Pedagogia dos Pormenores: Rendi[o]lhando fo[car]tografias de formação
                                  Elisandro Rodrigues




             Fotografia do murro do Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo – 24.09.11
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
                            Faculdade de Educação
             Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDU
Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde - EDUCASAÚDE
   Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva - RISSM




                  PEDAGOGIA DOS PORMENORES:
         RENDI[O]LHANDO FO[CAR]TOGRAFIAS DE FORMAÇÃO


                              Elisandro Rodrigues
                          Orientadora: Károl V. Cabral
                        Co-Orientadora: Mayra M. Redin




                 Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós Graduação em
                 Educação, Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde
                 (EducaSaúde), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para
                 obtenção do título de Especialista em Educação em Saúde Mental Coletiva, sob
                 orientação de Károl V. Cabral e co-orientação de Mayra M. Redin.




                                Porto Alegre, 2012
30/10/11 – Nota de Agradecimento: Dentro de um envelope impresso em papel vegetal.
A Pa que nos fragmentos cotidianos rendilhou poesias, silêncios e a cumplicidade do olhar.
                                                 Pela delicadeza dos abraços, dos sonhos e do voar.
                                                                             Pela poesia inacabada.




      Iago, Diego, Leo, Graci, Henrique, Cris por estarem abertos ao fo[car]tografar suas imagens e
                                                                                      pensamentos.


                                                    Chico, Chuck/Adão pelas conversas e os jogos.


                                                                     Amélie e Abib pelo caminhar.


                                                 Mayra, pelo desafio de compartilhar pormenores.
                             Pelas horas conversadas numa Palavraria entre livros, imagens e arte.


                                                          Károl, pelas palavras, livros e os “restos”.
                                         Patricia Dorneles, pela presença nesses anos de formação.
                                 Márcio Amaral , por disponibilizar a fo[car]tografar pormenores.
EducaSaúde, Preceptores e Tutores pela possibilidade e pela abertura de pensar outros processos de
                                                                                           formação.
A Helena [In memoriam] por ter disponibilizado a cola inicial para juntar os fragmentos e os mosaicos de
“um pouco de possível senão eu sufoco” [Deleuze]. Saudades do café de segunda.
RESUMO

Nos fragmentos do cotidiano dos Residentes, da Residência Integrada Multiprofissional em
Saúde Mental Coletiva [RIS/UFRGS], uma parada. Um olhar. Uma imagem. Uma fotografia.
Uma vivência do silêncio. Uma experimentação do novo. Uma Fo[car]tografia de uma
formação em mo[v]im[ento]. No rendi[o]lhar processos, um pormenor. Na costura das linhas
coloridas, uma pedagogia. Na brincadeira de colar mosaicos e palavras, a Pedagogia dos
Pormenores. Esse texto convida a abrir janelas e olhares, a pensar num olhar frágil, táctil,
silencioso, delicado. Convida a misturar pensam[v]entos e imagens, a partilhar as linhas e
tecer sendas. Fazer ponto, marca, renda. Encontrar e se perder nos pormenores de uma
fo[car]tografia de formação.

Palavras-chave: Pedagogia, Pormenores, Fotografia, Cartografia, Formação.




ABSTRACT

In the fragments of daily life for residents of the Residence Multiprofessional Integrated in
Mental Health [RIS /UFRGS], a stop. A look. A picture. A photograph. A experiencie of
silence. A new trial. A pho[car]tograph for a training in movement[wind]. In the process, a
“detail”. In the sewing of colored lines, a pedagogy. In the game tiles and pastin words, a
Pedagogy of the “details”. This text invites you to open windows and looks, to think of a
fragile look, touch, silent, gentle.Calls to mix thinks, winds and images, to share lines and
weave paths. Make point, mark, income. To Find and get lost in the “details” of a
pho[car]tograph for a training in Residence Multiprofessional Integrated in Mental Health.

Keywords: Education, Details, Photography, Cartography, Training.
SUMÁRIO

     I PARTE – Da costura inicial
8            #Pensam[v]entos
9            Primeiras imagens: um convite ao rendi[o]lhar os Mo[v]im[entos]
11           [In]ventando outro lugar
12           # Pensam[v]entos e Pausa
13           Para um futuro dicionário de palavras brincadas: um breve glossário
13                            #Do Sustenido
13                            #Do Movimento
15                            #Do Filosofo[tografo]
17                            Experimentações Fo[car]tográficas
18                            #Do Rendilhar
19                            #Da Cartografia
20                            #Da Fo[car]tografia – Car[ fo]tografia: descobertas e encontros
22                            #Do Fragmento
23                            #Do Pormenor


     II PARTE – Dos olhares
27           Dos Pormenores Fo[car]tografados
28           Rendi[o]lhando Pormenores Fo[car]tografados
30           #Nota de entrada e # Dos fragmentos iniciais
31           Mapa I
32           #Dos versos no caminho 1 e 2
33           #[i]m[a][g]em[o] – das fotos que contam
34                            #Das Janelas I
36                            #Dos momentos a registrar
38                            #Do corpo
39                       #Um Quadro
40                       #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores I
41      Mapa 2
42      #Das cores de [Gr]Amel[c]ie[la] – das marcas no papel e na vida
44                       #De nós
45                       #De outros nós e Pensam[v]entos
46                       #De um lugar de sossego: Redença
47                       #De um lugar ao Sol
48                       #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores II
49      #Artes
50      Mapa 3
51      #C[otidiano]ristiane[ncontro]
52                       #Das Janelas II
54                       #Das Experimentações
55                       #Das correntezas
56                       #Do Tempo e do Sr. Palomar
57                       #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores III
58/59   Mapa 4
60      #[D]as l[i]nhas do invisiv[e]l[go]
61                       #Ainda sobre o invisível
62                       #Do olhar e da delicadeza
63                       #Da afecção e da escuta
64                       #Pensam[v]entos
65                       #Das bandeiras
66                       #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores IV
67      #Um re[SU]Spiro
68      #De uma nota perdida II
69      Mapa 5
70   #Dos Movimentos i[He]n[ri]qui[e]tos
71                  #Do acumulo
73                  #Das rachaduras na janela
74                  #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores V
75   Mapa 6
76   #“Caminhando contra o v[L][e]nt[o]”:
                    Uma Narrativa de So(N[H])o{s} – Sono; Sonhos; SOS; Em NH.
76                  #“Nas grandes cidades de um país tão surreal...”:
                                                     narrativas hamburguenses
81                  #De fragmentos escritos em tempos outros
82                  #Das portas abertas
84                  #Das sendas
85                  #Pensam[v]entos
86                  #Das Janelas III
87                  #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores VI
88   As linhas de uma Pedagogia dos Pormenores
90   #Das últimas anotações
91   Referências [Dos pormenores [in]ventados]
I PARTE


Das costuras iniciais
8


                                                                                            # Pensam[v]entos I 1

                                                                       22/06/10 – Criar é resistir [Deleuze]




Por que a gente é desse jeito
Criando conceito pra tudo que restou?
[Fernando Anitelli]
1Pensamentos anotados – cartografados, no celular e em páginas brancas dos blocos de anotação. Usarei dessas
anotações para referir-me as linhas que se costuraram no percurso dessa escrita, e para dar alguns intervalos entre
o pensamento, a palavra e a imagem. Essas anotações são Incidentes [Barthes, 2004], são impressões, anotações
e distrações [Redin, 2007,2009], são fragmentos vividos e experienciados, são pormenores [Barthes, 2009] das
minhas partituras do caminho.
9


Primeiras imagens: um convite ao rendi[o]lhar os Mo[v]im[entos]


        Não sei como iniciar esse texto já iniciado. Poderia começar usando as palavras de
Barthes que diz que é “a partir da leitura que o texto existe”. Se tomar isso como ponto de
partida, esse texto está existindo nesse momento em que você lê essas primeiras linhas.
        Nesse existir texto a partir da leitura, o leitor, entra em comunhão com o autor “no
momento em que se entrega a seu prazer.” [Barthes, 1987, p.7]. E esse autor explica que


                           Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado
                           por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais
                           ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a
                           ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um
                           entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido nessa textura o sujeito se desfaz
                           nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas
                           de sua teia. Se gostássemos dos neologismos, poderíamos definir a teoria do
                           texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia da aranha). [Barthes,
                           1987, p.81-82]


        Um primeiro convite: entregar-se ao prazer do texto.
        Um segundo convite: deixar-se tecer e tecer junto dialogando com as imagens e
palavras.


                                                      ..
                                                      .
                                                      .2

        Nos processos de ventar pensamentos para dentro do meu corpo, Barthes e Bavcar me
acompanharam muito, nos pequenos interstícios desses Mo[v]im[entos], algumas ideias
capturadas pelo olho [lente da maquina que dispa[amar]ra os pontos                <<punctuns>>]    compõe a
e[in]scrita do meu texto.
        Barthes comentava que as fotos apareciam para ele em todos os espaços, assim é o
meu pensamento que olha o mundo através da imagem fotografada [ou se apresenta como
fotografia aos meus olhos]. Vejo através de imagens. Penso através de imagens.
2 O Braille é composto por 6 pontos, que são agrupados em duas filas verticais com três pontos em cada fila
(cela Braille). A combinação desses pontos forma 63 caracteres que simbolizam as letras do alfabeto
convencional e suas variações como os acentos, a pontuação, os números, os símbolos matemáticos e químicos e
até as notas musicais. Essa combinação é a letra “P”, de [Pedagogia dos] Pormenores, e ela será a separação dos
pensamentos ao longo desse escrito.
10


                        “Fotos, vejo-as por todo o lado, como cada um de nós hoje em dia; elas vêm do
                        mundo para mim, sem que eu as peça; são apenas <<imagens>>, o seu modo de
                        aparecimento é a das mil e uma proveniências (ou dos mil e um destinos).”
                        [Barthes, 2009, p. 24]


       Nesse emaranhado cartográfico fiquei pensando por que janelas olhar, como
sistematizar esses fragmentos do vivido e do experienciado, como falar das [através de] fotos
[cartografia fotográfica], fico me perguntando: o que são esses fragmentos que vivemos
[vividos]?D[o] que eles dizem, de que subjetividade estamos falando, de que processos, o que
[não] é capturado pelo olho? O que [não] olhamos?
       Não sou um fotografo. Tampouco um conhecedor das técnicas de luz e escuridão [nem
a câmera escura das revelações conheço]. Mas fui ferido [um punctum] pela fotografia. Sou
interessado pelas formas como compomos as imagens, de como a pensamos, de como a
buscamos e como a criamos. Sendo assim, esse texto é uma investigação [uma revelação por
processos químicos subjetivos] do desejo de me aproximar mais das imagens [pensadas,
faladas, disparadas, clicadas, …]. Por isso [cara, caro leitor] não leia as linhas desse texto com
imagens pré [disparadas] concebidas sobre arte e a linguagem da fotografia – da luz e
escuridão. Convido-o a fechar os olhos e experienciar outras imagens. Convido-o/a para não
desistir dessa leitura, e a usar essas linhas [que se fazem encontro nesse existir] para
rendi[o]lhar os pontos que ficam soltos nesses frag[por]men[ores]tos.
11

“... Vento que vem,/pode passar/inventa fora de mim/outro lugar” [Vitor Ramil]


[In]ventando outro lugar



       Para se abrir a experimentação proposta e comigo tecer o movimento desse texto é
necessário inventarmos um outro lugar. Khoury [2009], citando Pina Bausch, diz que é
necessário “encontrar uma linguagem para aquilo que não pode expressar de outra forma”
[p. 14], encontrei essa outra linguagem no jogo, na verdade no encontro, que as palavras e
conceitos fizeram.
       Esse encontro das palavras criou um outro lugar, uma inven[to]ção. Uma brincadeira.
Nessa brincadeira os conceitos se apresentarão e se misturaram. O Rendilhar, transformou-se
em rendi[o]lhar, o movimento em mo[v]im[ento], a Cartografia em Car[fo]tografia, a
fotografia em fo[car]tografia, os fragmentos que buscamos em pormenores e os pormenores
em fragmentos – frag[por]men[ores]tos.
       As palavras começaram a dançar juntas, coladas, tecidas, costuradas uma na outra.
Elas abrem novas janelas, novos colchetes. Elas voam ventadas. Elas restam.
12

# Pensam[v]entos II

20/12/10 – [an]danças




                                     # Pensam[v]entos III

                                         04/04/11 –
                                    No porvir do silêncio
                                         dançamos
                                 na cartografia do invisível,
                              para a qual é preciso fabricar-se




# Pensam[v]entos IV

26/06/11 – dança da chuva




                                                                                      # Pausa

                                                                  09/07/11 – Fumaça que dança
              “então comecei a fazer desenhos verbais de imagens” [Manoel de Barros, 2010]
13

Para um futuro dicionário de palavras brincadas: um breve glossário



        Para entendermos essa dança e continuar a tecer esse outro lugar seguimos na
brincadeira com as palavras, e antes de [rendi]olhar as imagens fo[car]tografadas, podemos
puxar uma linha mais colorida dando mais cor a essa costura. Tecidos coloridos que são
conceitos, noções, restos.
                                                     ..
                                                     .
                                                     .
#Do Sustenido

        Como já vens percebendo estou usando o símbolo #, o nome desse símbolo é
sustenido. É muito usado na música e nos teclados [computador, celular, ….]. Segundo a
Wikipédia3, “Em música, o sustenido é um acidente que, tendo seu sinal de notação (#)
colocado à esquerda da nota, indica que a altura desta nota deve ser elevada em um
semitom. A Presença do símbolo sustenido produz modificações nas notas...”. O sustenido [#]
eleva o tom, usamos ele aqui para dar um outro tom, um meio tom, uma diferenciação para as
palavras conceitos utilizadas e para as entradas dos textos. O # é a entrada de um pormenor,
daquilo que chama a atenção, que marca, que possibilita um outro[meio] tom.


# Do Movimento

        A forma como venho pensando, o[rendi]lhando a Residência4, é em mo[v]im[entos].
As imagens mudam, se formam e transformam em outras, movimentando-se. A cada
interstício do olhar uma nova imagem. A cada disparada, piscada, dos nossos olhos imagens
entram na gente por todos os lados. Nesse movimento de disparar, de piscar muitas imagens
ainda se perdem, das coisas que não conseguimos ver. O vento sempre esteve presente através

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Sustenido
4 A Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva (RIS) pertence às atividades de ensino
coordenadas pela Faculdade de Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estando sob a
coordenação técnico-científica do EducaSaúde – Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em
Saúde que apresenta inserção junto à Área de Educação em Saúde, no Departamento de Ensino e Currículo, e à
Linha de Pesquisa Psicopedagogia, Sistemas de Ensino/Aprendizagem e Educação em Saúde, no Programa de
Pós-Graduação em Educação, além de ações interunidades de ensino na Universidade, como aquelas com o
Instituto de Psicologia e Escola de Enfermagem. A RIS foi meu espaço de pesquisa, e meus colegas residentes os
colaboradores que se aventuram a experimentar essa pesquisa de afecção chamada fotografia cartográfica.
14

desse movimento de disparar [olhar].
        Brissac [2000], em um texto5 falando sobre o Filosofo[tografo] Bavcar, diz que


                           “Evgen Bavcar não pode ver e, portanto, se utiliza de outras maneiras de perceber.
                          Apela para outros sentidos. Existe uma discrição lindíssima que ele faz do seu
                          trabalho, dizendo o seguinte: “Eu fotografo contra o vento”. Fotografar contra o
                          vento significa fazer com que o vento recorte a posição das coisas. Indique para ele
                          onde as coisas estão e qual o perfil que elas têm. O vento traz o cheiro que as coisas
                          têm, o ruído ambiente que emitem. O vento faz ver.”



        Para mim o vento também faz ver, e esse vento é movimento – mo[v]im[ento]. Esse
ver com outros sentidos nos desloca para outras janelas a todo tempo, possibilita a costura
com linhas diferentes, multicolores.
        Ao pensar nesse termo composto de movimento e vento surgiram outras partituras 6
    •   vento
    •   mim
    •   momento
    •   invento
    •   vi
    •   vim
    •   move
    •   movi [de filme, de andar]
    •   tô [implicação, presença]
    •   vêm [implicar outros]
    •   é deixar-se levar pelo que se passa e pelo que passou.

        Apenas algumas das possíveis leituras que podemos fazer nesse deslocamento do
mo[v]im[ento].
                                                     ..
                                                     .
                                                     .



5 Fotografando contra o vento, página 41, in BAVCAR, Evgen. O Ponto Zero da Fotografia. Rio de Janeiro,
2000.
6 Na Livraria Palavraria numa co-orientação com Mayra Redin – 17.08.11
15

# Do Filosofo[tografo]


        Já que falamos desse Filosofo[tografo] Evgen Bavcar e é importante dizer quem ele é.
E por que apenas ele? Acredito que os outros autores, interlocutores, teóricos que
acompanham a costura dessas linhas não tem a peculiaridade do olhar que esse
Filosofo[tografo] têm.
        Bavcar é um fotógrafo-artista-filósofo-poeta7 cego. Ele não nasceu cego, foi perdendo
a visão após dois acidentes consecutivos. Ele pode enxergar até a idade de 11 anos. Belloc,
nos conta esses dois acontecimentos em sua dissertação 8 de mestrado,

                          “Como já afirmamos anteriormente, foi a partir de dois acidentes subseqüentes que
                          ele tornou-se privado da visão física: aos dez anos perde a visão do olho esquerdo,
                          acidentalmente, num choque com um galho de árvore enquanto brincava; aos onze
                          anos sofre o segundo acidente, com a explosão de um detonador de uma mina
                          terrestre, quando fere o olho direito, cuja vista vai gradativamente enfraquecendo,
                          até perdê-la por completo com doze anos.” (p. 61)


        Elida Tessler [1998] complementa essa fala de Belloc [2005] dizendo que “Durante o
intervalo entre os dois acontecimentos, Bavcar diz ter observado o mundo apenas com um
olho só. Experiência monocular, aprendizado de miradas certeiras, talvez.” e continua
contando que

                          em seus escritos, ele nos conta: "Eu não fiquei bruscamente cego, mas pouco a
                          pouco, com a passagem dos meses, como se se tratasse de um longo adeus à luz.
                          Desta forma, tive eu todo o meu tempo para dar conta do vôo dos objetos mais
                          preciosos, as imagens dos livros, as cores e os fenômenos do céu, e lhes carregar
                          comigo em uma viagem sem retorno. Talvez tenha sido uma sorte que isto tenha se
                          passado lentamente. Talvez tenha sido somente o cinismo do destino que tratava
                          deste retardamento. Espero não ser nunca obrigado a responder estas questões de
                          modo preciso. [in BAVCAR, Evgen. Le voyeur absolu. Paris, Seuil, 1992. P.8]9 "

        A aproximação com esse filosofo[tografo] se deu nas conversas com Károl e Mayra, e
após aprofundar-me em suas leituras [sem esgotar ainda a arqueologia da luz desse autor], e
pela construção desse texto, fui convidado a ajudar em um curso de extensão na UFRGS
chamado “Experimentações Fo[car]tográficas e Deficiência Visual: um cOntra-sensO?” 10.

7 TESSLER, Elida. Evgen Bavcar: silêncios, cegueiras e alguns paradoxos quase invisíveis. Porto Alegre:
Revista Porto Arte, vol.9, 1998.
8 BELLOC, Márcio M. Ato Criativo e Cumplicidade. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. UFRGS, 2005.
9 TESSLER, Elida. Evgen Bavcar: silêncios, cegueiras e alguns paradoxos quase invisíveis. Porto Alegre:
Revista Porto Arte, vol.9, 1998.
10 Os textos são do blog http://experimentacoesfotograficas.blogspot.com/view/classic
16

       Nesse espaço rico na produção de imagens e pensam[v]entos fui costurando outras
perguntas que se incorporaram ao meu texto. Algumas das questões pensadas partiram da
leitura desse filosofo[tografo]: Como se forma a imagem? Como construímos as imagens?
Como compomos imagens com os outros sentidos, como nosso corpo?
       Daniele Noal Gai, apresenta esse curso dizendo que ele

                      ::Objetiva-se experimentar as maneiras culturais de olhar e seus efeitos sobre
                      sujeitos. Propõe-se a produção de um espaço em que a fotografia possa ser composta
                      por imagens do cotidiano e feitas por pessoas com deficiência visual, e que não
                      necessariamente tenha fim de representação, de catalogação, de legenda ou
                      ilustração, mas, sim, de impressões de vida, de fluxos narrativos...
                      ::Quer-se: tornar pensável o que vemos e o que nos olha. Quer-se: tornar visível o
                      como somos vistos por aquilo que vemos. Intenta-se: uma aproximação com um
                      grupo de pessoas que interessam-se por [i]visualidades e/ou [in]visibilidades e/ou
                      [i]foco. Tensiona-se: a exploração e materialização de sentidos através da fotografia.
                      Dispara-se: a produção de artefatos visuais e experimentação da cultura visual.
                      Busca-se e perde-se: sentidos possíveis entre a visão, a cegueira e a [in]visibilidade.


       E Felipe Leão Mianes fala da sua experiência [como fotografo com baixa visão]


                      Mas, a bem pouco tempo e através dos textos de Evgen Bavcar, um grande fotografo
                      cuja cegueira lhe confere uma percepção estética diferente, percebi que a imagem
                      não é uma questão do que se enxerga, mas sim, de como se produziu aquilo que
                      construímos como imagem. Em um primeiro momento, o que sinto quando me
                      descrevem uma imagem é o que terá deixado de ser dito, será que é do jeito como
                      me foi dito? Pois é, a fotografia tem o poder de demonstrar como uma mesma coisa
                      pode ser tão diferente, quando sua imagem é construída por indivíduos diferentes.


       Esse espaço de pensar, de fo[car]tografar contribui para conhecer novos olhares sobre
a questão da imagem e da produção dela. Foi um curso de extensão curto, com três encontros,
mas que conseguiu mexer com os sentidos, proporcionando esse Contra-Senso, esse lugar
dentro [ou afora como nos diz Letícia Boari Gomes]

                      Pensei-senti algo assim ó:
                      Olhar cartográfico que busca
                      os sentires produtores de sentido trans-figuradas em imagens-sensação
                      no (des)enfoque criador de cartografias de si
                      lugar-comum-afora
17
18

# Do Rendilhar


        O Rendilhar floresceu na nuvem digital [em um e-mail recebido e perdido pelo
tempo] onde a palavra pontuava o texto de uma forma delicada e sutil. Fo[car]tografada
permaneceu como imagem guardada no baú de recordações. Ao deparar com a escrita desse
texto ela surgiu como Ponto, como uma linha necessária a costura desse e[in]scrito, e esse
ponto se fez renda.


Segundo o dicionário11 #Rendilhar:
ren.di.lhar
[rendilha+ar²] vtd

1. Adornar com rendilhas.

2.Adornar em forma de renda.

3. Embelezar, florear: Rendilhar a linguagem, o estilo.

4. Recortar: “Rendilhar papéis para a prateleira” (Morais).

5. s.f Diminuitivo de renda. Certo tipo de renda muito delicada;


Renda:
      2
ren.da
1. sf . Obra de malha feita com fio de linha, seda, ouro ou prata, apresentando desenhos mais
ou menos caprichosos, que serve para guarnecer peças de vestuário, roupas de cama etc.

2.v.t. Ornar com rendilhas ou com lavores delicados;

3. s.f. Tecido leve e transparente feito com fio de linho, seda, algodão, etc., que serve de
guarnição a vestidos, toalhas e outras utilidades.



        Car[fo]tografando pensam[v]ento com o texto em que estamos e numa metáfora com a
Residência que estou inserido, penso que nossa formação se pontua no agenciar processos


11 Dicionário Online Michaelis – UOL - http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?
lingua=portugues-portugues&palavra=rendilhar
19

subjetivos com delicadeza produzindo sentido com quem trabalhamos e convivemos, ou seja,
Rendilhamos processos de formação e de aprendizagem, estamos em permanente processo
de formação e de aprendizagem [e os que nos acompanham - sejam eles usuários, moradores,
trabalhadores, tutores, também o estão] costuramos com delicadeza, recortamos com leveza e
juntamos esse pequenos pedaços [pormenores] da nossa formação, do que somos, dos com
que trabalhamos, em uma colcha multicolorida de Mo[v]im[entos] subjetivos.

                                                 ..
                                                 .
                                                 .
#Da Cartografia

                                                                                    #Pensam[v]entos V
        11/04/11 - Cartografia (qualitativa) – Suely Rolnik – a cartografia é um desenho que
   acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. A
           cartografia toma como procedimentos a interação e o nomadismo, a implicação e
                                      capacidade de afetar e de se deixar afetar (afetivação).

       Para fazer toda a costura, toda a junção dessas linhas coloridas, precisava de um
método, de uma ferramenta, da agulha certa a essa tecitura. A cartografia mostrou-se como
essa agulha.
       A Cartografia é um método proposto por Gilles Deleuze e Felix Guattari e vem sendo
utilizado em pesquisas de campo voltadas para o estudo da subjetividade. Visa acompanhar
um processo, e não representar um objeto. Trata-se sempre de costurar e de investigar um
processo de produção. O pesquisador na Cartografia é um Cartógrafo que se faz na pesquisa,
constrói seu cartografar a partir dos passos dados no cotidiano, dando vazões a outras
linguagens estéticas, capturando as sensações através do corpo e do olhar.

                       “o cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar,
                       devorar e desovar, transvalorado...tudo o que ele quer é dar língua para os
                       movimentos do desejo...E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao
                       mesmo tempo,inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem...dele
                       se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que,
                       atento as linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis
                       para a composição das cartografias que se fazem necessárias.” (ROLNIK, 2006, p.
                       23).


       Numa cartografia, o cartografo acompanha e transforma o que se conhece. Cartografar
é sempre um ato de criação, de produção de novos sentidos. A Cartografia é mais um modo de
20

sistematização de conhecimento, onde a produção está sempre associada a arte e a implicação
do autor/cartógrafo/pesquisador se faz presente do inicio ao fim da viagem rabiscando
anotações soltas em seu caderno, não como simples observador da janela de um ônibus, ao
contrário, vivenciando cada trajeto. Para BAREMBLITT [1998] “A cartografia é um mapa-
relato, objetivo e subjetivo, que expressa a singularidade desta viagem, embora sirva a outros
´para construir sua própria trajetória, sempre experimental, sempre aventureira´”.

        O conceito de Cartografia aproxima-se muito ao de Rizoma. Segundo Passos e
Benevides [2009] a Cartografia é um método de pesquisa-intervenção, que não se faz por
regras já prontas nem com objetivos já estabelecidos, mas nem por isso, é uma ação sem
direção, ela reverte o sentido tradicional da pesquisa mas não abre mão dos processos de
orientação e do percurso de uma pesquisa. Dizem eles ainda, que toda pesquisa é uma
intervenção, e nisso “a cartografia como método de pesquisa é o traçado desse plano da
experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do
conhecimento) do próprio percurso da investigação” (p. 17-18).
        Essa agulha possibilitou costurar novas linhas, produzindo subjetividades, se afetando
no anda[nça]r que essa abertura metodológica permite. Abertura que é possível juntar termos
Cartografia e Fotografia – Fo[car]tografia/ Car[fo]tografia.
                                                     ..
                                                     .
                                                     .
# Da Fo[car]tografia – Car[ fo]tografia: descobertas e encontros
        Nessa brincadeira de tecer essas linhas diferentes fui procurar na nuvem [internet] o
encontro desses dois termos, para ver se alguém já tinha pensado em uma “Cartografia
Fotográfica”. Poucos foram os textos e artigos que traziam a aproximação desses conceitos.
A brincadeira com os dois termos, mesclando-os fo[car]tografia e car[fo]tografia, trouxe
uma descoberta interessante. Do encontro de um artigo e o “[c]li[n]k” na nuvem [internet] de
outros encontrou-me o texto:
                           Para a sua execução foi utilizado o método carto(foto)gráfico, que é a junção dos
                           dispositivos cartografia e fotografia, apresentado por Orsolin (2008), em uma
                           pesquisa realizada. Para a autora, a carto(foto)grafia pode ser utilizada como
                           dispositivo de encontro, onde coloca-se o sujeito da pesquisa a problematizar suas
                           vivências e dar significados à elas. (RIBEIRO; SOUZA) 12


12 RIBEIRO, Daniela de Figueiredo; SOUZA, Elaine Cristina de. Disponível em:
http://unifacef.com.br/novo/xi_encontro_de_pesquisadores/Trabalhos/Encontro/Elaine%20Cristina%20de
%20Souza.pdf . Acesso em 03 de Out de 2011.
21

        Para minha surpresa alguém já havia brincado com os termos. Fui a procura de Orsolin
[2008] e descobri, através das redes sociais, que a autora mora na mesma cidade que circulo
toda a semana, cidade essa que foi campo de trabalho na Residência, e onde muitas imagens
foram pensadas, clicadas, experienciadas e vivenciadas [Novo Hamburgo]. Surpresa.
Descoberta. Encontros. A nuvem [internet] havia me aproximado do conceito que estava a
trabalhar.
        Ao ler [Luciana Trombini] Orsolin13 [2008] descobri que para ela


                          A imagem cria uma serie de mensagens as quais o texto por vezes não consegue
                          produzir, do mesmo modo em que a fotografia coloca o fotógrafo no encontro com o
                          cenário a ser capturado. Assim conectamos a cartografia e a fotografia uma
                          permeando a outra, pelos encontros que estas promovem e pela multiplicidade de
                          universos mutantes a serem capturados. A essa conexão da cartografia com a
                          fotografia, nomeamos de “carto(foto)grafia”. (p. 20-21)


        Diz ela ainda que “a Fotografia assim possibilita que a leitura do cartógrafo,
permeada pelo próprio fazer cartográfico bem como pelo olhar daquele que produziu a
fotografia, possa desenhar em certa medida os processos que estão em produção nestes
encontros” (pg. 23) .
        Nos encontros a brincadeira de criar o novo vai se rendilhando. Fico pensando nesses
encontros que acontecem, nas possibilidades existentes entre […] - dois colchetes. Muitos são
os possíveis, acredito eu. Nossas vidas, nossos processos de formação são feitos de
experiências, de experimentações, de pequenos fragmentos e pormenores.
        Somos atravessados por muitos encontros [físicos, virtuais, fotográficos, textuais, ..], e
são esses encontros que possibilitam os Mo[v]im[ento]s e as Car[fo]tografias de nossa
escrita de vida, da boniteza de nossas tecituras e escrituras.
                                                    ..
                                                    .
                                                    .




13 ORSOLIN, Luciana Trombini e TOROSSIAN, Sandra Djambolakdjian. Carto(foto)grafando o encontro de
migrantes brasileiros com a China. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Psicologia da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, Jan/ 2008.
22

#Do Fragmento

Sob a forma de pensamento-frase, o germe do fragmento nos vem em qualquer lugar: no café, no trem, falando
com um amigo (surge naturalmente daquilo que lê diz ou daquilo que digo); a gente tira então o caderninho de
apontamentos, não para anotar um “pensamento”, mas algo como o cunho, o que se chamaria outrora um
“verso”. [...] o fragmento (o hai-kai, a máxima,o pensamento, o pedaço de diário) é finalmente um gênero
retórico, e como a retórica é aquela camada da linguagem que melhor se oferece à interpretação, acreditando
dispersar-me, não faço mais do que voltar comportadamente ao leito do imaginário. (Barthes, 1977, p. 102-103)


        No processo de olhar os pormenores que se apresentavam no cotidiano dos dias, e com
o pensamento voltado para a escrita desse texto, encontrei um livro chamado “De um
fragmento ao outro” de Jean Baudrillard [2003]. Não o conhecia, mas resolvi comprar e ler
os fragmentos que ali estavam. O livro é uma entrevista. Mais tarde pesquisando sobre o
autor, descobri que o mesmo gostava de fotografar e pensava sobre o uso da imagem na
[pós]modernidade. Além dessas aproximações outro encontro se deu no uso do Barthes
[1977] para pensar a imagem e a fotografia, mas também cita-o para falar dos fragmentos

                            O fragmento tem seu ideal: uma elevada condensação, não de pensamento nem de
                            sabedoria ou de verdade (como ocorre com a máxima), mas de música: ao
                            “desenvolvimento” se oporia a “tonalidade”, alguma coisa de articulado e de
                            cantado, uma dicção: aí deveria reinar o timbre. [p. 33]

        Lembrei-me de Preciosa (2010)
                           “a ideia de fragmento arrasta consigo o incômodo da incompletude. Além dessa
                           sensação de incômodo, pode também gerar um grande desconforto: pensamentos
                           fragmentários não asseguram àquele que lê a exposição clara de um percurso teórico,
                           de um sítio de onde se parte. Que espécie de segurança pode oferecer um texto
                           fracionado, aos pedaços, que insiste em ir ao encontro do que é episódico,
                           descontínuo, dissipatório, efervescente, quase informe? Para alguns, talvez seja
                           frustrante enredar-se numa viagem desse tipo. Entretanto, se acolhido, o fragmento
                           pode nos surpreender”. (p. 23)



        Essa autora ainda nos diz que temos que começar pelo meio e “incorpora sem culpa a
'doida poligrafia14' de uma caderneta de apontamentos solta em campo” (p. 24). São
fragmentos que nos constituem enquanto sujeitos de uma [e](in)scrita de vida. Preciosa ainda
fala, citando Denílson Lopes [Nós os Mortos], que


                           “o fragmento é para o pesquisador o que o sample é para o músico: um exercício de
                           liberdade, mais um elemento desmantelador da noção de autoria, ao representar a
                           criação como um jogo de pirataria, uma colagem feita por Djs”.



