desprestigiadas. Além disso, sinaliza que os alunos que não utilizam a língua padrão podem encontrar dificuldades na aprendizagemdaleitura e daescrita. Na penúltima seção deste capítulo apresentamos os estudos realizados na área da Fonética e da Fonologia para a compreensão dos aspectos fonéticos e fonológicos da linguagem. Pontuamos que trabalhar os aspectos fônicos da linguagem é de suma importância para que o aluno entenda que a oralidade e a escrita, embora, sejam interdependentes, não são processos idênticos. Isto evidencia que as palavras quando reproduzidas na escrita, seguem uma convenção ortográfica. Contudo, se o aluno escrever como fala, incorrerá em “erros”. No entanto, do ponto de vista da psicogênese e dos estudos linguísticos, não são erros, mas formas deensaiareexperimentar a escrita. Por fim, tratamos do letramento, demonstrando que alfabetizar e letrar são processos distintos, porém interdependentes. A criança precisa conhecer uma série de convenções em relação à língua escrita para se alfabetizar. Contudo, o conhecimento do código deve se basear em textos com os quais a criança se defronta diariamente. O professor deve trazer para sala de aula revistas, jornais, livros de literatura infantil, bula de remédios,placas,entre outros. Como vimos existe uma relação estreita entre a linguagem oral e o processo de reflexão sobre a linguagem escrita. Na sequência apontamos algumas atividades que podem ser realizadas, através das quais, é Linguagem e Alfabetização 65 L I C E N C I A T U R A E M
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    possível alfabetizar letrando.Todas as sugestões apresentadas serão retiradas do livro “Alfabetizar sem bá, bé, bi, bó, bú, de Luis Carlos Cagliari. Rejane Klein 66
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    Conhecimentos e atividades paraa aquisição da língua escrita e da leitura Conhecer a língua: a criança precisa saber que aquilo que está escrito é uma palavra que está escrita no idioma que ela fala e pode ousar emdecifrá-la. Conhecer o sistema de escrita: o professor precisa mostrar a diferença entre desenho e escrita. Para construir este entendimento, o professor conta uma história e solicita que os alunos desenhem uma parte da história. Em seguida, faz uma roda para que cada criança conte aquilo que desenhou. Por fim, pode escolher uma das histórias e transcrevê-la em papel pardo. Os alunos percebem que existe diferença entre as duas formasderegistro. Conhecer o alfabeto: o professor deve dizer que o alfabeto é formado por um conjunto de letras, e que cada letra tem um nome e que estas representam sons. Aqui, é necessário cuidar para que a criança não crie a ideia de que cada letra refere-se a um som em específico, pois isso traria dificuldades na escrita, uma vez que algumas letras possuem sons diferentes conforme a posição que ocupam nas palavras. Exemplo: a letra “S”na palavracasatemsomde“Z”. L I C E N C I A T U R AE M Capítulo 3
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    Conhecer a categorizaçãoe valor funcional das letras: Cagliari destaca que este é um dos aspectos mais importantes da alfabetização, e ao compreender isso a criança avança no processo de alfabetização.Acriança tem que entender que não é possível escrever a palavra casa com qualquer letra, por outro lado, necessita saber que as letras têm nomes e ocupam funções na palavra. A palavra CASA é escrita ortograficamente com as letrascê,a,esse,a. Conhecer as letras: a criança precisa entender que as letras são as unidades do alfabeto e que representam sons vocálicos ou consonantais, que graficamente constituem as palavras. Outro conhecimento necessário é que existe uma maneira de grafar cada letra e nas palavras as letras ocupam posições que não podem ser trocadas. Por exemplo: para escrever a palavra rua as letras r u a são postas numa sequência linear, e cada letra têm um valor funcional, caso se inverta a posição escrevendo de trás para frente terei a palavra aur. É preciso diferenciar letras de números