ConCeitos CientífiCos em Destaque




                       Processos Endotérmicos e Exotérmicos:
                           Uma Visão Atômico-Molecular




                                                          Haroldo Lúcio de Castro Barros
                       Neste artigo, são analisadas, sob a perspectiva atômico-molecular, absorção e liberação de energia, na forma
                   de calor, em processos físico-químicos. Para isso, entre outros aspectos, foram discutidos: as definições de
                   sistema e vizinhança; os conceitos macroscópico e microscópico de temperatura; a percepção de calor como
                   um processo de transferência de energia, resultante de uma diferença de temperatura; o equilíbrio térmico entre
                   sistema e vizinhança em experimentos realizados em condições diatérmicas; os conceitos de energia interna de
                   um sistema e de suas constituintes; a variação de temperatura de um sistema e a de energia cinética média das
                   partículas; e variações de energia potencial associadas à ruptura e à formação de ligações químicas e/ou de
                   interações intermoleculares. Com a discussão desses tópicos, muitas dificuldades dos estudantes, no estudo
                   da termoquímica, poderão ser mais facilmente superadas ou, mesmo, evitadas.

                                    absorção/liberação de energia; energia interna; formação/ruptura de ligações

                                                                                                                                                            241
                                                           Recebido em 03/10/08, aceito em 01/08/09




N
       o estudo de Termoquímica, é                         não possível a troca de calor entre                     gelo fundente e a água líquida, têm
       comum os estudantes apre-                           eles – e, em caso afirmativo, dúvidas                   a mesma temperatura, as partículas
       sentarem dificuldades recor-                        quanto às consequências do restabe-                     que os constituem têm a mesma
rentes como aquelas relacionadas                           lecimento do equilíbrio térmico.                        energia cinética média.
às variações de temperatura em pro-                             Considerando o nível microscópi-                       Este trabalho procura, por meio
cessos endotérmicos e exotérmicos                          co, nota-se que os estudantes nem                       de considerações teóricas e da dis-
ou outras ligadas às energias cinéti-                      sempre têm uma boa compreensão                          cussão de alguns processos simples,
ca e potencial das partículas – esta                       do significado da energia interna de                    contribuir para a elucidação das difi-
particularmente misteriosa! –, pois,                       um sistema nem de suas constituintes                    culdades mencionadas.
por exemplo, é frequente a seguinte                        – a energia cinética e a energia po-
pergunta: Por que, em processos                            tencial das partículas que o formam.                    Temperatura e energia interna
endotérmicos, como na dissolução                                Ainda nesse nível, existem as dú-                      Nossas discussões devem ser
de determinado composto, nota-                             vidas quanto à associação de ruptura                    iniciadas com uma abordagem su-
se uma diminuição na temperatura                           e formação de ligações (ou de intera-                   cinta dos conceitos macroscópico e
da solução? Afinal, se há absorção                         ções intermoleculares) com absorção                     microscópico de temperatura. Em se-
de energia, a temperatura deveria                          e liberação de energia, como também                     guida, analisaremos a energia interna
aumentar!                                                  quanto à identifica-                                                     e suas componentes
                                                           ção desses fenôme-                                                       para, então, conside-
Aspectos macroscópicos e microscópicos                     nos com alterações                      A interpretação atômico-         rarmos alguns pro-
      A interpretação atômico-molecular                    na energia potencial                     molecular de processos          cessos.
de processos endotérmicos e exo-                           das partículas envol-                          endotérmicos e               Quando dois cor-
térmicos exige clareza quanto aos                          vidas. Deve, ainda,                    exotérmicos exige clareza         pos são colocados
aspectos macroscópicos dos ex-                             ser mencionada a                          quanto aos aspectos            em contato, a tem-
perimentos. Há muitas dificuldades                         relutância para ad-                         macroscópicos dos            peratura é um parâ-
com as definições de sistema e de                          mitir-se que, se dois                           experimentos.            metro que determina
vizinhança e com o fato de ser ou                          sistemas, como o                                                         se haverá ou não
                                                                                                                   transferência de energia, na forma de
A seção “Conceitos científicos em destaque” tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos calor, entre esses corpos e em que
científicos de interesse dos professores de Química.                                                               direção se dará essa transferência,

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA                            Processos Endotérmicos e Exotérmicos                                 Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
caso ela ocorra. Nessa definição,            líquido a uma temperatura mais                translação e/ou a velocidade de ro-
      supõe-se contato diatérmico, ou              elevada, fornece um interesasante             tação e/ou a frequência de vibração
      seja, é possível a troca de calor entre      elo entre os conceitos macroscópi-            das partículas.
      os corpos. Ademais, supõe-se que             co e microscópico de temperatura.                 A percepção da energia potencial
      não possa haver troca de energia en-         Os choques entre as partículas do             é mais difícil do que a da cinética.
      tre eles, na forma de trabalho, ou de        líquido, em constante movimento               No nível molecular, como exposto
      irradiação. Se não                                             térmico, com o bul-         acima, a energia potencial de um
      houver transferência                                           bo de vidro do ter-         sistema está associada às interações
      de energia, na forma           Considerando o nível            mômetro, transferem         entre núcleos e elétrons e relaciona-
      de calor, diz-se que        microscópico, nota-se que          energia para o vidro,       se à posição das partículas. Ela só se
      existe equilíbrio tér-      os estudantes nem sempre           aquecendo-o2. Este,         mostra evidente quando se transfor-
      mico entre os corpos       têm uma boa compreensão             por sua vez, trans-         ma em trabalho ou em outras formas
      e que eles têm a             do significado da energia         fere energia para o         de energia como mostraremos mais
      mesma temperatu-            interna de um sistema nem          mercúrio, provocan-         adiante.
      ra. Caso contrário,           de suas constituintes – a        do a sua dilatação.             A energia interna de um sistema
      a transferência de         energia cinética e a energia        Quanto mais intenso         pode ser aumentada pela execução
      energia ocorrerá na           potencial das partículas         o movimento das             de trabalho sobre ele – como, por
      direção da maior                  que o formam.                partículas do líquido,      exemplo, a compressão do ar pela
      temperatura para a                                             tanto mais energia é        aplicação de uma pressão externa.
      menor. Deve ser notado que o ter-            transferida e tanto maior a dilatação         No processo inverso, o ar compri-
      mo calor é mais apropriadamente              do mercúrio, ou seja, tanto maior             mido pode realizar trabalho sobre a
      empregado como um processo de                a temperatura. Assim, em última               vizinhança, como (por meio de uma
      transferência de energia do que              análise, pode-se dizer que o termô-           máquina própria) desparafusar a
      como uma forma de energia (Beatie            metro mede a quantidade média do              roda de um automóvel.