14 A autora utiliza-se de um conceito de Roland Barthes.
23

       Aventurar-se a pensar em uma escrita através dos fragmentos, ou dos pormenores,
pode ter sido arriscado, não seria mais pelo fato de ter encontrado interloc[a]utores que
dialogavam comigo, como o caso desses dois citados acima.
       Continuando com Baudrillard ele diz que “os objetos se transformam, quando são
vistos no detalhe” (p. 34) e prossegue


                         o fragmentário resulta da vontade não só de destruir um conjunto, mas também de
                         enfrentar o vazio e o desaparecimento […] Deveria ser efetuado também um
                         paralelo com a fotografia: a imagem como espaço por excelência do fragmento, de
                         um mundo des-finalizado. A imagem pode voltar a ser o espaço de uma moral, de
                         uma ideologia, mas a fotografia [...]parece ter um privilégio semelhante ao do
                         fragmento, não só pelo corte, mas também pelo silêncio, pela imobilidade e por
                         estar, à semelhança do fragmento, ligada a um suspense, algo que não está
                         elucidado e não se encontra aí por acaso. (p. 42-43)


       Vilela [2010] fala que “essa fragmentação passa pela compreensão da singularidade”
(p.322), e diz que a fotografia “é um gesto de fazer visível a ausência através de fragmentos
que constituem uma experiência” (p. 327). Viver essa fragmentação é viver as subjetividades
singulares das experiências cotidianas [fragmentos de cotidianidade 15].
       Incompletude [para Preciosa] vazio, suspense [para Baudrillard], ausência [para
Vilela], pormenor, acaso [para o Barthes]. Creio que o fragmento – frag[por]men[ores]tos,
nos abre muitas janelas para pensar, nos proporciona uma parada para ver [para fechar os
olhos e ver melhor].
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#Do Pormenor

       Chegamos ao final dessa costura, depois dela podemos dar um tempo, respirar olhar,
esticar os dedos.
       Para mim toda essa brincadeira de pensar palavras, ideias, conceitos me levou a
demorar-me mais na palavra pormenor.
       No dicionário16
       por.me.nor

15 CORAZZA, Sandra M. Introdução ao método biografemático. In FONSECA, Tânia M. G; COSTA, Luciano
   Bedin (org). Vidas do Fora habitantes do silêncio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010.
16 Dicionário Online Michaelis – UOL - http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?
   lingua=portugues-portugues&palavra=pormenor
24

       sm (por+menor) Minúcia, minudência, particularidade.
       Capturado de uma palavraimagemfotografada de Barthes [da Câmara Clara, 2009], o
pormenor levantou-se do escrito textual e caminhou na dança das linhas. Barthes sempre ao
tratar do     punctum [que para ele são pontos, feridas, marcas, picada], falava antes dos
pormenores.
       Para Redin [2007] “Barthes refere-se ao punctum como um acaso que salta de uma
imagem - no caso de seu estudo, da imagem fotográfica - algo que fere, que punge, um
detalhe não-organizado por uma lógica.” É nesse detalhe que se vê o pormenor, é a partir
dele que o olhar atravessa as fotos, dando existência ao punctum.
       Esse pormenor [fragmento] que pontua, fere, atrai, marca, que atravessa os processos
cotidianos de nossas vidas, rendilha Mo[v]im[ento]s e car[fo]tografias nos processos de
formação. Esses processos, essas imagens em fragmentos, essa experimentação cotidiana que
nos cansa, que nos afeta, que se faz marca em nossos corpos e em nosso existir é um
#pormenor. Esse conceito molhou meu corpo, me coloriu, me afetou [o #punctum
Barthiano].


                        “Nesse espaço habitualmente unário, por vezes (mas, infelizmente, raras vezes) um
                        <<pormenor>> chama-me a atenção. Sinto que a sua presença por si só modifica a
                        minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um
                        valor superior. Este <<pormenor>> é o punctum (aquilo que me fere)....Do ponto de
                        vista da realidade (…) toda uma causalidade explica a presença do <<pormenor>>
                        (…) o pormenor é dado por acaso e mais nada...” [Barthes, 2009, p. 51]



       Esses #pormenor[es] dados por acaso, que ferem nossa atenção, machucam nossos
olhos, nossos corpos é o que nos impulsiona a clicar [disparar] fotos apenas pensadas [apenas
imaginadas]. Ficamos com essas imagens em nossas mentes [in]visível, nos mo[v]im[enta]
para o cotidiano de nossas vidas. Nos da força para caminh[danç]ar.
       As imagens se comunicam com nossos corpos “tudo o que podemos dizer é que o
objecto fala, induz, vagamente, a pensar” [ibden. p. 47] nos atinge com seu #pormenor, nos
fere. Grita em silêncio dentro de nossos olhos [na invisibilidade das cores], provoca
estreme[nas]cimentos, “o que eu vejo é o pormenor descentrado” [ibden. p. 60]. Nas
correrias do cotidiano olhamos sem ver. Não deixamos as imagens entrar, não deixamos as
imagens pensadas saírem.
       Barthes fala que devemos “nada fazer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba
sozinho à consciência afectiva”[ibden. p. 64], dar tempo a essa #pormenor é deixar o “olhar
25

tátil” de Bavcar [Memória do Brasil, 2003] nos guiar, ser também uma câmara escura, fazer
as imagens pensadas palavras, “olhar com nossos próprios olhos, por mais frágeis que
sejam”[Bavcar, p. 140].
        Abrindo-me para meus próprios olhos [tentando enxergar com o corpo, fechando os
olhos] um #pormenor “entrepalavras” [Bavcar, pg 120] emergiu de um poeta [Manoel de
Barros, 2010] e fo[car]tografou que “Imagens são palavras que nos faltaram./Poesia é a
ocupação da palavra pela Imagem./Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser./Acho que o
nome empobreceu a imagem” [do poema Uma didática da invenção, e, O guardador de
águas].
        Nesses mo[v]im[ento]s de pensar o que [não] olhamos, e de que forma [não] olhamos,
esse poeta brincou com a palavra e a imagem. Bavcar fala que as vozes fazem ressuscitar as
imagens, e que as vezes “as palavras se vão como os instantes que elas enfeitaram.” [p.
130], creio que as imagens enfeitadas, suadas, sofridas, alegres, aquelas que disparam nossos
dias para outros possíveis, outras janelas, permanecem guardadas e saltam ao nosso corpo
[num olhar tátil] com os #pormenores nos encontros cotidianos.
        Abrir. Fechar. Capturar. Disparar. Palavra. Imagem.
        Estar aberto ao #pormenor, dar atenção a ele, olha-lo com mais delicadeza, é o que
convoca a essas experimentações fo[car]tográficas. Vivenciar esses #pormenores no nosso
cotidiano dando existência é significar os pequenos processos que vivenciamos e
experienciamos.
        E esse processo, essa costura de pormenores eu chamo de Pedagogia dos
Pormenores17.




17 A primeira vez que olhei/li esse conceito foi na dissertação de mestrado de uma amiga, Patricia Dalarosa –
   Pedagogia da Tradução: entre bio-oficinas de filosofia [2011]. Ela apontou esse conceito, fui atrás, mas nada
   achei, algo sistematizado, de dito, de escrito. Quem sabe seja por que esses pormenores sempre estão
   inacabados, sempre estão caminhando pelo meio. E assim continuo com uma Pedagogia dos Pormenores,
   escrita pelo meio.
26




 II PARTE

Dos Olhares
27




               Dos Pormenores Fo[car]tografados
Fo[car]tografia de Elisandro Rodrigues [2011]
28

Rendi[o]lhando Pormenores Fo[car]tografados


        As capturas fotográficas constituem a cartografia dessa pesquisa-intervenção.
Cartografar cenas/imagens e narrá-las/contá-las é sistematizar os percursos da
formação no/do cotidiano, construindo e revisitando uma nova linguagem de comunicação,
novos possíveis de pensar e escrever, de falar de Educação e Saúde. É optarmos por parar e
olhar os pormenores que caminham conosco.
        Cada um dos sujeitos que participou desse processo de pesquisa-intervenção, e me
incluo nesses sujeitos como cartografo, assim como“Bavcar tira fotos do meio, de dentro,
não de fora. Ele não se afasta para ver as coisas, ao contrário, ele está mergulhado nas
coisas.” (Brissac, 2000, p.40), esses sujeitos estão dentro, e como pesquisador cartografo me
lanço a esse mergulhar dentro das imagens, dos pormenores fo[car]tografados.
        Cada um desses seis sujeitos que aceitaram se experimentar [Iago, Graciela, Cristiane,
Diego, Henrique e Leonardo] fazem recortes, enquadramentos de seus dias, do seus
cotidianos, nos mostrando através de imagens e palavras os pormenores da formação da
Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva. E junto com esse contar
deles vou lembrando de histórias vividas, mergulho nessas reminiscências e [com]partilho
esses pormenores de formação.
        Cada um dos seis que se experimentarão tiraram oito fotografias com uma Máquina
Fotográfica Analógica [MFA], em tempos diferentes. Alguns demoraram mais que outros,
alguns demoraram-se mais no pensar,“no fundo, a Fotografia é subversiva não quando
assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa” [Barthes, 2009, p. 47]. Para
alguns esse tempo de pensar foi difícil, o clicar apenas oito fotos, o que enquadrar, o que
contar, quais pormenores focar. Nesse tempo de espera rendilhei mapas 18 que contam dos
meus pormenores de formação. Costurei recordações e histórias, colei mosaicos de vida.
        Essa espera foi uma das intervenções. O não ver a imagem clicada, focada, não ter o
visor digital, não poder apagar. Esperar para os sais de prata agirem e mostrarem a luz e
escuridão das imagens. Em tempos onde não paramos, o parar para pensar a imagem, o parar
para esperar a imagem mostra-se [mostrou-se] difícil. O parar para ver, parar para escolher
das oito fotos apenas três [alguns escolheram quatro]. O parar para escrever o que não está

18 Os mapas não terão legendas, as legendas estão nos fragmentos pincelados e colados. Os mapas contam
histórias minhas, histórias desses quase dois anos de Residência, e vão de encontro às imagens clicadas. Essas
imagens, fo[car]tografadas terão legenda dadas pelos olhos e mãos que a tiraram.
29

escrito nessas imagens19. Parada está que proporcionou escrever muito mais do que o pedido.
As imagens abriram o baú das memórias e outros pormenores foram contados. Vilela [2010]
nos fala que


                           “A importância da imagem fotográfica não reside na afirmação representativa ou na
                           expressão narrativa de um facto, mas na ruptura de uma ordem discursiva: numa
                           imagem onde os corpos que resistem irrompem como um gesto que rasga o olhar.
                           Em Sobre a fotografia, Susan Sontag assinalou que fotografar é, em si mesmo, um
                           acontecimento. A fotografia parece permanecer para além do acontecimento
                           fotografado, conferindo-lhe uma certa imortalidade e importância (…) Uma vez que
                           vemos, queremos ver mais. Queremos ver o que se mostra, o visível, mas também o
                           que se oculta, pois o escondido fascina.” (p. 322)



        Ela continua dizendo que “o olhar demora-se na imagem de um olhar que se
abandona (…) as imagens solicitam-nos o olhar e a profundidade do ver” (p. 319). Foi esse o
desafio apresentando a essa pesquisa-intervenção: disparar o olhar para o sensível e o delicado
das experiências de trabalho dos Residentes e seus processos de formação. A autora citando
Blanchot nos convoca a fazer visível a ausência. Dentro de um processo de formação que
busca desinstitucionalizar saberes a visualização dessas imagens e práticas é a afirmação de
mosaicos e fragmentos vivos, vibráteis. Ao parar para pensarmos as imagens/cenas de práticas
e de experimentações de mundo é tornar visível a ausência.
        Com os textos, mapas, fo[car]tografias queremos mostrar o [in]visível, mostrar os
pormenores de nossa formação e pensarmos nessa Pedagogia dos Pormenores, convido-o[a]
para fecharmos os olhos e rendi[o]lhar esses pormenores que se fazem [in]visível.




19 Segunda questão geradora, depois de verem suas fotos contar “o que [não] está e[in]scrito na imagem que
   você gostaria de contar [sobre o processo de formação]?”
30

#Nota de entrada

As falas das imagens serão em ordem:
primeiro sempre a imagem pensada e escrita,
segundo a escrita disparada da imagem.
Em itálico o pensam[v]ento desses interlocutores [os que me ajudam a intervir e os teóricos],
o texto normal se apresenta como meus pensam[v]entos.
As datas entre [ ] são datas dos pensam[v]entos anotados, cartografados em papel ou no
display do celular.




                                                       ..
                                                       .
                                                       .




# Dos fragmentos iniciais
27/04/11 – Nas falas dos residentes as práticas pedagógicas e as bandeiras da reforma.
Uma imagem e uma história.
Se você pudesse pegar uma imagem da Residência e congelar 20, qual seria?
Contar um pouco das práticas durante esse período da Residência.



20 Primeiro termo usado para a Primeira pergunta geradora, depois o termo foi substituído por fotografar.
31
32

# Dos versos no caminho 1
19/01/11 – O verso [Mario Quintana]
o verso é um doido cantando sozinho
seu assunto é o caminho.
E nada mais!




                      Fo[car]tografia de Elisandro Rodrigues [2011]– Dos versos no caminho




         12/08/11 – Demorei-me um pouco mais em cada percurso ao acordar: perdi o ônibus!




#Dos versos no caminho 2
O caminho, a estrada, a rua [o fora]
Paisagens fo[car]tografado [por todos]
Das entradas e saídas nos ônibus [nos trens]
Se faz mapa, marcando datas, dias [dois anos]
33

#[i]m[a][g]em[o] – das fotos que contam

“Uma foto do lugar, mas com as histórias e estórias daquelas pessoas que nos receberam. Tal
foto, se revelada, deveria possuir muita luz, de sol a pino, céu azul com poucas, mas densas
nuvens; ao fundo um morro, alto e seco, com muitas plantas e uma aquarela de tons pastéis,
seco. A frente desse morro, um casebre branco, descascado, de material, a escola. Uma
árvore ao lado, oferecendo sombra e alívio. Chão de terra clara, mais parecido com areia.” 21

                                                  ..
                                                  .
                                                  .


[Iago pensa a imagem, e junto com a imagem lembra dos momentos que se passaram antes,
durante e depois de fo[car]tografar em seu memória - “uma senhora chamava atenção: a
curandeira do local” - conta das práticas diferenciadas de saúde, das contradições do sertão -
“uma menina do acampamento nos acompanhou até a barragem de Sobradinho, um
contraste gritante entre seca e o mar d'água do Rio São Francisco” - "O sabiá no sertão
Quando canta me comove, Passa três meses cantando, E sem cantar passa nove, Porque tem
a obrigação, De só cantar quando chove”22.
Iago questiona “não há como dizer o que não há na foto sem dizer aquilo que mais se faz
presente nela […] Escrever sobre as imagens é uma outra foto e, por mais esforço que se
coloque, minha escrita só consegue se aproximar em apontamentos.” Nossas escritas e
imagens são apontamentos, são fragmentos do inacabado, do que está sempre em processo,
dos devires.]

                                                  ..
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[Somente o tempo pode gerar uma imagem perfeita. Mas ao criar uma imagem, que tipo de
perfeição buscamos? Como estabelecer o que confere o imperfeito e o perfeito de uma
imagem? Deixar cair um pingo de tinta no chão já é construir uma imagem. Movimentar os
braços levando o pincel a tela faz parte da coreografia desta construção. Todo gesto produz
imagens, umas mais visíveis que outras, mas todas em movimento. Elas não param de se
deslocar, mesmo quando tentamos fixá-las com o nosso olhar. - TESSLER, 2010, p. 293]

                                                  ..
                                                  .
                                                  .




21 Imagem recordada durante a XI Reunião do Fórum Nacional de Residentes [FNRS]: Ressignificando nosso
   papel e nossa luta no sertão do Velho Chico – em Juazeiro/BA.
22 Chover (ou a invocação para um dia líquido) – Cordel de Fogo Encantado.
34




                                             Da janela do ônibus o Hospital Psiquiátrico São Pedro
                                                          Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011]


#Das Janelas I
“O que não está … é o mais presente: a história do São Pedro”
[Fico pensando em [18/12/10] Como poderia chover flores onde pouco chove água? [André
Neves] nas [09/07/11] rachaduras – cabeçadas na parede?Percurso. Deslocamento. Partitura.
Morada São Pedro – caleidoscópio ou [01/12/11] “Se necessário”?]“materialização gritante
de uma das faces do processo de exclusão insuperável nesse modo de produção; trabalho e
formação durante dois dias da semana ao longo de um ano”.

                                a janela some na parede
                                a palavra de água se dissolve
                                na palavra sede, a boca cede
                                antes de falar, e não se ouve23

                                                    ..
                                                    .
                                                    .


[Nas convivências na Residência muitas falas se perdem, muitas imagens se soltam ao vento.

23 Os Buracos do Espelho – Arnaldo Antunes
35

Uma delas, recente, ainda guardada nas imagens mentais é uma conversa em São Lourenço do
Sul. Iago diz que quer mostrar uma música para eu e Diego, a música é “o sol que ilumina” de
Wander Wildner. Ao final da música olhei para o Iago e disse “vou usar ela para mostrar
outra imagem da sua foto do São Pedro” ...

                     Juliana me conte como foi o seu dia no São Pedro
                            E se as crianças já estão aprendendo
                    Juliana me conte como foi o seu estágio na Restinga
                       E se os funcionários estão com tudo em cima ]


                                             ..
                                             .
                                             .




                                                                   Da foto do fotógrafo
                                                                   No EducaSaúde
                                                                   Fo[car]tografia de
                                                                   Iago G. Cunha [2011]
36


#Dos momentos a registrar
“...quase diariamente caminho com a pretensão de encontrar momentos a registrar. Os
momentos até existiram, mas eram mais rápidos que o abrir a mochila […] Elegi alguns
lugares […] quando estava com a câmera para pensar meu registro, Henrique, residente e
psicólogo, elegeu a sala do Educa Saúde – que eu não registraria – e, como estava com a
câmera na mão, gostei da ideia de registrar o momento de registro de outro residente
inserido na proposta – quase uma metafoto.”

                                            ..
                                            .
                                            .


“Na fotografia nunca posso negar que a coisa esteve lá […] aquilo que intencionalizo uma
foto […] não é Arte, nem comunicação, é a Referência...” [Barthes, 2009, p.87]

                                            ..
                                            .
                                            .


[22/11/11] O que perdemos quando vemos? Quais os pormenores que nos escapam no
cotidiano?
37

C
A
N
S
A
Ç
O

                                                       TEMPO




                                                       E
                                                       S
                                                       T
                                                       R
                                                       A
                                                       N
                                                       H
                                                       A
                                                       M
                                                       E
                                                       N
                                                       T
                                                       O
              Da roupa sem corpo
    Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011]
                                          Sentimento de esvaziamento
38

#Do corpo
“relógio preso ao peito. Deslocamento. Conversa. Sono. Estranhamento enquanto
trabalhador/residente”

                                              ..
                                              .
                                              .


“...feitos que somos de superfície de impressão e diluição […] afinal o que é a impressão
senão um quase – rastro – resto do que se foi, e que por ser resto ainda é, de uma experiência
quase sem sentido que faz parte da vida?” [ Redin, 2010, p.357-358]

                                              ..
                                              .
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              [nota perdida] o que mesmo se faz com o que ninguém mais quer?

                                              ..
                                              .
                                              .


O olhar para o vazio e estranhar. Estranhar os corpos que não andam. Que apenas silenciam.
Que batem a cabeça nas janelas das lotações. Que dormem o sono dos trabalhadores [ou
residentes?]. Nas conversas o que resta é o rastro da experiência.]

                                              ..
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39




     Do relexo-do-autoretrato
     Fo[car]tografia de
     Iago G. Cunha [2011]




Cada visível guarda uma dobra
invisível que é preciso desvendar a
cada instante e a cada movimento.
[Novaes, 2000, p. 27]




#Um Quadro
“Há um quadro […] de algum modo a loucura […] o que (“não”) está é o meu processo […]
da experiência […]”[quem sabe alguns pormenores do cotidiano] “eu-mesmo, projeto de
vida, angústias, desassossegos, inseguranças, esperanças, novidades, saudades...e....”

                                            ..
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[… quem sabe impor nosso “olhar, por mais frágil que seja” [Bavcar, 2003, p. 98] e mostrar
as imanências do [in]visível e do possível num quadro, num espelho, nos reflexos que cegam,
nos processos que iluminamos e apagamos.]

                                            ..
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[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores I
O visível e o invisível caminham juntos – sempre em movimentos e deslocamentos de escritas
e de imagens – podemos separar uma da outra? Como proporcionar cuidado na invisibilidade?
Quais os momentos a registrar? Quais os pormenores a serem [r]achados?
No deslocamento dos corpos sem relógio [ou com relógios presos ao peito] o estranhamento e
a dúvida: trabalhador ou residente?
Nos nossos olhares frágeis fragmentos que restam, pintados e colados: pequenos foras
[dentro] onde começamos pelo meio e pequenas linhas [de fuga, de amizade, de saudade, de
vazio, de esperança, de embarque e desembarque] quem sabe...]

                                              ..
                                              .
                                              .


“A natureza física do cosmo está em permanente transformação. E a crosta terrestre se agita,
revolvendo-se. A superfície da Terra está sempre mudando. E nós não somos essa identidade
estável, inquebrantável, imperturbável, que fica assistindo de fora a festa da vida esbanjando
sua potência de variação. Estamos incluídos nessa viagem radicalmente transformadora.
Somos passageiros de um ônibus circular, cujo ponto de embarque e desembarque ignoramos.
Nele, estamos sempre ingressando pelo meio do trajeto. Essa é nossa sinuca de bico vital.
Vamos, voltamos, vamos, voltamos, indefinidamente. E a terra que do ônibus avistamos, o
porto seguro em que desejamos atracar, não passa de uma placa de terra móvel, que não
avança para lugar nenhum estabelecido, vai a deriva. E ainda que nos assuste muito existir
assim sem um ponto de apoio, vivenciando a alternância dos prumos e desaprumos de nós
mesmos, nossa enigmática viagem está confirmada e é intransferível.” [Preciosa, 2010, p.91-
92]
41
42

#Das cores de [Gr]Amel[c]ie[la] – das marcas no papel e na vida

“tarefa muito difícil. Primeiro veio várias imagens... depois a escolha destas imagens […]
fiquei com sentimento de ter esquecido “a” imagem e de não ter sido justa com tantas outras.
Afinal aconteceram tantas coisas e dentro de uma intensidade tão, tão grande....”

                                                  ..
                                                  .
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[Graciela acha difícil escolher a imensidão de imagens que vivenciamos no nosso cotidiano,
destas tantas nomeia cinco. No piscar dos olhos acha que muitas imagens se perderam. Penso
para onde vão elas? Graciela escolhe uma imagem que fala dos desejos e das lutas, pensa ela
nas “asas do desejo” [Pelbart, 1993] deixa outras guardadas na memória afetiva. Quem sabe
para partilhar em outros momentos, em outros disparos.]
                                             ..
                                             .
                                             .
“Escolho a imagem da usuária Teresinha sendo gravada dentro da sua casa, com sua mãe,
no bairro Santo Afonso, para seu tão esperado documentário. Por quê? Acho que essa
situação eternizada pela imagem representaria o meu percurso na Residência por carregar
em si tantos significados... símbolos de luta, da Reforma, de apostas, desejos.”
                                                ..
                                                .
                                                .
[A menina Amélie traz o desejo de devir anjo, de devir asas dessa usuária. Ela deixa que as
cores conduzam sua escrita e fala desse desejo de se ver. Desejo de mudar. Um devir de asas
que acompanhei, que compartilhei e que marcou. Diz Graciela que Teresinha “anos antes, em
um passeio do CAPS Santo Afonso, conheceu estúdio, câmera, imagem e gostou. A partir
daquele momento nascia a ideia do desejo: Fazer um filme para contar a sua vida”. Esse
filme foi feito, um documentário. História que ficou gravada em Dvd´s, que emociona[ou]
com os desejos de ver.]

“Começamos pela casa, caminhamos muito até chegar lá. É no meio da vila... feita de tábua.
Sala, cozinha, um quarto. Tudo no capricho. Vizinhos, cachorro, criança, família, flor e mate.
A mãe de Teresinha rouba a cena. Os meus olhos brilham... Não é todo dia que se conhece
alguém tão especial, uma heroína. Me lembro do abraço que dei nela... Estava emocionada,
encantada com aquela mulher com sua história... Que força era aquela que fazia sorrir
depois de tanto sofrimento?
O que isso tem a ver com a minha prática? O trabalho coletivo para realização de um sonho
e o resultado deste esforço coletivo, apostas em experiências fora das usuais para promoção
de saúde, autonomia. Que geram vida! O contato de um cotidiano de trabalho com histórias
de vida repletas de luta, sofrimento, coragem... Com pessoas vítimas de uma sociedade
capitalista perversa. A sobrevivência minha, nossa, delas... O acreditar, não desistir...
Sempre. O sentido do nosso trabalho, da nossa prática nessa imagem capturada pelo meu
pensar...”
43

[Graciela, assim como Iago e a senhora que o chamava a atenção, trazem pormenores do
trabalho, do serviço, das práticas diferenciadas de cuidado, “me lembro do abraço [...]
apostas em experiências fora das usuais para promoção de saúde, autonomia”, marcas que
levamos e que dão sentido para o trabalho.]
                                       Maria, Maria24
                                  Uma força que nos alerta
                                  Uma mulher que merece
                                        Viver e amar
                                    Como outra qualquer
                                 É a dose mais forte e lenta
                                    De uma gente que ri
                                    Quando deve chorar
                                E não vive, apenas agüenta
                                   Mas é preciso ter força
                                     É preciso ter raça
                                 É preciso ter gana sempre
                                Quem traz no corpo a marca
                                 É preciso ter sonho sempre
                               Quem traz na pele essa marca
                                  Possui a estranha mania
                                     De ter fé na vida....




                                                                         Nós o coletivo
                                                   Fo[car]tografia de Graciela C. Daudt


24 Maria, Maria – Milton Nascimento
44

#De nós
“Vou começar pelo começo... nós! O que, quem mais poderia representar o inicio do
percurso “Residência” do que nós cinco... Eu, Elisandro, Eliane, Henrique e Leonardo?! Um
Grupo formado por pessoas escolhidas aleatórias unidas por desejos próprios para dividirem
a partir daquele momento um cotidiano... A nossa aventura de compartilhar não só o
trabalho, mas o que acontecia antes, durante e depois... A extensão de nós invadiu casa,
família, amores... o mundo individual de cada um agora também era coletivo.
O que a foto não mostra? O amor, a parceria... A união construída todos os dias durante um
ano e vários meses. Os laços de afeto invisíveis tão nítidos na imagem... Histórias inscritas
na memória, no meu corpo”
                                             ..
                                             .
                                             .
[Pormenores fo[car]tografados: dividir o cotidiano, compartilhar a vida, criar laços. São
[23/06/10] Mares que se molham e espalham as securas dos dias que morrem. São [17/12/10]
                                     Textura de cores
                                       é dar a cor
                               deixar as cores escorrerem
                               nas cores que se estendem
                                   para além de mim]
                                             ..
                                             .
                                             .




                                                                   Compartilhando Cotidianos
                                                  Fo[car]tografia de Graciela G. Daudt [2011]
45

#De outros nós
“...duas moradoras de lá. Na esquerda é a Regina e a direita Marli. A sombra que não tem
par... É a minha... estamos ao lado da casa delas. Estou lá[...] acompanhando suas vidas...
compartilhando cotidiano.
O que a foto não mostra? Essas duas mulheres são símbolos da Reforma, de luta...
Resiliência. Viveram, vivem na pele o que lemos nos livros... O que podemos imaginar, mas
nunca saberemos de fato como foi e é ter sido institucionalizada. Elas são irmãs... eram três!
Tinha um menino também. Foram achados quando muito pequenos dentro de um ônibus
sozinhos e levados para instituições separadas […] puderam se reencontrar. Conseguiram
retomar um pedaço de vida... de família. Elas trabalham, cozinham, namoram... E já ate
ensaiaram morar longe do Residencial.”
                                             ..
                                             .
                                             .
“o trabalho diário e a mão na massa são sempre mais maçantes do que as belas palavras,
mas não se deve por hipótese alguma abdicar das belas palavras, assim como não se deve
abdicar das belas histórias, nem dos belos gestos, muito menos das belas intervenções – o
que não dizer das belas e desvairadas viagens. Sobretudo delas, que num trabalho desse tipo
só se consegue fazer quando se está devidamente acompanhado, isto é, ladeado por uma
equipe audaciosa e tresloucada, que apesar da tentação crescente não aceita o papel
exclusivo e perigoso de “operários da saúde”, assumindo o risco de alçar vôos inusitados.”
[Pelbart, 1993, p.26]
                                            ..
                                            .
                                            .
[Graciela iniciou falando do coletivo, do grupo, dos laços que se fazem na caminhada. Laços
esses que se tecem e rendilham no fazer cotidiano dos serviços, na mão na massa. Se as
histórias tem sentido, lugar quando compartilhadas com os que acompanham nossa formação,
esse lugar de existência e de visibilidade aumenta, se costura com outras experiências, nos faz
refletir sobre as vidas que acompanhamos, sobre as subjetividades que resistem. Aprendemos
na partilha, na vivência, na experimentação com o outro, com a outra. Com esse usuário que é
sujeito, que é vida, que tem devires, que tem desejos de vôos. Ao costurar essas duas
experiências: dos colegas que vivem “na alegria, na tristeza, na saúde e na doença”, como
diz Graciela, com as linhas coloridas de quem resiste aos cortes de asas, e estão sempre
desejando e forjando asas novas, essa costura é outro pormenor que se faz marca nas
fo[car]tografias de nossa formação.]


Lá o corpo existe [...] é o corpo todo (os olhos, o sorriso, a mecha, o gesto, a roupa) que
mantém conosco uma especie de balbucio... O Dentro não comanda mais o Fora [Barthes,
2007, p.18; 82]

                                                                             #Pensam[v]entos 6

                                                     25/11/11 – O que se costura nesse entre?
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F
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2
0
1
1
]




                           #De um lugar de sossego: Redença

Dos lugares que me acompanham. Deitada na grama olhando para o céu e espectadora da
dança das árvores. Sair dali leve […] e mais forte para o amanhã.
47




                                     #De um lugar ao Sol
                            Fo[car]tografia de Graciela G. Daudt [2011]

Despertar. Dia após dia. Manhãs […] junto ao sol. Inverno sair noite e do ônibus/trem ele
chegar tímido e virar dia […] O Sol também foi um personagem nessa história.


“Por fracas que sejam, as imagens de sonho são sempre a expressão de uma natureza outra
que, à banal transparência do cotidiano, opõe as frágeis visões esclarecidas do interior, ou
seja, por si mesmas. Pode-se, pela lógica que fazia Plotino dizer que o olho humano não
poderia perceber o sol se ele próprio não tivesse algo de solar, afirmar que o dia que nos
ofusca não nos daria a menor imagem se nosso olho não fosse preparado pelos sonhos
noturnos. E, se às vezes somos obrigados a observar o mundo de olhos fechados, é sobretudo
para conservar o caráter frágil dos sonhos que nos levam aos espelhos do invisível” [Bavcar,
2003, p.142]

                                             ..
                                             .
                                             .
[Quais os lugares que nos sustentam, que nos dão forças? Quais os pormenores escondidos
nos raios de sol, na grama verde, no abraço de um usuário. Construímos lugares. Construímos
existências. Redenção. Grama. Sol. “Exilar meu olhar nas infinitas riquezas […] é para mim
o refugio da liberdade […] para os olhares mais frágeis. Eu gostaria de ter ficado […] a
escutar o silêncio”[Bavcar, 2003, p. 80-81] Procuramos lugares que nos acolham “sentido a
48

acolhida das folhas, flores”, braços que nos acompanhem. Pessoaslugares. Lugarespessoas.
Um lugar com “um pouco de possível, senão eu sufoco”25. Um lugar que é protagonista, que é
território vivo, que atua, que é cúmplice. Uma cidade que não é só prédios, como diz Analice
Palombini26 “O território não pode ser reduzido à casa onde se vive ou aos lugares
freqüentados pelo cidadão. O território não apenas circunda ou circunscreve o espaço
privado, ele é o espaço vivo e mutante que atravessa, dinamiza e complexifica as relações
existentes entre público e privado”...lugares...pessoas...onde paramos...onde olhamos.]

                                                       ..
                                                       .
                                                       .


[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores II
A aposta nos desejos, na escuta, na construção, no forjar asas para alçar outros voos, ir para
lugares que nos acolham. Buscar desejos em outras nuvens, outras Redenções. Alçar voo para
o sol. Para olharmos por outras janelas com práticas de cuidado que afirmem a autonomia.
Para isso é preciso de nós. De Coletivo. De Partilha, de convivência. Nos formamos nas
experimentações cotidianas. Nas conversas ao longo da estrada. Ao ver a dança das árvores
nas [12/03/11] Cartografias de saudade em folhas de árvore. Sendo Território Vivo.
Construindo Território Vivo. Que as tardes na grama nos fortaleçam com desejos de asas
“produzindo novos pontos de partida” - Barthes, 2007, p. 131]


“Num escrito sobre um trabalho meu, o psicanalista Gregório Baremblitt notou, de maneira
graciosa: “Há infinitos modos de voar. Não é necessário escolher o de ícaro, nem muito
menos o de Santos Dumont.” Caberia acrescentar o seguinte. Talvez nossa modernidade
tenha reduzido esses infinitos modos de voar a esses dois. Ora estamos de um lado, quando
enlouquecemos, ora de outro, por exemplo, quando tratamos. É preciso muito senso estético,
político, ético, clínico, demiúrgico até, para desmontar essa disjuntiva infernal. Necessitamos
de muito espirito aventureiro para ir forjando asas, tanto no interior de uma instituição como
fora dela, que nos permitam – a nós e a nossos pacientes – escapar a essa violência binária,
que consiste em ter que optar sempre por um precipício abissal, seja pelo suave paraíso
asséptico de uma estranha saúde, saúde sem desejo de asas nem um devir anjo.” [Pelbart,
1993, p.26-27]




25 DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart, Ed. 34, 1992,p.131
26 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/praticasclinicasanalicepalombini.pdf
49




                         #Artes
28/12/10 – arte de tecer manhãs
50
51

#C[otidiano]ristiane[ncontro]
“MICROEQUIPE TRANSEUNTE, um grupo de residentes [...] cada qual com suas
particularidades e especificidades, desejam o trabalho integrado, em que cada um será
intercessor dos outros. Nesse processo, desaparecem as fronteiras, nega-se uma existência
individual, solitária. Um encontro com o todo, o complexo. ReNascem sujeitos ético-estético-
políticos.”
                                             ..
                                             .
                                             .
[Cristiane nos seus encontros cotidianos fala do aprender com o outro, em “lançar-se a
experimentação. Experimentar o intenso da vida que atravessa o corpo”. Sua imagem nasce
pelo meio [Preciosa, 2010], contrariando Barthes [2009] que diz “a foto também é assim: ela
só saber dizer aquilo que dá a ver” (p. 111), aqui a foto, a imagem nasce por todos os lados,
se experimenta em outros “espaços-tempos” e aprende que o espaço [da pedagogia] “seria o
que eu criasse”]


                                             ..
                                             .
                                             .