e de outros sinais. Além disso, é importante que a criança saiba que a grafia das letras pode adquirir várias formas. Exemplo: letra de fôrma, maiúscula e minúscula, letra cursiva. Uma letra pode ser escrita de várias formas, mas na palavra exerce sempre a mesma função. A criança compreende o sistema da escrita quando entende a função das letras na palavra, e compreende que o sistema de escrita segue uma convenção. Com o tempo, entende que a escrita é ortográfica. Esse conhecimento possibilita à criança compreender que todos os participantes daquela cultura e língua podem ler aquilo que está escrito. Conhecer a categorização e valor funcional das letras: Cagliari destaca que este é um dos aspectos mais importantes da alfabetização, e ao compreender isso a criança avança no processo de alfabetização.Acriança tem que entender que não é possível escrever a palavra casa com qualquer letra, por outro lado, necessita saber que as letras têm nomes e ocupam funções na palavra. A palavra CASA é escrita ortograficamente com as letrascê,a,esse,a. Rejane Klein 68
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    Conhecer a ortografia:ajuda a criança a entender que cada palavra deve ser escrita de uma forma e, se evita a transcrição fonética, por outro lado,ajudaa distinguirfaladaescrita. Conhecer o nome das letras: ensinar o nome das letras a, bê, cê, cê- cedilha... destacando que algumas letras se diferenciam por exemplo: k, W,Y, H. O professor deve desenvolver atividades de leitura e escrita que envolva dramatização, desenho, mímica, leitura de textos variados para queacriançapossaadquirirosconhecimentoscitadosacima. É importante observar também que todo o trabalho deve partir de textos, destacando-se o título e procedendo a leitura completa. Em seguida, identificar frases no texto, palavras e rimas. Destacar algumas palavras e comparar diferenças e semelhanças na forma oral e escrita. Proceder a troca, supressão ou acréscimo de letras e sílabas para trabalhar asrelaçõesletras/som,palavra/sílaba. Como vimos anteriormente, para Cagliari, Ferreiro e os Psicolinguístas a fala e a escrita cruzam-se quando a criança está sendo alfabetizada. A criança tende a reproduzir, na escrita, o que a fala lhe dita. Daí comete vários “erros” quando tem a possibilidade de elaborar seus próprios textos sem copiá-los. Os erros podem ser ortográficos, mas podem também refletir a variedade dialetal. Por exemplo: ao escrever piscina ela poderá reproduzir essa palavra escrevendo psi-na ou pi-si-na e por diante. Portanto, não são erros que comete, mas tentativas para compreender o nosso sistema de escrita que como já foi dito, é muito complexo.Cabe aodocenteorganizaratividadessignificativas. A escrita significativa é aquela escrita que representa algo importante para a criança. Escrever seu próprio nome, um bilhete para os pais, solicitando uma autorização para ir a um passeio da escola, uma carta a algum amigo, um cartaz, divulgando uma exposição que a sala fará no final do mês entre outras atividades. De acordo com Geraldi ela precisa ter razões para escrever diria ter o que dizer, para quem dizer e porque dizer. Asatividades,então,sãoelaboradascomobjetivosdefinidos. Linguagem e Alfabetização 69 L I C E N C I A T U R A E M
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    A criança compreende,aos poucos, que seu escrito será lido por outras pessoas e que a leitura é a tradução dos símbolos escritos, em fala. Desde muito cedo, a criança procura entender o mundo a sua volta, observando sinais, letreiros, nomes de lojas, de brinquedos, marcas de produtos, ou seja, ela está imersa num universo no qual a linguagem escrita é utilizada constantemente e este contato possibilita-lhe efetuar uma “pseudo leitura.” Utilizar esses materiais em sala de aula é um fator importante já que ao incentivar a leitura de placas, símbolos, letreiros, marcas de produtos e outros materiais presentes em todos os lugares por onde a criança passa mostra por um lado que ela vive num mundo letrado e, por