      apud Castellan, 1986).                       movimento das partículas que estão                A energia interna de um sistema
242       Sob o ponto de vista microscó-           em contato com ele.                           pode também ser aumentada pela
      pico, a temperatura de um sistema                A energia interna3 de um siste-           absorção de calor. Transferência de
      é um parâmetro que se relaciona              ma é a soma de todas as formas                energia na forma de calor e execu-
      diretamente com a energia cinética           de energia que o sistema possui.              ção de trabalho são modos equiva-
      média das partículas que o consti-           Para a maioria dos propósitos da              lentes de se alterar a energia interna
      tuem1. Assim, pode-se afirmar que,           química – que são diferentes, diga-           de um sistema. Calor e trabalho só
      se em determinada situação, gelo e           mos, daqueles da física nuclear –,            aparecem durante a transferência
      água líquida estão na temperatura de         os componentes significativos da              de energia. Portanto, um sistema
      0oC, então as suas partículas cons-          energia interna são aqueles que               não possui calor ou trabalho – ele
      tituintes possuem a mesma energia            podem alterar-se no                                            possui uma energia
      cinética média. Vale lembrar que             decurso de uma rea-                                            interna (Beatie apud
      partículas podem ser átomos, mo-             ção química – quais                Sob o ponto de              Castellan, 1986).
      léculas, íons ou agregados dessas            sejam: (I) as ener-             vista microscópico, a              Consideremos
      espécies. Assim, na água líquida, em         gias associadas à           temperatura de um sistema          exemplos de varia-
      vez de moléculas, deve-se referir a          translação, rotação           é um parâmetro que se            ção de energia po-
      agregados moleculares (unidos por            e vibração das par-            relaciona diretamente           tencial em alguns
      ligações de hidrogênio), que podem           tículas (ou de outras         com a energia cinética           processos como a
      ter um número variável de moléculas.         unidades estruturais        média das partículas que o         sublimação de um
      Por outro lado, em se tratando de            capazes desses mo-                    constituem.              cristal de cloreto de
      sólidos cristalinos, devem também            vimentos); e (II) a                                            sódio. A energia de
      ser consideradas as vibrações da             energia eletrônica, que é a energia           interação entre os íons sódio e clo-
      rede. Esses fatos têm implicações na         associada às várias interações, in-           reto, que possuem cargas opostas,
      energia cinética média dos sistemas          tramoleculares e intermoleculares,            é basicamente energia potencial ele-
      e explicam porque tanto as partículas        que existem entre núcleos e elétrons          trostática5 e tem um valor negativo.
      constituintes do gelo fundente quan-         (Dasent, 1982) . A soma dos compo-
                                                                   4
                                                                                                 Transferindo-se energia ao sistema
      to as da água líquida, a 0oC, têm a          nentes agrupados em (I) correspon-            como calor, os íons podem ser se-
      mesma energia cinética média – por           de à energia cinética das partículas          parados até o infinito, situação em
      mais estranho que, à primeira vista,         constituintes do sistema, e a soma            que a sua energia potencial torna-se
      isso possa parecer.                          dos componentes agrupados em (II),            igual a zero. Portanto, para romper as
          A transferência de energia, que          à sua energia potencial.                      ligações iônicas no cloreto de sódio,
      ocorre quando, por exemplo, um                   Energia cinética é a energia asso-        há aumento na energia potencial do
      termômetro de mercúrio, à tempe-             ciada ao movimento. Quanto maior              sistema, a qual passa de um valor
      ratura ambiente, é inserido em um            ela for, tanto maior a velocidade de          negativo a zero. Na verdade, na

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ruptura de qualquer ligação química     nética e potencial de suas partículas       havia sido absorvida na vaporização
ou de interação intermolecular, o sis-  constituintes.                              e utilizada para romper as ligações
tema absorve energia e há aumento           A água líquida absorve energia,         de hidrogênio e que estava na forma
de sua energia potencial6.              na forma de calor, do bico de gás           de energia potencial, é devolvida à
    Processo análogo ao que aca-        para transformar-se em água gasosa          vizinhança como calor ou na execução
bamos de descrever, envolvendo          e, assim, a vaporização é um proces-        de trabalho ao restabelecerem-se as
basicamente energia potencial ele-      so endotérmico. Exatamente porque,          ligações de hidrogênio.
trostática, ocorre quando um elétron    na vaporização, há absorção de                   Um exemplo prático é o de uma
é removido de um átomo gasoso,          energia, a água gasosa tem energia          máquina térmica, em que a energia
levando à formação de um íon posi-      interna maior do que a água líquida8.       do vapor de água, gerado pela
tivo. Nesse processo de ionização,          Nesse experimento, a água lí-           queima de um combustível, aciona
há aumento da energia potencial do      quida e a gasosa mantêm-se à                os pistões, realizando um trabalho
sistema.                                mesma temperatura. Uma pergunta             e condensando-se nesse processo.
    Por outro lado, a energia poten-    usual é: por que não                                             Outros exemplos
cial de um sistema, constituído por     há aumento na tem-                                           são as queimadu-
moléculas de água gasosa, dimi-         peratura, já que há           A energia potencial, em        ras da mão de uma
nui quando, ao condensarem-se,          absorção de calor?            qualquer sistema, não é        pessoa por vapor de
formando água líquida, aumenta o        O motivo é que a              facilmente perceptível,        água ou por água
número de ligações de hidrogênio        energia, fornecida             exceto quando ela se          fervente. Conside-
entre essas moléculas7. Na formação     pelo bico de gás,           transforma em outra forma        remos que tanto o
de qualquer ligação química ou de       transforma-se inte-          de energia ou quando há         vapor quanto a água
interação intermolecular, o sistema     gralmente em ener-             execução de trabalho.         líquida estejam a
libera energia e há diminuição de sua   gia potencial das                                            100oC. Em qualquer
energia potencial.                      moléculas da água, não havendo              dos dois casos, há liberação de ener-
    Em outros sistemas, como o          alteração em sua energia cinética           gia, na forma de calor, para a mão,
da água represada em uma região         média. Mantendo-se constante a              cuja temperatura é muito menor. En-        243
elevada, a energia potencial gravi-     energia cinética média, não há va-          tretanto, deve ser lembrado que, no
tacional da água transforma-se em       riação da temperatura. O aumento            caso do vapor, a energia liberada é
energia cinética quando ela cai. Em     da energia potencial das moléculas          maior (e a queimadura, mais grave!),
uma usina hidroelétrica, essa energia   da água gasosa faz com que estas            uma vez que o vapor se condensa
cinética é aproveitada para a gera-     tenham energia interna maior do que         sobre a mão, e a transformação
ção de eletricidade.                    a das moléculas na fase líquida. A          H2O(g) → H2O(l) libera energia adi-
    Feitas essas considerações, dis-    energia absorvida é utilizada para          cional àquela devido à diferença de
cutiremos, inicialmente, as variações   romper a maior parte das ligações de        temperatura.