“Brotar pelo meio é opor-se a um destino que progride em direção a algo, é acariciar riscos,
acumular êxitos e retumbantes fracassos, é se infiltrar por alguma vizinhança, fazendo
conexões, é povoar o cotidiano de incertezas, é recolher-se numa tenda de silêncios, num
gesto de delicadeza diante do que está a se formar e maturar diante de si” [Preciosa, 2010,
p.37]
                                             ..
                                             .
                                             .
52




                                                                            Tempo transeunte
                                                 Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011]

#Das Janelas II
“Todo Instante é uma possibilidade. Uma nova experiência, um novo saber, um experimentar-
se. Penso que o tempo do meu corpo muitas vezes não correspondeu ao tempo
instituído/instituição, mas ao tempo possível. Tempo que me ressignificou transeunte.”
                                               ..
                                               .
                                               .
[O tempo das sessenta horas. O tempo do encontro. Da chuva. Do abraço. Do choro. Onde se
esconde o tempo quando precisamos dele? Lembro-me [10/07/11] - Anotações em movimento
[incidente 3] “perto da estação que tenho que desembarcar avisto um conhecido,
coordenador de um programa [política] do Governo Estadual, pergunto como está o
trabalho, “tem pouco recurso humano, e o salário é muito baixo, sem contar que agora tenho
o terceiro turno em casa [cuidar das crianças]”....parada...olhar os outros tempos que nos
compõe.]


                                            ..
                                            .
                                            .
“é preciso dar tempo a essa gestação com que se confronta [...], a essas tentativas, a essa
53

construção e recosntrução, a esses fracassos, a esses acasos. Um tempo que não é o tempo
do relógio, nem do sol, nem o do campanário, muito menos o do computador. Um tempo sem
medida, amplo, generoso.” [Pelbart, 1993, p.32]

                                              ..
                                              .
                                              .
                     [Um tempo de nascer pelo meio. Dou-me um tempo]
“Para mim, o barulho do Tempo não é triste: gosto dos sinos, dos relógios – e recordo-me de
que, na sua origem, o material fotográfico estava ligado às tecnicas do marceneiro e da
mecânica de precisão; no fundo, os aparelhos eram relógios de ver, e talvez em mim alguém
de muito antigo ouve ainda no aparelho fotográfico o barulho vivo da madeira.” [Barthes,
2009, p. 23-24]
[escuto o tempo das imagens. Penso agora que quando contrariava Barthes [2009] acima,
estava certo, pois “a foto [...] é assim: ela só saber dizer aquilo que dá a ver” (p. 111). Quem
sabe o ver esteja no corpo todo, no“olhar tátil” [Bavcar, 2003], nos outros tempos e relógios
que usamos...]




   [de uma nota perdida I: Defender a ideia de um tempo diferente, escrita, desterritorializar,
                                                                    criar e não representar.]
54



             O Silenciar das Palavras
             Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011]


 #Das Experimentações
 Experimentar a loucura criativa, e saber usá-la para não ser tragada
 na norma do discurso da loucura psiquiátrica; da capacidade de fazer
 a linguagem se quebrar nela mesma, que é também fazer o Eu se
 quebrar lá onde a palavra fica sem palavra.




               A vontade e a experiência de aprisionar e querer guardar
               marcas de algo – inaprisionável […] sempre levam a vontade e
               à experiência de ver-viver a diluição das previsibilidades.
               [Redin, 2010, p. 353]

               É um gesto de fazer visível a ausência através de fragmentos
               que consituem uma experiência [Vilela, 2010, p. 327]




[Silenciar a palavra. Construir linhas de fuga da palavra. Tecer
experimentações que rompem com o velho tecido da criatividade, conseguir
flagrar, clicar, disparar a multiplicidade dos novos espaços-tempos. Cada
imagem fotográfica é um fragmento de sentido, de silêncio.]
55

                                                                                       Terceira margem
                                                           Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011]




#Das correntezas
Resistir às correntezas e conseguir experimentar locais onde as águas rompem às margens do
rio. Conquistar a capacidade de perceber outros horizontes do aqui e agora que comumente
não percebemos quando estamos capturados nos sentidos que os discursos nos limitam.


                                                      ..
                                                      .
                                                      .
"Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou
a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato,
para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a
sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha
ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de
meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa
verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. [...] E nunca
falou mais palavra, com pessoa alguma [...] Sou homem de tristes palavras. De que era que
eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio —
pondo perpétuo [...] e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.27” [Guimarrães Rosa]

27 A Terceira Margem do Rio, texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de
   Janeiro, 1988, pág. 32
56



[Sair das margens é ir para o meio? Ou ficar com os pés secos? Pendurar anotações que
transbordem o leito dos dias. Dar sentido as imagens cotidianas e pensar um outro tempo? De
meio a meio vamos remando, tecendo, costurando.]
                                                     ..
                                                     .
                                                     .
Do dia fora do tempo
Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011]




#Do Tempo e do Sr. Palomar28
“Um dia fora do tempo. A manhã começou num tempo manso, de frio e chuva. Tempo de
conversa inicial. Tempo pra falar de muitas coisas, sem aprofundar nenhuma. Não era esse o
tempo. Era o tempo do olhar curioso, do passo calmo, de se deixar observar e observar. Tudo
ali estava acontecendo num outro tempo, dentro e fora de mim. Os cachorros estavam lá. E
as crianças também. Muitos. Juntos. Tempo de acostumar o ouvido com uma língua estranha.
Tempo de ver com outros olhos. Tempo de sentir com o corpo todo. Vertigem. Tempo da roda
em volta do fogo. Do olhar perdido no fogo. Começa agora um novo tempo. Tempo que não
é. Tempo que está. O que será?”



28 Personagem de Ítalo Calvino, no livro Palomar. São Paulo: Companhia das letras, 1994.
57

[No tempo do cotidiano, encontro. Encontro com outros modos de ver, de sentir, de ser ... de
devires. Sr Palomar gosta de usar o tempo para observar, assim como Cristiane, “de ver com
os olhos, de sentir com o corpo todo”, no [des]foco da foto, da imagem, esse outro tempo. A
mistura: o caminhar, a terra, o asfalto, as árvores, as culturas, as crianças, os adultos...Sr.
Palomar ao observar os planetas, ao olhar Jupiter pela lente dos olhos do telescopio fica
sempre na expectativa de alguma transformação, mas cansa-se de olhar no tempo do olho,
“Não consegue manter a imagem nítida: necessita fechar por um momento as pálpebras,
deixar que a pupila ofuscada reencontre a percepção precisa dos contornos, das cores, das
sombras, mas também deixar que a imaginação se livre dos embaciamentos que não lhe
pertencem, renuncie a ostentar uma sabedoria livresca.” Um outro tempo para o olhar. [des]
contornar, [des]colorir. Dar um outro tempo para o olha[vive]r cotidiano. Pensar uma outra
cultura. Desenbaciar um olhar que não nos pertence. Construir barricadas no tempo, conseguir
nesse nosso olhar frágil flagrar a multiplicidade dos novos espaços-tempos - Pelbart, 1993,
p.39;45.]
                                              ..
                                              .
                                              .
"O desafio é propiciar as condições para um tempo não controlavél, não programavél, que
possa trazer o acontecimento que nossas tecnologias insistem em neutralizar. Pois importa,
tanto no caso do pensamento como da criação, mas também no da loucura, guardada as
diferenças, de poder acolher o que não estamos preparados para acolher, por que este novo
não pode ser previsto nem programado, pois é da ordem do tempo em sua vinda, e não em
sua antecipação. É quase o esforço inimaginável, não da abolição do tempo, mas de sua
doação. Não libertar-se do tempo, como quer a tecnociência, mas libertar o tempo, devolver-
lhe a potência do começo, a possibilidade do impossível, o surgimento do insurgente..."
[Pelbart, 1993, p. 36]


                                               ..
                                               .
                                               .




[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores III
Experimentação. Abrir as pálpebras para o espaço-tempo onde se nasce pelo meio, onde
aquilo que queremos é aquilo que criamos. Silenciar a palavra, dar outros sentidos ao corpo. Ir
para o meio do rio e fechar as janelas do impossível. Criar é resistir. Deixar que um fio de
vento [Calvino, 1994, p. 10] aflore outros olhares, outros tempos.]
58
59
60

#[D]as l[i]nhas do invisiv[e]l[go]

“Uma imagem que lembra o processo de formação foi a atividade que elaboramos, o
conjunto dos residentes, em referência ao dia 18 de Maio, dia da luta antimanicomial, na
cidade de Novo Hamburgo. Essas cenas, contam muito da minha prática, destacando a
permanente “veia” militante que os usuários, trabalhadores e familiares relacionados a
saúde mental necessitam manter.”
                                                   ..
                                                   .
                                                   .
[Diego lembra de um momento onde a luta, o desejo, o criar, mostra-se presente com a
delicadeza do cuidado, junto com os usuários, e num momento de “ebulição” onde os regimes
de trabalho estavam sendo mudados. Fala de uma imagem de apoderamento por parte dos
usuários, e de uma atenção integral no cuidado. Lembro-me de um escrito de final de
especialização29, da Anna Letícia Ventre, diz ela
“A delicadeza, como apontada nas entrelinhas por Berger, situa-se arraigada às
experiências. E nesse ponto que retomamos sua relevância para pensar as ações em saúde
mental e também, na sua relação com as transmissões que se constroem nas cidades. As
práticas em saúde, e particularmente, em saúde mental coletiva, não produzem sentido se
estiverem desarticuladas das experiências que as sustentam. Exatamente porque se constroem
a partir da multiplicidade (outra palavra do rouxinol-Ítalo) de movimentos micropolíticos
que vão se engendrando nos fazeres. Desamarrar as experiências da saúde mental seria o
mesmo que apagar a possibilidade de transmissão da história.” [2010, p.22]
Lembro-me desse dia, desse 18 de maio. Lembro-me de duas imagens, as duas registradas em
video, e uma delas encontra-se no Documentário Quatro Reais, quando Teresinha, já
apresentada aqui antes pela Graciela, sobe ao palco e agradece o trabalho, as amizades, as
costuras que faz[ia] no Caps Santo Afonso. A Outra imagem é do [tutor] Aladin cantando
Guantanamela e falando da sua decissão de não fazer a seleção para trabalhar na Fundação de
Saúde Pública [com direito privado] de Novo Hamburgo.
É essa “militancia” que fala Diego que garantem as costuras, as amaras da Saúde Mental.
Sem esses processos de sustentação do invisível as linhas teriam se desamarado há muito
tempo.
Esse invisível é a loucura, é o trabalho. É um invisível para quem não quer olhar. Mas para os
olhares frágeis [Bavcar] ou para aqueles que fecham os olhos para ver [Barthes] o invisível se
mostra visivível.
                                               ..
                                               .
                                               .
#Pensam[v]entos 7

“Sábado, dia 03/06, manhã fria de outonoquaseinverno em um local frio [que entra no corpo
pela umidade e pelos olhos pela dorviolênciaopressão] vejo pés descalços pisando o chão
coberto por pisadas antigas, frágeis e delicadas. Na minha frente a discussão sobre a política

29 Essa que termino junto com a Residência, Especialização em Educação em Saúde Mental Coletiva
61

de desinstitucionalização, pessoas visíveis que tornam os pés invisíveis. As anotações que
faço no caderninho preto são: Eles estão de pés descalços para se sustentarem no mundo? Me
distraio com outra anotação: Corpos que correm dentro de si no sol frio de outonoinverno.
Anoto novamente: Se está frio aqui dentro, imagine todos os dias durante todo o tempo que se
torna séculos para eles. Me pergunto em meio a falas: Como tornar visível o invisível? Será
que na invisibilidade se sente frio? Uma fala se sobressai dita pelo italiano que nos visita 'as
pessoas precisam não estar de pés descalços. Para elas ninguém vai dar sapatos ou vender.
Coisas belas não podem ser dadas aos loucos pobres'. Meus pensamentos fogem longe, se
escondem, chovem. Passarinha me passa um poema de Mario Quintana nesse momento
[pequeno inventário]:
                             Os cabelos encaracolados das chamas
                                    Os lisos cabelos do vento
                                    O cabelo rente da grama
                          Os grandes pés ausentes dos deuses de pedra
                                    Os pés volantes do medo
                      Os pés ridiculamente em enquadro dos assassinados.
                      Os meus dedos em leque onde se incrustam as estrelas
                                    Os meus dedos em grade
                                    Os meus dedos em grade
                           Os meus dedos em grade, ah, que eu não
                                      consigo atravessar!

Volto ao tempo presente quando ouço uma das últimas falas do encontro 'É tempo de sonhar'.
Olho para os pés no chão, os pés descalços e vou em direção a eles.” [texto escrito sobre o IIº
Seminário/Oficina Internacional Loucos pela Vida – 20 anos de construção coletiva, no dia
04/06/11 no Ginásio do Hospital Psiquiátrico São Pedro.]
                                               ..
                                               .
                                               .




                                                                        #Ainda sobre o invisível30
                                                                                      21/12/11
   [Pa:...ser invisível e não conseguir fazer marca que não seja só pela via da sustentação na
                                                                                      borda...]
[Pe:...Mas as marcas são feitas ali nas bordas, no invisível. O que acontece é que não se quer
                                      ver esses pormenores marcados com linhas coloridas....]

30 De uma troca de mensagens no celular
62




                                                                     O olhar de um usuário
                                              Fo[car]tografia de Diego E. Rodrigues [2011]


#Do olhar e da delicadeza
“Destaco o olhar dele na foto, um olhar marcante, expressivo e que simboliza uma história
de vida circulando por serviços de saúde mental. Nas ida ao campo de práticas nesse caps,
formou-se um vínculo importante, assim como fiz com todas as pessoas atuam[avam] nesse
serviço. Isso demonstra que a formação do vínculo se dá através de uma relação transversal,
não hierarquizada, e que em muitos momentos se dá a partir da relação usuário- trabalhador
e não vice-versa. Carregava em mim a impressão que era o profissional da saúde o
responsável pela formação de um vínculo, com ele [o usuário da foto] aprendi que pode ser
diferente.”
                                            ..
                                            .
                                            .
[Na fo[car]tografia de Diego vamos perceber um outro olhar. Um outro foco. As imagens
carregam uma nuvem de outros sentidos. Calvino [1994] conta-nos sobre os olhares do Sr
Palomar – Palo[mar] – Pal[o]m[lh]ar, esse personagem para Bavcar seria um “Arqueologo do
olhar”, pois todas as coisas que ele faz são minunciosas e passam pelo olhar, e não só o dos
olhos, mas do corpo todo. Palomar inicia o livro na Praia olhando as ondas, tentando achar
um metódo de estudar elas, passa ao seio nu e depois ao sol. Sempre observando e
comentando, alimentando seus dialogos interiores. Aos poucos vamos conhecendo esse
senhor que observa, vemos ele observando seu jardim [as tartarugas fazendo amor, o assobio
do passarinho melro, as raizes do grama – os rizomas], depois Palomar contempla o céu [a lua
63

no entardecer, os planetas e as estrelas], e assim Palomar segue observando os lugares da
Cidade, e os seus silêncios.
Falo de Pal[o]m[lh]ar para falar do olhar. Quando ele olha as estrelas pensa
“Quando erguemos o olhar para o céu, este aparece negro, salpicado de vagos clarões;
somente aos poucos é que as estrelas se fixam e se dispõem em desenhos precisos, e quanto
mais olhamos mais as vemos aflorar” [p. 42]
É esse olhar, esse que aflora que Diego fala, desse cuidado, do vinculo que construimos nos
cotidianos e da abertura para a escuta.]
                                            ..
                                            .
                                            .




                                                                               Na piscina
                                             Fo[car]tografia de Diego E. Rodrigues [2011]
#Da afecção e da escuta
“Uma imagem muito marcante de uma relação construída nesse dia. Um dos meninos do
caps, que não está na imagem, durante uma partida de sinuca, diz de forma desafiadora que:
“ o pessoal que trabalha no caps nunca entra na água!”, após algum período quando alguns
deles estavam na água, saltei dentro da piscina. Nesse momento todos ficaram muito
felizes ... partilhando um momento com eles e experimentando os mesmos sentimentos, não
tinha uma relação técnico- usuários, estava ali exercitando a capacidade de afetar e ser
afetado.”
64

[Esse outro olhar de Diego segue na costura do vinculo e nos chama a atenção para as
relações que estabelecemos, e que a afecção está nos pormenores rompidos, no desofuscar dos
olhos. Entendemos afecção aqui como produção de sentido no corpo de quem quer provocar
sentido. Esse é um conceito que Deleuze relê de Spinoza.]

“O que é uma afecção (affectio)? Eu vejo vocês literalmente abaixando os olhos... E no
entanto tudo isto é, ao contrário, divertido. À primeira vista, se nos atemos ao texto de
Spinoza, ela não tem nada a ver com uma idéia, mas tampouco tem a ver com um afeto.
Tínhamos determinado o afeto [affectus] como a variação da potência de agir. E uma
afecção, o que é? Numa primeira determinação, a afecção é isto: é o estado de um corpo
considerado como sofrendo a ação de um outro corpo. O que isso quer dizer? "Eu sinto o sol
sobre mim", ou então, "um raio de sol pousa sobre você": é uma afecção do seu corpo. O que
é uma afecção do seu corpo? Não o sol, mas a ação do sol ou o efeito do sol sobre você. Em
outros termos, um efeito, ou a ação que um corpo produz sobre outro - note-se que Spinoza,
por razões decorrentes de sua física, não acredita em uma ação à distância: a ação implica
sempre um contato - é uma mistura de corpos. A afecção [affectio] é uma mistura de dois
corpos, um corpo que se diz agir sobre outro, e um corpo que recolhe o traço do primeiro.
Toda mistura de corpos será chamada de afecção. Spinoza conclui a partir disso que a
afecção [affectio], sendo definida como uma mistura de corpos, indica a natureza do corpo
modificado, a natureza do corpo afeccionado [affectionné] ou afetado [affecté]; a afecção
indica muito mais a natureza do corpo afetado do que a natureza do corpo afetante.” 31

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[Vilela [2010] diz que as fotografias são ecos visuais, começo do silêncio, “a fotografia
constitui uma linguagem que surge do combate entre o silêncio, a palavra e o corpo, como
tentativa de dar presença ao silenciado e ao indizível” [p. 329], diz ela que trata-se de uma
aprendizagem do ver. Que temos que reaprender a ver, “ver em profundidade, e não apenas a
olhar a evidência das formas”[p. 329]. Bavcar, Barthes e Sr Palomar [Calvino] concordam
com a construção desse outro olhar, sentem-se contemplados com o que Vilela fala, diz ela
que nesse território do invisível “o olhar surge como uma escuta...o olhar é uma abertura
táctil do mundo; uma forma de respiração” [p.331; 335].]

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#Pensam[v]entos 8
[14/07/11] Da afecção: no final de uma reunião delicada [onde as linhas de cuidado estavam
em discussão e dois modelos eram debatidos, prevaleceu o mais sensível e próximo da
proposta da reforma psiquiátrica] a coordenadora do Caps vem e diz: “deixa eu dar um
abraço em vocês pois foram importantes hoje na defesa de um projeto”.


31 [Disponível em http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=194&groupe=Spinoza&langue=5 Acesso
   em 27/07/11]
65




Bandeira da RIS/UFRGS
Fo[car]tografia de Diego E. Rodrigues [2011]


# Das bandeiras
“Foto da bandeira que foi confeccionada por mim e mais três Residentes, durante o encontro
estadual de residentes. A imagem simboliza uma estrada em formato de X, onde são
simbolizadas em cada um dos lados as cidades onde a RISMC tem campos de práticas, a
saber: Viamão e Porto Alegre, e a bandeira é confeccionada com tinta e a ponta dos dedos.
Essa imagem simboliza uma parte de meus percursos entre as duas cidades, uma em cada
ano da RIS.”
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“Na linha dos pensadores que me inspiram, é preciso dizer também que não se trata de
descobrir nossa identidade através desse visível que é a nossa história, já que a história não
diz o que somos, mas aquilo de que estamos em vias de diferir. Diferir dela não para
descobrir o que se é, mas para experimentar o que se pode ser (desprender-se de si, dizia
Foucault). [Pelbart, 1993, p.57]
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[Vou-lhes falar de uma dificuldade que vêm nas “pontas dos dedos' e sobe para o corpo todo.
É difícil escrever, analisar momentos que se vivenciou e experimentou. A maioria das
imagens clicadas até o momento dizem do meu processo de formação também, como
pesquisadorcartografo posso me inserir nessa pesquisa intervenção. Como diria Barthes
[2009], “eu participo das figuras” [p. 35]. Sendo assim, fico pensando nos métodos e nas
pesquisas: será que é possível se ausentar para falar? Quanto de um planeta pode entrar por
um olho [Calvino, 1994, p. 40]? Os percursos, as militâncias, os momentos de parada, de
pensar um outro tempo, de se questionar sobre os trabalhos. Todos processos que estou
dentro, que faço parte. Que me parto. Que Parto...Será que faço-me pesquisa?]

“Parto da vida, portanto. Parto na vida. Desta que se coloca a morrer em sua invisibilidade.
Porque sim, as vidas invisíveis são vidas. Que partem do que se imprimi e se dilui, daquilo
que passa e fica, vida feita de restos, permanências e desaparições, das imprescindibilidades
de que são feitas. Elas, sem espetáculo algum, feitas de intempéries que se repetem...”
[Redin, 2010, p. 353]

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[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores IV
A costura vai se colorindo com outras linhas, com uma delicadeza necessária para sustentar as
linhas do invisível. Nos partos da vida, nas lutas cotidianas é preciso militância para seguir
cantando, seguir tecendo. No olhar que prolonga a escuta. No cuidado e na convivência com o
usuário. Nas pinturas a dedo do vinculo e da afecção.]

“Nunca será o suficiente perguntar a respeito da constituição do olhar: o que é que nos faz
ver? O que é que vemos? Naquilo que vemos, o que nos olha? O que é uma imagem? Estas
perguntas frequentam inúmeras investigações relacionadas à arte em geral, à arte
contemporânea de forma particular e, especificamente, as suas relações com a fotografia.
Bavcar instaura uma arte que revive incessantemente a origem do mundo: FIAT LUX – e das
trevas fez-se a luz. O fotógrafo ilumina, e no caso de Bavcar , a noite é sua cúmplice. Esta
cumplicidade é um ato de amor , uma pulsação de eros como ele mesmo gosta de lembrar .
Inúmeras vezes se refere à máxima lacaniana “amar é dar ao outro o que não se tem”. Ele
oferece a imagem cuja fonte é sua imaginação. Não tendo a luz, tem a iluminação. Suas
lanternas mágicas avançam no infinito da noite, riscando a sensibilidade do filme fotográfico
para atingir a porosidade de nossa pele. Em uma das fotografias em que captura sua casa de
infância à noite, vemos a janela como pupila negra de olho desenhado pelo facho da
lâmpada que ele segura em suas mãos enquanto fotografa. Como não nos sentirmos em
trânsito entre o próximo e o distante quando o que vemos na foto é o próprio enigma da
origem, ponto de fuga obscuro e absoluto que nos interpela com o significado do tempo, da
memória e da morte que espera?
Muitos são os exemplos, em suas fotografias, das carícias que Bavcar faz, com a luz, na
superfície dos detalhes do corpo humano, sobretudo feminino, nas formas dos pequenos
objetos, nos móveis da casa, nas paisagens de sua e de nossas infâncias. Seu foco é o
invisível no visível, é o vazio nas formas palpáveis, é o avesso das imagens dos
sonhos.”[TESSLER, 2003, p.10]32

32Texto Evgen Bavcar em Diagonal, in BAVCAR, Evgen. Memórias do Brasil, 2003.
67

#Um re[SU]Spiro
“Seja o que for que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível:
não é ela que nós vemos.” [Barthes, 2009, p.14]




          Nota de divagação I: o que mesmo se faz com o que ninguém mais quer?
68

#De uma nota perdida II



                     Por que tem que se ter um inicio, um meio e um fim?


                                                                               Eu quero [r]ir.
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O que dá forma pra figura é o olhar.

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                                            .
Pensar sobre marcas deixadas. Olhar novo sobre o cotidiano.


                                Invisível, onde isso atravessa?

                                                             O que fica, o que vamos lembrar?

                                                                            Vento [deslocar].
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                                 Aquilo que não enxergamos.

          Juntar os fragmentos em mapas – colar o cotidiano não está separado da Residência.

Movimento permite o silêncio, o desejo e a implicação do olhar.
                                             ..
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                       O que o olhar captura e interessa – pormenores.
Desfocado.
                                                                Ouvir o silencio das imagens.
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Como a gente fala das imagens?
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                             Fazer uma imagem é uma escolha.
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70



#Dos Movimentos i[He]n[ri]qui[e]tos
“Uma pixação, nos muros de São Leopoldo, que vi durante viagens De Volta Pra Casa na
Residência Intermunicipal em Saúde Mental Coletiva: "Quando morar é um direito, ocupar é
um dever". Essa frase no muro me lembra de uma das principais questões que pra mim se
formaram na residência, e que ainda me é complicada: como ocupar os espaços de controle
social e construção de políticas públicas para que acabem os desmanches no SUS?”
                                              ..
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[Henrique se inquieta. Henrique se questiona. Pensa nas possibilidades de sair da
invisibilidade, nos “movimentos de resistência” [Rolnik, 2006, p. 15] dentro do SUS. Quais
são os nossos direitos? Quais nossos deveres? Tudo tão confuso. Um emaranhado. Se “todo
gesto produz imagens, umas mais visíveis que outras, mas todas em movimento. Elas não
param de se deslocar, mesmo quando tentamos fixá-las com o nosso olhar” [TESSLER, 2010,
p.293], quais as imagens possíveis de resistência? De resiliência? Como deixar de ser
irrevelável? Barthes [2009] diz que “através de qualquer coisa que a marca, a foto deixa de
ser qualquer...diz-se revelar uma foto, mas aquilo que a ação revela é o irrevelável, uma
essência (de ferida), aquilo que não pode transformar-se mas apenas repetir-se sob a forma
de insistência (do olhar insistente).” [p.58]. Será que devemos ocupar as marcas que se
fazem corpo durante nossas viagens e perdurar nosso olhar insistente? Questão que segue
“complicada”, mas creio eu [caro leitor] que perdurar o olhar insistente nas marcas é acreditar
no possível, na resistência, como bem diz Pelbart [1993] citando Deleuze

“Acreditar no mundo é o que mais nos falta, nós perdemos completamente o mundo, nos
desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos,
mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de
superfície ou volume reduzidos” [p. 80]

Criar movimentos de resistência com um olhar insistente,quem sabe as pequenas marcas
[pormenores] ocupem as instancias, as instituições e nós que seguimos tentando revelar o
irrevelável.]
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[As fo[car]tografias de Henrique ficaram presas ao escuro do negativo, das oito fotos tiradas
apenas duas os sais de prata e os processos quimicos revelaram. Tessler [2003] fala que para
Bavcar a "fotografia é mediada por palavras" [p. 11] pelo processo de costrução das imagens,
do pensar – pre imagem concebida em pensamento, até torna-la vísivel. Nesse visível
mediada por palavras ficamos com as duas fo[car]tografias inquietas de Henrique.]

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                                       Do acumulo
                        Fo[car]tografia de Henrique T. Paz [2011]


#Do acumulo
“...Quanto às imagens em si, elas falam da falta de condições estruturais para se efetuar um
trabalho de qualidade. Em uma delas, o Lixo Eterno que sempre se acumula em um dos
campos [...]”

                                             ..
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[Fiquei pensando nos execessos que vivemos com essa imagem fo[car]tografada, e nas
difículdades das escolhas, dos movimentos, das resistências, nesse acumulo de imagens e
opções. Não paramos para olhar os pormenores, de criar imagens com o olhar e com o
pensamento. Não pensamos em nossas cegueiras.]

“Há algo de comovente na constatação de uma impossibilidade. Ao contemplarmos o que
falta ao outro, sucumbimos às lacunas que nos habitam silenciosas. De nossos olhos, pode
vazar a sensação úmida de um entendimento súbito: olhar não eqüivale a ver; ver não
eqüivale a saber (a verdade).” [TESSLER, 1998]

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“É difícil proceder a uma escolha porque somos intimados a essa proliferação de imagens,
ao devir-imagem do mundo através das telas, ao devir-imagem de nosso universo, à
conversão de tudo em imagem. Ora, exatamente onde tudo é imagem, deixa de haver
imagem, deixa de haver imagem como ilusão, como excessão, como cenário, como
singularidade, como universo paralelo.” [Baudrillard, 2003, p. 89]

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“Há algo que não está nas fotos que eu gostaria de contar sobre o processo de formação: se
eu pudesse fotografar qualquer imagem do processo da residência, bem, a imagem que
fotografaria seria o Movimento. Como não é exatamente fotografável, explico: a Residência
me produz a sensação de estar sempre em movimento, seja movimentos geográficamente
localizáveis, como por exemplo mas viagens para as idas a campo em dois municípios
vizinhos à cidade que moro; seja os deslizes do que sou enquanto trabalhador de saúde. Na
Residência ocorreu de eu produzir e constantemente mudar o que acredito que deva ser
minha formação e atuação como trabalhador de saúde.”[fala/escrita de Henrique]
                                             ..
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[Como ocupar espaços se estamos sempre em movimento? Pelbart [1993] diz que “o
primeiro objetivo de uma verdadeira revolução jamais é mudar o mundo, pura e
simplesmente, mas também, e sobretudo, de mudar o tempo” [p.76], mostra-se necessário
movimentarmos com um outro tempo provocando rachaduras, pequenas marcas.]
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De um intervalo no tempo
Fo[car]tografia de Henrique T. Paz [2011]

#Das rachaduras na janela
“[...]a foto de um cemitério, no qual um usuário foi enterrado, em um evento que se
houvessem mais trabalhadores no serviço para efetuar um cuidado de qualidade, talvez não
tivesse ocorrido.”
                                               ..
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[Costuramos muitas imagens na janela de nossos olhos, mas algumas delas racham-se.
Descolorem-se. Ficam vazias. Não de sentidos ou significados. Ficam vazias pelo silêncio e
pela fragilidade de nossos olhares [Vilela, 2010; Bavcar, 2003].]

“[...]fazem-nos tocar um acontecimento: o silêncio de um olhar onde os nomes se declinam
no corpo […] trata-se de olhar uma imagem e nela ver o momento em que se prendeu a
passagem de um tempo, entre a memória e o esquecimento – perdição ou resistência.”
[Vilela, 2010, p. 323]

[Como efetuar esse olhar cuidadoso? Como costurar, recolorir essas fotos rachadas? Esse
menino dos movimentos inquietos, inquietaram, ou desquietaram o pensamento,
desacomodaram os olhos, fizeram com que o tempo se repensasse – não no tempo que
conversávamos nas fo[car]tografias de Cristiane – mas no tempo das rachaduras, das mortes,
do vazio, do excesso, do acumulo de tempo, de imagens.]
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[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores V
Acreditar no mundo, construir marcas, pequenas rachaduras, resistir ao vazio e ao acumulo
com um olhar insistente. Fechar os olhos e ver outras imagens, em outro movimento de
espaço-tempo. Nos imprevistos, no esvaziamento abrir novas janelas, costurar mais forte, se
inquietar, se desacomodar. Parar, mas voltar aos movimentos, a construção de novas
rachaduras, com vida, com potência de vida, com devires inquietos, “intempestivos”[Pelbart,
1993], [in]ventar um novo devir e acordar a raça dos intempestivos/intempestores - “requer,
digamos assim, uma raça que sempre existiu e sempre há de existir, embora muitíssimas vezes
em estado de invisibilidade total e de disseminação coletiva, impessoal, inumana: a raça dos
intempestores.” -Pelbart, 1993, p.61]
                                              ..
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“Era [é]33preciso, não remontar aos pontos, mas seguir e desemaranhar as linhas: uma
cartografia, que implicava numa microanálise (o que Foucault chamava de microfísica do
Poder e Guattari, micropolítica do desejo). É nos agenciamentos que encontraríamos focos
de unificação, nós de totalização, processos de subjetivação, sempre relativos, a serem
sempre desfeitos a fim de seguirmos ainda mais longe uma linha agitada. Não buscaríamos
origens mesmo perdidas ou rasuradas, mas pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo
meio: rachar as coisas, rachar as palavras. Não buscaríamos o eterno, ainda que fosse a
eternidade do tempo, mas a formação do novo, a emergência ou o que Foucault chamou de
“a atualidade”. O atual ou o novo, talvez seja a energia, próxima de Aristóteles, mas ainda
mais de Nietzsche (embora Nietzsche o tenha chamado de o inatural).” [DELEUZE,1992,
p.113]




33 Palavra minha, para atualizarmos o discurso podemos ler em um tempo presente.
75
76

#“Caminhando contra o v[L][e]nt[o]”34: Uma Narrativa de So(N[H])o{s} – Sono; Sonhos; SOS; Em NH.