outro, faz entender que a leitura não ocorre somente no interior da sala de aula. Acriança perceberá que o ato de ler não se reduz aos livros da escola e que pode ler em qualquer lugar e de diversas maneiras. O aluno, enquanto escritor/ leitor, faz parte de um meio cultural que se utiliza abundantemente, da escrita. E se for incentivado a ler tudo o que vê nas ruas, compreenderá que a leitura não é um ato que se realiza somente na escola. Ou seja, ao ler uma placa irá descobrir para que serve a mensagem ali explicitada, qual é o objetivo daquele escrito, alertar, sinalizar, advertir, proibir . A escrita tem como finalidade a leitura. Ler e escrever são atividades complexas e para que o aluno consiga ler e escrever faz-se necessário estruturar uma série de atividades. A seguir apresentamos algumas atividades que podem ser realizadas com as crianças que estão no período de alfabetização. A atividade envolvendo o nome próprio dos alunospodemotivarváriasdescobertas. No início do ano letivo o professor pode reunir as crianças numa roda e falar seu nome, em seguida, contar algum fato relacionado a ele, ou o significado que tem e diante das crianças escreve o nome no crachá.Após esta atividade, cada um fala seu nome e também relata algo sobre ele. Na medida em que as crianças falam seus nomes, a professora os escreve no crachá e solicita que as crianças observem como ele foi escrito. Em seguida, cada um pode ler seu nome e colocar o crachá no quadro de nomes dispostonaparededasaladeaula. Rejane Klein 70
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    Neste mesmo diapode criar um texto coletivo no qual se conta a história dos nomes dos alunos. É interessante que o texto fique afixado na saladuranteumasemana. Outra atividade interessante em relação aos nomes é solicitar que algunsalunosescrevamosseusnomesnoquadro,porexemplo: Adrian Antonio Ana Carlos Gabriel Giovanni Marcos Após a escrita, lê-se com os alunos cada um dos nomes e, em seguida, propõe-se uma atividade na qual os alunos circulem os nomes que iniciam com a mesma letra. Pode ainda, solicitar que encontrem os nomes que terminam com a mesma letra. Por fim, pode se propor que escrevam nomes de animais que iniciem com as mesmas letras dos nomes apresentados. Outra atividade interessante consiste em contar o número de letras em cada nome, contar quantas sílabas tem. Substituir uma sílaba e criaroutrapalavra.Exemplo:marCa Car ro Além das atividades com os nomes das crianças o professor pode propor atividades que envolvam a elaboração de cartazes que podem ser informativos ou até na forma de convite, para alguma atividade na escola. Elaboração de relatórios sobre uma visita ou um passeio. Cartas para comunicar-se com colegas de outra classe, ou escola. Bilhetes convidando ospaisparaparticiparemdeatividadesnocolégio. O trabalho com estes textos exigirá a reescrita e este é um momento para se trabalhar os aspectos relacionados à convenção do código e a utilidadesocialdaescrita. Dentre várias atividades as parlendas e trava-línguas ajudam as crianças a refletir sobre a linguagem.As parlendas são manifestações orais e fazemparte dofolclorebrasileiro.Citoalgumas: Linguagem e Alfabetização 71 L I C E N C I A T U R A E M
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    “Umdois,feijãocomarroz “Uni,duni,tê; Três,quatrofeijãonoprato; Salamê,mínguê; Cinco,seisfalaringlês;O sorvete colorê; Nove,dez,comerpastéis”. O escolhido foi você!” O trava-línguas é um jogo verbal que consiste em dizer com clareza e rapidezversosoufrasescomsílabasdifíceis. “O Jucaajuda:encaixaa caixa,agacha,engraxa”. “O ratoroeuorabodaraposa” “-Alô, o tatu tai? – Não o tatu num tá. Mas a mulher do tatu tando é omesmoqueotatu ta ”. Além destas atividades, é necessário promover momentos de escrita de textos coletivos e individuais possibilitando a troca de experiências entre as crianças. Na sequência, apresentamos um exemplo de trabalho com textos com crianças que ainda não dominam totalmente o códigoescrito. 