de energia interna em dois pares de     hidrogênio, principais responsáveis
experimentos em que não ocorrem         por manter a água na fase líquida9.         Dissolução endotérmica e dissolução
reações químicas. Em cada par, um           Como a energia potencial se             exotérmica
processo é exotérmico e o outro,        manifesta na água gasosa? A ener-                Consideremos, agora, outro ex-
endotérmico. Finalizaremos com um       gia potencial, em qualquer sistema,         perimento – dissolução de sulfato
exemplo de reação química.              não é facilmente perceptível, exceto        de potássio em um béquer contendo
                                        quando ela se transforma em outra           água –, realizado em condições dia-
Vaporização e condensação da água       forma de energia ou quando há exe-          térmicas, ou seja, em que é possível
    Consideremos um experimen-          cução de trabalho.                          a troca de calor entre sistema e vizi-
to em que a água,                                           Assim, para exa-        nhança. O sistema, no início, é cons-
contida em um balão                                     minarmos a energia          tituído pela água pura, H2O(l), e pelo
colocado sobre a            No nível molecular, a       potencial da água ga-       sulfato de potássio, K2SO4(s), ambos
chama de um bico         energia potencial de um        sosa, consideremos          à temperatura ambiente. Depois da
de gás, entre em         sistema está associada às      um segundo experi-          rápida dissolução do sal, o sistema
ebulição. Suponha-       interações entre núcleos       mento, em que ocor-         passa a ser a solução resultante de
mos que tanto a         e elétrons e relaciona-se à     re a condensação do         sulfato de potássio.
água líquida quan-        posição das partículas.       vapor de água, ge-               Nota-se, nos instantes iniciais
to o vapor formado                                      rado no experimento         do experimento (em que não houve
(que em conjunto                                        anterior. A temperatu-      tempo hábil para a troca de calor
constituem o sistema) estejam na        ra é mantida constante e igual a 100oC.     com a vizinhança), uma diminuição
temperatura de 100 oC. Deseja-se        Sendo o primeiro experimento o con-         da temperatura do sistema, que deve
discutir, nessa mudança de fase,        trário do segundo, neste as ligações        ser atribuída a uma diminuição da
as variações da energia interna do      de hidrogênio são restabelecidas e há       energia cinética média de suas par-
sistema em termos das energias ci-      liberação de energia. A energia, que        tículas constituintes. Como a energia

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total deve ser conservada, pode-se         íon-dipolo. Entretanto, na dissolução        Nessa reação, representada pela
      afirmar que há aumento da energia          do hidróxido de sódio, a soma das        Equação 1, são rompidas as 4 liga-
      potencial do sistema10.                    variações de energia potencial deve      ções simples C–H no metano, bem
          A variação da energia potencial        indicar que a energia potencial total    como as ligações duplas O=O nas
      pode ser entendida analisando-se           diminui, já que o aumento inicial da     2 moléculas de oxigênio e, para que
      as mudanças nas ligações químicas          temperatura evidencia aumento da         isso ocorra, há absorção de energia.
      e interações intermoleculares no           energia cinética. Assim, pode-se         Paralelamente, formam-se 2 ligações
      sistema. A dissolução envolve dois         concluir que, nessa dissolução, parte    duplas C=O no dióxido de carbono
      processos endotérmicos e um exo-           da energia potencial transforma-se       e 4 ligações simples O–H nas 2
      térmico. Os dois endotérmicos são as       em energia cinética.                     moléculas de água, processos em
      rupturas, pelo menos parciais, das li-         Com o tempo, o sistema perde         que há liberação de energia. Nesse
      gações iônicas no sulfato de potássio      energia, como calor, para a vizi-        caso, pode-se afirmar, com segu-
      sólido e das ligações de hidrogênio        nhança. A temperatura do sistema         rança, que, em módulo, a energia
      na água líquida. O processo exotérmi-      diminui e, eventualmente, o equilíbrio   liberada é maior do que a absorvida,
      co é a formação das interações íon-        térmico é restabelecido. O balanço       pois todas as combustões são exo-
      dipolo no sulfato de potássio aquoso,      energético no final do experimento       térmicas. A energia liberada nessas
      uma vez que tanto os                                        mostra uma libera-      reações pode ser aproveitada para
      íons potássio – K+ –                                        ção de energia, na      aquecimento ou para a realização
      quanto os íons sulfato       Não obstante a maioria         forma de calor, pelo    de trabalho como, por exemplo,
      – SO42– – interagem          das leis e dos princípios      sistema. A dissolu-     movimentar um veículo13.
      com as moléculas po-           da Termodinâmica ter         ção do hidróxido de         Nas reações químicas endotérmi-
      lares da água, sendo         sido formulada antes ou        sódio é, portanto,      cas, em módulo, a energia absorvida
      solvatados por elas.         de forma independente          exotérmica.             para a ruptura de ligações é maior do
      Originam-se espé-             da teoria atômica, uma            Se esses experi-    que a liberada na formação de outras
      cies hidratadas, que        explicação molecular dos        mentos de dissolu-      ligações. Em quaisquer casos, como
244   podem ser represen-          fenômenos enriquece a          ção fossem condu-       explicado anteriormente, variações
      tadas, respectiva-            compreensão destes e          zidos em condições      permanentes na temperatura do
      mente, por K+(aq) e          muito contribui para ela.      adiabáticas, como       sistema dependem das condições
      por SO42–(aq)11. Como                                       em uma garrafa tér-     em que as reações são efetuadas
      indicado no parágrafo anterior, resulta    mica, ou seja, sem que houvesse          – se em recipientes com paredes
      que a soma das variações de energia        troca de calor entre o sistema e a       diatérmicas ou adiabáticas.
      potencial desses três processos deve       vizinhança, as variações de tempe-
      mostrar que a energia potencial total      ratura seriam permanentes. Pode-se,      Conclusão
      do sistema aumenta, uma vez que a          portanto, afirmar que, em condições          Não obstante a maioria das leis
      diminuição da temperatura só pode          adiabáticas, aqueles processos,          e dos princípios da Termodinâmica
      ser atribuída a uma diminuição da          que realizados diatermicamente são       ter sido formulada antes ou de forma
      energia cinética média das partículas.     endotérmicos, resultam em dimi-          independente da teoria atômica, uma
          Com o decorrer do tempo, a vi-         nuição da temperatura do sistema,        explicação molecular dos fenômenos
      zinhança cede energia, na forma de         enquanto os exotérmicos resultam         enriquece a compreensão destes e
      calor, para o sistema, aumentando a        em aumento12 (Lima e cols., 2008).       muito contribui para ela. Em espe-
      temperatura deste, até que o equilí-                                                cial, a discussão dos aspectos mi-
      brio térmico com o meio ambiente           Uma reação química exotérmica            croscópicos permite abordar a dinâ-
      seja restabelecido. Assim, pode-se             A interpretação atômico-mole-        mica dos processos de transferência
      concluir que o balanço energético          cular da variação da energia interna     de energia e possibilita a introdução
      no final do experimento mostra uma         em transformações químicas não é         do fator tempo nesses processos.