[Faço aqui mais uma pausa, dou um intervalo a costura, nesse intervalo Leonardo nos ajuda a
rendi[o]lhar um dos momentos que mais se fizeram marca [para Leonardo, para mim –
acredito que para Iago, Diego e Henrique também], o processo de Residência em Novo
Hamburgo, o processo de trabalho, de luta, de militância, e“por entre fotos e nomes
/Os olhos cheios de cores/O peito cheio de amores … Eu vou”. Vamos rendil[o]har as
palavras de Leonardo que nos conta esse processo, antes de falar de sua imagem, ele nos situa
da realidade, da conjuntura. Algumas partes de seu escrito foram suprimidas, como vinha
fazendo, mas nesse final de escrita meu poder de síntese está afetado – com certeza pela
marca que essa fala/texto de Leonardo rememora, acredito que vale a pena deixar essa fala do
tamanho que está, se você caro leitor/a já estiver num “esgotamento” de palavras, dê uma
pausa, tome uma água/suco/refri/ceva, pense no lido até agora, rememore marcas de possíveis
militâncias, deixe o “devir revolucionário” aflorar e embarque nessa narrativa de so[nh]os-
em alguns pontos da fala insiro meus pensamentos dialogando com o Léo.]

                                                                           Durante o sono me acordo
                                                                            Quando deito me levanto
                                                                            Em sonhos que são meus
                                                                              Em sonos que são Deus
                                                    Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
                                                                           De noite o mundo é escuro
                                                                      Caminhos, carros, postes, luzes
                                                                               O tempo escorre fundo
                                                                    O tempo é coisa de outro mundo.
                                                    Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido
                                                                  De noite cachorros latem no escuro
                                                                     Carinhos, posses, credos, cruzes
                                                                               O tempo escorre junto
                                                                    O tempo é coisa de outro mundo.
                                                                 (Jogos de Amar – Richard Serraria)

                                                     ..
                                                     .
                                                     .

#“Nas grandes cidades de um país tão surreal...”: narrativas hamburguenses .35


       Novo Hamburgo e seus quase 270 mil habitantes […].É uma cidade que abriga lojas
de grifes importantes, bares e restaurantes caros, grandes casas, mas ao mesmo tempo
apresenta uma séria falta de recursos culturais, de saúde, de lazer e saneamento em muitos
dos seus bairros.

34 Música Alegria, Alegria de Caetano Veloso
35 Dedicado às trabalhadoras e trabalhadores, estagiárias e estagiários do CAPSi Saca Aí e do CAPS Santo
   Afonso e aos colegas de “Central” e de “Trensurb” - Leonardo Abib
77

       [...]
        Agora a parte que me interessa mais neste momento. O município conta com 15
unidades básicas de saúde, que em certos bairros não dão conta da demanda dos usuários do
SUS [...]. Na parte da saúde mental, Novo Hamburgo conta com três CAPS II (Canudos,
Santo Afonso e Centro), um CAPSi, um CAPS AD e seis leitos no hospital geral […].
        A saúde de Novo Hamburgo sofreu (e muito) com a implantação de uma Fundação
estatal de direito privado, que fica responsável a partir de agora por gerenciar a saúde
pública da cidade, desde a construção de novos prédios, aquisições de materiais e licitações
até a parte de recursos humanos. É aí que “mora o perigo”, como se diz no popular. Agora a
terceirização (outrora desorganizada e com poucas perspectivas e insegurança aos
trabalhadores) ganhou o selo de institucionalizada [...]. Baixos salários, muitas horas de
trabalho, a falta de um plano de carreira são apenas alguns dados importantes, fora o
montante de pequenos problemas do cotidiano.
        Dada a indignação e o inconformismo com a realidade local, alguns residentes de
Saúde Mental Coletiva da UFRGS (dentre eles eu e o autor desta pesquisa) começaram a se
articularem entre si e depois com o Conselho Municipal de Saúde e com os trabalhadores dos
serviços […]. Começamos a ocupar alguns espaços e fazer enfrentamentos com a secretaria
de saúde do município. Tentamos nos articular com os trabalhadores e comunidade, mas as
coisas não estavam fáceis para ambas as partes.
        Vivemos um período histórico de refluxo, como alguns teóricos dizem, em que as
mobilizações da classe trabalhadora enfrentam muitas dificuldades para se organizarem e
montarem uma resistência [...].
                                              ..
                                              .
                                              .
        [Nas falas do Diego e do Henrique anteriormente podemos perceber algumas dessas
inquietações. Eles trazem juntamente com o trabalho em serviço a preocupação com a
realidade do SUS. Henrique se perguntava “como ocupar os espaços de controle social e
construção de políticas públicas para que acabem os desmanches no SUS?”, creio que nesse
momento em Novo Hambrugo foi de ocupação, de construir rachaduras, de movimentos de
resistência.]
                                              ..
                                              .
                                              .
        [...]vimos na Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo uma
possibilidade de articulação e enfrentamento diante da situação. Estávamos combatendo não
só a Fundação estatal de direito privado, mas também o jeito truculento e impositivo da
gestão municipal de Novo Hamburgo. Participamos de 6 das 7 pré-conferências distritais e
conseguimos mobilizar alguns trabalhadores, usuários e familiares para estarem presentes.
Eu e Elisandro saímos como delegados inclusive. Diga-se de passagem, participar das pré-
conferências foi um grande aprendizado para todos nós. Talvez uma das coisas que jamais
aprenderíamos nas salas de aula e nas preceptorias, visto que ali pudemos perceber como se
dá o comportamento e a organização das comunidades frente a eventos como esse.
“Apanhamos” em alguns momentos, por tentarmos fazer um enfrentamento sem diálogo e
distante da realidade, até meio vanguardista, mas aprendemos a lidar com isso e nas demais
pré-conferências conseguimos levar nossas questões de forma mais dialogável e agregadora.
        Chegamos na semana da Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo, e
alguns dos residentes deixaram de ir para o Congresso Internacional de Saúde Mental e
78

Direitos Humanos em Buenos Aires justamente para participar da Conferência […].
        Elisandro deve se lembrar bem de como foi Conferência Extraordinária de Saúde de
Novo Hamburgo. Esvaziada, cheia de CC’s, amigos da gestão, alguns trabalhadores mais
combativos, poucos usuários e 4 ou 5 residentes (perdemos dois grandes parceiros de luta,
Iago e Henrique, pois eles já tinham comprado passagem pra Buenos Aires muito antes de a
gestão marcar a data da Conferência).
        No primeiro dia fizemos cartazes e levamos narizes de palhaço. Seria um protesto
simples e praticamente solitário. Era para abalar e desconcentrar a fala da secretária de
saúde ou do prefeito mesmo. Porém algumas pessoas insistiram (e muito) para não fazermos
tal protesto, alegando que seriamos um alvo fácil e não dialogaríamos com a plenária ali
presente. Já tínhamos sido reprimidos pela gestão, quando a secretária de saúde cogitou de
nos “mandar embora da cidade”, fato que fez com que a coordenação da RIS se reunisse
algumas vezes com a secretária de saúde e depois conosco. Conseguimos fazer barulho e
queríamos mais! Enfim, avaliamos então não fazer nada no primeiro dia e fomos embora
mais cedo.
        Éramos tão conhecidos pelos(as) conselheiros(as) de saúde que muitos vinham nos
perguntar:
“Guris, o que vocês vão aprontar desta vez?”
“Hoje vocês estão muito quietos!”
“Alguma coisa vai acontecer ainda, to vendo pela cara de vocês...”
        […]
                                             ..
                                             .
                                             .
[As experiências, a afecção costurada no nosso corpo se rendilha nos corpos dos olhos, não é
uma marca [punctum]que se lava e esquece. É um pormenor que permanece após o
esvaziamento, a costura acaba, mas a linha une os fragmentos.]
                                             ..
                                             .
                                             .
        No segundo dia resolvemos fazer uma moção de repúdio à gestão municipal. Então
fizemos uma moção com um tom de denúncia frente aos fatos ocorridos e colocando em
pauta a defesa do SUS público, estatal e de qualidade, com garantias de serviço para os(as)
trabalhadores(as). Uma pena que não tenho a moção aqui comigo, senão eu anexaria ao
relato.
        Feita a moção, fomos atrás das 8 assinaturas que precisávamos. Nós já tínhamos
duas (minha e de Elisandro) e daí começamos a contar junto com nosso colega Dieguinho
(não estava enquanto delegado) quem poderia nos apoiar. Conversamos com um usuário do
CAPSi e uma trabalhadora do CAPSi que era bem combatente e estava lado a lado conosco
na luta. Ao todo conseguimos 12 assinaturas, quatro a mais do que o necessário. Era
praticamente metade dos delegados presentes.
        Eis que chega a hora de lerem as moções para serem aprovadas ou reprovadas pela
plenária. Mostramos ao gestor da saúde mental nossa escrita e ele ficou muito assustado
quando colocamos em caráter de denuncia o fato de a secretária de saúde ter pedido “as
cabeças” de dois residentes. Discutimos rapidamente se colocaríamos ou não essa parte,
pois de resto estava consensualizado. Aproveitamos que vários pedidos de moções não
estavam com as assinaturas necessárias para serem levadas a votação e então a secretária
de saúde chega e fala que somente as moções com o numero de 8 assinaturas prévias
79

poderiam ser lidas e votadas. No fim só tinha a nossa moção (risos)!
        Depois de muito diálogo resolvemos então cortar aquela parte da denúncia para não
nos incomodarmos mais e também não causar tanta dor de cabeça aos tutores e
coordenadores da RIS.
        Então, o momento quero deixar congelado para sempre como uma foto nesta
trajetória de RIS, é quando o conselheiro Jair (um dos nossos parceiros no embate
cotidiano) lê a nossa moção de repúdio (a única moção que atendia os critérios da
Conferência) e a plenária (uns 60%) APROVA NOSSA MOÇÃO! De fundo, na “foto”
aparece a cara da secretária de saúde de “boca aberta” ao ver que a plenária aprovou uma
moção de repúdio à sua gestão e à Fundação estatal de direito privado (FEDP), uma
criação bizarra dessa gestão. Ela devia estar pensando na hora:
Porque fui defender a leitura das moções...
                                              ..
                                              .
                                              .
[Para os olhares atentos aos pormenores no mapa que abre essas costuras podemos ver uma
parte da moção]
                                              ..
                                              .
                                              .
        Demos muitas risadas juntamente com os(as) trabalhadores(as) ali presentes. Eu e
Elisandro (tu mesmo cara) chamamos aquilo de uma despedida honrosa. A partir dali nossa
tarefa em defesa do SUS e da classe trabalhadora tinha terminado em Novo Hamburgo.
Ficará para o resto da história a relatoria dessa Conferência Extraordinária de Saúde de
Novo Hamburgo e na parte das moções estará lá nosso texto, assinado pelo Coletivo Gaúcho
de Residentes e Fórum Nacional de Residentes. Não barramos a FEDP, não derrubamos a
gestão, mas conseguimos travar lutas dentro das comunidades, com os trabalhadores, dentro
dos serviços e do CMS. Foi uma experiência recompensadora participar de todo este
trabalho e luta. Ganhamos o respeito e admiração de algumas pessoas pela nossa ousadia e
articulação política. Conquistamos pequenas coisas, mas que para aqueles e aquelas que
lutam sabem que valem muito. Fazer com que os trabalhadores se desse conta do trabalho
precário e da privatização do SUS, foi algo muito importante para aquele cenário e para
essas pessoas, que provavelmente estarão mais ligadas daqui para frente e por que não dizer,
mais engajadas também?
        A RIS foi marcante por diversos elementos. Tivemos muitas dificuldades, mas
enfrentamos juntos, seja no movimento regional ou nacional de residentes, ou no grupo de
residentes de Novo Hamburgo. A clínica e a política passaram a conviver mais próximas
naquele ano, algo que eu não conseguia perceber antes. Afinal de contas, nem a clínica e
nem a política dissociadas resolverão as mazelas da sociedade capitalista em que vivemos. O
embate político sempre foi minha preferência, até por não me considerar um baita clínico ou
terapeuta ou professor. Mas não deixei de ler, estudar e me aprofundar nessas duas frentes,
[…]. Devo muita coisa às pessoas com quem trabalhei e convivi em Novo Hamburgo durante
a RIS. Foi uma experiência muito bacana a que tive com todo este grupo de pessoas
(usuários, familiares, trabalhadores, residentes, estagiários, nativos e etc). Fico feliz que na
RIS pude seguir construindo coletivamente meu devir revolucionário e acho que dentre tantas
coisas bacanas que aprendi, a luta em defesa do SUS (público, estatal, com acesso universal
e de qualidade) é uma das marcas que levarei da residência para toda minha vida.
        Dentro das nossas limitações enquanto sujeitos e residentes, fizemos aquilo que foi
80

possível. Agora estamos no aguardo da aprovação da ADIN da FEDP de Novo Hamburgo. A
luta em defesa do SUS se dá no cotidiano, seja na clínica ou na política. Ela provavelmente
será eterna e precisamos estar cada vez mais fortes e preparados(as) para os enfrentamentos
que virão. Precisamos combater a precarização e privatização do NOSSO Sistema Único de
Saúde. Com certeza a nossa luta não se encerrou em Novo Hamburgo. Ela apenas começou...
                                             ..
                                             .
                                             .
[Um bonito mapa, uma bonita e corajosa experiência nos conta o Léo. Essa partitura, esse
novo, essa fome de novas linhas, novos possíveis, alimenta a esperança. E como bem diz o
Leonardo, sabemos que não mudamos a estrutura macro, mas nos pormenores do trabalho, do
serviço, da Residência, de nossas vidas foram mudadas, floresceram outros devires. A luta
contínua, os devires continuam. Como diz Deleuze36[1990] “O devir não é história; a
história marca somente o conjunto de condições — por mais recentes que sejam — das quais
desviamos para "devirmos", quer dizer, para criarmos alguma coisa de novo [...] A única
chance dos homens está no devir-revolucionário, o único movimento capaz de esconjurar a
vergonha ou responder ao intolerável.” [p.2] e continua Pelbart [1993]

“Sua virtualidade está estendida aí, no meio da história, na sua superfície, como que
alcançada numa suspensão sempre incerta, inesperada, oferecida. Exige, para ser atualizada
e explorada, uma ininterrupta desobstrução, para que tanto no plano individual de uma
subjetividade como no plano coletivo, os colapsos temporais tragam o acontecimento, os
devires pulem da história e se multipliquem, os espaços-tempos heterogêneos proliferem. E
isto para que atinjam o esplendor que lhes permita alterar o curso da história, mas sobretudo
inventar para nós novas formas de viver, de subjeti-var-nos, de insubordinar-nos, afirmando
assim nosso próprio e demiúrgico esplendor.” [p. 86]

Temos que estar sempre presentes, com nossos devires a flor da pele, nos [mo]v[im]entos e
nos caminhos que seguimos. Apenas temos que ter um cuidado, como nos aponta o SrPalomar
“Só depois de haver conhecido a superfície das coisas, conclui, é que se pode proceder a
busca daquilo que está embaixo.” [Calvino, 1994, p.52]. Leonardo aponta isso no seu relato,
e é por isso que busca e nos conta a história dessa cidade. Conhecer os pormenores da
superfície para depois buscar novas formas de viver, de dar potência aos nossos devires
revolucionários.]

“O desejo é o sistema de signos a-significantes com os quais se produz em fluxos de
inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo, seja qual foi o lugar em que
aconteça, pequena família ou escolinha de bairro, que não coloquem em xeque as estruturas
estabelecidas. O desejo é revolucionário, por que sempre quer mais conexões, mais
agenciamentos.” [Gilles Deleuze e Claire Parnet, Dialogue] 37
                                            ..
                                            .
                                            .



36 Em entrevista a Toni Negri, esta entrevista foi publicada em Futur antérieur, Nº 1, primavera de 1990.
   Disponível em http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/ Último acesso em 24/12/2011
37 Recosturado de Rolnik, p. 29, 2006.
81

#De fragmentos escritos em tempos outros 38
O amanhecer nos serviços de saúde de Novo Hamburgo (ou do cedo da manhã)
O corpo sente as perguntas dos serviços de saúde, dos usuários, dos tutores, dos passantes, dos
andantes. O corpo sente a dúvida da resposta, do caminho, do abraço, da entrega. Corpo em
movimento se [re]descobrindo em [des]territóri[alização]os e [des]construção saberes e
práticas. Conhecer sujeitos (usuários) nessas cidades desperta e acorda sendas antes ausentes:
o cuidado, o sofrimento, as vidas por trás de rostos e nomes, as relações, o amor, a amizade, a
risada, o choro....Como narrar, como cartografar essas idas e vi[n]das? Como explicar o mau
humor por acordar cedo para a descoberta de um dia cheio de surpresas e o cansaço ao cair do
sol no horizonte? Como criar te[ce]ssitura nas palavras se estamos de passagem
perman[aus]ente[s] nas vidas encontradas e nas cidades? Sobra tanto espaço no vazio do
son[h]o não recor[t]dado ao acordar. Como contar, escrever sobre o que se quer sistematizar
antes no corpo. Nesse corpo que quer ser Poema Encarnado?]

Assim como a fala de uma usuária, citada pelo Aladim39, “O que a gente quer é que eles
apareçam”. O que queremos é que a gente aparece junto com os usuários. Que o cobertor seja
comprido para cobrir os pés de todo mundo, romper com a fragmentação dos serviços e
construir redes melhores de acolhimento. Na fala do Aladim também me questiono “Que
escuta é essa? Que cuidado é esse? Qual o nosso compromisso e atendimento com os usuários
que estão aqui?”. Num gesto de quem ainda está por acordar desligo o despertador do celular
e apago a luz para mais uns minutos de son[h]o.
                                             ..
                                             .
                                             .




38 Trechos de narrativas apresentadas a RIS no mês de março/abril de 2010.
39 Tutor de campo no Caps Santo Afonso, em Novo Hamburgo.
82




                                                                             Portas Abertas
                                                        Fo[car]tografia de Leonardo T. Abib

#Das portas abertas
“Achei muito simbólico tirar uma foto de dentro do Morada Viamão com o portão aberto.
Poderíamos fazer diversas metáforas com isso. A Reforma Psiquiátrica abrindo as portas de
muitos ex moradores de manicômios no Brasil, a rede que substitui a grade, a casa em
contrapartida a unidade de internação, o direito de ir e vir (mesmo quando restrito em
alguns casos) ao invés da “moradia compulsória”[...]Por esta porta aberta foram muitas
idas e vindas, que infelizmente algumas não voltam mais, mas que se tivermos investimentos
e pessoal com certeza esta porta aberta servirá muito bem a muitas pessoas.”
                                              ..
                                              .
                                              .
[Os Residencias Terapêuticos é um dos campos, cenário de práticas, onde os residentes
passam mais tempo. Sua marca esteve presente em quase todas os fo[car]tografos [menos o
Diego]. E todos trouxeram as alegrias, mas também as dificuldades desse serviço substitutivo,
Leonardo aponta aqui alguns entraves “o projeto dos residenciais terapêuticos ainda precisa
avançar muito no Brasil. Precisa-se de vontade política, financiamento, gente contratada e
educação permanente para tocar estes projetos e assim mais pessoas possam ter a
oportunidade da vida em comunidade, na rua, na cidade”. Como diziam um residente da
turma anterior “bancar a reforma assim não é fácil”, Pelbart [1993] traz alguns
questionamentos que são interessantes para serem costurados aqui, falando sobre os loucos
diz que “a ideia de uma sociedade sem manicômios mereceria enfim ser problematizada
desde a base” [p.103] e nos faz uma pergunta“mas será que uma ideia assim romântica
ainda faz sentido?” [p.98]. Percebo [e posso estar errado nessa afirmação] que ainda vivemos
83

uma ideia romântica em relação aos manicômios, e o pior [para mim] um discurso romântico.
É fundamental pensarmos nas rachaduras que podemos fazer, sem batermos a cabeça na
parede, Pelbart continua e nos fala que

“só é possível […] se evitarmos que a ideia de uma sociedade sem manicômios se esgote em
sua evidência primeira.
É preciso que este chamamento de apenas três palavrinhas — SOCIEDADE SEM
MANICÔMIOS - recupere a força de uma questão candente. A pergunta mais geral que
merece ser colocada inicialmente é a seguinte: o que significa de fato, no plano da cultura,
essa utopia asséptica de uma sociedade em que os loucos não mais estariam confinados nos
asilos, nem discriminados nas famílias, nem segregados no trabalho? Quando derrubarmos
definitivamente os muros do manicômio e acolhermos entre nós seus inquilinos, quando
passarmos a considerá-los serenamente como nossos vizinhos, em suma, quando os loucos
passarem a fazer parte integrante de nossa paisagem cultural e antropológica a mais
cotidiana — aí, nesse futuro longínquo mas a cada dia mais próximo, o que acontecerá
efetivamente com os loucos, e com a loucura?
Trata-se de saber, primeiramente, se faremos com os loucos aquilo que já se fez com
homossexuais, índios, crianças ou outras minorias — ou seja, definir-lhes uma identidade,
atribuir-lhes um lugar, direitos, reconhecimento, até mesmo privilégios — mas ao mesmo
tempo torná-los inofensivos, esvaziando seu potencial de desterritorialização. Por potencial
de desterritorialização entenda-se esse poder secreto e admirável de embaralhar os códigos,
subverter as regras do jogo e transpor ou deslocar os limites, sempre de outro modo, seja
através de um devir-bicha, de um devir-negro, de um devir-nômade ou de um devir-louco, e
ora assumindo um rosto estranho, ora ameaçador, sacrílego, herege, criminoso ou delirante.
É óbvio que não se trata de fazer a apologia do confinamento manicomial. Mas é preciso
insistir desde já que não basta destruir os manicômios. Tampouco basta acolher os loucos,
nem mesmo relativizar a noção de loucura compreendendo seus determinantes psicossociais,
como se a loucura fosse só distúrbio e sintoma social, espécie de ruga que o tecido social,
uma vez devidamente "esticado" através de uma revolucionária plástica sociopolítica, se
encarregaria de abolir. Nada disso basta, e essa é a questão central, se ao livrarmos os
loucos dos manicômios mantivermos intacto um outro manicômio, mental, em que
confinamos a desrazão.” [p.103-104; 106]

São questões interessantes de pensar, de proporcionar o debate, não para criticar o que temos
hoje em termos de Reforma, mas sim para avançarmos, e sairmos de um discurso. Florescer
um outro movimento. Colocamos muita força no debate de quem é a favor ou contra a
Reforma Antimanicomial que por vezes [e muitas] esquecemos desse sujeito que está, ou
trancafiado num manicômio, ou impedido de alguns direitos já adquiridos dentro dos
Residenciais, e de um cuidado que o levará para o fora [ou melhor ainda, para o meio de nós].
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“O Pensamento do Fora é aquele que se expõe às forças do Fora, mas que mantém com ele
uma relação de vaivém, de troca, de trânsito, de aventura. É o pensamento que não
burocratiza o Acaso com cálculos de probabilidade, que faz da Ruína uma linha de fuga
micropolítica, que transforma a Força em intensidade e que não recorta o Desconhecido com
o bisturi da racionalidade explicativa.” [Pelbart, 1993, p.96]
84




Da estrada
Fo[car]tografia de Leonardo T. Abib

#Das sendas
“Queria tirar uma foto de estrada! Estrada esta que liga as pessoas, que aproxima as
cidades, que nos leva ao trabalho, à militância, à família e aos amigos. Também é uma
estrada que pode levar vidas [...] Foram muitas viagens nestes dois anos de RIS, tanto pela
estrada quanto pelo céu. Novo Hamburgo, São Lourenço, Rio Grande, Pelotas, Alegrete,
Amaral Ferrador, Uruguaiana, Passo de los Libres, Imbé, Mariluz, Tramandaí, Viamão,
Santa Maria, Juazeiro-BA, Petrolina-PE, Brasília-DF, Uberaba-MG, Rio de Janeiro-RJ e
João Pessoa-PB. Ufa! Muito trabalho, muitos trabalhadores, usuários, familiares,
companheiros e companheiras, lutas, amizades, derrotas, vitórias, esperanças, frustrações e
estranhamentos, alegrias e surpresas. Fórum Nacional de Residentes, Coletivo Gaúcho de
Residentes, CAPS Santo Afonso, CAPSi Saca Aí, CAPS AD Nova Vida, Morada Viamão, CES-
RS, Conferências de Saúde, praia, família e amigos, residência, resiliência, resistência,
SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE! Valeu a pena...”
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[Falávamos anteriormente das marcas que deixamos e as que levamos, quando paramos para
olhar nosso percurso, as sendas e estradas que caminhamos, muitas imagens afloram em
nossos olhos, em nosso corpo. A fo[car]tografica faz memória das imagens guardadas por
nosso olhar, Didi-Hubermam [1998] fala que “o que vemos só vale – só vive – em nossos
olhos pelo que nos olha.” [p.29]. Não temos ideia do tanto de marcas, de linhas, de pontos
que alinhavamos ao longo desses dois anos,mas pelas fo[car]tografias apresentadas aqui
podemos ter um recorte, um enquadramento, de que o olhar vive nos nossos olhos, e nos
85

olhos de quem trilhou esse percurso, ou passou por ele em determinado momento desses dois
anos. Tessler [2003] diz que “O gesto do disparo da câmera, penso, corresponde ao de um
olho que pisca. Mirar o alvo com um olho só e, ao mesmo tempo, reivindicar a cumplicidade
do objeto em questão. A relação de alteridade se estabelece em pacto e captura […]
enquanto a luz penetra no diafragma da máquina, o fotografo afirma o seu tempo e lugar.”
[p. 7]. As marcas, pontos, linhas que se fazem nesse disparo da câmera, ou no piscar dos
olhos busca o encontro, a cumplicidade de quem caminha junto, de quem olha junto, de quem
sente junto. Belloc [2005] nos conta dessa cumplicidade, diz que “o público participa
efetivamente da criação” [p.85] ao falar do ato criativo de artistas, poderíamos fazer uma
releitura disso rendilhando que na nossa formação os que nos acompanham [tutores,
preceptores, colegas, usuários, moradores, trabalhadores, amigos, família, amores, …] são
marcas importantes para a costura que fazemos nos pormenores do dia-a-dia. A cumplicidade
de quem caminha junto nas estradas e sendas de nossa formação é a linha mais forte de nossa
costura.]
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“Assim, sendo o coeficiente artístico o elemento que convoca a cumplicidade do público, e
sendo essa claudicação fundante do citado coeficiente a matéria prima da produção artística
de Bavcar, podemos afirmar que suas imagens contêm como pensamento principal a
cumplicidade necessária para o ato criativo. Bavcar eleva a cumplicidade à categoria de um
conceito, na medida em que a mesma se mostra como um instrumento fundamental do
pensamento de sua obra. Mais do que isso, sua obra nos aponta que a cumplicidade assume
a função de dispositivo possibilitador do ato criativo.” [Belloc, 2005, p.86]
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#Pensam[v]entos 9
05/12/11 – Tecnologias leves e leves-duras para a produção do cuidado – Micropolítica do
Trabalho vivo em ato [Merhy]
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Da frente da FACED
Fo[car]tografia de Leonardo T. Abib [2011]

#Das Janelas III
“Quando tu me pediste para tirar fotos de lugares, espaços, pessoas, cenas que me fizessem
sentido durante a trajetória da Residência, não poderia deixar de tirar uma foto da Faced.
Circulo nesta faculdade, neste campus, desde 2005. Já são muitos anos de história ali, com
muitas aulas, colegas, professores, eleições, campanhas, eventos, ocupações, estudos, fins de
tarde e inícios de manhã. Após minha formatura não pensei que fosse voltar tão cedo para
Faced! Agora na RIS estou dando continuidade a esta história na Faced, repleta de ilusões,
alegrias, tristezas, questionamentos e amizades. É muito simbólico termos uma RIS dentro da
Faculdade de Educação, bem estratégico. Acredito que somos a única RIS alojada numa
Faculdade de Educação. Infelizmente a foto foi tirada num dia frio, chuvoso e com pouca
circulação, mas quando olho para foto logo me remeto a todas essas lembranças que
comentei acima.”
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[Nos agenciamentos, nas costuras, nesse rendilhar fo[car]tografico pensei em terminar com
essa imagem, assim como iniciei com as fotos que contam do Iago, pois tudo conta, tudo é
c[p]onto. A foto torna-se surpreendente [Barthes, 2009, p. 42] quando a agenciamos com
pensamento, quando paramos para ver o que nos olha, e para olhar o que vemos, “a
fotografia não diz aquilo que já não é, mas apenas e de certeza aquilo que foi” [idén, p. 95],
e além daquilo que já não é, daquilo que foi, fica aquilo que foi marcado pelo disparo dos
nossos olhos, dos nossos processos de formação, de pensar-nos enquanto trabalhadores e
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residentes, enquanto sujeitos cartógrafos e fotógrafos, enquanto seres em devires múltiplos. O
que fica são olhares pelas janelas e as linhas pontilhadas de saberes e aprendizagens.]
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[#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores VI
As marcas que ficam, as costuras nos pormenores do cotidiano, é a cumplicidade de quem nos
acompanha nesse nosso processo de formação, de construção de novas aprendizagens.
Permanece marcado as linhas de força de um fora, de um meio, de um entre.
A costura, o rendilhar pode acabar em um determinando momento, mas as linhas coloridas
permanecem, fazem marcas, sentido. Despertam nossos Devires, nossos pormenores
                                         [d/e/o/a-s]
                                          Coletivo
                                         Militantes
                                             Anjos
                                            Poetas
                                      Revolucionários
                                          Cotidiano
                                            Clinica
                                        Experiências
                                          Inquietos
                                           Imagens
                                            Janelas
                                      Mo[v]im[entos]
                                         Rachaduras
                                           Son[h]o
                                      [in]visibilidade
                                         Delicadeza
                                            Política
                                             Cores
                                              Nós
                                           Sossego
                                           Desejos
                                         Encontros
                                            Brotar
                                          Florescer
                                             Meio
                                          Margens
                                            Tempo
                                            Linhas
                                             Olhar
                                            Escuta
21/07/11 –
T
C
Costura: arrastar fragmentos e aproximar um do outro.
88

As linhas de uma Pedagogia dos Pormenores



       Caro amigo/a. Sim amigo/a. Pois ao acompanhar esse processo de e[in]scrita, após
rendi[o]lhar linhas, fotos, imagens, pensamentos, passa de um leitor que no inicio entrou pelo
prazer do texto, a cúmplice de um caminhar. De um estar junto.
       Não finalizo, colocando um ponto final nessa costura. Pois ela ainda segue tecendo-se,
é uma vestimenta de inacabamentos, com linhas e tecidos coloridos. São Pormenores
multicolores. As linhas costuradas agenciaram seis pensamentos de uma Pedagogia dos
Pormenores. Pudemos ler/olhar/estar com eles no final de cada um dos seis fo[car]tografos.
No caminho de lembranças do processo de formação. São apontamentos que marcam, não são
ponto final. É apenas o Rendhi[o]lhar Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores.
       Pode estar, meu amigo/a, se perguntando o que acabamos de costurar. Costuramos sete
olhares. Sete pensamentos. Sete imagens pensadas. Costuramos mapas. Histórias.
Fragmentos. Mas você ainda se pergunta, mas isso não se junta tudo numa coisa só, não temos
uma roupa, uma colcha, um tecido, uma bandeira. Lhe respondo que temos sim, mas são Sete
produtos, que ainda seguem em processo. Que ainda vão rendilhar com outros saberes, que
ainda buscam outros olhares de aprendizagem e de formação. Barthes [2009] nos adiantava no
incio desse texto, “nada dizer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba sozinho à
consciência afectiva” [p. 64] e é o que Didi-Hubermam diz quando quer que abramos os
olhos, mas não as pálpebras, que abramos o olhar


                        “Abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais veremos -
                        ou melhor, para experimentar que o que não vemos com toda a evidência (a
                        evidência visível) não obstante nos olha como uma obra (uma obra visual) de
                        perda. Sem dúvida, a experiência familiar do que vemos parece na maioria das
                        vezes dar ensejo a um ter: ao ver alguma coisa, temos em geral a impressão de
                        ganhar alguma coisa. Mas a modalidade do visível torna-se inelutável - ou seja,
                        votada a uma questão do ser - quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos
                        escapa, isto é: quando ver é perder. Tudo está aí.” [Didi-Hubermam, 1998, p.34]



       Mas inquieto/a se pergunta, mas do que adianta tudo isso então. Lhe digo com a
cumplicidade de quem olha, de quem caminha junto, que as Linhas de uma Pedagogia dos
Pormenores se fazem marcas no caminhar e que sempre estão inconclusos, inacabados,
sempre em processo de formação, de criação, de devir [pormenor], e estão fo[car]tografados
nas imagens e nas e[in]scritas do Iago, da Graciela, da Cristiane, do Diego, do Henrique, do
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Leonardo, estão nos pensamentos e nos diálogos que fiz com esses fo[car]tografos, nos
pensamentos traduzidos e falados por aqueles que dão sustentação teórica, filosófica. Estão
nos restos de pensamento que fizeram marca em você.
       Preciosa [2010] fala que essas Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores são uma

                       “escritura fragmentária, organizada em torno de ideias-palavras, atadas entre si
                       por um elo de sutil afinidade, é um buquê de formas que não forjam nem um destino
                       textual, sequer um destino subjetivo. Ao contrário, incorpora sem culpa a “doida
                       poligrafia” de uma caderneta de apontamentos solta em campo” [p.24]


       No costurar, nesse rendi[o]lhar fo[car]tografias de formação entramos e nos
construímos pelo meio. Costurando. Tecendo. Uma senda incerta, com passos
desequilibrados, levados pelo vento, pelo mar, pelos braços cúmplices de quem nos
acompanha nessa estrada. Nos Rumores Discretos de Subjetividade [Preciosa, 2010] as linhas
que colorem nosso produto final são as marcas que deixamos, é uma Cartografia Sentimental
[Rolnik, 2006], que se rendilha De um Fragmento ao Outro [Baudrillard, 2003], em uma Nau
do Tempo-Rei [Pelbart, 1993], nas Conversações [Deleuze, 1992] de uma Vida do Fora
[2010], no habitar da Câmara Clara [Barthes, 2009], nos silêncios de um tempo, no Ponto
Zero [da Fotografia – Bavcar, 2000] de uma Filosofia [Da Caixa Preta, Flusser, 2011], marcas
que ficam pressas nos olhos [Do Senhor Palomar, Calvino, 1994], são Memórias [do Brasil,
Bavcar, 2003] em mo[v]im[ento].
       Sendo assim, caro/a amigo/a, vamos apenas [rendi]olhar os pormenores a nossa volta e
os sutis mo[v]im[entos] de formação, de aprendizagens nas fo[car]tografias cotidianas.
       Fica um convite: entregar-se ao prazer do olhar..
       Fica um segundo convite: deixar-se tecer e tecer junto dialogando com as imagens e
palavras.
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#Das últimas anotações

04/10/11 – Das imagens não tiradas:
Passarela do arroio diluvio – um ipê-rosa.
Entrada da Vila Cachorro Sentado – um ipê-rosa.
Questão: será que ainda chove flores?