3.1 Aaprendizagemdaleiturae daescritanaperspectiva sociointeracionista Para o sociointeracionismo a aquisição da escrita pela criança pode ser comparada à construção da escrita vivida pela humanidade. Assim como na humanidade primitiva que usava a escrita pictográfica, a criança, numa fase inicial da escrita, escreve desenhando suas histórias. Vygotsky denomina esse processo de pré-história da escrita que passa pela fixação do gesto, rabisco no ar e evolui para a representação escrita, encaminha-se para oregistrodejogos,brincadeirase históriaspormeiododesenho. Inicialmente a criança elabora rabiscos, imitando, do seu jeito a escrita do adulto e por último, começa a utilizar-se de letras, aleatoriamente. Por fim, os traços se aproximam da escrita convencional e, emalgunsmomentos,misturaletrasconhecidas, rabiscosedesenhos. Acriança entende que a palavra ou o desenho podem ser colocados no lugar do objeto, na medida em que compreende o funcionamento do Rejane Klein 72 Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/218592. Acesso em 16/08/2009. 16 16
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    registro escrito. Luriafez o seguinte experimento: o pesquisador sugeriu que a criança representasse mil estrelas. Ela criou uma convenção. Desenhou três estrelas e afirmou que ali estavam representadas as mil estrelas. Isto possibilitou a compreensão de que as palavras representam objetose queexiste outralinguagem quepodeserregistradanopapel. Perez (1993), no texto intitulado “com lápis de cor e varinha de condão ... um processo de aprendizagem da leitura e escrita”, mostra como elaborar atividades de leitura e escrita que sejam significativas para as crianças. A autora adota os pressupostos teóricos de Vygotsky e Henri Wallon para desenvolver atividades criativas com as crianças em fase de alfabetização, na pré-escola. Vamos relembrar novamente alguns dos pressupostos de Vygotsky. Atese central desse autor consiste em afirmar que a linguagem exerce uma influência decisiva no desenvolvimento intelectual da criança. Para ele a inteligência se constrói a partir da linguagem. A criança internaliza a linguagem aprendendo cultura do gruposocialcomoqualconvive.Alinguagem é umaconstruçãosocial,por isso, altera-se de acordo com as necessidades humanas e com a cultura existente. Diz ainda que a linguagem está na base de todas as operações mentais que envolvem o uso de signos. Os signos são formados por significado e significante. O significado é aprendido por meio da cultura e são aquelas convenções que independem da língua para serem compreendidos. Para exemplificar podemos dizer que são os semáforos, as placas de trânsito, notações científicas, mapas etc. O significante é formadoporletras.Easletrasrepresentamsons. Além disso, precisa entender que as palavras podem representar objetos ausentes e que a fala pode ser escrita. A criança, em seu trabalho com a linguagem, passa por quatro estágios. Porém, o autor ressalta que esses não são fixos e nem rígidos, ou seja, numa fase a criança pode ter avanços significativos em alguns aspectos de seu desenvolvimento e passarporretrocessosemoutros. Linguagem e Alfabetização 73 Confira VYGOSTKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Especialmente os capítulos; 06,07,08 p.p 103 a 157. Ainda; VYGOSTKY et al.Psicologia e pedagogia 1a. edição 1991. São Paulo: Moraes. VYGOSTKY et. al. Linguagem desenvolvimentoe aprendizagem7a. edição.SãoPaulo:Ícone. 17 17 L I C E N C I A T U R A E M