      absorção de energia, na forma de           diferente daquela apresentada nos        De fato, nossa experiência em sala
      calor, pelo sistema e a dissolução         exemplos anteriores, exceto pelo         de aula tem mostrado que, com a
      do sal é dita endotérmica.                 fato de que, nas reações químicas,       discussão dos tópicos abordados
          Abordaremos, de modo mais              ao formarem-se novas substâncias,        neste trabalho, muitas dificuldades
      resumido, um quarto experimento,           há sempre ruptura e/ou formação de       tradicionais dos estudantes, no es-
      também realizado em condições              ligações químicas e não apenas de        tudo da termoquímica, têm sido mais
      diatérmicas – a dissolução, em água,       interações intermoleculares.             facilmente solucionadas.
      do hidróxido de sódio, NaOH(s),                Consideremos, como exemplo, a
      em que a temperatura do sistema            combustão do metano:                     Notas
      aumenta inicialmente. Como no                                                          1. Deve ser lembrado que o
      exemplo anterior, há rupturas de           CH4(g) + 2 O2(g) →                       número de partículas envolvidas,
      ligações iônicas e de ligações de                    CO2(g) + 2 H2O(g) (Eq. 1)      mesmo em um sistema minúsculo,
      hidrogênio e formação de interações                                                 é extremamente elevado – em ape-

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nas 2 colheres (de sopa) de água,                                    obviamente, não há qualquer tipo                11. Refere-se a rupturas parciais
há cerca de 6,02 x 1023 moléculas!                                   de interação entre as suas molé-           das ligações iônicas porque, em
Assim, para a descrição das pro-                                     culas. Entretanto, na água gasosa          solução, existem pares iônicos e
priedades dos sistemas, não é pos-                                   real, há agregados                                               outros agregados.
sível analisar-se o comportamento                                    moleculares forma-                                               Simultaneamente,
individual das partículas, mas se                                    dos por ligações de        A discussão dos aspectos              deve haver ruptura
deve recorrer a valores médios de                                    hidrogênio. Na água          microscópicos permite               de parte das liga-
suas propriedades. Por essa razão,                                   líquida, o número           abordar a dinâmica dos               ções de hidrogênio
a temperatura é associada ao valor                                   dessas ligações é          processos de transferência            entre as moléculas
médio da energia cinética das par-                                   muito maior.                de energia e possibilita a           de água para que
tículas – as partículas individuais                                       8. Deve ser nota-    introdução do fator tempo              ocorra a solvatação
têm energias cinéticas diferentes                                    do que, nesse pro-              nesses processos.                dos íons.
e que não se mantêm constantes                                       cesso de vaporiza-                                                    12. Em um ex-
com o tempo.                                                         ção, a pressão é mantida constante         perimento feito em condições adia-
    2. Movimento térmico é o movi-                                   e, portanto, o calor absorvido é igual     báticas – que não são comuns em
mento molecular, aleatório e caótico,                                à entalpia de vaporização. É comum,        nosso dia a dia –, a interpretação
que é tanto mais energético quanto                                   na bibliografia de Ensinos Funda-          da variação da temperatura do sis-
maior for a temperatura.                                             mental e Médio, referir-se ao calor        tema é mais simples, não só porque
    3. O conceito de energia interna é                               de vaporização como calor latente          essa variação é permanente após
fundamental em nossas discussões.                                    de vaporização. Essa denominação é         ter sido atingido o equilíbrio interno
Expressões como conteúdo de calor                                    incorreta e não deve ser usada, pois,      do sistema, mas também porque o
e calor de um sistema são equivo-                                    como observado anteriormente, um           experimento não envolve troca de
cadas e obsoletas e não devem ser                                    sistema não possui calor.                  calor com o meio ambiente.
usadas (Silva, 2005).                                                     9. Parte da energia absorvida é            13. No Brasil, o gás natural veicu-
    4. Na medida em que os elétrons                                  utilizada para romper as interações        lar, GNV, tem sido bastante utilizado
se movimentam em torno dos núcle-                                    dipolo-dipolo entre as moléculas da        como combustível para veículos.                                                             245
os, a componente eletrônica da ener-                                 água líquida, aumentando a distân-         Ele é constituído, basicamente, por
gia interna inclui a energia cinética                                cia entre elas – na fase gasosa, as        metano.
dos elétrons, além das energias de                                   distâncias entre as moléculas são
atração elétron-núcleo e de repulsão                                 muito maiores.
elétron-elétron. As repulsões não são                                     10. A energia total deve ser
                                                                                                                Haroldo Lúcio de Castro Barros (haroldo@coltec.
apenas coulombianas, mas também                                      conservada porque, nos instantes           ufmg.br), bacharel em Engenharia Química pela
são devidas ao princípio de exclusão                                 iniciais, não há tempo para a troca de     Escola de Engenharia da Universidade Federal de
de Pauli.                                                            calor entre o sistema e a vizinhança.      Minas Gerais (UFMG), mestre em Química pela
    5. Além da componente cou-                                       Além disso, está implícito que não         Purdue University (EUA), doutor em Química pela
                                                                                                                Tulane University (EUA), pós-doutor pela Universi-
lombiana, responsável por cerca de                                   há troca de matéria e é desprezado         dade de Londres (Inglaterra), é professor associado
90% da energia de interação entre                                    eventual trabalho de expansão ou de        do Colégio Técnico da Escola de Educação Básica
os íons, há também repulsões não                                     compressão.                                e Profissional da UFMG (Coltec/UFMG).
coulombianas entre eles, ligadas
ao princípio de Pauli, e ainda outras                                  Referências                                                        na Escola, n. 22, p. 22-25, 2005.
contribuições menos importantes.
                                                                          CASTELLAN, G. Fundamentos de                                    Para saber mais
Esses refinamentos, entretanto, não
                                                                       físico-química. Trad. C.M.P Santos e R.B.
                                                                                                  .
afetam a validade da discussão                                         Faria. Rio de Janeiro: LTC, 1986.                                    ATKINS, P   .W. Concepts in physical
apresentada.                                                              DASENT, W.E. Inorganic energetics. 2                            chemistry. Oxford: Oxford, 1995.