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26/07/11
Pa: P.s <visceralmente silencioso aqui> questão sem importância – como fotografar o
silêncio?
Pe: Tava te escrevendo...sua questão tem bastante importância. A Vilela diria que temos que
fazer visível a ausência e realizar a experiência do silêncio “para tal partirmos de uma
forma de fazer visível o silêncio – a fotografia”, e o Manoel de Barros dizia que é difícil
fotografar o silêncio, mas ele tenta. Então temos que criar uma linguagem de experienciar o
silêncio e fazer cartografia fotográfica.




                                            ..
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03/12/11 – Tradução das imagens
Pedagogia dos Pormenores
As coisas começam a existir quando a gente vê.
91




Referências [Dos pormenores [in]ventados]

BAREMBLITT GF. Introdução à esquizoanálise. Belo Horizonte: Biblioteca do Instituto
Féliz Guattari. 1998.

BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Lisboa/Portugual: EDIÇÔES 70, 2009.

               . Incidentes. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

                .O império dos signos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

               .O Prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.

               . Roland Barthes por Roland Barthes. São Paulo. Cultrix, 1977.

BAVCAR, Evgen. Catálogo de Exposição. A Noite Minha cúmplice. Museu de Arte do Rio
Grande do Sul Aldo Malagoli; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
Curadoria: Elisa Tessler – Exposição de 23 de agosto a 30 de setembro de 2001.

              ; TESSLER, Elida,; BANDEIRA, João. Memória do Brasil, São Paulo: Cosac
& Naify, 2003.

               . O Ponto Zero da Fotografia. Rio de Janeiro, 2000.
92


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94


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MICHAELIS, Dicionário Online – UOL -
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MICHAELIS, Dicionário Online – UOL -
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RIBEIRO, Daniela de Figueiredo; SOUZA, Elaine Cristina de. Carto(foto)grafando a
subjetividade de jovens trabalhadores do sexo masculino, atores do cenário informal
calçadista        da      cidade       de     Franca        -SP.     Disponível    em:
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VENTRE, Anna Letícia. Carregando água na peneira: A delicadeza como ferramenta nas
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 http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/29951/000779502.pdf?sequence=1

Wikipédia - Significado de Sustenido - http://pt.wikipedia.org/wiki/Sustenido

Blogs

EXPERIMENTAÇÕES FOTOGRAFICAS:
http://experimentacoesfotograficas.blogspot.com/view/classic .CURSO DE EXTENSÃO
EXPERIMENTAÇÕES FO[CAR]TOGRAFIAS E DEFICIÊNCIA VISUAL. GOMES,
Letícia B; MIANES, Felipe L; NOAL, Daniele G;RODRIGUES, Elisandro; SILVA, Anelise
V. Da; Porto Alegre, 2010.

MO[V]IM[ENTO]: http://caminhodaloucura.blogspot.com/

Músicas

Eu não sei na verdade quem eu sou – O Teatro Mágico [Composição de Fernando Anitelli]

Invento – Vitor Ramil

Chover [ou a invocação para um dia líquido] – Cordel de Fogo Encantado [ Composição
Lirinha e Clayton Barros]
95

Os Buracos no Espelho – Arnaldo Antunes [Composição Edgar Scandurra e Arnaldo Antunes]

O sol que ilumina – Wander Wildner

Maria, Maria – Milton Nascimento [Composição Fernando Brant e Milton Nascimento]