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    Apoiando-se nesses pressupostos,Perez (1993) afirma que: “A criança da pré-escola se encontra num processo importante de apropriação da linguagem. Progressivamente vem construindo conhecimentos sobre a língua materna. A linguagem se estrutura e se incorpora a partir de suas relações intersubjetivas com o meio social.”(p. 90). Segundo a autora, a língua oral materna desempenha um papel primordial no desenvolvimento da escrita pois, para escrever a criança interage com o meio social estabelecendo uma inter-relação entre os conhecimentos que tem e os novos saberes que aprende. Essa inter-relação, num primeiro momento, faz parte da inteligência prática e, aos poucos, acaba sendo interiorizada pelo aluno. Ao aprender a falar e a escrever ela internaliza os valores sociais subjacentes à sua língua materna. Não são simplesmente palavras ou textos que apreende, mas crenças, valores, conceitos de certo e errado, enfim, incorporasuahistóriaesuacultura. Perez (1993, p.90) compara a palavra a uma ferramenta, a um símbolo que a criança manipula no cotidiano. “Crianças e poetas fazem da palavra uma ferramenta e objeto de criação, usando-a como os pintores usam seus pincéis,telasetintas.Apalavracriadoraéambígua,prazerosaepolissêmica”. Acriança não está simplesmente se comunicando ao falar, mas está agindo com a palavra. Através da linguagem oral impõe seus desejos, fala de suas aspirações e sonhos, reage às coisas das quais discorda, nomeia jogos e brincadeiras, cria regras e internaliza regras estabelecidas. Nesse sentido, a palavra é signo e símbolo. Na escola aprenderá novos usos para a palavra, compreenderá, principalmente, que a palavra pode ser escrita e que esta é uma nova forma de comunicação, ou seja, manipulará a linguagem para expressar tudo aquilo que deseja e necessita. Perez diz que, “tradicionalmente, a escola concebe a língua apenas como um conjunto de palavras-ferramenta e, na melhor das hipóteses, reserva um espaço para a criatividade dirigida, ou seja, a produção ‘criativa’acontece segundocritériosestéticosdaprofessora”(PEREZ,1993, p.90). A autora joga com as palavras atribuindo-lhes dois sentidos, palavra como objeto e ferramenta de criação e a palavra como ferramenta Rejane Klein 74
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    para se ensinara estrutura da língua. Em geral, quando o professor utiliza- se da cartilha para alfabetizar assumindo os pressupostos associacionistas faz da palavra uma ferramenta para dirigir a criatividade do aluno. Usar tal método significa limitá-la ao ensino da estrutura formal da língua. Quando a linguagem é usada como ferramenta/criação o professor coordenará trabalhos que possibilitem ao aluno a criação, o jogo, o exercício dos poetas e pintores. Nos dois casos temos encaminhamentos metodológicos diferenciados e, consequentemente, resultados diferentes. Dependendo da opção que o professor faz, formará um aluno que interage com o conhecimento ou um aluno que apenas reproduz o modelo que o professor estabelece. Segundo Perez, a melhor metodologia de trabalho será estimular a criatividade das crianças a partir das necessidadese possibilidadesdeles. Como mencionamos anteriormente, alguns professores questionam esta forma de alfabetizar, e, muitas vezes, ao abrir mão da cartilha, sentem-se desorientados para iniciar este processo. Uma das sugestões propostas por Perez é que o professor utilize-se de relatos orais dos alunos para a composição de textos. “O relato de uma criança expressa sua vivência e suas experiências, o seu modo particular de entender o mundo. Ao criar uma história, ao relatar uma experiência, a criança está construindoconhecimentossobrea escrita.”(PEREZ,1993,p.91). Esses relatos devem servir de base para a elaboração de textos individuais e coletivos. Sugere, também, que o professor conte uma história e peça que as crianças criem outro enredo com a mesma situação da história original. Propõe que o professor transcreva o texto produzido para trabalhar a leitura e a escrita. Para isso, cada aluno deve ter em mãos umacópiadotexto. Registrar por escrito o que se diz possibilita compreender vários aspectos da convencionalidade da língua escrita já assinalados por Cagliari. Seriaacompreensãodoqueéescrever.Perez (1993)dizque, Linguagem e Alfabetização 75 L I C E N C I A T U R A E M