    6. Também nas rupturas no mun-                                     ed. Cambridge: Cambridge University                                  BARROS, H.L.C. Química inorgânica
do macroscópico, como na quebra                                        Press, 1982.                                                       – uma introdução. Belo Horizonte, 2002.
de um cabo de vassoura, ligações                                          LIMA, M.E.C.C.; DAVID, M.A. e MA-                                 MORTIMER E.F. e AMARAL, L.O.F.
químicas e/ou interações intermole-                                    GALHÃES, W.F. Ensinar ciências por                                 Quanto mais quente melhor: calor e tem-
culares são rompidas e, para que isso                                  investigação: um desafio para os forma-                            peratura no ensino de termoquímica. Quí-
                                                                       dores. Química Nova na Escola, n. 29, p.                           mica Nova na Escola, n. 7, p. 30-34, 1998.
ocorra, o sistema – no caso, o cabo
                                                                       24-29. 2008.                                                         OLIVEIRA, M.J. e SANTOS, J.M. A
de vassoura – deve absorver energia.
                                                                          SILVA, J.L.P Por que não estudar
                                                                                      .B.                                                 energia e a Química. Química Nova na
    7. Se se supõe comportamento                                       entalpia no Ensino Médio. Química Nova                             Escola, n. 8, p. 19-22, 1998.
de gás ideal para a água gasosa,
 Abstract: Endothermic and exothermic processes: a molecular viewpoint. Absorption and liberation of energy, as heat, are analyzed, under a molecular viewpoint in this report. For this purpose,
 among other aspects, we discussed: definitions of system and surroundings; macroscopic and microscopic concepts of temperature; the perception of heat as a process of energy transfer, result-
 ing from a temperature difference; thermal equilibrium between system and surroundings, in experiments carried out under diathermic conditions; the concepts of internal energy of a system and of
 its components; change in the temperature of a system and change in the average kinetic energy of its particles; changes in potential energy associated to the breakage and formation of chemical
 bonds and/or of intermolecular interactions.The discussion of such topics will help students to overcome or even to avoid many difficulties that they usually encounter in the study of thermochemistry.
 Keywords: absorption/liberation of energy; internal energy; breakage/formation of bonds.




QUÍMICA NOVA NA ESCOLA                                            Processos Endotérmicos e Exotérmicos                                                        Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009

Processos endo exo

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    ConCeitos CientífiCos emDestaque Processos Endotérmicos e Exotérmicos: Uma Visão Atômico-Molecular Haroldo Lúcio de Castro Barros Neste artigo, são analisadas, sob a perspectiva atômico-molecular, absorção e liberação de energia, na forma de calor, em processos físico-químicos. Para isso, entre outros aspectos, foram discutidos: as definições de sistema e vizinhança; os conceitos macroscópico e microscópico de temperatura; a percepção de calor como um processo de transferência de energia, resultante de uma diferença de temperatura; o equilíbrio térmico entre sistema e vizinhança em experimentos realizados em condições diatérmicas; os conceitos de energia interna de um sistema e de suas constituintes; a variação de temperatura de um sistema e a de energia cinética média das partículas; e variações de energia potencial associadas à ruptura e à formação de ligações químicas e/ou de interações intermoleculares. Com a discussão desses tópicos, muitas dificuldades dos estudantes, no estudo da termoquímica, poderão ser mais facilmente superadas ou, mesmo, evitadas. absorção/liberação de energia; energia interna; formação/ruptura de ligações 241 Recebido em 03/10/08, aceito em 01/08/09 N o estudo de Termoquímica, é não possível a troca de calor entre gelo fundente e a água líquida, têm comum os estudantes apre- eles – e, em caso afirmativo, dúvidas a mesma temperatura, as partículas sentarem dificuldades recor- quanto às consequências do restabe- que os constituem têm a mesma rentes como aquelas relacionadas lecimento do equilíbrio térmico. energia cinética média. às variações de temperatura em pro- Considerando o nível microscópi- Este trabalho procura, por meio cessos endotérmicos e exotérmicos co, nota-se que os estudantes nem de considerações teóricas e da dis- ou outras ligadas às energias cinéti- sempre têm uma boa compreensão cussão de alguns processos simples, ca e potencial das partículas – esta do significado da energia interna de contribuir para a elucidação das difi- particularmente misteriosa! –, pois, um sistema nem de suas constituintes culdades mencionadas. por exemplo, é frequente a seguinte – a energia cinética e a energia po- pergunta: Por que, em processos tencial das partículas que o formam. Temperatura e energia interna endotérmicos, como na dissolução Ainda nesse nível, existem as dú- Nossas discussões devem ser de determinado composto, nota- vidas quanto à associação de ruptura iniciadas com uma abordagem su- se uma diminuição na temperatura e formação de ligações (ou de intera- cinta dos conceitos macroscópico e da solução? Afinal, se há absorção ções intermoleculares) com absorção microscópico de temperatura. Em se- de energia, a temperatura deveria e liberação de energia, como também guida, analisaremos a energia interna aumentar! quanto à identifica- e suas componentes ção desses fenôme- para, então, conside- Aspectos macroscópicos e microscópicos nos com alterações A interpretação atômico- rarmos alguns pro- A interpretação atômico-molecular na energia potencial molecular de processos cessos. de processos endotérmicos e exo- das partículas envol- endotérmicos e Quando dois cor- térmicos exige clareza quanto aos vidas. Deve, ainda, exotérmicos exige clareza pos são colocados aspectos macroscópicos dos ex- ser mencionada a quanto aos aspectos em contato, a tem- perimentos. Há muitas dificuldades relutância para ad- macroscópicos dos peratura é um parâ- com as definições de sistema e de mitir-se que, se dois experimentos. metro que determina vizinhança e com o fato de ser ou sistemas, como o se haverá ou não transferência de energia, na forma de A seção “Conceitos científicos em destaque” tem por objetivo abordar, de maneira crítica e/ou inovadora, conceitos calor, entre esses corpos e em que científicos de interesse dos professores de Química. direção se dará essa transferência, QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