Alegria, Alegria – Caetano Veloso

Jogos de amar – Richard Serraria

Pedagogia dos pormenores

  • 2.
    Pedagogia dos Pormenores:Rendi[o]lhando fo[car]tografias de formação Elisandro Rodrigues Fotografia do murro do Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo – 24.09.11
  • 3.
    Universidade Federal doRio Grande do Sul - UFRGS Faculdade de Educação Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGEDU Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde - EDUCASAÚDE Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva - RISSM PEDAGOGIA DOS PORMENORES: RENDI[O]LHANDO FO[CAR]TOGRAFIAS DE FORMAÇÃO Elisandro Rodrigues Orientadora: Károl V. Cabral Co-Orientadora: Mayra M. Redin Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Pós Graduação em Educação, Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde (EducaSaúde), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para obtenção do título de Especialista em Educação em Saúde Mental Coletiva, sob orientação de Károl V. Cabral e co-orientação de Mayra M. Redin. Porto Alegre, 2012
  • 4.
    30/10/11 – Notade Agradecimento: Dentro de um envelope impresso em papel vegetal.
  • 5.
    A Pa quenos fragmentos cotidianos rendilhou poesias, silêncios e a cumplicidade do olhar. Pela delicadeza dos abraços, dos sonhos e do voar. Pela poesia inacabada. Iago, Diego, Leo, Graci, Henrique, Cris por estarem abertos ao fo[car]tografar suas imagens e pensamentos. Chico, Chuck/Adão pelas conversas e os jogos. Amélie e Abib pelo caminhar. Mayra, pelo desafio de compartilhar pormenores. Pelas horas conversadas numa Palavraria entre livros, imagens e arte. Károl, pelas palavras, livros e os “restos”. Patricia Dorneles, pela presença nesses anos de formação. Márcio Amaral , por disponibilizar a fo[car]tografar pormenores. EducaSaúde, Preceptores e Tutores pela possibilidade e pela abertura de pensar outros processos de formação.
  • 6.
    A Helena [Inmemoriam] por ter disponibilizado a cola inicial para juntar os fragmentos e os mosaicos de “um pouco de possível senão eu sufoco” [Deleuze]. Saudades do café de segunda.
  • 7.
    RESUMO Nos fragmentos docotidiano dos Residentes, da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva [RIS/UFRGS], uma parada. Um olhar. Uma imagem. Uma fotografia. Uma vivência do silêncio. Uma experimentação do novo. Uma Fo[car]tografia de uma formação em mo[v]im[ento]. No rendi[o]lhar processos, um pormenor. Na costura das linhas coloridas, uma pedagogia. Na brincadeira de colar mosaicos e palavras, a Pedagogia dos Pormenores. Esse texto convida a abrir janelas e olhares, a pensar num olhar frágil, táctil, silencioso, delicado. Convida a misturar pensam[v]entos e imagens, a partilhar as linhas e tecer sendas. Fazer ponto, marca, renda. Encontrar e se perder nos pormenores de uma fo[car]tografia de formação. Palavras-chave: Pedagogia, Pormenores, Fotografia, Cartografia, Formação. ABSTRACT In the fragments of daily life for residents of the Residence Multiprofessional Integrated in Mental Health [RIS /UFRGS], a stop. A look. A picture. A photograph. A experiencie of silence. A new trial. A pho[car]tograph for a training in movement[wind]. In the process, a “detail”. In the sewing of colored lines, a pedagogy. In the game tiles and pastin words, a Pedagogy of the “details”. This text invites you to open windows and looks, to think of a fragile look, touch, silent, gentle.Calls to mix thinks, winds and images, to share lines and weave paths. Make point, mark, income. To Find and get lost in the “details” of a pho[car]tograph for a training in Residence Multiprofessional Integrated in Mental Health. Keywords: Education, Details, Photography, Cartography, Training.
  • 8.
    SUMÁRIO I PARTE – Da costura inicial 8 #Pensam[v]entos 9 Primeiras imagens: um convite ao rendi[o]lhar os Mo[v]im[entos] 11 [In]ventando outro lugar 12 # Pensam[v]entos e Pausa 13 Para um futuro dicionário de palavras brincadas: um breve glossário 13 #Do Sustenido 13 #Do Movimento 15 #Do Filosofo[tografo] 17 Experimentações Fo[car]tográficas 18 #Do Rendilhar 19 #Da Cartografia 20 #Da Fo[car]tografia – Car[ fo]tografia: descobertas e encontros 22 #Do Fragmento 23 #Do Pormenor II PARTE – Dos olhares 27 Dos Pormenores Fo[car]tografados 28 Rendi[o]lhando Pormenores Fo[car]tografados 30 #Nota de entrada e # Dos fragmentos iniciais 31 Mapa I 32 #Dos versos no caminho 1 e 2 33 #[i]m[a][g]em[o] – das fotos que contam 34 #Das Janelas I 36 #Dos momentos a registrar 38 #Do corpo
  • 9.
    39 #Um Quadro 40 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores I 41 Mapa 2 42 #Das cores de [Gr]Amel[c]ie[la] – das marcas no papel e na vida 44 #De nós 45 #De outros nós e Pensam[v]entos 46 #De um lugar de sossego: Redença 47 #De um lugar ao Sol 48 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores II 49 #Artes 50 Mapa 3 51 #C[otidiano]ristiane[ncontro] 52 #Das Janelas II 54 #Das Experimentações 55 #Das correntezas 56 #Do Tempo e do Sr. Palomar 57 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores III 58/59 Mapa 4 60 #[D]as l[i]nhas do invisiv[e]l[go] 61 #Ainda sobre o invisível 62 #Do olhar e da delicadeza 63 #Da afecção e da escuta 64 #Pensam[v]entos 65 #Das bandeiras 66 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores IV 67 #Um re[SU]Spiro 68 #De uma nota perdida II 69 Mapa 5
  • 10.
    70 #Dos Movimentos i[He]n[ri]qui[e]tos 71 #Do acumulo 73 #Das rachaduras na janela 74 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores V 75 Mapa 6 76 #“Caminhando contra o v[L][e]nt[o]”: Uma Narrativa de So(N[H])o{s} – Sono; Sonhos; SOS; Em NH. 76 #“Nas grandes cidades de um país tão surreal...”: narrativas hamburguenses 81 #De fragmentos escritos em tempos outros 82 #Das portas abertas 84 #Das sendas 85 #Pensam[v]entos 86 #Das Janelas III 87 #Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores VI 88 As linhas de uma Pedagogia dos Pormenores 90 #Das últimas anotações 91 Referências [Dos pormenores [in]ventados]
  • 11.
  • 12.
    8 # Pensam[v]entos I 1 22/06/10 – Criar é resistir [Deleuze] Por que a gente é desse jeito Criando conceito pra tudo que restou? [Fernando Anitelli] 1Pensamentos anotados – cartografados, no celular e em páginas brancas dos blocos de anotação. Usarei dessas anotações para referir-me as linhas que se costuraram no percurso dessa escrita, e para dar alguns intervalos entre o pensamento, a palavra e a imagem. Essas anotações são Incidentes [Barthes, 2004], são impressões, anotações e distrações [Redin, 2007,2009], são fragmentos vividos e experienciados, são pormenores [Barthes, 2009] das minhas partituras do caminho.
  • 13.
    9 Primeiras imagens: umconvite ao rendi[o]lhar os Mo[v]im[entos] Não sei como iniciar esse texto já iniciado. Poderia começar usando as palavras de Barthes que diz que é “a partir da leitura que o texto existe”. Se tomar isso como ponto de partida, esse texto está existindo nesse momento em que você lê essas primeiras linhas. Nesse existir texto a partir da leitura, o leitor, entra em comunhão com o autor “no momento em que se entrega a seu prazer.” [Barthes, 1987, p.7]. E esse autor explica que Texto quer dizer Tecido; mas enquanto até aqui esse tecido foi sempre tomado por um produto, por um véu todo acabado, por trás do qual se mantém, mais ou menos oculto, o sentido (a verdade), nós acentuamos agora, no tecido, a ideia gerativa de que o texto se faz, se trabalha através de um entrelaçamento perpétuo; perdido neste tecido nessa textura o sujeito se desfaz nele, qual uma aranha que se dissolvesse ela mesma nas secreções construtivas de sua teia. Se gostássemos dos neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia da aranha). [Barthes, 1987, p.81-82] Um primeiro convite: entregar-se ao prazer do texto. Um segundo convite: deixar-se tecer e tecer junto dialogando com as imagens e palavras. .. . .2 Nos processos de ventar pensamentos para dentro do meu corpo, Barthes e Bavcar me acompanharam muito, nos pequenos interstícios desses Mo[v]im[entos], algumas ideias capturadas pelo olho [lente da maquina que dispa[amar]ra os pontos <<punctuns>>] compõe a e[in]scrita do meu texto. Barthes comentava que as fotos apareciam para ele em todos os espaços, assim é o meu pensamento que olha o mundo através da imagem fotografada [ou se apresenta como fotografia aos meus olhos]. Vejo através de imagens. Penso através de imagens. 2 O Braille é composto por 6 pontos, que são agrupados em duas filas verticais com três pontos em cada fila (cela Braille). A combinação desses pontos forma 63 caracteres que simbolizam as letras do alfabeto convencional e suas variações como os acentos, a pontuação, os números, os símbolos matemáticos e químicos e até as notas musicais. Essa combinação é a letra “P”, de [Pedagogia dos] Pormenores, e ela será a separação dos pensamentos ao longo desse escrito.
  • 14.
    10 “Fotos, vejo-as por todo o lado, como cada um de nós hoje em dia; elas vêm do mundo para mim, sem que eu as peça; são apenas <<imagens>>, o seu modo de aparecimento é a das mil e uma proveniências (ou dos mil e um destinos).” [Barthes, 2009, p. 24] Nesse emaranhado cartográfico fiquei pensando por que janelas olhar, como sistematizar esses fragmentos do vivido e do experienciado, como falar das [através de] fotos [cartografia fotográfica], fico me perguntando: o que são esses fragmentos que vivemos [vividos]?D[o] que eles dizem, de que subjetividade estamos falando, de que processos, o que [não] é capturado pelo olho? O que [não] olhamos? Não sou um fotografo. Tampouco um conhecedor das técnicas de luz e escuridão [nem a câmera escura das revelações conheço]. Mas fui ferido [um punctum] pela fotografia. Sou interessado pelas formas como compomos as imagens, de como a pensamos, de como a buscamos e como a criamos. Sendo assim, esse texto é uma investigação [uma revelação por processos químicos subjetivos] do desejo de me aproximar mais das imagens [pensadas, faladas, disparadas, clicadas, …]. Por isso [cara, caro leitor] não leia as linhas desse texto com imagens pré [disparadas] concebidas sobre arte e a linguagem da fotografia – da luz e escuridão. Convido-o a fechar os olhos e experienciar outras imagens. Convido-o/a para não desistir dessa leitura, e a usar essas linhas [que se fazem encontro nesse existir] para rendi[o]lhar os pontos que ficam soltos nesses frag[por]men[ores]tos.
  • 15.
    11 “... Vento quevem,/pode passar/inventa fora de mim/outro lugar” [Vitor Ramil] [In]ventando outro lugar Para se abrir a experimentação proposta e comigo tecer o movimento desse texto é necessário inventarmos um outro lugar. Khoury [2009], citando Pina Bausch, diz que é necessário “encontrar uma linguagem para aquilo que não pode expressar de outra forma” [p. 14], encontrei essa outra linguagem no jogo, na verdade no encontro, que as palavras e conceitos fizeram. Esse encontro das palavras criou um outro lugar, uma inven[to]ção. Uma brincadeira. Nessa brincadeira os conceitos se apresentarão e se misturaram. O Rendilhar, transformou-se em rendi[o]lhar, o movimento em mo[v]im[ento], a Cartografia em Car[fo]tografia, a fotografia em fo[car]tografia, os fragmentos que buscamos em pormenores e os pormenores em fragmentos – frag[por]men[ores]tos. As palavras começaram a dançar juntas, coladas, tecidas, costuradas uma na outra. Elas abrem novas janelas, novos colchetes. Elas voam ventadas. Elas restam.
  • 16.
    12 # Pensam[v]entos II 20/12/10– [an]danças # Pensam[v]entos III 04/04/11 – No porvir do silêncio dançamos na cartografia do invisível, para a qual é preciso fabricar-se # Pensam[v]entos IV 26/06/11 – dança da chuva # Pausa 09/07/11 – Fumaça que dança “então comecei a fazer desenhos verbais de imagens” [Manoel de Barros, 2010]
  • 17.
    13 Para um futurodicionário de palavras brincadas: um breve glossário Para entendermos essa dança e continuar a tecer esse outro lugar seguimos na brincadeira com as palavras, e antes de [rendi]olhar as imagens fo[car]tografadas, podemos puxar uma linha mais colorida dando mais cor a essa costura. Tecidos coloridos que são conceitos, noções, restos. .. . . #Do Sustenido Como já vens percebendo estou usando o símbolo #, o nome desse símbolo é sustenido. É muito usado na música e nos teclados [computador, celular, ….]. Segundo a Wikipédia3, “Em música, o sustenido é um acidente que, tendo seu sinal de notação (#) colocado à esquerda da nota, indica que a altura desta nota deve ser elevada em um semitom. A Presença do símbolo sustenido produz modificações nas notas...”. O sustenido [#] eleva o tom, usamos ele aqui para dar um outro tom, um meio tom, uma diferenciação para as palavras conceitos utilizadas e para as entradas dos textos. O # é a entrada de um pormenor, daquilo que chama a atenção, que marca, que possibilita um outro[meio] tom. # Do Movimento A forma como venho pensando, o[rendi]lhando a Residência4, é em mo[v]im[entos]. As imagens mudam, se formam e transformam em outras, movimentando-se. A cada interstício do olhar uma nova imagem. A cada disparada, piscada, dos nossos olhos imagens entram na gente por todos os lados. Nesse movimento de disparar, de piscar muitas imagens ainda se perdem, das coisas que não conseguimos ver. O vento sempre esteve presente através 3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Sustenido 4 A Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva (RIS) pertence às atividades de ensino coordenadas pela Faculdade de Educação, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estando sob a coordenação técnico-científica do EducaSaúde – Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde que apresenta inserção junto à Área de Educação em Saúde, no Departamento de Ensino e Currículo, e à Linha de Pesquisa Psicopedagogia, Sistemas de Ensino/Aprendizagem e Educação em Saúde, no Programa de Pós-Graduação em Educação, além de ações interunidades de ensino na Universidade, como aquelas com o Instituto de Psicologia e Escola de Enfermagem. A RIS foi meu espaço de pesquisa, e meus colegas residentes os colaboradores que se aventuram a experimentar essa pesquisa de afecção chamada fotografia cartográfica.
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    14 desse movimento dedisparar [olhar]. Brissac [2000], em um texto5 falando sobre o Filosofo[tografo] Bavcar, diz que “Evgen Bavcar não pode ver e, portanto, se utiliza de outras maneiras de perceber. Apela para outros sentidos. Existe uma discrição lindíssima que ele faz do seu trabalho, dizendo o seguinte: “Eu fotografo contra o vento”. Fotografar contra o vento significa fazer com que o vento recorte a posição das coisas. Indique para ele onde as coisas estão e qual o perfil que elas têm. O vento traz o cheiro que as coisas têm, o ruído ambiente que emitem. O vento faz ver.” Para mim o vento também faz ver, e esse vento é movimento – mo[v]im[ento]. Esse ver com outros sentidos nos desloca para outras janelas a todo tempo, possibilita a costura com linhas diferentes, multicolores. Ao pensar nesse termo composto de movimento e vento surgiram outras partituras 6 • vento • mim • momento • invento • vi • vim • move • movi [de filme, de andar] • tô [implicação, presença] • vêm [implicar outros] • é deixar-se levar pelo que se passa e pelo que passou. Apenas algumas das possíveis leituras que podemos fazer nesse deslocamento do mo[v]im[ento]. .. . . 5 Fotografando contra o vento, página 41, in BAVCAR, Evgen. O Ponto Zero da Fotografia. Rio de Janeiro, 2000. 6 Na Livraria Palavraria numa co-orientação com Mayra Redin – 17.08.11
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    15 # Do Filosofo[tografo] Já que falamos desse Filosofo[tografo] Evgen Bavcar e é importante dizer quem ele é. E por que apenas ele? Acredito que os outros autores, interlocutores, teóricos que acompanham a costura dessas linhas não tem a peculiaridade do olhar que esse Filosofo[tografo] têm. Bavcar é um fotógrafo-artista-filósofo-poeta7 cego. Ele não nasceu cego, foi perdendo a visão após dois acidentes consecutivos. Ele pode enxergar até a idade de 11 anos. Belloc, nos conta esses dois acontecimentos em sua dissertação 8 de mestrado, “Como já afirmamos anteriormente, foi a partir de dois acidentes subseqüentes que ele tornou-se privado da visão física: aos dez anos perde a visão do olho esquerdo, acidentalmente, num choque com um galho de árvore enquanto brincava; aos onze anos sofre o segundo acidente, com a explosão de um detonador de uma mina terrestre, quando fere o olho direito, cuja vista vai gradativamente enfraquecendo, até perdê-la por completo com doze anos.” (p. 61) Elida Tessler [1998] complementa essa fala de Belloc [2005] dizendo que “Durante o intervalo entre os dois acontecimentos, Bavcar diz ter observado o mundo apenas com um olho só. Experiência monocular, aprendizado de miradas certeiras, talvez.” e continua contando que em seus escritos, ele nos conta: "Eu não fiquei bruscamente cego, mas pouco a pouco, com a passagem dos meses, como se se tratasse de um longo adeus à luz. Desta forma, tive eu todo o meu tempo para dar conta do vôo dos objetos mais preciosos, as imagens dos livros, as cores e os fenômenos do céu, e lhes carregar comigo em uma viagem sem retorno. Talvez tenha sido uma sorte que isto tenha se passado lentamente. Talvez tenha sido somente o cinismo do destino que tratava deste retardamento. Espero não ser nunca obrigado a responder estas questões de modo preciso. [in BAVCAR, Evgen. Le voyeur absolu. Paris, Seuil, 1992. P.8]9 " A aproximação com esse filosofo[tografo] se deu nas conversas com Károl e Mayra, e após aprofundar-me em suas leituras [sem esgotar ainda a arqueologia da luz desse autor], e pela construção desse texto, fui convidado a ajudar em um curso de extensão na UFRGS chamado “Experimentações Fo[car]tográficas e Deficiência Visual: um cOntra-sensO?” 10. 7 TESSLER, Elida. Evgen Bavcar: silêncios, cegueiras e alguns paradoxos quase invisíveis. Porto Alegre: Revista Porto Arte, vol.9, 1998. 8 BELLOC, Márcio M. Ato Criativo e Cumplicidade. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. UFRGS, 2005. 9 TESSLER, Elida. Evgen Bavcar: silêncios, cegueiras e alguns paradoxos quase invisíveis. Porto Alegre: Revista Porto Arte, vol.9, 1998. 10 Os textos são do blog http://experimentacoesfotograficas.blogspot.com/view/classic
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    16 Nesse espaço rico na produção de imagens e pensam[v]entos fui costurando outras perguntas que se incorporaram ao meu texto. Algumas das questões pensadas partiram da leitura desse filosofo[tografo]: Como se forma a imagem? Como construímos as imagens? Como compomos imagens com os outros sentidos, como nosso corpo? Daniele Noal Gai, apresenta esse curso dizendo que ele ::Objetiva-se experimentar as maneiras culturais de olhar e seus efeitos sobre sujeitos. Propõe-se a produção de um espaço em que a fotografia possa ser composta por imagens do cotidiano e feitas por pessoas com deficiência visual, e que não necessariamente tenha fim de representação, de catalogação, de legenda ou ilustração, mas, sim, de impressões de vida, de fluxos narrativos... ::Quer-se: tornar pensável o que vemos e o que nos olha. Quer-se: tornar visível o como somos vistos por aquilo que vemos. Intenta-se: uma aproximação com um grupo de pessoas que interessam-se por [i]visualidades e/ou [in]visibilidades e/ou [i]foco. Tensiona-se: a exploração e materialização de sentidos através da fotografia. Dispara-se: a produção de artefatos visuais e experimentação da cultura visual. Busca-se e perde-se: sentidos possíveis entre a visão, a cegueira e a [in]visibilidade. E Felipe Leão Mianes fala da sua experiência [como fotografo com baixa visão] Mas, a bem pouco tempo e através dos textos de Evgen Bavcar, um grande fotografo cuja cegueira lhe confere uma percepção estética diferente, percebi que a imagem não é uma questão do que se enxerga, mas sim, de como se produziu aquilo que construímos como imagem. Em um primeiro momento, o que sinto quando me descrevem uma imagem é o que terá deixado de ser dito, será que é do jeito como me foi dito? Pois é, a fotografia tem o poder de demonstrar como uma mesma coisa pode ser tão diferente, quando sua imagem é construída por indivíduos diferentes. Esse espaço de pensar, de fo[car]tografar contribui para conhecer novos olhares sobre a questão da imagem e da produção dela. Foi um curso de extensão curto, com três encontros, mas que conseguiu mexer com os sentidos, proporcionando esse Contra-Senso, esse lugar dentro [ou afora como nos diz Letícia Boari Gomes] Pensei-senti algo assim ó: Olhar cartográfico que busca os sentires produtores de sentido trans-figuradas em imagens-sensação no (des)enfoque criador de cartografias de si lugar-comum-afora
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  • 22.
    18 # Do Rendilhar O Rendilhar floresceu na nuvem digital [em um e-mail recebido e perdido pelo tempo] onde a palavra pontuava o texto de uma forma delicada e sutil. Fo[car]tografada permaneceu como imagem guardada no baú de recordações. Ao deparar com a escrita desse texto ela surgiu como Ponto, como uma linha necessária a costura desse e[in]scrito, e esse ponto se fez renda. Segundo o dicionário11 #Rendilhar: ren.di.lhar [rendilha+ar²] vtd 1. Adornar com rendilhas. 2.Adornar em forma de renda. 3. Embelezar, florear: Rendilhar a linguagem, o estilo. 4. Recortar: “Rendilhar papéis para a prateleira” (Morais). 5. s.f Diminuitivo de renda. Certo tipo de renda muito delicada; Renda: 2 ren.da 1. sf . Obra de malha feita com fio de linha, seda, ouro ou prata, apresentando desenhos mais ou menos caprichosos, que serve para guarnecer peças de vestuário, roupas de cama etc. 2.v.t. Ornar com rendilhas ou com lavores delicados; 3. s.f. Tecido leve e transparente feito com fio de linho, seda, algodão, etc., que serve de guarnição a vestidos, toalhas e outras utilidades. Car[fo]tografando pensam[v]ento com o texto em que estamos e numa metáfora com a Residência que estou inserido, penso que nossa formação se pontua no agenciar processos 11 Dicionário Online Michaelis – UOL - http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php? lingua=portugues-portugues&palavra=rendilhar
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    19 subjetivos com delicadezaproduzindo sentido com quem trabalhamos e convivemos, ou seja, Rendilhamos processos de formação e de aprendizagem, estamos em permanente processo de formação e de aprendizagem [e os que nos acompanham - sejam eles usuários, moradores, trabalhadores, tutores, também o estão] costuramos com delicadeza, recortamos com leveza e juntamos esse pequenos pedaços [pormenores] da nossa formação, do que somos, dos com que trabalhamos, em uma colcha multicolorida de Mo[v]im[entos] subjetivos. .. . . #Da Cartografia #Pensam[v]entos V 11/04/11 - Cartografia (qualitativa) – Suely Rolnik – a cartografia é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo tempo que os movimentos de transformação da paisagem. A cartografia toma como procedimentos a interação e o nomadismo, a implicação e capacidade de afetar e de se deixar afetar (afetivação). Para fazer toda a costura, toda a junção dessas linhas coloridas, precisava de um método, de uma ferramenta, da agulha certa a essa tecitura. A cartografia mostrou-se como essa agulha. A Cartografia é um método proposto por Gilles Deleuze e Felix Guattari e vem sendo utilizado em pesquisas de campo voltadas para o estudo da subjetividade. Visa acompanhar um processo, e não representar um objeto. Trata-se sempre de costurar e de investigar um processo de produção. O pesquisador na Cartografia é um Cartógrafo que se faz na pesquisa, constrói seu cartografar a partir dos passos dados no cotidiano, dando vazões a outras linguagens estéticas, capturando as sensações através do corpo e do olhar. “o cartógrafo é um verdadeiro antropófago: vive de expropriar, se apropriar, devorar e desovar, transvalorado...tudo o que ele quer é dar língua para os movimentos do desejo...E o que ele quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo,inventar pontes para fazer sua travessia: pontes de linguagem...dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas intensidades de seu tempo e que, atento as linguagens que encontra, devore as que lhe parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem necessárias.” (ROLNIK, 2006, p. 23). Numa cartografia, o cartografo acompanha e transforma o que se conhece. Cartografar é sempre um ato de criação, de produção de novos sentidos. A Cartografia é mais um modo de
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    20 sistematização de conhecimento,onde a produção está sempre associada a arte e a implicação do autor/cartógrafo/pesquisador se faz presente do inicio ao fim da viagem rabiscando anotações soltas em seu caderno, não como simples observador da janela de um ônibus, ao contrário, vivenciando cada trajeto. Para BAREMBLITT [1998] “A cartografia é um mapa- relato, objetivo e subjetivo, que expressa a singularidade desta viagem, embora sirva a outros ´para construir sua própria trajetória, sempre experimental, sempre aventureira´”. O conceito de Cartografia aproxima-se muito ao de Rizoma. Segundo Passos e Benevides [2009] a Cartografia é um método de pesquisa-intervenção, que não se faz por regras já prontas nem com objetivos já estabelecidos, mas nem por isso, é uma ação sem direção, ela reverte o sentido tradicional da pesquisa mas não abre mão dos processos de orientação e do percurso de uma pesquisa. Dizem eles ainda, que toda pesquisa é uma intervenção, e nisso “a cartografia como método de pesquisa é o traçado desse plano da experiência, acompanhando os efeitos (sobre o objeto, o pesquisador e a produção do conhecimento) do próprio percurso da investigação” (p. 17-18). Essa agulha possibilitou costurar novas linhas, produzindo subjetividades, se afetando no anda[nça]r que essa abertura metodológica permite. Abertura que é possível juntar termos Cartografia e Fotografia – Fo[car]tografia/ Car[fo]tografia. .. . . # Da Fo[car]tografia – Car[ fo]tografia: descobertas e encontros Nessa brincadeira de tecer essas linhas diferentes fui procurar na nuvem [internet] o encontro desses dois termos, para ver se alguém já tinha pensado em uma “Cartografia Fotográfica”. Poucos foram os textos e artigos que traziam a aproximação desses conceitos. A brincadeira com os dois termos, mesclando-os fo[car]tografia e car[fo]tografia, trouxe uma descoberta interessante. Do encontro de um artigo e o “[c]li[n]k” na nuvem [internet] de outros encontrou-me o texto: Para a sua execução foi utilizado o método carto(foto)gráfico, que é a junção dos dispositivos cartografia e fotografia, apresentado por Orsolin (2008), em uma pesquisa realizada. Para a autora, a carto(foto)grafia pode ser utilizada como dispositivo de encontro, onde coloca-se o sujeito da pesquisa a problematizar suas vivências e dar significados à elas. (RIBEIRO; SOUZA) 12 12 RIBEIRO, Daniela de Figueiredo; SOUZA, Elaine Cristina de. Disponível em: http://unifacef.com.br/novo/xi_encontro_de_pesquisadores/Trabalhos/Encontro/Elaine%20Cristina%20de %20Souza.pdf . Acesso em 03 de Out de 2011.
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    21 Para minha surpresa alguém já havia brincado com os termos. Fui a procura de Orsolin [2008] e descobri, através das redes sociais, que a autora mora na mesma cidade que circulo toda a semana, cidade essa que foi campo de trabalho na Residência, e onde muitas imagens foram pensadas, clicadas, experienciadas e vivenciadas [Novo Hamburgo]. Surpresa. Descoberta. Encontros. A nuvem [internet] havia me aproximado do conceito que estava a trabalhar. Ao ler [Luciana Trombini] Orsolin13 [2008] descobri que para ela A imagem cria uma serie de mensagens as quais o texto por vezes não consegue produzir, do mesmo modo em que a fotografia coloca o fotógrafo no encontro com o cenário a ser capturado. Assim conectamos a cartografia e a fotografia uma permeando a outra, pelos encontros que estas promovem e pela multiplicidade de universos mutantes a serem capturados. A essa conexão da cartografia com a fotografia, nomeamos de “carto(foto)grafia”. (p. 20-21) Diz ela ainda que “a Fotografia assim possibilita que a leitura do cartógrafo, permeada pelo próprio fazer cartográfico bem como pelo olhar daquele que produziu a fotografia, possa desenhar em certa medida os processos que estão em produção nestes encontros” (pg. 23) . Nos encontros a brincadeira de criar o novo vai se rendilhando. Fico pensando nesses encontros que acontecem, nas possibilidades existentes entre […] - dois colchetes. Muitos são os possíveis, acredito eu. Nossas vidas, nossos processos de formação são feitos de experiências, de experimentações, de pequenos fragmentos e pormenores. Somos atravessados por muitos encontros [físicos, virtuais, fotográficos, textuais, ..], e são esses encontros que possibilitam os Mo[v]im[ento]s e as Car[fo]tografias de nossa escrita de vida, da boniteza de nossas tecituras e escrituras. .. . . 13 ORSOLIN, Luciana Trombini e TOROSSIAN, Sandra Djambolakdjian. Carto(foto)grafando o encontro de migrantes brasileiros com a China. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, Jan/ 2008.
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    22 #Do Fragmento Sob aforma de pensamento-frase, o germe do fragmento nos vem em qualquer lugar: no café, no trem, falando com um amigo (surge naturalmente daquilo que lê diz ou daquilo que digo); a gente tira então o caderninho de apontamentos, não para anotar um “pensamento”, mas algo como o cunho, o que se chamaria outrora um “verso”. [...] o fragmento (o hai-kai, a máxima,o pensamento, o pedaço de diário) é finalmente um gênero retórico, e como a retórica é aquela camada da linguagem que melhor se oferece à interpretação, acreditando dispersar-me, não faço mais do que voltar comportadamente ao leito do imaginário. (Barthes, 1977, p. 102-103) No processo de olhar os pormenores que se apresentavam no cotidiano dos dias, e com o pensamento voltado para a escrita desse texto, encontrei um livro chamado “De um fragmento ao outro” de Jean Baudrillard [2003]. Não o conhecia, mas resolvi comprar e ler os fragmentos que ali estavam. O livro é uma entrevista. Mais tarde pesquisando sobre o autor, descobri que o mesmo gostava de fotografar e pensava sobre o uso da imagem na [pós]modernidade. Além dessas aproximações outro encontro se deu no uso do Barthes [1977] para pensar a imagem e a fotografia, mas também cita-o para falar dos fragmentos O fragmento tem seu ideal: uma elevada condensação, não de pensamento nem de sabedoria ou de verdade (como ocorre com a máxima), mas de música: ao “desenvolvimento” se oporia a “tonalidade”, alguma coisa de articulado e de cantado, uma dicção: aí deveria reinar o timbre. [p. 33] Lembrei-me de Preciosa (2010) “a ideia de fragmento arrasta consigo o incômodo da incompletude. Além dessa sensação de incômodo, pode também gerar um grande desconforto: pensamentos fragmentários não asseguram àquele que lê a exposição clara de um percurso teórico, de um sítio de onde se parte. Que espécie de segurança pode oferecer um texto fracionado, aos pedaços, que insiste em ir ao encontro do que é episódico, descontínuo, dissipatório, efervescente, quase informe? Para alguns, talvez seja frustrante enredar-se numa viagem desse tipo. Entretanto, se acolhido, o fragmento pode nos surpreender”. (p. 23) Essa autora ainda nos diz que temos que começar pelo meio e “incorpora sem culpa a 'doida poligrafia14' de uma caderneta de apontamentos solta em campo” (p. 24). São fragmentos que nos constituem enquanto sujeitos de uma [e](in)scrita de vida. Preciosa ainda fala, citando Denílson Lopes [Nós os Mortos], que “o fragmento é para o pesquisador o que o sample é para o músico: um exercício de liberdade, mais um elemento desmantelador da noção de autoria, ao representar a criação como um jogo de pirataria, uma colagem feita por Djs”. 14 A autora utiliza-se de um conceito de Roland Barthes.
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    23 Aventurar-se a pensar em uma escrita através dos fragmentos, ou dos pormenores, pode ter sido arriscado, não seria mais pelo fato de ter encontrado interloc[a]utores que dialogavam comigo, como o caso desses dois citados acima. Continuando com Baudrillard ele diz que “os objetos se transformam, quando são vistos no detalhe” (p. 34) e prossegue o fragmentário resulta da vontade não só de destruir um conjunto, mas também de enfrentar o vazio e o desaparecimento […] Deveria ser efetuado também um paralelo com a fotografia: a imagem como espaço por excelência do fragmento, de um mundo des-finalizado. A imagem pode voltar a ser o espaço de uma moral, de uma ideologia, mas a fotografia [...]parece ter um privilégio semelhante ao do fragmento, não só pelo corte, mas também pelo silêncio, pela imobilidade e por estar, à semelhança do fragmento, ligada a um suspense, algo que não está elucidado e não se encontra aí por acaso. (p. 42-43) Vilela [2010] fala que “essa fragmentação passa pela compreensão da singularidade” (p.322), e diz que a fotografia “é um gesto de fazer visível a ausência através de fragmentos que constituem uma experiência” (p. 327). Viver essa fragmentação é viver as subjetividades singulares das experiências cotidianas [fragmentos de cotidianidade 15]. Incompletude [para Preciosa] vazio, suspense [para Baudrillard], ausência [para Vilela], pormenor, acaso [para o Barthes]. Creio que o fragmento – frag[por]men[ores]tos, nos abre muitas janelas para pensar, nos proporciona uma parada para ver [para fechar os olhos e ver melhor]. .. . . #Do Pormenor Chegamos ao final dessa costura, depois dela podemos dar um tempo, respirar olhar, esticar os dedos. Para mim toda essa brincadeira de pensar palavras, ideias, conceitos me levou a demorar-me mais na palavra pormenor. No dicionário16 por.me.nor 15 CORAZZA, Sandra M. Introdução ao método biografemático. In FONSECA, Tânia M. G; COSTA, Luciano Bedin (org). Vidas do Fora habitantes do silêncio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010. 16 Dicionário Online Michaelis – UOL - http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php? lingua=portugues-portugues&palavra=pormenor
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    24 sm (por+menor) Minúcia, minudência, particularidade. Capturado de uma palavraimagemfotografada de Barthes [da Câmara Clara, 2009], o pormenor levantou-se do escrito textual e caminhou na dança das linhas. Barthes sempre ao tratar do punctum [que para ele são pontos, feridas, marcas, picada], falava antes dos pormenores. Para Redin [2007] “Barthes refere-se ao punctum como um acaso que salta de uma imagem - no caso de seu estudo, da imagem fotográfica - algo que fere, que punge, um detalhe não-organizado por uma lógica.” É nesse detalhe que se vê o pormenor, é a partir dele que o olhar atravessa as fotos, dando existência ao punctum. Esse pormenor [fragmento] que pontua, fere, atrai, marca, que atravessa os processos cotidianos de nossas vidas, rendilha Mo[v]im[ento]s e car[fo]tografias nos processos de formação. Esses processos, essas imagens em fragmentos, essa experimentação cotidiana que nos cansa, que nos afeta, que se faz marca em nossos corpos e em nosso existir é um #pormenor. Esse conceito molhou meu corpo, me coloriu, me afetou [o #punctum Barthiano]. “Nesse espaço habitualmente unário, por vezes (mas, infelizmente, raras vezes) um <<pormenor>> chama-me a atenção. Sinto que a sua presença por si só modifica a minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um valor superior. Este <<pormenor>> é o punctum (aquilo que me fere)....Do ponto de vista da realidade (…) toda uma causalidade explica a presença do <<pormenor>> (…) o pormenor é dado por acaso e mais nada...” [Barthes, 2009, p. 51] Esses #pormenor[es] dados por acaso, que ferem nossa atenção, machucam nossos olhos, nossos corpos é o que nos impulsiona a clicar [disparar] fotos apenas pensadas [apenas imaginadas]. Ficamos com essas imagens em nossas mentes [in]visível, nos mo[v]im[enta] para o cotidiano de nossas vidas. Nos da força para caminh[danç]ar. As imagens se comunicam com nossos corpos “tudo o que podemos dizer é que o objecto fala, induz, vagamente, a pensar” [ibden. p. 47] nos atinge com seu #pormenor, nos fere. Grita em silêncio dentro de nossos olhos [na invisibilidade das cores], provoca estreme[nas]cimentos, “o que eu vejo é o pormenor descentrado” [ibden. p. 60]. Nas correrias do cotidiano olhamos sem ver. Não deixamos as imagens entrar, não deixamos as imagens pensadas saírem. Barthes fala que devemos “nada fazer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba sozinho à consciência afectiva”[ibden. p. 64], dar tempo a essa #pormenor é deixar o “olhar
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    25 tátil” de Bavcar[Memória do Brasil, 2003] nos guiar, ser também uma câmara escura, fazer as imagens pensadas palavras, “olhar com nossos próprios olhos, por mais frágeis que sejam”[Bavcar, p. 140]. Abrindo-me para meus próprios olhos [tentando enxergar com o corpo, fechando os olhos] um #pormenor “entrepalavras” [Bavcar, pg 120] emergiu de um poeta [Manoel de Barros, 2010] e fo[car]tografou que “Imagens são palavras que nos faltaram./Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem./Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser./Acho que o nome empobreceu a imagem” [do poema Uma didática da invenção, e, O guardador de águas]. Nesses mo[v]im[ento]s de pensar o que [não] olhamos, e de que forma [não] olhamos, esse poeta brincou com a palavra e a imagem. Bavcar fala que as vozes fazem ressuscitar as imagens, e que as vezes “as palavras se vão como os instantes que elas enfeitaram.” [p. 130], creio que as imagens enfeitadas, suadas, sofridas, alegres, aquelas que disparam nossos dias para outros possíveis, outras janelas, permanecem guardadas e saltam ao nosso corpo [num olhar tátil] com os #pormenores nos encontros cotidianos. Abrir. Fechar. Capturar. Disparar. Palavra. Imagem. Estar aberto ao #pormenor, dar atenção a ele, olha-lo com mais delicadeza, é o que convoca a essas experimentações fo[car]tográficas. Vivenciar esses #pormenores no nosso cotidiano dando existência é significar os pequenos processos que vivenciamos e experienciamos. E esse processo, essa costura de pormenores eu chamo de Pedagogia dos Pormenores17. 17 A primeira vez que olhei/li esse conceito foi na dissertação de mestrado de uma amiga, Patricia Dalarosa – Pedagogia da Tradução: entre bio-oficinas de filosofia [2011]. Ela apontou esse conceito, fui atrás, mas nada achei, algo sistematizado, de dito, de escrito. Quem sabe seja por que esses pormenores sempre estão inacabados, sempre estão caminhando pelo meio. E assim continuo com uma Pedagogia dos Pormenores, escrita pelo meio.
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    27 Dos Pormenores Fo[car]tografados Fo[car]tografia de Elisandro Rodrigues [2011]
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    28 Rendi[o]lhando Pormenores Fo[car]tografados As capturas fotográficas constituem a cartografia dessa pesquisa-intervenção. Cartografar cenas/imagens e narrá-las/contá-las é sistematizar os percursos da formação no/do cotidiano, construindo e revisitando uma nova linguagem de comunicação, novos possíveis de pensar e escrever, de falar de Educação e Saúde. É optarmos por parar e olhar os pormenores que caminham conosco. Cada um dos sujeitos que participou desse processo de pesquisa-intervenção, e me incluo nesses sujeitos como cartografo, assim como“Bavcar tira fotos do meio, de dentro, não de fora. Ele não se afasta para ver as coisas, ao contrário, ele está mergulhado nas coisas.” (Brissac, 2000, p.40), esses sujeitos estão dentro, e como pesquisador cartografo me lanço a esse mergulhar dentro das imagens, dos pormenores fo[car]tografados. Cada um desses seis sujeitos que aceitaram se experimentar [Iago, Graciela, Cristiane, Diego, Henrique e Leonardo] fazem recortes, enquadramentos de seus dias, do seus cotidianos, nos mostrando através de imagens e palavras os pormenores da formação da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Mental Coletiva. E junto com esse contar deles vou lembrando de histórias vividas, mergulho nessas reminiscências e [com]partilho esses pormenores de formação. Cada um dos seis que se experimentarão tiraram oito fotografias com uma Máquina Fotográfica Analógica [MFA], em tempos diferentes. Alguns demoraram mais que outros, alguns demoraram-se mais no pensar,“no fundo, a Fotografia é subversiva não quando assusta, perturba ou até estigmatiza, mas quando é pensativa” [Barthes, 2009, p. 47]. Para alguns esse tempo de pensar foi difícil, o clicar apenas oito fotos, o que enquadrar, o que contar, quais pormenores focar. Nesse tempo de espera rendilhei mapas 18 que contam dos meus pormenores de formação. Costurei recordações e histórias, colei mosaicos de vida. Essa espera foi uma das intervenções. O não ver a imagem clicada, focada, não ter o visor digital, não poder apagar. Esperar para os sais de prata agirem e mostrarem a luz e escuridão das imagens. Em tempos onde não paramos, o parar para pensar a imagem, o parar para esperar a imagem mostra-se [mostrou-se] difícil. O parar para ver, parar para escolher das oito fotos apenas três [alguns escolheram quatro]. O parar para escrever o que não está 18 Os mapas não terão legendas, as legendas estão nos fragmentos pincelados e colados. Os mapas contam histórias minhas, histórias desses quase dois anos de Residência, e vão de encontro às imagens clicadas. Essas imagens, fo[car]tografadas terão legenda dadas pelos olhos e mãos que a tiraram.
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    29 escrito nessas imagens19.Parada está que proporcionou escrever muito mais do que o pedido. As imagens abriram o baú das memórias e outros pormenores foram contados. Vilela [2010] nos fala que “A importância da imagem fotográfica não reside na afirmação representativa ou na expressão narrativa de um facto, mas na ruptura de uma ordem discursiva: numa imagem onde os corpos que resistem irrompem como um gesto que rasga o olhar. Em Sobre a fotografia, Susan Sontag assinalou que fotografar é, em si mesmo, um acontecimento. A fotografia parece permanecer para além do acontecimento fotografado, conferindo-lhe uma certa imortalidade e importância (…) Uma vez que vemos, queremos ver mais. Queremos ver o que se mostra, o visível, mas também o que se oculta, pois o escondido fascina.” (p. 322) Ela continua dizendo que “o olhar demora-se na imagem de um olhar que se abandona (…) as imagens solicitam-nos o olhar e a profundidade do ver” (p. 319). Foi esse o desafio apresentando a essa pesquisa-intervenção: disparar o olhar para o sensível e o delicado das experiências de trabalho dos Residentes e seus processos de formação. A autora citando Blanchot nos convoca a fazer visível a ausência. Dentro de um processo de formação que busca desinstitucionalizar saberes a visualização dessas imagens e práticas é a afirmação de mosaicos e fragmentos vivos, vibráteis. Ao parar para pensarmos as imagens/cenas de práticas e de experimentações de mundo é tornar visível a ausência. Com os textos, mapas, fo[car]tografias queremos mostrar o [in]visível, mostrar os pormenores de nossa formação e pensarmos nessa Pedagogia dos Pormenores, convido-o[a] para fecharmos os olhos e rendi[o]lhar esses pormenores que se fazem [in]visível. 19 Segunda questão geradora, depois de verem suas fotos contar “o que [não] está e[in]scrito na imagem que você gostaria de contar [sobre o processo de formação]?”
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    30 #Nota de entrada Asfalas das imagens serão em ordem: primeiro sempre a imagem pensada e escrita, segundo a escrita disparada da imagem. Em itálico o pensam[v]ento desses interlocutores [os que me ajudam a intervir e os teóricos], o texto normal se apresenta como meus pensam[v]entos. As datas entre [ ] são datas dos pensam[v]entos anotados, cartografados em papel ou no display do celular. .. . . # Dos fragmentos iniciais 27/04/11 – Nas falas dos residentes as práticas pedagógicas e as bandeiras da reforma. Uma imagem e uma história. Se você pudesse pegar uma imagem da Residência e congelar 20, qual seria? Contar um pouco das práticas durante esse período da Residência. 20 Primeiro termo usado para a Primeira pergunta geradora, depois o termo foi substituído por fotografar.