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    O registro escritode suas produções permite que a criança através de suas observações, construa conhecimentos sobre a linguagem escrita e sobre sua função: o que falamos pode ser escrito, através da escrita comunicamos nossas idéias, escrever é diferente de falar, escrevemos da esquerda para a direita etc... neste processo a professora atua como mediadora da aprendizagem da criança e de suas relações com a escrita, enquanto um objeto de conhecimento socialmente construído. (PEREZ,1993, p.94). Ressalta que, as histórias infantis e os contos de fadas são de grande importância para a alfabetização, pois “na aprendizagem da leitura e da escrita é importante que a criança se sinta encorajada a utilizar a escrita como um veículo para a sua expressão criadora, mesmo que ainda não domine o código convencional, pois é escrevendo que a criança vai construindoseusconhecimentossobrea escrita.”(PEREZ,1993, p.101). A aprendizagem da leitura e da escrita torna-se um espaço de invenção, construção, elaboração de hipóteses e de desencadeamento do conflito cognitivo. A criança não precisa escrever todas as palavras corretamente. O professor irá avaliar seu grau de criatividade e compreensãodotexto e nãoa incorporaçãodaestrutura dalíngua. Esta maneira de conceber a alfabetização tem gerado uma série de debates nos meios acadêmicos. Alguns pesquisadores indicam que, embora tenha se modificado o paradigma de alfabetização muitas crianças ainda fracassam na escola. As avaliações externas às escolas como o SAEB e o ENEM demonstram que muitas crianças após terem freqüentado vários anos de escola, não desenvolveram habilidades básicas para ler e ou redigir adequadamente um texto. Por isso, acreditamos que seja fundamental compreender o que é alfabetizar e o que é letrar. Na alfabetização ensina-se a estrutura da língua escrita e como esta funciona, usando de textos diversos. Rejane Klein 76 SistemadeAvaliaçãodaEducaçãoBásica. ExameNacionaldoEnsinoMédio. 18 18 19 19
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    Considerações finais Ao finalizaro estudo deste fascículo esperamos que o aluno tenha compreendido as correntes teóricas que alicerçam as práticas de alfabetização. Procuramos apresentar um panorama sucinto das discussões realizadas no âmbito da linguística aplicada à alfabetização e das concepções pedagógicas alicerçadas na psicologia da educação focalizandodesenvolvimentoe aprendizagem. Defendemos a tese de que é importante conhecer como as diversas correntes teóricas explicam a aprendizagem e o desenvolvimento da criança, pois de posse destes conhecimentos o professor poderá acompanhar o crescimento cognitivo de seu aluno. No entanto, além dos conhecimentos em Psicologia, necessita também compreender a estrutura e o funcionamento da língua falada e ecrita. Neste sentido, os conhecimentos oriundos da Linguística em seus vários ramos são fundamentais. Como vimos a aquisição da língua escrita e da leitura exige que a criança construa uma série de conhecimentos relativos ao funcionamento L I C E N C I A T U R A E M
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    da língua escrita,uma vez que falar, ler e escrever são processos distintos, poréminterligados. A Psicolinguística, a Sociolinguística, a Fonética e a Fonologia apresentam contribuições muito importantes para a compreensão sobre a aquisiçãodafala,daleitura edaescrita. Os estudos da Psicolinguística explicam como a criança adquire a fala a partir de três correntes teóricas: o Inatismo, o Behaviorismo e o Construtivismo. Para o Inatismo a criança nasceria com uma gramática internalizada. No Behaviorismo defende-se que a criança é uma tabula rasa na qual os conhecimentos seriam impressos, e para o Construtivismo, o sujeito nasce com alguns esquemas de ação muito elementares que serão constantemente reconstruídos por meio da ação sobre os objetos e da interaçãocomomeio. Assim sendo, a compreensão de como a criança se desenvolve e aprende, o conhecimento em relação a história da escrita, dos métodos de alfabetização, da variação linguística e da Psicolinguística são fundamentaisparaatuar nosprocessosdealfabetização. Rejane Klein 78
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