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    caso ela ocorra.Nessa definição, líquido a uma temperatura mais translação e/ou a velocidade de ro- supõe-se contato diatérmico, ou elevada, fornece um interesasante tação e/ou a frequência de vibração seja, é possível a troca de calor entre elo entre os conceitos macroscópi- das partículas. os corpos. Ademais, supõe-se que co e microscópico de temperatura. A percepção da energia potencial não possa haver troca de energia en- Os choques entre as partículas do é mais difícil do que a da cinética. tre eles, na forma de trabalho, ou de líquido, em constante movimento No nível molecular, como exposto irradiação. Se não térmico, com o bul- acima, a energia potencial de um houver transferência bo de vidro do ter- sistema está associada às interações de energia, na forma Considerando o nível mômetro, transferem entre núcleos e elétrons e relaciona- de calor, diz-se que microscópico, nota-se que energia para o vidro, se à posição das partículas. Ela só se existe equilíbrio tér- os estudantes nem sempre aquecendo-o2. Este, mostra evidente quando se transfor- mico entre os corpos têm uma boa compreensão por sua vez, trans- ma em trabalho ou em outras formas e que eles têm a do significado da energia fere energia para o de energia como mostraremos mais mesma temperatu- interna de um sistema nem mercúrio, provocan- adiante. ra. Caso contrário, de suas constituintes – a do a sua dilatação. A energia interna de um sistema a transferência de energia cinética e a energia Quanto mais intenso pode ser aumentada pela execução energia ocorrerá na potencial das partículas o movimento das de trabalho sobre ele – como, por direção da maior que o formam. partículas do líquido, exemplo, a compressão do ar pela temperatura para a tanto mais energia é aplicação de uma pressão externa. menor. Deve ser notado que o ter- transferida e tanto maior a dilatação No processo inverso, o ar compri- mo calor é mais apropriadamente do mercúrio, ou seja, tanto maior mido pode realizar trabalho sobre a empregado como um processo de a temperatura. Assim, em última vizinhança, como (por meio de uma transferência de energia do que análise, pode-se dizer que o termô- máquina própria) desparafusar a como uma forma de energia (Beatie metro mede a quantidade média do roda de um automóvel. apud Castellan, 1986). movimento das partículas que estão A energia interna de um sistema 242 Sob o ponto de vista microscó- em contato com ele. pode também ser aumentada pela pico, a temperatura de um sistema A energia interna3 de um siste- absorção de calor. Transferência de é um parâmetro que se relaciona ma é a soma de todas as formas energia na forma de calor e execu- diretamente com a energia cinética de energia que o sistema possui. ção de trabalho são modos equiva- média das partículas que o consti- Para a maioria dos propósitos da lentes de se alterar a energia interna tuem1. Assim, pode-se afirmar que, química – que são diferentes, diga- de um sistema. Calor e trabalho só se em determinada situação, gelo e mos, daqueles da física nuclear –, aparecem durante a transferência água líquida estão na temperatura de os componentes significativos da de energia. Portanto, um sistema 0oC, então as suas partículas cons- energia interna são aqueles que não possui calor ou trabalho – ele tituintes possuem a mesma energia podem alterar-se no possui uma energia cinética média. Vale lembrar que decurso de uma rea- interna (Beatie apud partículas podem ser átomos, mo- ção química – quais Sob o ponto de Castellan, 1986). léculas, íons ou agregados dessas sejam: (I) as ener- vista microscópico, a Consideremos espécies. Assim, na água líquida, em gias associadas à temperatura de um sistema exemplos de varia- vez de moléculas, deve-se referir a translação, rotação é um parâmetro que se ção de energia po- agregados moleculares (unidos por e vibração das par- relaciona diretamente tencial em alguns ligações de hidrogênio), que podem tículas (ou de outras com a energia cinética processos como a ter um número variável de moléculas. unidades estruturais média das partículas que o sublimação de um Por outro lado, em se tratando de capazes desses mo- constituem. cristal de cloreto de sólidos cristalinos, devem também vimentos); e (II) a sódio. A energia de ser consideradas as vibrações da energia eletrônica, que é a energia interação entre os íons sódio e clo- rede. Esses fatos têm implicações na associada às várias interações, in- reto, que possuem cargas opostas, energia cinética média dos sistemas tramoleculares e intermoleculares, é basicamente energia potencial ele- e explicam porque tanto as partículas que existem entre núcleos e elétrons trostática5 e tem um valor negativo. constituintes do gelo fundente quan- (Dasent, 1982) . A soma dos compo- 4 Transferindo-se energia ao sistema to as da água líquida, a 0oC, têm a nentes agrupados em (I) correspon- como calor, os íons podem ser se- mesma energia cinética média – por de à energia cinética das partículas parados até o infinito, situação em mais estranho que, à primeira vista, constituintes do sistema, e a soma que a sua energia potencial torna-se isso possa parecer. dos componentes agrupados em (II), igual a zero. Portanto, para romper as A transferência de energia, que à sua energia potencial. ligações iônicas no cloreto de sódio, ocorre quando, por exemplo, um Energia cinética é a energia asso- há aumento na energia potencial do termômetro de mercúrio, à tempe- ciada ao movimento. Quanto maior sistema, a qual passa de um valor ratura ambiente, é inserido em um ela for, tanto maior a velocidade de negativo a zero. Na verdade, na QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
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    ruptura de qualquerligação química nética e potencial de suas partículas havia sido absorvida na vaporização ou de interação intermolecular, o sis- constituintes. e utilizada para romper as ligações tema absorve energia e há aumento A água líquida absorve energia, de hidrogênio e que estava na forma de sua energia potencial6. na forma de calor, do bico de gás de energia potencial, é devolvida à Processo análogo ao que aca- para transformar-se em água gasosa vizinhança como calor ou na execução bamos de descrever, envolvendo e, assim, a vaporização é um proces- de trabalho ao restabelecerem-se as basicamente energia potencial ele- so endotérmico. Exatamente porque, ligações de hidrogênio. trostática, ocorre quando um elétron na vaporização, há absorção de Um exemplo prático é o de uma é removido de um átomo gasoso, energia, a água gasosa tem energia máquina térmica, em que a energia levando à formação de um íon posi- interna maior do que a água líquida8. do vapor de água, gerado pela tivo. Nesse processo de ionização, Nesse experimento, a água lí- queima de um combustível, aciona há aumento da energia potencial do quida e a gasosa mantêm-se à os pistões, realizando um trabalho sistema. mesma temperatura. Uma pergunta e condensando-se nesse processo. Por outro lado, a energia poten- usual é: por que não Outros exemplos cial de um sistema, constituído por há aumento na tem- são as queimadu- moléculas de água gasosa, dimi- peratura, já que há A energia potencial, em ras