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    32 # Dos versosno caminho 1 19/01/11 – O verso [Mario Quintana] o verso é um doido cantando sozinho seu assunto é o caminho. E nada mais! Fo[car]tografia de Elisandro Rodrigues [2011]– Dos versos no caminho 12/08/11 – Demorei-me um pouco mais em cada percurso ao acordar: perdi o ônibus! #Dos versos no caminho 2 O caminho, a estrada, a rua [o fora] Paisagens fo[car]tografado [por todos] Das entradas e saídas nos ônibus [nos trens] Se faz mapa, marcando datas, dias [dois anos]
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    33 #[i]m[a][g]em[o] – dasfotos que contam “Uma foto do lugar, mas com as histórias e estórias daquelas pessoas que nos receberam. Tal foto, se revelada, deveria possuir muita luz, de sol a pino, céu azul com poucas, mas densas nuvens; ao fundo um morro, alto e seco, com muitas plantas e uma aquarela de tons pastéis, seco. A frente desse morro, um casebre branco, descascado, de material, a escola. Uma árvore ao lado, oferecendo sombra e alívio. Chão de terra clara, mais parecido com areia.” 21 .. . . [Iago pensa a imagem, e junto com a imagem lembra dos momentos que se passaram antes, durante e depois de fo[car]tografar em seu memória - “uma senhora chamava atenção: a curandeira do local” - conta das práticas diferenciadas de saúde, das contradições do sertão - “uma menina do acampamento nos acompanhou até a barragem de Sobradinho, um contraste gritante entre seca e o mar d'água do Rio São Francisco” - "O sabiá no sertão Quando canta me comove, Passa três meses cantando, E sem cantar passa nove, Porque tem a obrigação, De só cantar quando chove”22. Iago questiona “não há como dizer o que não há na foto sem dizer aquilo que mais se faz presente nela […] Escrever sobre as imagens é uma outra foto e, por mais esforço que se coloque, minha escrita só consegue se aproximar em apontamentos.” Nossas escritas e imagens são apontamentos, são fragmentos do inacabado, do que está sempre em processo, dos devires.] .. . . [Somente o tempo pode gerar uma imagem perfeita. Mas ao criar uma imagem, que tipo de perfeição buscamos? Como estabelecer o que confere o imperfeito e o perfeito de uma imagem? Deixar cair um pingo de tinta no chão já é construir uma imagem. Movimentar os braços levando o pincel a tela faz parte da coreografia desta construção. Todo gesto produz imagens, umas mais visíveis que outras, mas todas em movimento. Elas não param de se deslocar, mesmo quando tentamos fixá-las com o nosso olhar. - TESSLER, 2010, p. 293] .. . . 21 Imagem recordada durante a XI Reunião do Fórum Nacional de Residentes [FNRS]: Ressignificando nosso papel e nossa luta no sertão do Velho Chico – em Juazeiro/BA. 22 Chover (ou a invocação para um dia líquido) – Cordel de Fogo Encantado.
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    34 Da janela do ônibus o Hospital Psiquiátrico São Pedro Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011] #Das Janelas I “O que não está … é o mais presente: a história do São Pedro” [Fico pensando em [18/12/10] Como poderia chover flores onde pouco chove água? [André Neves] nas [09/07/11] rachaduras – cabeçadas na parede?Percurso. Deslocamento. Partitura. Morada São Pedro – caleidoscópio ou [01/12/11] “Se necessário”?]“materialização gritante de uma das faces do processo de exclusão insuperável nesse modo de produção; trabalho e formação durante dois dias da semana ao longo de um ano”. a janela some na parede a palavra de água se dissolve na palavra sede, a boca cede antes de falar, e não se ouve23 .. . . [Nas convivências na Residência muitas falas se perdem, muitas imagens se soltam ao vento. 23 Os Buracos do Espelho – Arnaldo Antunes
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    35 Uma delas, recente,ainda guardada nas imagens mentais é uma conversa em São Lourenço do Sul. Iago diz que quer mostrar uma música para eu e Diego, a música é “o sol que ilumina” de Wander Wildner. Ao final da música olhei para o Iago e disse “vou usar ela para mostrar outra imagem da sua foto do São Pedro” ... Juliana me conte como foi o seu dia no São Pedro E se as crianças já estão aprendendo Juliana me conte como foi o seu estágio na Restinga E se os funcionários estão com tudo em cima ] .. . . Da foto do fotógrafo No EducaSaúde Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011]
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    36 #Dos momentos aregistrar “...quase diariamente caminho com a pretensão de encontrar momentos a registrar. Os momentos até existiram, mas eram mais rápidos que o abrir a mochila […] Elegi alguns lugares […] quando estava com a câmera para pensar meu registro, Henrique, residente e psicólogo, elegeu a sala do Educa Saúde – que eu não registraria – e, como estava com a câmera na mão, gostei da ideia de registrar o momento de registro de outro residente inserido na proposta – quase uma metafoto.” .. . . “Na fotografia nunca posso negar que a coisa esteve lá […] aquilo que intencionalizo uma foto […] não é Arte, nem comunicação, é a Referência...” [Barthes, 2009, p.87] .. . . [22/11/11] O que perdemos quando vemos? Quais os pormenores que nos escapam no cotidiano?
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    37 C A N S A Ç O TEMPO E S T R A N H A M E N T O Da roupa sem corpo Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011] Sentimento de esvaziamento
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    38 #Do corpo “relógio presoao peito. Deslocamento. Conversa. Sono. Estranhamento enquanto trabalhador/residente” .. . . “...feitos que somos de superfície de impressão e diluição […] afinal o que é a impressão senão um quase – rastro – resto do que se foi, e que por ser resto ainda é, de uma experiência quase sem sentido que faz parte da vida?” [ Redin, 2010, p.357-358] .. . . [nota perdida] o que mesmo se faz com o que ninguém mais quer? .. . . O olhar para o vazio e estranhar. Estranhar os corpos que não andam. Que apenas silenciam. Que batem a cabeça nas janelas das lotações. Que dormem o sono dos trabalhadores [ou residentes?]. Nas conversas o que resta é o rastro da experiência.] .. . .
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    39 Do relexo-do-autoretrato Fo[car]tografia de Iago G. Cunha [2011] Cada visível guarda uma dobra invisível que é preciso desvendar a cada instante e a cada movimento. [Novaes, 2000, p. 27] #Um Quadro “Há um quadro […] de algum modo a loucura […] o que (“não”) está é o meu processo […] da experiência […]”[quem sabe alguns pormenores do cotidiano] “eu-mesmo, projeto de vida, angústias, desassossegos, inseguranças, esperanças, novidades, saudades...e....” .. . . [… quem sabe impor nosso “olhar, por mais frágil que seja” [Bavcar, 2003, p. 98] e mostrar as imanências do [in]visível e do possível num quadro, num espelho, nos reflexos que cegam, nos processos que iluminamos e apagamos.] .. . .
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    40 .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores I O visível e o invisível caminham juntos – sempre em movimentos e deslocamentos de escritas e de imagens – podemos separar uma da outra? Como proporcionar cuidado na invisibilidade? Quais os momentos a registrar? Quais os pormenores a serem [r]achados? No deslocamento dos corpos sem relógio [ou com relógios presos ao peito] o estranhamento e a dúvida: trabalhador ou residente? Nos nossos olhares frágeis fragmentos que restam, pintados e colados: pequenos foras [dentro] onde começamos pelo meio e pequenas linhas [de fuga, de amizade, de saudade, de vazio, de esperança, de embarque e desembarque] quem sabe...] .. . . “A natureza física do cosmo está em permanente transformação. E a crosta terrestre se agita, revolvendo-se. A superfície da Terra está sempre mudando. E nós não somos essa identidade estável, inquebrantável, imperturbável, que fica assistindo de fora a festa da vida esbanjando sua potência de variação. Estamos incluídos nessa viagem radicalmente transformadora. Somos passageiros de um ônibus circular, cujo ponto de embarque e desembarque ignoramos. Nele, estamos sempre ingressando pelo meio do trajeto. Essa é nossa sinuca de bico vital. Vamos, voltamos, vamos, voltamos, indefinidamente. E a terra que do ônibus avistamos, o porto seguro em que desejamos atracar, não passa de uma placa de terra móvel, que não avança para lugar nenhum estabelecido, vai a deriva. E ainda que nos assuste muito existir assim sem um ponto de apoio, vivenciando a alternância dos prumos e desaprumos de nós mesmos, nossa enigmática viagem está confirmada e é intransferível.” [Preciosa, 2010, p.91- 92]
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    42 #Das cores de[Gr]Amel[c]ie[la] – das marcas no papel e na vida “tarefa muito difícil. Primeiro veio várias imagens... depois a escolha destas imagens […] fiquei com sentimento de ter esquecido “a” imagem e de não ter sido justa com tantas outras. Afinal aconteceram tantas coisas e dentro de uma intensidade tão, tão grande....” .. . . [Graciela acha difícil escolher a imensidão de imagens que vivenciamos no nosso cotidiano, destas tantas nomeia cinco. No piscar dos olhos acha que muitas imagens se perderam. Penso para onde vão elas? Graciela escolhe uma imagem que fala dos desejos e das lutas, pensa ela nas “asas do desejo” [Pelbart, 1993] deixa outras guardadas na memória afetiva. Quem sabe para partilhar em outros momentos, em outros disparos.] .. . . “Escolho a imagem da usuária Teresinha sendo gravada dentro da sua casa, com sua mãe, no bairro Santo Afonso, para seu tão esperado documentário. Por quê? Acho que essa situação eternizada pela imagem representaria o meu percurso na Residência por carregar em si tantos significados... símbolos de luta, da Reforma, de apostas, desejos.” .. . . [A menina Amélie traz o desejo de devir anjo, de devir asas dessa usuária. Ela deixa que as cores conduzam sua escrita e fala desse desejo de se ver. Desejo de mudar. Um devir de asas que acompanhei, que compartilhei e que marcou. Diz Graciela que Teresinha “anos antes, em um passeio do CAPS Santo Afonso, conheceu estúdio, câmera, imagem e gostou. A partir daquele momento nascia a ideia do desejo: Fazer um filme para contar a sua vida”. Esse filme foi feito, um documentário. História que ficou gravada em Dvd´s, que emociona[ou] com os desejos de ver.] “Começamos pela casa, caminhamos muito até chegar lá. É no meio da vila... feita de tábua. Sala, cozinha, um quarto. Tudo no capricho. Vizinhos, cachorro, criança, família, flor e mate. A mãe de Teresinha rouba a cena. Os meus olhos brilham... Não é todo dia que se conhece alguém tão especial, uma heroína. Me lembro do abraço que dei nela... Estava emocionada, encantada com aquela mulher com sua história... Que força era aquela que fazia sorrir depois de tanto sofrimento? O que isso tem a ver com a minha prática? O trabalho coletivo para realização de um sonho e o resultado deste esforço coletivo, apostas em experiências fora das usuais para promoção de saúde, autonomia. Que geram vida! O contato de um cotidiano de trabalho com histórias de vida repletas de luta, sofrimento, coragem... Com pessoas vítimas de uma sociedade capitalista perversa. A sobrevivência minha, nossa, delas... O acreditar, não desistir... Sempre. O sentido do nosso trabalho, da nossa prática nessa imagem capturada pelo meu pensar...”
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    43 [Graciela, assim comoIago e a senhora que o chamava a atenção, trazem pormenores do trabalho, do serviço, das práticas diferenciadas de cuidado, “me lembro do abraço [...] apostas em experiências fora das usuais para promoção de saúde, autonomia”, marcas que levamos e que dão sentido para o trabalho.] Maria, Maria24 Uma força que nos alerta Uma mulher que merece Viver e amar Como outra qualquer É a dose mais forte e lenta De uma gente que ri Quando deve chorar E não vive, apenas agüenta Mas é preciso ter força É preciso ter raça É preciso ter gana sempre Quem traz no corpo a marca É preciso ter sonho sempre Quem traz na pele essa marca Possui a estranha mania De ter fé na vida.... Nós o coletivo Fo[car]tografia de Graciela C. Daudt 24 Maria, Maria – Milton Nascimento
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    44 #De nós “Vou começarpelo começo... nós! O que, quem mais poderia representar o inicio do percurso “Residência” do que nós cinco... Eu, Elisandro, Eliane, Henrique e Leonardo?! Um Grupo formado por pessoas escolhidas aleatórias unidas por desejos próprios para dividirem a partir daquele momento um cotidiano... A nossa aventura de compartilhar não só o trabalho, mas o que acontecia antes, durante e depois... A extensão de nós invadiu casa, família, amores... o mundo individual de cada um agora também era coletivo. O que a foto não mostra? O amor, a parceria... A união construída todos os dias durante um ano e vários meses. Os laços de afeto invisíveis tão nítidos na imagem... Histórias inscritas na memória, no meu corpo” .. . . [Pormenores fo[car]tografados: dividir o cotidiano, compartilhar a vida, criar laços. São [23/06/10] Mares que se molham e espalham as securas dos dias que morrem. São [17/12/10] Textura de cores é dar a cor deixar as cores escorrerem nas cores que se estendem para além de mim] .. . . Compartilhando Cotidianos Fo[car]tografia de Graciela G. Daudt [2011]
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    45 #De outros nós “...duasmoradoras de lá. Na esquerda é a Regina e a direita Marli. A sombra que não tem par... É a minha... estamos ao lado da casa delas. Estou lá[...] acompanhando suas vidas... compartilhando cotidiano. O que a foto não mostra? Essas duas mulheres são símbolos da Reforma, de luta... Resiliência. Viveram, vivem na pele o que lemos nos livros... O que podemos imaginar, mas nunca saberemos de fato como foi e é ter sido institucionalizada. Elas são irmãs... eram três! Tinha um menino também. Foram achados quando muito pequenos dentro de um ônibus sozinhos e levados para instituições separadas […] puderam se reencontrar. Conseguiram retomar um pedaço de vida... de família. Elas trabalham, cozinham, namoram... E já ate ensaiaram morar longe do Residencial.” .. . . “o trabalho diário e a mão na massa são sempre mais maçantes do que as belas palavras, mas não se deve por hipótese alguma abdicar das belas palavras, assim como não se deve abdicar das belas histórias, nem dos belos gestos, muito menos das belas intervenções – o que não dizer das belas e desvairadas viagens. Sobretudo delas, que num trabalho desse tipo só se consegue fazer quando se está devidamente acompanhado, isto é, ladeado por uma equipe audaciosa e tresloucada, que apesar da tentação crescente não aceita o papel exclusivo e perigoso de “operários da saúde”, assumindo o risco de alçar vôos inusitados.” [Pelbart, 1993, p.26] .. . . [Graciela iniciou falando do coletivo, do grupo, dos laços que se fazem na caminhada. Laços esses que se tecem e rendilham no fazer cotidiano dos serviços, na mão na massa. Se as histórias tem sentido, lugar quando compartilhadas com os que acompanham nossa formação, esse lugar de existência e de visibilidade aumenta, se costura com outras experiências, nos faz refletir sobre as vidas que acompanhamos, sobre as subjetividades que resistem. Aprendemos na partilha, na vivência, na experimentação com o outro, com a outra. Com esse usuário que é sujeito, que é vida, que tem devires, que tem desejos de vôos. Ao costurar essas duas experiências: dos colegas que vivem “na alegria, na tristeza, na saúde e na doença”, como diz Graciela, com as linhas coloridas de quem resiste aos cortes de asas, e estão sempre desejando e forjando asas novas, essa costura é outro pormenor que se faz marca nas fo[car]tografias de nossa formação.] Lá o corpo existe [...] é o corpo todo (os olhos, o sorriso, a mecha, o gesto, a roupa) que mantém conosco uma especie de balbucio... O Dentro não comanda mais o Fora [Barthes, 2007, p.18; 82] #Pensam[v]entos 6 25/11/11 – O que se costura nesse entre?
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    46 F O [ C A R ] T O G R A F I A D E G R A C I E L A G. D A U D T [ 2 0 1 1 ] #De um lugar de sossego: Redença Dos lugares que me acompanham. Deitada na grama olhando para o céu e espectadora da dança das árvores. Sair dali leve […] e mais forte para o amanhã.
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    47 #De um lugar ao Sol Fo[car]tografia de Graciela G. Daudt [2011] Despertar. Dia após dia. Manhãs […] junto ao sol. Inverno sair noite e do ônibus/trem ele chegar tímido e virar dia […] O Sol também foi um personagem nessa história. “Por fracas que sejam, as imagens de sonho são sempre a expressão de uma natureza outra que, à banal transparência do cotidiano, opõe as frágeis visões esclarecidas do interior, ou seja, por si mesmas. Pode-se, pela lógica que fazia Plotino dizer que o olho humano não poderia perceber o sol se ele próprio não tivesse algo de solar, afirmar que o dia que nos ofusca não nos daria a menor imagem se nosso olho não fosse preparado pelos sonhos noturnos. E, se às vezes somos obrigados a observar o mundo de olhos fechados, é sobretudo para conservar o caráter frágil dos sonhos que nos levam aos espelhos do invisível” [Bavcar, 2003, p.142] .. . . [Quais os lugares que nos sustentam, que nos dão forças? Quais os pormenores escondidos nos raios de sol, na grama verde, no abraço de um usuário. Construímos lugares. Construímos existências. Redenção. Grama. Sol. “Exilar meu olhar nas infinitas riquezas […] é para mim o refugio da liberdade […] para os olhares mais frágeis. Eu gostaria de ter ficado […] a escutar o silêncio”[Bavcar, 2003, p. 80-81] Procuramos lugares que nos acolham “sentido a
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    48 acolhida das folhas,flores”, braços que nos acompanhem. Pessoaslugares. Lugarespessoas. Um lugar com “um pouco de possível, senão eu sufoco”25. Um lugar que é protagonista, que é território vivo, que atua, que é cúmplice. Uma cidade que não é só prédios, como diz Analice Palombini26 “O território não pode ser reduzido à casa onde se vive ou aos lugares freqüentados pelo cidadão. O território não apenas circunda ou circunscreve o espaço privado, ele é o espaço vivo e mutante que atravessa, dinamiza e complexifica as relações existentes entre público e privado”...lugares...pessoas...onde paramos...onde olhamos.] .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores II A aposta nos desejos, na escuta, na construção, no forjar asas para alçar outros voos, ir para lugares que nos acolham. Buscar desejos em outras nuvens, outras Redenções. Alçar voo para o sol. Para olharmos por outras janelas com práticas de cuidado que afirmem a autonomia. Para isso é preciso de nós. De Coletivo. De Partilha, de convivência. Nos formamos nas experimentações cotidianas. Nas conversas ao longo da estrada. Ao ver a dança das árvores nas [12/03/11] Cartografias de saudade em folhas de árvore. Sendo Território Vivo. Construindo Território Vivo. Que as tardes na grama nos fortaleçam com desejos de asas “produzindo novos pontos de partida” - Barthes, 2007, p. 131] “Num escrito sobre um trabalho meu, o psicanalista Gregório Baremblitt notou, de maneira graciosa: “Há infinitos modos de voar. Não é necessário escolher o de ícaro, nem muito menos o de Santos Dumont.” Caberia acrescentar o seguinte. Talvez nossa modernidade tenha reduzido esses infinitos modos de voar a esses dois. Ora estamos de um lado, quando enlouquecemos, ora de outro, por exemplo, quando tratamos. É preciso muito senso estético, político, ético, clínico, demiúrgico até, para desmontar essa disjuntiva infernal. Necessitamos de muito espirito aventureiro para ir forjando asas, tanto no interior de uma instituição como fora dela, que nos permitam – a nós e a nossos pacientes – escapar a essa violência binária, que consiste em ter que optar sempre por um precipício abissal, seja pelo suave paraíso asséptico de uma estranha saúde, saúde sem desejo de asas nem um devir anjo.” [Pelbart, 1993, p.26-27] 25 DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart, Ed. 34, 1992,p.131 26 http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/praticasclinicasanalicepalombini.pdf
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    49 #Artes 28/12/10 – arte de tecer manhãs
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    51 #C[otidiano]ristiane[ncontro] “MICROEQUIPE TRANSEUNTE, umgrupo de residentes [...] cada qual com suas particularidades e especificidades, desejam o trabalho integrado, em que cada um será intercessor dos outros. Nesse processo, desaparecem as fronteiras, nega-se uma existência individual, solitária. Um encontro com o todo, o complexo. ReNascem sujeitos ético-estético- políticos.” .. . . [Cristiane nos seus encontros cotidianos fala do aprender com o outro, em “lançar-se a experimentação. Experimentar o intenso da vida que atravessa o corpo”. Sua imagem nasce pelo meio [Preciosa, 2010], contrariando Barthes [2009] que diz “a foto também é assim: ela só saber dizer aquilo que dá a ver” (p. 111), aqui a foto, a imagem nasce por todos os lados, se experimenta em outros “espaços-tempos” e aprende que o espaço [da pedagogia] “seria o que eu criasse”] .. . . “Brotar pelo meio é opor-se a um destino que progride em direção a algo, é acariciar riscos, acumular êxitos e retumbantes fracassos, é se infiltrar por alguma vizinhança, fazendo conexões, é povoar o cotidiano de incertezas, é recolher-se numa tenda de silêncios, num gesto de delicadeza diante do que está a se formar e maturar diante de si” [Preciosa, 2010, p.37] .. . .
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    52 Tempo transeunte Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011] #Das Janelas II “Todo Instante é uma possibilidade. Uma nova experiência, um novo saber, um experimentar- se. Penso que o tempo do meu corpo muitas vezes não correspondeu ao tempo instituído/instituição, mas ao tempo possível. Tempo que me ressignificou transeunte.” .. . . [O tempo das sessenta horas. O tempo do encontro. Da chuva. Do abraço. Do choro. Onde se esconde o tempo quando precisamos dele? Lembro-me [10/07/11] - Anotações em movimento [incidente 3] “perto da estação que tenho que desembarcar avisto um conhecido, coordenador de um programa [política] do Governo Estadual, pergunto como está o trabalho, “tem pouco recurso humano, e o salário é muito baixo, sem contar que agora tenho o terceiro turno em casa [cuidar das crianças]”....parada...olhar os outros tempos que nos compõe.] .. . . “é preciso dar tempo a essa gestação com que se confronta [...], a essas tentativas, a essa
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    53 construção e recosntrução,a esses fracassos, a esses acasos. Um tempo que não é o tempo do relógio, nem do sol, nem o do campanário, muito menos o do computador. Um tempo sem medida, amplo, generoso.” [Pelbart, 1993, p.32] .. . . [Um tempo de nascer pelo meio. Dou-me um tempo] “Para mim, o barulho do Tempo não é triste: gosto dos sinos, dos relógios – e recordo-me de que, na sua origem, o material fotográfico estava ligado às tecnicas do marceneiro e da mecânica de precisão; no fundo, os aparelhos eram relógios de ver, e talvez em mim alguém de muito antigo ouve ainda no aparelho fotográfico o barulho vivo da madeira.” [Barthes, 2009, p. 23-24] [escuto o tempo das imagens. Penso agora que quando contrariava Barthes [2009] acima, estava certo, pois “a foto [...] é assim: ela só saber dizer aquilo que dá a ver” (p. 111). Quem sabe o ver esteja no corpo todo, no“olhar tátil” [Bavcar, 2003], nos outros tempos e relógios que usamos...] [de uma nota perdida I: Defender a ideia de um tempo diferente, escrita, desterritorializar, criar e não representar.]
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    54 O Silenciar das Palavras Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011] #Das Experimentações Experimentar a loucura criativa, e saber usá-la para não ser tragada na norma do discurso da loucura psiquiátrica; da capacidade de fazer a linguagem se quebrar nela mesma, que é também fazer o Eu se quebrar lá onde a palavra fica sem palavra. A vontade e a experiência de aprisionar e querer guardar marcas de algo – inaprisionável […] sempre levam a vontade e à experiência de ver-viver a diluição das previsibilidades. [Redin, 2010, p. 353] É um gesto de fazer visível a ausência através de fragmentos que consituem uma experiência [Vilela, 2010, p. 327] [Silenciar a palavra. Construir linhas de fuga da palavra. Tecer experimentações que rompem com o velho tecido da criatividade, conseguir flagrar, clicar, disparar a multiplicidade dos novos espaços-tempos. Cada imagem fotográfica é um fragmento de sentido, de silêncio.]
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    55 Terceira margem Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011] #Das correntezas Resistir às correntezas e conseguir experimentar locais onde as águas rompem às margens do rio. Conquistar a capacidade de perceber outros horizontes do aqui e agora que comumente não percebemos quando estamos capturados nos sentidos que os discursos nos limitam. .. . . "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para. estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. [...] E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma [...] Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo [...] e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.27” [Guimarrães Rosa] 27 A Terceira Margem do Rio, texto extraído do livro "Primeiras Estórias", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1988, pág. 32
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    56 [Sair das margensé ir para o meio? Ou ficar com os pés secos? Pendurar anotações que transbordem o leito dos dias. Dar sentido as imagens cotidianas e pensar um outro tempo? De meio a meio vamos remando, tecendo, costurando.] .. . . Do dia fora do tempo Fo[car]tografia de Cristiane I. Mença [2011] #Do Tempo e do Sr. Palomar28 “Um dia fora do tempo. A manhã começou num tempo manso, de frio e chuva. Tempo de conversa inicial. Tempo pra falar de muitas coisas, sem aprofundar nenhuma. Não era esse o tempo. Era o tempo do olhar curioso, do passo calmo, de se deixar observar e observar. Tudo ali estava acontecendo num outro tempo, dentro e fora de mim. Os cachorros estavam lá. E as crianças também. Muitos. Juntos. Tempo de acostumar o ouvido com uma língua estranha. Tempo de ver com outros olhos. Tempo de sentir com o corpo todo. Vertigem. Tempo da roda em volta do fogo. Do olhar perdido no fogo. Começa agora um novo tempo. Tempo que não é. Tempo que está. O que será?” 28 Personagem de Ítalo Calvino, no livro Palomar. São Paulo: Companhia das letras, 1994.
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    57 [No tempo docotidiano, encontro. Encontro com outros modos de ver, de sentir, de ser ... de devires. Sr Palomar gosta de usar o tempo para observar, assim como Cristiane, “de ver com os olhos, de sentir com o corpo todo”, no [des]foco da foto, da imagem, esse outro tempo. A mistura: o caminhar, a terra, o asfalto, as árvores, as culturas, as crianças, os adultos...Sr. Palomar ao observar os planetas, ao olhar Jupiter pela lente dos olhos do telescopio fica sempre na expectativa de alguma transformação, mas cansa-se de olhar no tempo do olho, “Não consegue manter a imagem nítida: necessita fechar por um momento as pálpebras, deixar que a pupila ofuscada reencontre a percepção precisa dos contornos, das cores, das sombras, mas também deixar que a imaginação se livre dos embaciamentos que não lhe pertencem, renuncie a ostentar uma sabedoria livresca.” Um outro tempo para o olhar. [des] contornar, [des]colorir. Dar um outro tempo para o olha[vive]r cotidiano. Pensar uma outra cultura. Desenbaciar um olhar que não nos pertence. Construir barricadas no tempo, conseguir nesse nosso olhar frágil flagrar a multiplicidade dos novos espaços-tempos - Pelbart, 1993, p.39;45.] .. . . "O desafio é propiciar as condições para um tempo não controlavél, não programavél, que possa trazer o acontecimento que nossas tecnologias insistem em neutralizar. Pois importa, tanto no caso do pensamento como da criação, mas também no da loucura, guardada as diferenças, de poder acolher o que não estamos preparados para acolher, por que este novo não pode ser previsto nem programado, pois é da ordem do tempo em sua vinda, e não em sua antecipação. É quase o esforço inimaginável, não da abolição do tempo, mas de sua doação. Não libertar-se do tempo, como quer a tecnociência, mas libertar o tempo, devolver- lhe a potência do começo, a possibilidade do impossível, o surgimento do insurgente..." [Pelbart, 1993, p. 36] .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores III Experimentação. Abrir as pálpebras para o espaço-tempo onde se nasce pelo meio, onde aquilo que queremos é aquilo que criamos. Silenciar a palavra, dar outros sentidos ao corpo. Ir para o meio do rio e fechar as janelas do impossível. Criar é resistir. Deixar que um fio de vento [Calvino, 1994, p. 10] aflore outros olhares, outros tempos.]
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    60 #[D]as l[i]nhas doinvisiv[e]l[go] “Uma imagem que lembra o processo de formação foi a atividade que elaboramos, o conjunto dos residentes, em referência ao dia 18 de Maio, dia da luta antimanicomial, na cidade de Novo Hamburgo. Essas cenas, contam muito da minha prática, destacando a permanente “veia” militante que os usuários, trabalhadores e familiares relacionados a saúde mental necessitam manter.” .. . . [Diego lembra de um momento onde a luta, o desejo, o criar, mostra-se presente com a delicadeza do cuidado, junto com os usuários, e num momento de “ebulição” onde os regimes de trabalho estavam sendo mudados. Fala de uma imagem de apoderamento por parte dos usuários, e de uma atenção integral no cuidado. Lembro-me de um escrito de final de especialização29, da Anna Letícia Ventre, diz ela “A delicadeza, como apontada nas entrelinhas por Berger, situa-se arraigada às experiências. E nesse ponto que retomamos sua relevância para pensar as ações em saúde mental e também, na sua relação com as transmissões que se constroem nas cidades. As práticas em saúde, e particularmente, em saúde mental coletiva, não produzem sentido se estiverem desarticuladas das experiências que as sustentam. Exatamente porque se constroem a partir da multiplicidade (outra palavra do rouxinol-Ítalo) de movimentos micropolíticos que vão se engendrando nos fazeres. Desamarrar as experiências da saúde mental seria o mesmo que apagar a possibilidade de transmissão da história.” [2010, p.22] Lembro-me desse dia, desse 18 de maio. Lembro-me de duas imagens, as duas registradas em video, e uma delas encontra-se no Documentário Quatro Reais, quando Teresinha, já apresentada aqui antes pela Graciela, sobe ao palco e agradece o trabalho, as amizades, as costuras que faz[ia] no Caps Santo Afonso. A Outra imagem é do [tutor] Aladin cantando Guantanamela e falando da sua decissão de não fazer a seleção para trabalhar na Fundação de Saúde Pública [com direito privado] de Novo Hamburgo. É essa “militancia” que fala Diego que garantem as costuras, as amaras da Saúde Mental. Sem esses processos de sustentação do invisível as linhas teriam se desamarado há muito tempo. Esse invisível é a loucura, é o trabalho. É um invisível para quem não quer olhar. Mas para os olhares frágeis [Bavcar] ou para aqueles que fecham os olhos para ver [Barthes] o invisível se mostra visivível. .. . . #Pensam[v]entos 7 “Sábado, dia 03/06, manhã fria de outonoquaseinverno em um local frio [que entra no corpo pela umidade e pelos olhos pela dorviolênciaopressão] vejo pés descalços pisando o chão coberto por pisadas antigas, frágeis e delicadas. Na minha frente a discussão sobre a política 29 Essa que termino junto com a Residência, Especialização em Educação em Saúde Mental Coletiva
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    61 de desinstitucionalização, pessoasvisíveis que tornam os pés invisíveis. As anotações que faço no caderninho preto são: Eles estão de pés descalços para se sustentarem no mundo? Me distraio com outra anotação: Corpos que correm dentro de si no sol frio de outonoinverno. Anoto novamente: Se está frio aqui dentro, imagine todos os dias durante todo o tempo que se torna séculos para eles. Me pergunto em meio a falas: Como tornar visível o invisível? Será que na invisibilidade se sente frio? Uma fala se sobressai dita pelo italiano que nos visita 'as pessoas precisam não estar de pés descalços. Para elas ninguém vai dar sapatos ou vender. Coisas belas não podem ser dadas aos loucos pobres'. Meus pensamentos fogem longe, se escondem, chovem. Passarinha me passa um poema de Mario Quintana nesse momento [pequeno inventário]: Os cabelos encaracolados das chamas Os lisos cabelos do vento O cabelo rente da grama Os grandes pés ausentes dos deuses de pedra Os pés volantes do medo Os pés ridiculamente em enquadro dos assassinados. Os meus dedos em leque onde se incrustam as estrelas Os meus dedos em grade Os meus dedos em grade Os meus dedos em grade, ah, que eu não consigo atravessar! Volto ao tempo presente quando ouço uma das últimas falas do encontro 'É tempo de sonhar'. Olho para os pés no chão, os pés descalços e vou em direção a eles.” [texto escrito sobre o IIº Seminário/Oficina Internacional Loucos pela Vida – 20 anos de construção coletiva, no dia 04/06/11 no Ginásio do Hospital Psiquiátrico São Pedro.] .. . . #Ainda sobre o invisível30 21/12/11 [Pa:...ser invisível e não conseguir fazer marca que não seja só pela via da sustentação na borda...] [Pe:...Mas as marcas são feitas ali nas bordas, no invisível. O que acontece é que não se quer ver esses pormenores marcados com linhas coloridas....] 30 De uma troca de mensagens no celular
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    62 O olhar de um usuário Fo[car]tografia de Diego E. Rodrigues [2011] #Do olhar e da delicadeza “Destaco o olhar dele na foto, um olhar marcante, expressivo e que simboliza uma história de vida circulando por serviços de saúde mental. Nas ida ao campo de práticas nesse caps, formou-se um vínculo importante, assim como fiz com todas as pessoas atuam[avam] nesse serviço. Isso demonstra que a formação do vínculo se dá através de uma relação transversal, não hierarquizada, e que em muitos momentos se dá a partir da relação usuário- trabalhador e não vice-versa. Carregava em mim a impressão que era o profissional da saúde o responsável pela formação de um vínculo, com ele [o usuário da foto] aprendi que pode ser diferente.” .. . . [Na fo[car]tografia de Diego vamos perceber um outro olhar. Um outro foco. As imagens carregam uma nuvem de outros sentidos. Calvino [1994] conta-nos sobre os olhares do Sr Palomar – Palo[mar] – Pal[o]m[lh]ar, esse personagem para Bavcar seria um “Arqueologo do olhar”, pois todas as coisas que ele faz são minunciosas e passam pelo olhar, e não só o dos olhos, mas do corpo todo. Palomar inicia o livro na Praia olhando as ondas, tentando achar um metódo de estudar elas, passa ao seio nu e depois ao sol. Sempre observando e comentando, alimentando seus dialogos interiores. Aos poucos vamos conhecendo esse senhor que observa, vemos ele observando seu jardim [as tartarugas fazendo amor, o assobio do passarinho melro, as raizes do grama – os rizomas], depois Palomar contempla o céu [a lua
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    63 no entardecer, osplanetas e as estrelas], e assim Palomar segue observando os lugares da Cidade, e os seus silêncios. Falo de Pal[o]m[lh]ar para falar do olhar. Quando ele olha as estrelas pensa “Quando erguemos o olhar para o céu, este aparece negro, salpicado de vagos clarões; somente aos poucos é que as estrelas se fixam e se dispõem em desenhos precisos, e quanto mais olhamos mais as vemos aflorar” [p. 42] É esse olhar, esse que aflora que Diego fala, desse cuidado, do vinculo que construimos nos cotidianos e da abertura para a escuta.] .. . . Na piscina Fo[car]tografia de Diego E. Rodrigues [2011] #Da afecção e da escuta “Uma imagem muito marcante de uma relação construída nesse dia. Um dos meninos do caps, que não está na imagem, durante uma partida de sinuca, diz de forma desafiadora que: “ o pessoal que trabalha no caps nunca entra na água!”, após algum período quando alguns deles estavam na água, saltei dentro da piscina. Nesse momento todos ficaram muito felizes ... partilhando um momento com eles e experimentando os mesmos sentimentos, não tinha uma relação técnico- usuários, estava ali exercitando a capacidade de afetar e ser afetado.”
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    64 [Esse outro olharde Diego segue na costura do vinculo e nos chama a atenção para as relações que estabelecemos, e que a afecção está nos pormenores rompidos, no desofuscar dos olhos. Entendemos afecção aqui como produção de sentido no corpo de quem quer provocar sentido. Esse é um conceito que Deleuze relê de Spinoza.] “O que é uma afecção (affectio)? Eu vejo vocês literalmente abaixando os olhos... E no entanto tudo isto é, ao contrário, divertido. À primeira vista, se nos atemos ao texto de Spinoza, ela não tem nada a ver com uma idéia, mas tampouco tem a ver com um afeto. Tínhamos determinado o afeto [affectus] como a variação da potência de agir. E uma afecção, o que é? Numa primeira determinação, a afecção é isto: é o estado de um corpo considerado como sofrendo a ação de um outro corpo. O que isso quer dizer? "Eu sinto o sol sobre mim", ou então, "um raio de sol pousa sobre você": é uma afecção do seu corpo. O que é uma afecção do seu corpo? Não o sol, mas a ação do sol ou o efeito do sol sobre você. Em outros termos, um efeito, ou a ação que um corpo produz sobre outro - note-se que Spinoza, por razões decorrentes de sua física, não acredita em uma ação à distância: a ação implica sempre um contato - é uma mistura de corpos. A afecção [affectio] é uma mistura de dois corpos, um corpo que se diz agir sobre outro, e um corpo que recolhe o traço do primeiro. Toda mistura de corpos será chamada de afecção. Spinoza conclui a partir disso que a afecção [affectio], sendo definida como uma mistura de corpos, indica a natureza do corpo modificado, a natureza do corpo afeccionado [affectionné] ou afetado [affecté]; a afecção indica muito mais a natureza do corpo afetado do que a natureza do corpo afetante.” 31 .. . . [Vilela [2010] diz que as fotografias são ecos visuais, começo do silêncio, “a fotografia constitui uma linguagem que surge do combate entre o silêncio, a palavra e o corpo, como tentativa de dar presença ao silenciado e ao indizível” [p. 329], diz ela que trata-se de uma aprendizagem do ver. Que temos que reaprender a ver, “ver em profundidade, e não apenas a olhar a evidência das formas”[p. 329]. Bavcar, Barthes e Sr Palomar [Calvino] concordam com a construção desse outro olhar, sentem-se contemplados com o que Vilela fala, diz ela que nesse território do invisível “o olhar surge como uma escuta...o olhar é uma abertura táctil do mundo; uma forma de respiração” [p.331; 335].] .. . . #Pensam[v]entos 8 [14/07/11] Da afecção: no final de uma reunião delicada [onde as linhas de cuidado estavam em discussão e dois modelos eram debatidos, prevaleceu o mais sensível e próximo da proposta da reforma psiquiátrica] a coordenadora do Caps vem e diz: “deixa eu dar um abraço em vocês pois foram importantes hoje na defesa de um projeto”. 31 [Disponível em http://www.webdeleuze.com/php/texte.php?cle=194&groupe=Spinoza&langue=5 Acesso em 27/07/11]
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    65 Bandeira da RIS/UFRGS Fo[car]tografiade Diego E. Rodrigues [2011] # Das bandeiras “Foto da bandeira que foi confeccionada por mim e mais três Residentes, durante o encontro estadual de residentes. A imagem simboliza uma estrada em formato de X, onde são simbolizadas em cada um dos lados as cidades onde a RISMC tem campos de práticas, a saber: Viamão e Porto Alegre, e a bandeira é confeccionada com tinta e a ponta dos dedos. Essa imagem simboliza uma parte de meus percursos entre as duas cidades, uma em cada ano da RIS.” .. . . “Na linha dos pensadores que me inspiram, é preciso dizer também que não se trata de descobrir nossa identidade através desse visível que é a nossa história, já que a história não diz o que somos, mas aquilo de que estamos em vias de diferir. Diferir dela não para descobrir o que se é, mas para experimentar o que se pode ser (desprender-se de si, dizia Foucault). [Pelbart, 1993, p.57] .. . .
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    66 [Vou-lhes falar deuma dificuldade que vêm nas “pontas dos dedos' e sobe para o corpo todo. É difícil escrever, analisar momentos que se vivenciou e experimentou. A maioria das imagens clicadas até o momento dizem do meu processo de formação também, como pesquisadorcartografo posso me inserir nessa pesquisa intervenção. Como diria Barthes [2009], “eu participo das figuras” [p. 35]. Sendo assim, fico pensando nos métodos e nas pesquisas: será que é possível se ausentar para falar? Quanto de um planeta pode entrar por um olho [Calvino, 1994, p. 40]? Os percursos, as militâncias, os momentos de parada, de pensar um outro tempo, de se questionar sobre os trabalhos. Todos processos que estou dentro, que faço parte. Que me parto. Que Parto...Será que faço-me pesquisa?] “Parto da vida, portanto. Parto na vida. Desta que se coloca a morrer em sua invisibilidade. Porque sim, as vidas invisíveis são vidas. Que partem do que se imprimi e se dilui, daquilo que passa e fica, vida feita de restos, permanências e desaparições, das imprescindibilidades de que são feitas. Elas, sem espetáculo algum, feitas de intempéries que se repetem...” [Redin, 2010, p. 353] .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores IV A costura vai se colorindo com outras linhas, com uma delicadeza necessária para sustentar as linhas do invisível. Nos partos da vida, nas lutas cotidianas é preciso militância para seguir cantando, seguir tecendo. No olhar que prolonga a escuta. No cuidado e na convivência com o usuário. Nas pinturas a dedo do vinculo e da afecção.] “Nunca será o suficiente perguntar a respeito da constituição do olhar: o que é que nos faz ver? O que é que vemos? Naquilo que vemos, o que nos olha? O que é uma imagem? Estas perguntas frequentam inúmeras investigações relacionadas à arte em geral, à arte contemporânea de forma particular e, especificamente, as suas relações com a fotografia. Bavcar instaura uma arte que revive incessantemente a origem do mundo: FIAT LUX – e das trevas fez-se a luz. O fotógrafo ilumina, e no caso de Bavcar , a noite é sua cúmplice. Esta cumplicidade é um ato de amor , uma pulsação de eros como ele mesmo gosta de lembrar . Inúmeras vezes se refere à máxima lacaniana “amar é dar ao outro o que não se tem”. Ele oferece a imagem cuja fonte é sua imaginação. Não tendo a luz, tem a iluminação. Suas lanternas mágicas avançam no infinito da noite, riscando a sensibilidade do filme fotográfico para atingir a porosidade de nossa pele. Em uma das fotografias em que captura sua casa de infância à noite, vemos a janela como pupila negra de olho desenhado pelo facho da lâmpada que ele segura em suas mãos enquanto fotografa. Como não nos sentirmos em trânsito entre o próximo e o distante quando o que vemos na foto é o próprio enigma da origem, ponto de fuga obscuro e absoluto que nos interpela com o significado do tempo, da memória e da morte que espera? Muitos são os exemplos, em suas fotografias, das carícias que Bavcar faz, com a luz, na superfície dos detalhes do corpo humano, sobretudo feminino, nas formas dos pequenos objetos, nos móveis da casa, nas paisagens de sua e de nossas infâncias. Seu foco é o invisível no visível, é o vazio nas formas palpáveis, é o avesso das imagens dos sonhos.”[TESSLER, 2003, p.10]32 32Texto Evgen Bavcar em Diagonal, in BAVCAR, Evgen. Memórias do Brasil, 2003.
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    67 #Um re[SU]Spiro “Seja oque for que ela dê a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto é sempre invisível: não é ela que nós vemos.” [Barthes, 2009, p.14] Nota de divagação I: o que mesmo se faz com o que ninguém mais quer?