da mão de uma nui quando, ao condensarem-se, absorção de calor? qualquer sistema, não é pessoa por vapor de formando água líquida, aumenta o O motivo é que a facilmente perceptível, água ou por água número de ligações de hidrogênio energia, fornecida exceto quando ela se fervente. Conside- entre essas moléculas7. Na formação pelo bico de gás, transforma em outra forma remos que tanto o de qualquer ligação química ou de transforma-se inte- de energia ou quando há vapor quanto a água interação intermolecular, o sistema gralmente em ener- execução de trabalho. líquida estejam a libera energia e há diminuição de sua gia potencial das 100oC. Em qualquer energia potencial. moléculas da água, não havendo dos dois casos, há liberação de ener- Em outros sistemas, como o alteração em sua energia cinética gia, na forma de calor, para a mão, da água represada em uma região média. Mantendo-se constante a cuja temperatura é muito menor. En- 243 elevada, a energia potencial gravi- energia cinética média, não há va- tretanto, deve ser lembrado que, no tacional da água transforma-se em riação da temperatura. O aumento caso do vapor, a energia liberada é energia cinética quando ela cai. Em da energia potencial das moléculas maior (e a queimadura, mais grave!), uma usina hidroelétrica, essa energia da água gasosa faz com que estas uma vez que o vapor se condensa cinética é aproveitada para a gera- tenham energia interna maior do que sobre a mão, e a transformação ção de eletricidade. a das moléculas na fase líquida. A H2O(g) → H2O(l) libera energia adi- Feitas essas considerações, dis- energia absorvida é utilizada para cional àquela devido à diferença de cutiremos, inicialmente, as variações romper a maior parte das ligações de temperatura. de energia interna em dois pares de hidrogênio, principais responsáveis experimentos em que não ocorrem por manter a água na fase líquida9. Dissolução endotérmica e dissolução reações químicas. Em cada par, um Como a energia potencial se exotérmica processo é exotérmico e o outro, manifesta na água gasosa? A ener- Consideremos, agora, outro ex- endotérmico. Finalizaremos com um gia potencial, em qualquer sistema, perimento – dissolução de sulfato exemplo de reação química. não é facilmente perceptível, exceto de potássio em um béquer contendo quando ela se transforma em outra água –, realizado em condições dia- Vaporização e condensação da água forma de energia ou quando há exe- térmicas, ou seja, em que é possível Consideremos um experimen- cução de trabalho. a troca de calor entre sistema e vizi- to em que a água, Assim, para exa- nhança. O sistema, no início, é cons- contida em um balão minarmos a energia tituído pela água pura, H2O(l), e pelo colocado sobre a No nível molecular, a potencial da água ga- sulfato de potássio, K2SO4(s), ambos chama de um bico energia potencial de um sosa, consideremos à temperatura ambiente. Depois da de gás, entre em sistema está associada às um segundo experi- rápida dissolução do sal, o sistema ebulição. Suponha- interações entre núcleos mento, em que ocor- passa a ser a solução resultante de mos que tanto a e elétrons e relaciona-se à re a condensação do sulfato de potássio. água líquida quan- posição das partículas. vapor de água, ge- Nota-se, nos instantes iniciais to o vapor formado rado no experimento do experimento (em que não houve (que em conjunto anterior. A temperatu- tempo hábil para a troca de calor constituem o sistema) estejam na ra é mantida constante e igual a 100oC. com a vizinhança), uma diminuição temperatura de 100 oC. Deseja-se Sendo o primeiro experimento o con- da temperatura do sistema, que deve discutir, nessa mudança de fase, trário do segundo, neste as ligações ser atribuída a uma diminuição da as variações da energia interna do de hidrogênio são restabelecidas e há energia cinética média de suas par- sistema em termos das energias ci- liberação de energia. A energia, que tículas constituintes. Como a energia QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
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    total deve serconservada, pode-se íon-dipolo. Entretanto, na dissolução Nessa reação, representada pela afirmar que há aumento da energia do hidróxido de sódio, a soma das Equação 1, são rompidas as 4 liga- potencial do sistema10. variações de energia potencial deve ções simples C–H no metano, bem A variação da energia potencial indicar que a energia potencial total como as ligações duplas O=O nas pode ser entendida analisando-se diminui, já que o aumento inicial da 2 moléculas de oxigênio e, para que as mudanças nas ligações químicas temperatura evidencia aumento da isso ocorra, há absorção de energia. e interações intermoleculares no energia cinética. Assim, pode-se Paralelamente, formam-se 2 ligações sistema. A dissolução envolve dois concluir que, nessa dissolução, parte duplas C=O no dióxido de carbono processos endotérmicos e um exo- da energia potencial transforma-se e 4 ligações simples O–H nas 2 térmico. Os dois endotérmicos são as em energia cinética. moléculas de água, processos em rupturas, pelo menos parciais, das li- Com o tempo, o sistema perde que há liberação de energia. Nesse gações iônicas no sulfato de potássio energia, como calor, para a vizi- caso, pode-se afirmar, com segu- sólido e das ligações de hidrogênio nhança. A temperatura do sistema rança, que, em módulo, a energia na água líquida. O processo exotérmi- diminui e, eventualmente, o equilíbrio liberada é maior do que a absorvida, co é a formação das interações íon- térmico é restabelecido. O balanço pois todas as combustões são exo- dipolo no sulfato de potássio aquoso, energético no final do experimento térmicas. A energia liberada nessas uma vez que tanto os mostra uma libera- reações pode ser aproveitada para íons potássio – K+ – ção de energia, na aquecimento ou para a realização quanto os íons sulfato Não obstante a maioria forma de calor, pelo de trabalho como, por exemplo, – SO42– – interagem das leis e dos princípios sistema. A dissolu- movimentar um veículo13. com as moléculas po- da Termodinâmica ter ção do hidróxido de Nas reações químicas endotérmi- lares da água, sendo sido formulada antes ou sódio é, portanto, cas, em módulo, a energia absorvida solvatados por elas. de forma independente exotérmica. para a ruptura de ligações é maior do Originam-se espé- da teoria atômica, uma Se esses experi- que a liberada na formação de outras cies hidratadas, que explicação molecular dos mentos de dissolu- ligações. Em quaisquer casos, como 244 podem ser represen- fenômenos enriquece a ção fossem condu- explicado anteriormente, variações tadas, respectiva- compreensão destes e zidos em condições permanentes na temperatura do mente, por K+(aq) e muito contribui para ela. adiabáticas, como sistema dependem das condições por SO42–(aq)11. Como em uma garrafa tér- em que as reações são efetuadas indicado no parágrafo anterior, resulta mica, ou seja, sem que houvesse – se em recipientes com paredes que a soma das variações de energia troca de calor entre o sistema e a diatérmicas ou adiabáticas. potencial desses três processos deve vizinhança, as variações de tempe- mostrar