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    68 #De uma notaperdida II Por que tem que se ter um inicio, um meio e um fim? Eu quero [r]ir. .. . . O que dá forma pra figura é o olhar. .. . . Pensar sobre marcas deixadas. Olhar novo sobre o cotidiano. Invisível, onde isso atravessa? O que fica, o que vamos lembrar? Vento [deslocar]. .. . . Aquilo que não enxergamos. Juntar os fragmentos em mapas – colar o cotidiano não está separado da Residência. Movimento permite o silêncio, o desejo e a implicação do olhar. .. . . O que o olhar captura e interessa – pormenores. Desfocado. Ouvir o silencio das imagens. .. . . Como a gente fala das imagens? .. . . Fazer uma imagem é uma escolha.
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    70 #Dos Movimentos i[He]n[ri]qui[e]tos “Umapixação, nos muros de São Leopoldo, que vi durante viagens De Volta Pra Casa na Residência Intermunicipal em Saúde Mental Coletiva: "Quando morar é um direito, ocupar é um dever". Essa frase no muro me lembra de uma das principais questões que pra mim se formaram na residência, e que ainda me é complicada: como ocupar os espaços de controle social e construção de políticas públicas para que acabem os desmanches no SUS?” .. . . [Henrique se inquieta. Henrique se questiona. Pensa nas possibilidades de sair da invisibilidade, nos “movimentos de resistência” [Rolnik, 2006, p. 15] dentro do SUS. Quais são os nossos direitos? Quais nossos deveres? Tudo tão confuso. Um emaranhado. Se “todo gesto produz imagens, umas mais visíveis que outras, mas todas em movimento. Elas não param de se deslocar, mesmo quando tentamos fixá-las com o nosso olhar” [TESSLER, 2010, p.293], quais as imagens possíveis de resistência? De resiliência? Como deixar de ser irrevelável? Barthes [2009] diz que “através de qualquer coisa que a marca, a foto deixa de ser qualquer...diz-se revelar uma foto, mas aquilo que a ação revela é o irrevelável, uma essência (de ferida), aquilo que não pode transformar-se mas apenas repetir-se sob a forma de insistência (do olhar insistente).” [p.58]. Será que devemos ocupar as marcas que se fazem corpo durante nossas viagens e perdurar nosso olhar insistente? Questão que segue “complicada”, mas creio eu [caro leitor] que perdurar o olhar insistente nas marcas é acreditar no possível, na resistência, como bem diz Pelbart [1993] citando Deleuze “Acreditar no mundo é o que mais nos falta, nós perdemos completamente o mundo, nos desapossaram dele. Acreditar no mundo significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos” [p. 80] Criar movimentos de resistência com um olhar insistente,quem sabe as pequenas marcas [pormenores] ocupem as instancias, as instituições e nós que seguimos tentando revelar o irrevelável.] .. . . [As fo[car]tografias de Henrique ficaram presas ao escuro do negativo, das oito fotos tiradas apenas duas os sais de prata e os processos quimicos revelaram. Tessler [2003] fala que para Bavcar a "fotografia é mediada por palavras" [p. 11] pelo processo de costrução das imagens, do pensar – pre imagem concebida em pensamento, até torna-la vísivel. Nesse visível mediada por palavras ficamos com as duas fo[car]tografias inquietas de Henrique.] .. . .
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    71 Do acumulo Fo[car]tografia de Henrique T. Paz [2011] #Do acumulo “...Quanto às imagens em si, elas falam da falta de condições estruturais para se efetuar um trabalho de qualidade. Em uma delas, o Lixo Eterno que sempre se acumula em um dos campos [...]” .. . . [Fiquei pensando nos execessos que vivemos com essa imagem fo[car]tografada, e nas difículdades das escolhas, dos movimentos, das resistências, nesse acumulo de imagens e opções. Não paramos para olhar os pormenores, de criar imagens com o olhar e com o pensamento. Não pensamos em nossas cegueiras.] “Há algo de comovente na constatação de uma impossibilidade. Ao contemplarmos o que falta ao outro, sucumbimos às lacunas que nos habitam silenciosas. De nossos olhos, pode vazar a sensação úmida de um entendimento súbito: olhar não eqüivale a ver; ver não eqüivale a saber (a verdade).” [TESSLER, 1998] .. . .
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    72 “É difícil procedera uma escolha porque somos intimados a essa proliferação de imagens, ao devir-imagem do mundo através das telas, ao devir-imagem de nosso universo, à conversão de tudo em imagem. Ora, exatamente onde tudo é imagem, deixa de haver imagem, deixa de haver imagem como ilusão, como excessão, como cenário, como singularidade, como universo paralelo.” [Baudrillard, 2003, p. 89] .. . . “Há algo que não está nas fotos que eu gostaria de contar sobre o processo de formação: se eu pudesse fotografar qualquer imagem do processo da residência, bem, a imagem que fotografaria seria o Movimento. Como não é exatamente fotografável, explico: a Residência me produz a sensação de estar sempre em movimento, seja movimentos geográficamente localizáveis, como por exemplo mas viagens para as idas a campo em dois municípios vizinhos à cidade que moro; seja os deslizes do que sou enquanto trabalhador de saúde. Na Residência ocorreu de eu produzir e constantemente mudar o que acredito que deva ser minha formação e atuação como trabalhador de saúde.”[fala/escrita de Henrique] .. . . [Como ocupar espaços se estamos sempre em movimento? Pelbart [1993] diz que “o primeiro objetivo de uma verdadeira revolução jamais é mudar o mundo, pura e simplesmente, mas também, e sobretudo, de mudar o tempo” [p.76], mostra-se necessário movimentarmos com um outro tempo provocando rachaduras, pequenas marcas.]
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    73 De um intervalono tempo Fo[car]tografia de Henrique T. Paz [2011] #Das rachaduras na janela “[...]a foto de um cemitério, no qual um usuário foi enterrado, em um evento que se houvessem mais trabalhadores no serviço para efetuar um cuidado de qualidade, talvez não tivesse ocorrido.” .. . . [Costuramos muitas imagens na janela de nossos olhos, mas algumas delas racham-se. Descolorem-se. Ficam vazias. Não de sentidos ou significados. Ficam vazias pelo silêncio e pela fragilidade de nossos olhares [Vilela, 2010; Bavcar, 2003].] “[...]fazem-nos tocar um acontecimento: o silêncio de um olhar onde os nomes se declinam no corpo […] trata-se de olhar uma imagem e nela ver o momento em que se prendeu a passagem de um tempo, entre a memória e o esquecimento – perdição ou resistência.” [Vilela, 2010, p. 323] [Como efetuar esse olhar cuidadoso? Como costurar, recolorir essas fotos rachadas? Esse menino dos movimentos inquietos, inquietaram, ou desquietaram o pensamento, desacomodaram os olhos, fizeram com que o tempo se repensasse – não no tempo que conversávamos nas fo[car]tografias de Cristiane – mas no tempo das rachaduras, das mortes, do vazio, do excesso, do acumulo de tempo, de imagens.]
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    74 .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores V Acreditar no mundo, construir marcas, pequenas rachaduras, resistir ao vazio e ao acumulo com um olhar insistente. Fechar os olhos e ver outras imagens, em outro movimento de espaço-tempo. Nos imprevistos, no esvaziamento abrir novas janelas, costurar mais forte, se inquietar, se desacomodar. Parar, mas voltar aos movimentos, a construção de novas rachaduras, com vida, com potência de vida, com devires inquietos, “intempestivos”[Pelbart, 1993], [in]ventar um novo devir e acordar a raça dos intempestivos/intempestores - “requer, digamos assim, uma raça que sempre existiu e sempre há de existir, embora muitíssimas vezes em estado de invisibilidade total e de disseminação coletiva, impessoal, inumana: a raça dos intempestores.” -Pelbart, 1993, p.61] .. . . “Era [é]33preciso, não remontar aos pontos, mas seguir e desemaranhar as linhas: uma cartografia, que implicava numa microanálise (o que Foucault chamava de microfísica do Poder e Guattari, micropolítica do desejo). É nos agenciamentos que encontraríamos focos de unificação, nós de totalização, processos de subjetivação, sempre relativos, a serem sempre desfeitos a fim de seguirmos ainda mais longe uma linha agitada. Não buscaríamos origens mesmo perdidas ou rasuradas, mas pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio: rachar as coisas, rachar as palavras. Não buscaríamos o eterno, ainda que fosse a eternidade do tempo, mas a formação do novo, a emergência ou o que Foucault chamou de “a atualidade”. O atual ou o novo, talvez seja a energia, próxima de Aristóteles, mas ainda mais de Nietzsche (embora Nietzsche o tenha chamado de o inatural).” [DELEUZE,1992, p.113] 33 Palavra minha, para atualizarmos o discurso podemos ler em um tempo presente.
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    76 #“Caminhando contra ov[L][e]nt[o]”34: Uma Narrativa de So(N[H])o{s} – Sono; Sonhos; SOS; Em NH. [Faço aqui mais uma pausa, dou um intervalo a costura, nesse intervalo Leonardo nos ajuda a rendi[o]lhar um dos momentos que mais se fizeram marca [para Leonardo, para mim – acredito que para Iago, Diego e Henrique também], o processo de Residência em Novo Hamburgo, o processo de trabalho, de luta, de militância, e“por entre fotos e nomes /Os olhos cheios de cores/O peito cheio de amores … Eu vou”. Vamos rendil[o]har as palavras de Leonardo que nos conta esse processo, antes de falar de sua imagem, ele nos situa da realidade, da conjuntura. Algumas partes de seu escrito foram suprimidas, como vinha fazendo, mas nesse final de escrita meu poder de síntese está afetado – com certeza pela marca que essa fala/texto de Leonardo rememora, acredito que vale a pena deixar essa fala do tamanho que está, se você caro leitor/a já estiver num “esgotamento” de palavras, dê uma pausa, tome uma água/suco/refri/ceva, pense no lido até agora, rememore marcas de possíveis militâncias, deixe o “devir revolucionário” aflorar e embarque nessa narrativa de so[nh]os- em alguns pontos da fala insiro meus pensamentos dialogando com o Léo.] Durante o sono me acordo Quando deito me levanto Em sonhos que são meus Em sonos que são Deus Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido De noite o mundo é escuro Caminhos, carros, postes, luzes O tempo escorre fundo O tempo é coisa de outro mundo. Vista do alto a cidade é um bagulho muito doido De noite cachorros latem no escuro Carinhos, posses, credos, cruzes O tempo escorre junto O tempo é coisa de outro mundo. (Jogos de Amar – Richard Serraria) .. . . #“Nas grandes cidades de um país tão surreal...”: narrativas hamburguenses .35 Novo Hamburgo e seus quase 270 mil habitantes […].É uma cidade que abriga lojas de grifes importantes, bares e restaurantes caros, grandes casas, mas ao mesmo tempo apresenta uma séria falta de recursos culturais, de saúde, de lazer e saneamento em muitos dos seus bairros. 34 Música Alegria, Alegria de Caetano Veloso 35 Dedicado às trabalhadoras e trabalhadores, estagiárias e estagiários do CAPSi Saca Aí e do CAPS Santo Afonso e aos colegas de “Central” e de “Trensurb” - Leonardo Abib
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    77 [...] Agora a parte que me interessa mais neste momento. O município conta com 15 unidades básicas de saúde, que em certos bairros não dão conta da demanda dos usuários do SUS [...]. Na parte da saúde mental, Novo Hamburgo conta com três CAPS II (Canudos, Santo Afonso e Centro), um CAPSi, um CAPS AD e seis leitos no hospital geral […]. A saúde de Novo Hamburgo sofreu (e muito) com a implantação de uma Fundação estatal de direito privado, que fica responsável a partir de agora por gerenciar a saúde pública da cidade, desde a construção de novos prédios, aquisições de materiais e licitações até a parte de recursos humanos. É aí que “mora o perigo”, como se diz no popular. Agora a terceirização (outrora desorganizada e com poucas perspectivas e insegurança aos trabalhadores) ganhou o selo de institucionalizada [...]. Baixos salários, muitas horas de trabalho, a falta de um plano de carreira são apenas alguns dados importantes, fora o montante de pequenos problemas do cotidiano. Dada a indignação e o inconformismo com a realidade local, alguns residentes de Saúde Mental Coletiva da UFRGS (dentre eles eu e o autor desta pesquisa) começaram a se articularem entre si e depois com o Conselho Municipal de Saúde e com os trabalhadores dos serviços […]. Começamos a ocupar alguns espaços e fazer enfrentamentos com a secretaria de saúde do município. Tentamos nos articular com os trabalhadores e comunidade, mas as coisas não estavam fáceis para ambas as partes. Vivemos um período histórico de refluxo, como alguns teóricos dizem, em que as mobilizações da classe trabalhadora enfrentam muitas dificuldades para se organizarem e montarem uma resistência [...]. .. . . [Nas falas do Diego e do Henrique anteriormente podemos perceber algumas dessas inquietações. Eles trazem juntamente com o trabalho em serviço a preocupação com a realidade do SUS. Henrique se perguntava “como ocupar os espaços de controle social e construção de políticas públicas para que acabem os desmanches no SUS?”, creio que nesse momento em Novo Hambrugo foi de ocupação, de construir rachaduras, de movimentos de resistência.] .. . . [...]vimos na Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo uma possibilidade de articulação e enfrentamento diante da situação. Estávamos combatendo não só a Fundação estatal de direito privado, mas também o jeito truculento e impositivo da gestão municipal de Novo Hamburgo. Participamos de 6 das 7 pré-conferências distritais e conseguimos mobilizar alguns trabalhadores, usuários e familiares para estarem presentes. Eu e Elisandro saímos como delegados inclusive. Diga-se de passagem, participar das pré- conferências foi um grande aprendizado para todos nós. Talvez uma das coisas que jamais aprenderíamos nas salas de aula e nas preceptorias, visto que ali pudemos perceber como se dá o comportamento e a organização das comunidades frente a eventos como esse. “Apanhamos” em alguns momentos, por tentarmos fazer um enfrentamento sem diálogo e distante da realidade, até meio vanguardista, mas aprendemos a lidar com isso e nas demais pré-conferências conseguimos levar nossas questões de forma mais dialogável e agregadora. Chegamos na semana da Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo, e alguns dos residentes deixaram de ir para o Congresso Internacional de Saúde Mental e
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    78 Direitos Humanos emBuenos Aires justamente para participar da Conferência […]. Elisandro deve se lembrar bem de como foi Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo. Esvaziada, cheia de CC’s, amigos da gestão, alguns trabalhadores mais combativos, poucos usuários e 4 ou 5 residentes (perdemos dois grandes parceiros de luta, Iago e Henrique, pois eles já tinham comprado passagem pra Buenos Aires muito antes de a gestão marcar a data da Conferência). No primeiro dia fizemos cartazes e levamos narizes de palhaço. Seria um protesto simples e praticamente solitário. Era para abalar e desconcentrar a fala da secretária de saúde ou do prefeito mesmo. Porém algumas pessoas insistiram (e muito) para não fazermos tal protesto, alegando que seriamos um alvo fácil e não dialogaríamos com a plenária ali presente. Já tínhamos sido reprimidos pela gestão, quando a secretária de saúde cogitou de nos “mandar embora da cidade”, fato que fez com que a coordenação da RIS se reunisse algumas vezes com a secretária de saúde e depois conosco. Conseguimos fazer barulho e queríamos mais! Enfim, avaliamos então não fazer nada no primeiro dia e fomos embora mais cedo. Éramos tão conhecidos pelos(as) conselheiros(as) de saúde que muitos vinham nos perguntar: “Guris, o que vocês vão aprontar desta vez?” “Hoje vocês estão muito quietos!” “Alguma coisa vai acontecer ainda, to vendo pela cara de vocês...” […] .. . . [As experiências, a afecção costurada no nosso corpo se rendilha nos corpos dos olhos, não é uma marca [punctum]que se lava e esquece. É um pormenor que permanece após o esvaziamento, a costura acaba, mas a linha une os fragmentos.] .. . . No segundo dia resolvemos fazer uma moção de repúdio à gestão municipal. Então fizemos uma moção com um tom de denúncia frente aos fatos ocorridos e colocando em pauta a defesa do SUS público, estatal e de qualidade, com garantias de serviço para os(as) trabalhadores(as). Uma pena que não tenho a moção aqui comigo, senão eu anexaria ao relato. Feita a moção, fomos atrás das 8 assinaturas que precisávamos. Nós já tínhamos duas (minha e de Elisandro) e daí começamos a contar junto com nosso colega Dieguinho (não estava enquanto delegado) quem poderia nos apoiar. Conversamos com um usuário do CAPSi e uma trabalhadora do CAPSi que era bem combatente e estava lado a lado conosco na luta. Ao todo conseguimos 12 assinaturas, quatro a mais do que o necessário. Era praticamente metade dos delegados presentes. Eis que chega a hora de lerem as moções para serem aprovadas ou reprovadas pela plenária. Mostramos ao gestor da saúde mental nossa escrita e ele ficou muito assustado quando colocamos em caráter de denuncia o fato de a secretária de saúde ter pedido “as cabeças” de dois residentes. Discutimos rapidamente se colocaríamos ou não essa parte, pois de resto estava consensualizado. Aproveitamos que vários pedidos de moções não estavam com as assinaturas necessárias para serem levadas a votação e então a secretária de saúde chega e fala que somente as moções com o numero de 8 assinaturas prévias
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    79 poderiam ser lidase votadas. No fim só tinha a nossa moção (risos)! Depois de muito diálogo resolvemos então cortar aquela parte da denúncia para não nos incomodarmos mais e também não causar tanta dor de cabeça aos tutores e coordenadores da RIS. Então, o momento quero deixar congelado para sempre como uma foto nesta trajetória de RIS, é quando o conselheiro Jair (um dos nossos parceiros no embate cotidiano) lê a nossa moção de repúdio (a única moção que atendia os critérios da Conferência) e a plenária (uns 60%) APROVA NOSSA MOÇÃO! De fundo, na “foto” aparece a cara da secretária de saúde de “boca aberta” ao ver que a plenária aprovou uma moção de repúdio à sua gestão e à Fundação estatal de direito privado (FEDP), uma criação bizarra dessa gestão. Ela devia estar pensando na hora: Porque fui defender a leitura das moções... .. . . [Para os olhares atentos aos pormenores no mapa que abre essas costuras podemos ver uma parte da moção] .. . . Demos muitas risadas juntamente com os(as) trabalhadores(as) ali presentes. Eu e Elisandro (tu mesmo cara) chamamos aquilo de uma despedida honrosa. A partir dali nossa tarefa em defesa do SUS e da classe trabalhadora tinha terminado em Novo Hamburgo. Ficará para o resto da história a relatoria dessa Conferência Extraordinária de Saúde de Novo Hamburgo e na parte das moções estará lá nosso texto, assinado pelo Coletivo Gaúcho de Residentes e Fórum Nacional de Residentes. Não barramos a FEDP, não derrubamos a gestão, mas conseguimos travar lutas dentro das comunidades, com os trabalhadores, dentro dos serviços e do CMS. Foi uma experiência recompensadora participar de todo este trabalho e luta. Ganhamos o respeito e admiração de algumas pessoas pela nossa ousadia e articulação política. Conquistamos pequenas coisas, mas que para aqueles e aquelas que lutam sabem que valem muito. Fazer com que os trabalhadores se desse conta do trabalho precário e da privatização do SUS, foi algo muito importante para aquele cenário e para essas pessoas, que provavelmente estarão mais ligadas daqui para frente e por que não dizer, mais engajadas também? A RIS foi marcante por diversos elementos. Tivemos muitas dificuldades, mas enfrentamos juntos, seja no movimento regional ou nacional de residentes, ou no grupo de residentes de Novo Hamburgo. A clínica e a política passaram a conviver mais próximas naquele ano, algo que eu não conseguia perceber antes. Afinal de contas, nem a clínica e nem a política dissociadas resolverão as mazelas da sociedade capitalista em que vivemos. O embate político sempre foi minha preferência, até por não me considerar um baita clínico ou terapeuta ou professor. Mas não deixei de ler, estudar e me aprofundar nessas duas frentes, […]. Devo muita coisa às pessoas com quem trabalhei e convivi em Novo Hamburgo durante a RIS. Foi uma experiência muito bacana a que tive com todo este grupo de pessoas (usuários, familiares, trabalhadores, residentes, estagiários, nativos e etc). Fico feliz que na RIS pude seguir construindo coletivamente meu devir revolucionário e acho que dentre tantas coisas bacanas que aprendi, a luta em defesa do SUS (público, estatal, com acesso universal e de qualidade) é uma das marcas que levarei da residência para toda minha vida. Dentro das nossas limitações enquanto sujeitos e residentes, fizemos aquilo que foi
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    80 possível. Agora estamosno aguardo da aprovação da ADIN da FEDP de Novo Hamburgo. A luta em defesa do SUS se dá no cotidiano, seja na clínica ou na política. Ela provavelmente será eterna e precisamos estar cada vez mais fortes e preparados(as) para os enfrentamentos que virão. Precisamos combater a precarização e privatização do NOSSO Sistema Único de Saúde. Com certeza a nossa luta não se encerrou em Novo Hamburgo. Ela apenas começou... .. . . [Um bonito mapa, uma bonita e corajosa experiência nos conta o Léo. Essa partitura, esse novo, essa fome de novas linhas, novos possíveis, alimenta a esperança. E como bem diz o Leonardo, sabemos que não mudamos a estrutura macro, mas nos pormenores do trabalho, do serviço, da Residência, de nossas vidas foram mudadas, floresceram outros devires. A luta contínua, os devires continuam. Como diz Deleuze36[1990] “O devir não é história; a história marca somente o conjunto de condições — por mais recentes que sejam — das quais desviamos para "devirmos", quer dizer, para criarmos alguma coisa de novo [...] A única chance dos homens está no devir-revolucionário, o único movimento capaz de esconjurar a vergonha ou responder ao intolerável.” [p.2] e continua Pelbart [1993] “Sua virtualidade está estendida aí, no meio da história, na sua superfície, como que alcançada numa suspensão sempre incerta, inesperada, oferecida. Exige, para ser atualizada e explorada, uma ininterrupta desobstrução, para que tanto no plano individual de uma subjetividade como no plano coletivo, os colapsos temporais tragam o acontecimento, os devires pulem da história e se multipliquem, os espaços-tempos heterogêneos proliferem. E isto para que atinjam o esplendor que lhes permita alterar o curso da história, mas sobretudo inventar para nós novas formas de viver, de subjeti-var-nos, de insubordinar-nos, afirmando assim nosso próprio e demiúrgico esplendor.” [p. 86] Temos que estar sempre presentes, com nossos devires a flor da pele, nos [mo]v[im]entos e nos caminhos que seguimos. Apenas temos que ter um cuidado, como nos aponta o SrPalomar “Só depois de haver conhecido a superfície das coisas, conclui, é que se pode proceder a busca daquilo que está embaixo.” [Calvino, 1994, p.52]. Leonardo aponta isso no seu relato, e é por isso que busca e nos conta a história dessa cidade. Conhecer os pormenores da superfície para depois buscar novas formas de viver, de dar potência aos nossos devires revolucionários.] “O desejo é o sistema de signos a-significantes com os quais se produz em fluxos de inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo, seja qual foi o lugar em que aconteça, pequena família ou escolinha de bairro, que não coloquem em xeque as estruturas estabelecidas. O desejo é revolucionário, por que sempre quer mais conexões, mais agenciamentos.” [Gilles Deleuze e Claire Parnet, Dialogue] 37 .. . . 36 Em entrevista a Toni Negri, esta entrevista foi publicada em Futur antérieur, Nº 1, primavera de 1990. Disponível em http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/ Último acesso em 24/12/2011 37 Recosturado de Rolnik, p. 29, 2006.
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    81 #De fragmentos escritosem tempos outros 38 O amanhecer nos serviços de saúde de Novo Hamburgo (ou do cedo da manhã) O corpo sente as perguntas dos serviços de saúde, dos usuários, dos tutores, dos passantes, dos andantes. O corpo sente a dúvida da resposta, do caminho, do abraço, da entrega. Corpo em movimento se [re]descobrindo em [des]territóri[alização]os e [des]construção saberes e práticas. Conhecer sujeitos (usuários) nessas cidades desperta e acorda sendas antes ausentes: o cuidado, o sofrimento, as vidas por trás de rostos e nomes, as relações, o amor, a amizade, a risada, o choro....Como narrar, como cartografar essas idas e vi[n]das? Como explicar o mau humor por acordar cedo para a descoberta de um dia cheio de surpresas e o cansaço ao cair do sol no horizonte? Como criar te[ce]ssitura nas palavras se estamos de passagem perman[aus]ente[s] nas vidas encontradas e nas cidades? Sobra tanto espaço no vazio do son[h]o não recor[t]dado ao acordar. Como contar, escrever sobre o que se quer sistematizar antes no corpo. Nesse corpo que quer ser Poema Encarnado?] Assim como a fala de uma usuária, citada pelo Aladim39, “O que a gente quer é que eles apareçam”. O que queremos é que a gente aparece junto com os usuários. Que o cobertor seja comprido para cobrir os pés de todo mundo, romper com a fragmentação dos serviços e construir redes melhores de acolhimento. Na fala do Aladim também me questiono “Que escuta é essa? Que cuidado é esse? Qual o nosso compromisso e atendimento com os usuários que estão aqui?”. Num gesto de quem ainda está por acordar desligo o despertador do celular e apago a luz para mais uns minutos de son[h]o. .. . . 38 Trechos de narrativas apresentadas a RIS no mês de março/abril de 2010. 39 Tutor de campo no Caps Santo Afonso, em Novo Hamburgo.
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    82 Portas Abertas Fo[car]tografia de Leonardo T. Abib #Das portas abertas “Achei muito simbólico tirar uma foto de dentro do Morada Viamão com o portão aberto. Poderíamos fazer diversas metáforas com isso. A Reforma Psiquiátrica abrindo as portas de muitos ex moradores de manicômios no Brasil, a rede que substitui a grade, a casa em contrapartida a unidade de internação, o direito de ir e vir (mesmo quando restrito em alguns casos) ao invés da “moradia compulsória”[...]Por esta porta aberta foram muitas idas e vindas, que infelizmente algumas não voltam mais, mas que se tivermos investimentos e pessoal com certeza esta porta aberta servirá muito bem a muitas pessoas.” .. . . [Os Residencias Terapêuticos é um dos campos, cenário de práticas, onde os residentes passam mais tempo. Sua marca esteve presente em quase todas os fo[car]tografos [menos o Diego]. E todos trouxeram as alegrias, mas também as dificuldades desse serviço substitutivo, Leonardo aponta aqui alguns entraves “o projeto dos residenciais terapêuticos ainda precisa avançar muito no Brasil. Precisa-se de vontade política, financiamento, gente contratada e educação permanente para tocar estes projetos e assim mais pessoas possam ter a oportunidade da vida em comunidade, na rua, na cidade”. Como diziam um residente da turma anterior “bancar a reforma assim não é fácil”, Pelbart [1993] traz alguns questionamentos que são interessantes para serem costurados aqui, falando sobre os loucos diz que “a ideia de uma sociedade sem manicômios mereceria enfim ser problematizada desde a base” [p.103] e nos faz uma pergunta“mas será que uma ideia assim romântica ainda faz sentido?” [p.98]. Percebo [e posso estar errado nessa afirmação] que ainda vivemos
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    83 uma ideia românticaem relação aos manicômios, e o pior [para mim] um discurso romântico. É fundamental pensarmos nas rachaduras que podemos fazer, sem batermos a cabeça na parede, Pelbart continua e nos fala que “só é possível […] se evitarmos que a ideia de uma sociedade sem manicômios se esgote em sua evidência primeira. É preciso que este chamamento de apenas três palavrinhas — SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS - recupere a força de uma questão candente. A pergunta mais geral que merece ser colocada inicialmente é a seguinte: o que significa de fato, no plano da cultura, essa utopia asséptica de uma sociedade em que os loucos não mais estariam confinados nos asilos, nem discriminados nas famílias, nem segregados no trabalho? Quando derrubarmos definitivamente os muros do manicômio e acolhermos entre nós seus inquilinos, quando passarmos a considerá-los serenamente como nossos vizinhos, em suma, quando os loucos passarem a fazer parte integrante de nossa paisagem cultural e antropológica a mais cotidiana — aí, nesse futuro longínquo mas a cada dia mais próximo, o que acontecerá efetivamente com os loucos, e com a loucura? Trata-se de saber, primeiramente, se faremos com os loucos aquilo que já se fez com homossexuais, índios, crianças ou outras minorias — ou seja, definir-lhes uma identidade, atribuir-lhes um lugar, direitos, reconhecimento, até mesmo privilégios — mas ao mesmo tempo torná-los inofensivos, esvaziando seu potencial de desterritorialização. Por potencial de desterritorialização entenda-se esse poder secreto e admirável de embaralhar os códigos, subverter as regras do jogo e transpor ou deslocar os limites, sempre de outro modo, seja através de um devir-bicha, de um devir-negro, de um devir-nômade ou de um devir-louco, e ora assumindo um rosto estranho, ora ameaçador, sacrílego, herege, criminoso ou delirante. É óbvio que não se trata de fazer a apologia do confinamento manicomial. Mas é preciso insistir desde já que não basta destruir os manicômios. Tampouco basta acolher os loucos, nem mesmo relativizar a noção de loucura compreendendo seus determinantes psicossociais, como se a loucura fosse só distúrbio e sintoma social, espécie de ruga que o tecido social, uma vez devidamente "esticado" através de uma revolucionária plástica sociopolítica, se encarregaria de abolir. Nada disso basta, e essa é a questão central, se ao livrarmos os loucos dos manicômios mantivermos intacto um outro manicômio, mental, em que confinamos a desrazão.” [p.103-104; 106] São questões interessantes de pensar, de proporcionar o debate, não para criticar o que temos hoje em termos de Reforma, mas sim para avançarmos, e sairmos de um discurso. Florescer um outro movimento. Colocamos muita força no debate de quem é a favor ou contra a Reforma Antimanicomial que por vezes [e muitas] esquecemos desse sujeito que está, ou trancafiado num manicômio, ou impedido de alguns direitos já adquiridos dentro dos Residenciais, e de um cuidado que o levará para o fora [ou melhor ainda, para o meio de nós]. .. . . “O Pensamento do Fora é aquele que se expõe às forças do Fora, mas que mantém com ele uma relação de vaivém, de troca, de trânsito, de aventura. É o pensamento que não burocratiza o Acaso com cálculos de probabilidade, que faz da Ruína uma linha de fuga micropolítica, que transforma a Força em intensidade e que não recorta o Desconhecido com o bisturi da racionalidade explicativa.” [Pelbart, 1993, p.96]
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    84 Da estrada Fo[car]tografia deLeonardo T. Abib #Das sendas “Queria tirar uma foto de estrada! Estrada esta que liga as pessoas, que aproxima as cidades, que nos leva ao trabalho, à militância, à família e aos amigos. Também é uma estrada que pode levar vidas [...] Foram muitas viagens nestes dois anos de RIS, tanto pela estrada quanto pelo céu. Novo Hamburgo, São Lourenço, Rio Grande, Pelotas, Alegrete, Amaral Ferrador, Uruguaiana, Passo de los Libres, Imbé, Mariluz, Tramandaí, Viamão, Santa Maria, Juazeiro-BA, Petrolina-PE, Brasília-DF, Uberaba-MG, Rio de Janeiro-RJ e João Pessoa-PB. Ufa! Muito trabalho, muitos trabalhadores, usuários, familiares, companheiros e companheiras, lutas, amizades, derrotas, vitórias, esperanças, frustrações e estranhamentos, alegrias e surpresas. Fórum Nacional de Residentes, Coletivo Gaúcho de Residentes, CAPS Santo Afonso, CAPSi Saca Aí, CAPS AD Nova Vida, Morada Viamão, CES- RS, Conferências de Saúde, praia, família e amigos, residência, resiliência, resistência, SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE! Valeu a pena...” .. . . [Falávamos anteriormente das marcas que deixamos e as que levamos, quando paramos para olhar nosso percurso, as sendas e estradas que caminhamos, muitas imagens afloram em nossos olhos, em nosso corpo. A fo[car]tografica faz memória das imagens guardadas por nosso olhar, Didi-Hubermam [1998] fala que “o que vemos só vale – só vive – em nossos olhos pelo que nos olha.” [p.29]. Não temos ideia do tanto de marcas, de linhas, de pontos que alinhavamos ao longo desses dois anos,mas pelas fo[car]tografias apresentadas aqui podemos ter um recorte, um enquadramento, de que o olhar vive nos nossos olhos, e nos
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    85 olhos de quemtrilhou esse percurso, ou passou por ele em determinado momento desses dois anos. Tessler [2003] diz que “O gesto do disparo da câmera, penso, corresponde ao de um olho que pisca. Mirar o alvo com um olho só e, ao mesmo tempo, reivindicar a cumplicidade do objeto em questão. A relação de alteridade se estabelece em pacto e captura […] enquanto a luz penetra no diafragma da máquina, o fotografo afirma o seu tempo e lugar.” [p. 7]. As marcas, pontos, linhas que se fazem nesse disparo da câmera, ou no piscar dos olhos busca o encontro, a cumplicidade de quem caminha junto, de quem olha junto, de quem sente junto. Belloc [2005] nos conta dessa cumplicidade, diz que “o público participa efetivamente da criação” [p.85] ao falar do ato criativo de artistas, poderíamos fazer uma releitura disso rendilhando que na nossa formação os que nos acompanham [tutores, preceptores, colegas, usuários, moradores, trabalhadores, amigos, família, amores, …] são marcas importantes para a costura que fazemos nos pormenores do dia-a-dia. A cumplicidade de quem caminha junto nas estradas e sendas de nossa formação é a linha mais forte de nossa costura.] .. . . “Assim, sendo o coeficiente artístico o elemento que convoca a cumplicidade do público, e sendo essa claudicação fundante do citado coeficiente a matéria prima da produção artística de Bavcar, podemos afirmar que suas imagens contêm como pensamento principal a cumplicidade necessária para o ato criativo. Bavcar eleva a cumplicidade à categoria de um conceito, na medida em que a mesma se mostra como um instrumento fundamental do pensamento de sua obra. Mais do que isso, sua obra nos aponta que a cumplicidade assume a função de dispositivo possibilitador do ato criativo.” [Belloc, 2005, p.86] .. . . #Pensam[v]entos 9 05/12/11 – Tecnologias leves e leves-duras para a produção do cuidado – Micropolítica do Trabalho vivo em ato [Merhy]
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    86 Da frente daFACED Fo[car]tografia de Leonardo T. Abib [2011] #Das Janelas III “Quando tu me pediste para tirar fotos de lugares, espaços, pessoas, cenas que me fizessem sentido durante a trajetória da Residência, não poderia deixar de tirar uma foto da Faced. Circulo nesta faculdade, neste campus, desde 2005. Já são muitos anos de história ali, com muitas aulas, colegas, professores, eleições, campanhas, eventos, ocupações, estudos, fins de tarde e inícios de manhã. Após minha formatura não pensei que fosse voltar tão cedo para Faced! Agora na RIS estou dando continuidade a esta história na Faced, repleta de ilusões, alegrias, tristezas, questionamentos e amizades. É muito simbólico termos uma RIS dentro da Faculdade de Educação, bem estratégico. Acredito que somos a única RIS alojada numa Faculdade de Educação. Infelizmente a foto foi tirada num dia frio, chuvoso e com pouca circulação, mas quando olho para foto logo me remeto a todas essas lembranças que comentei acima.” .. . . [Nos agenciamentos, nas costuras, nesse rendilhar fo[car]tografico pensei em terminar com essa imagem, assim como iniciei com as fotos que contam do Iago, pois tudo conta, tudo é c[p]onto. A foto torna-se surpreendente [Barthes, 2009, p. 42] quando a agenciamos com pensamento, quando paramos para ver o que nos olha, e para olhar o que vemos, “a fotografia não diz aquilo que já não é, mas apenas e de certeza aquilo que foi” [idén, p. 95], e além daquilo que já não é, daquilo que foi, fica aquilo que foi marcado pelo disparo dos nossos olhos, dos nossos processos de formação, de pensar-nos enquanto trabalhadores e
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    87 residentes, enquanto sujeitoscartógrafos e fotógrafos, enquanto seres em devires múltiplos. O que fica são olhares pelas janelas e as linhas pontilhadas de saberes e aprendizagens.] .. . . [#Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores VI As marcas que ficam, as costuras nos pormenores do cotidiano, é a cumplicidade de quem nos acompanha nesse nosso processo de formação, de construção de novas aprendizagens. Permanece marcado as linhas de força de um fora, de um meio, de um entre. A costura, o rendilhar pode acabar em um determinando momento, mas as linhas coloridas permanecem, fazem marcas, sentido. Despertam nossos Devires, nossos pormenores [d/e/o/a-s] Coletivo Militantes Anjos Poetas Revolucionários Cotidiano Clinica Experiências Inquietos Imagens Janelas Mo[v]im[entos] Rachaduras Son[h]o [in]visibilidade Delicadeza Política Cores Nós Sossego Desejos Encontros Brotar Florescer Meio Margens Tempo Linhas Olhar Escuta 21/07/11 – T C Costura: arrastar fragmentos e aproximar um do outro.
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    88 As linhas deuma Pedagogia dos Pormenores Caro amigo/a. Sim amigo/a. Pois ao acompanhar esse processo de e[in]scrita, após rendi[o]lhar linhas, fotos, imagens, pensamentos, passa de um leitor que no inicio entrou pelo prazer do texto, a cúmplice de um caminhar. De um estar junto. Não finalizo, colocando um ponto final nessa costura. Pois ela ainda segue tecendo-se, é uma vestimenta de inacabamentos, com linhas e tecidos coloridos. São Pormenores multicolores. As linhas costuradas agenciaram seis pensamentos de uma Pedagogia dos Pormenores. Pudemos ler/olhar/estar com eles no final de cada um dos seis fo[car]tografos. No caminho de lembranças do processo de formação. São apontamentos que marcam, não são ponto final. É apenas o Rendhi[o]lhar Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores. Pode estar, meu amigo/a, se perguntando o que acabamos de costurar. Costuramos sete olhares. Sete pensamentos. Sete imagens pensadas. Costuramos mapas. Histórias. Fragmentos. Mas você ainda se pergunta, mas isso não se junta tudo numa coisa só, não temos uma roupa, uma colcha, um tecido, uma bandeira. Lhe respondo que temos sim, mas são Sete produtos, que ainda seguem em processo. Que ainda vão rendilhar com outros saberes, que ainda buscam outros olhares de aprendizagem e de formação. Barthes [2009] nos adiantava no incio desse texto, “nada dizer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba sozinho à consciência afectiva” [p. 64] e é o que Didi-Hubermam diz quando quer que abramos os olhos, mas não as pálpebras, que abramos o olhar “Abramos os olhos para experimentar o que não vemos, o que não mais veremos - ou melhor, para experimentar que o que não vemos com toda a evidência (a evidência visível) não obstante nos olha como uma obra (uma obra visual) de perda. Sem dúvida, a experiência familiar do que vemos parece na maioria das vezes dar ensejo a um ter: ao ver alguma coisa, temos em geral a impressão de ganhar alguma coisa. Mas a modalidade do visível torna-se inelutável - ou seja, votada a uma questão do ser - quando ver é sentir que algo inelutavelmente nos escapa, isto é: quando ver é perder. Tudo está aí.” [Didi-Hubermam, 1998, p.34] Mas inquieto/a se pergunta, mas do que adianta tudo isso então. Lhe digo com a cumplicidade de quem olha, de quem caminha junto, que as Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores se fazem marcas no caminhar e que sempre estão inconclusos, inacabados, sempre em processo de formação, de criação, de devir [pormenor], e estão fo[car]tografados nas imagens e nas e[in]scritas do Iago, da Graciela, da Cristiane, do Diego, do Henrique, do
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    89 Leonardo, estão nospensamentos e nos diálogos que fiz com esses fo[car]tografos, nos pensamentos traduzidos e falados por aqueles que dão sustentação teórica, filosófica. Estão nos restos de pensamento que fizeram marca em você. Preciosa [2010] fala que essas Linhas de uma Pedagogia dos Pormenores são uma “escritura fragmentária, organizada em torno de ideias-palavras, atadas entre si por um elo de sutil afinidade, é um buquê de formas que não forjam nem um destino textual, sequer um destino subjetivo. Ao contrário, incorpora sem culpa a “doida poligrafia” de uma caderneta de apontamentos solta em campo” [p.24] No costurar, nesse rendi[o]lhar fo[car]tografias de formação entramos e nos construímos pelo meio. Costurando. Tecendo. Uma senda incerta, com passos desequilibrados, levados pelo vento, pelo mar, pelos braços cúmplices de quem nos acompanha nessa estrada. Nos Rumores Discretos de Subjetividade [Preciosa, 2010] as linhas que colorem nosso produto final são as marcas que deixamos, é uma Cartografia Sentimental [Rolnik, 2006], que se rendilha De um Fragmento ao Outro [Baudrillard, 2003], em uma Nau do Tempo-Rei [Pelbart, 1993], nas Conversações [Deleuze, 1992] de uma Vida do Fora [2010], no habitar da Câmara Clara [Barthes, 2009], nos silêncios de um tempo, no Ponto Zero [da Fotografia – Bavcar, 2000] de uma Filosofia [Da Caixa Preta, Flusser, 2011], marcas que ficam pressas nos olhos [Do Senhor Palomar, Calvino, 1994], são Memórias [do Brasil, Bavcar, 2003] em mo[v]im[ento]. Sendo assim, caro/a amigo/a, vamos apenas [rendi]olhar os pormenores a nossa volta e os sutis mo[v]im[entos] de formação, de aprendizagens nas fo[car]tografias cotidianas. Fica um convite: entregar-se ao prazer do olhar.. Fica um segundo convite: deixar-se tecer e tecer junto dialogando com as imagens e palavras.
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    90 #Das últimas anotações 04/10/11– Das imagens não tiradas: Passarela do arroio diluvio – um ipê-rosa. Entrada da Vila Cachorro Sentado – um ipê-rosa. Questão: será que ainda chove flores? .. . . 26/07/11 Pa: P.s <visceralmente silencioso aqui> questão sem importância – como fotografar o silêncio? Pe: Tava te escrevendo...sua questão tem bastante importância. A Vilela diria que temos que fazer visível a ausência e realizar a experiência do silêncio “para tal partirmos de uma forma de fazer visível o silêncio – a fotografia”, e o Manoel de Barros dizia que é difícil fotografar o silêncio, mas ele tenta. Então temos que criar uma linguagem de experienciar o silêncio e fazer cartografia fotográfica. .. . . 03/12/11 – Tradução das imagens Pedagogia dos Pormenores As coisas começam a existir quando a gente vê.
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    91 Referências [Dos pormenores[in]ventados] BAREMBLITT GF. Introdução à esquizoanálise. Belo Horizonte: Biblioteca do Instituto Féliz Guattari. 1998. BARROS, Manoel de. Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010. BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Lisboa/Portugual: EDIÇÔES 70, 2009. . Incidentes. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2004. .O império dos signos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. .O Prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 1987. . Roland Barthes por Roland Barthes. São Paulo. Cultrix, 1977. BAVCAR, Evgen. Catálogo de Exposição. A Noite Minha cúmplice. Museu de Arte do Rio Grande do Sul Aldo Malagoli; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Curadoria: Elisa Tessler – Exposição de 23 de agosto a 30 de setembro de 2001. ; TESSLER, Elida,; BANDEIRA, João. Memória do Brasil, São Paulo: Cosac & Naify, 2003. . O Ponto Zero da Fotografia. Rio de Janeiro, 2000.
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    95 Os Buracos noEspelho – Arnaldo Antunes [Composição Edgar Scandurra e Arnaldo Antunes] O sol que ilumina – Wander Wildner Maria, Maria – Milton Nascimento [Composição Fernando Brant e Milton Nascimento] Alegria, Alegria – Caetano Veloso Jogos de amar – Richard Serraria