que a energia potencial total ratura seriam permanentes. Pode-se, Conclusão do sistema aumenta, uma vez que a portanto, afirmar que, em condições Não obstante a maioria das leis diminuição da temperatura só pode adiabáticas, aqueles processos, e dos princípios da Termodinâmica ser atribuída a uma diminuição da que realizados diatermicamente são ter sido formulada antes ou de forma energia cinética média das partículas. endotérmicos, resultam em dimi- independente da teoria atômica, uma Com o decorrer do tempo, a vi- nuição da temperatura do sistema, explicação molecular dos fenômenos zinhança cede energia, na forma de enquanto os exotérmicos resultam enriquece a compreensão destes e calor, para o sistema, aumentando a em aumento12 (Lima e cols., 2008). muito contribui para ela. Em espe- temperatura deste, até que o equilí- cial, a discussão dos aspectos mi- brio térmico com o meio ambiente Uma reação química exotérmica croscópicos permite abordar a dinâ- seja restabelecido. Assim, pode-se A interpretação atômico-mole- mica dos processos de transferência concluir que o balanço energético cular da variação da energia interna de energia e possibilita a introdução no final do experimento mostra uma em transformações químicas não é do fator tempo nesses processos. absorção de energia, na forma de diferente daquela apresentada nos De fato, nossa experiência em sala calor, pelo sistema e a dissolução exemplos anteriores, exceto pelo de aula tem mostrado que, com a do sal é dita endotérmica. fato de que, nas reações químicas, discussão dos tópicos abordados Abordaremos, de modo mais ao formarem-se novas substâncias, neste trabalho, muitas dificuldades resumido, um quarto experimento, há sempre ruptura e/ou formação de tradicionais dos estudantes, no es- também realizado em condições ligações químicas e não apenas de tudo da termoquímica, têm sido mais diatérmicas – a dissolução, em água, interações intermoleculares. facilmente solucionadas. do hidróxido de sódio, NaOH(s), Consideremos, como exemplo, a em que a temperatura do sistema combustão do metano: Notas aumenta inicialmente. Como no 1. Deve ser lembrado que o exemplo anterior, há rupturas de CH4(g) + 2 O2(g) → número de partículas envolvidas, ligações iônicas e de ligações de CO2(g) + 2 H2O(g) (Eq. 1) mesmo em um sistema minúsculo, hidrogênio e formação de interações é extremamente elevado – em ape- QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009
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    nas 2 colheres(de sopa) de água, obviamente, não há qualquer tipo 11. Refere-se a rupturas parciais há cerca de 6,02 x 1023 moléculas! de interação entre as suas molé- das ligações iônicas porque, em Assim, para a descrição das pro- culas. Entretanto, na água gasosa solução, existem pares iônicos e priedades dos sistemas, não é pos- real, há agregados outros agregados. sível analisar-se o comportamento moleculares forma- Simultaneamente, individual das partículas, mas se dos por ligações de A discussão dos aspectos deve haver ruptura deve recorrer a valores médios de hidrogênio. Na água microscópicos permite de parte das liga- suas propriedades. Por essa razão, líquida, o número abordar a dinâmica dos ções de hidrogênio a temperatura é associada ao valor dessas ligações é processos de transferência entre as moléculas médio da energia cinética das par- muito maior. de energia e possibilita a de água para que tículas – as partículas individuais 8. Deve ser nota- introdução do fator tempo ocorra a solvatação têm energias cinéticas diferentes do que, nesse pro- nesses processos. dos íons. e que não se mantêm constantes cesso de vaporiza- 12. Em um ex- com o tempo. ção, a pressão é mantida constante perimento feito em condições adia- 2. Movimento térmico é o movi- e, portanto, o calor absorvido é igual báticas – que não são comuns em mento molecular, aleatório e caótico, à entalpia de vaporização. É comum, nosso dia a dia –, a interpretação que é tanto mais energético quanto na bibliografia de Ensinos Funda- da variação da temperatura do sis- maior for a temperatura. mental e Médio, referir-se ao calor tema é mais simples, não só porque 3. O conceito de energia interna é de vaporização como calor latente essa variação é permanente após fundamental em nossas discussões. de vaporização. Essa denominação é ter sido atingido o equilíbrio interno Expressões como conteúdo de calor incorreta e não deve ser usada, pois, do sistema, mas também porque o e calor de um sistema são equivo- como observado anteriormente, um experimento não envolve troca de cadas e obsoletas e não devem ser sistema não possui calor. calor com o meio ambiente. usadas (Silva, 2005). 9. Parte da energia absorvida é 13. No Brasil, o gás natural veicu- 4. Na medida em que os elétrons utilizada para romper as interações lar, GNV, tem sido bastante utilizado se movimentam em torno dos núcle- dipolo-dipolo entre as moléculas da como combustível para veículos. 245 os, a componente eletrônica da ener- água líquida, aumentando a distân- Ele é constituído, basicamente, por gia interna inclui a energia cinética cia entre elas – na fase gasosa, as metano. dos elétrons, além das energias de distâncias entre as moléculas são atração elétron-núcleo e de repulsão muito maiores. elétron-elétron. As repulsões não são 10. A energia total deve ser Haroldo Lúcio de Castro Barros (haroldo@coltec. apenas coulombianas, mas também conservada porque, nos instantes ufmg.br), bacharel em Engenharia Química pela são devidas ao princípio de exclusão iniciais, não há tempo para a troca de Escola de Engenharia da Universidade Federal de de Pauli. calor entre o sistema e a vizinhança. Minas Gerais (UFMG), mestre em Química pela 5. Além da componente cou- Além disso, está implícito que não Purdue University (EUA), doutor em Química pela Tulane University (EUA), pós-doutor pela Universi- lombiana, responsável por cerca de há troca de matéria e é desprezado dade de Londres (Inglaterra), é professor associado 90% da energia de interação entre eventual trabalho de expansão ou de do Colégio Técnico da Escola de Educação Básica os íons, há também repulsões não compressão. e Profissional da UFMG (Coltec/UFMG). coulombianas entre eles, ligadas ao princípio de Pauli, e ainda outras Referências na Escola, n. 22, p. 22-25, 2005. contribuições menos importantes. CASTELLAN, G. Fundamentos de Para saber mais Esses refinamentos, entretanto, não físico-química. Trad. C.M.P Santos e R.B. . afetam a validade da discussão Faria. Rio de Janeiro: LTC, 1986. ATKINS, P .W. Concepts in physical apresentada. DASENT, W.E. Inorganic energetics. 2 chemistry. Oxford: Oxford, 1995. 6. Também nas rupturas no mun- ed. Cambridge: Cambridge University BARROS, H.L.C. Química inorgânica do macroscópico, como na quebra Press, 1982. – uma introdução. Belo Horizonte, 2002. de um cabo de vassoura, ligações LIMA, M.E.C.C.; DAVID, M.A. e MA- MORTIMER E.F. e AMARAL, L.O.F. químicas e/ou interações intermole- GALHÃES, W.F. Ensinar ciências por Quanto mais quente melhor: calor e tem- culares são rompidas e, para que isso investigação: um desafio para os forma- peratura no ensino de termoquímica. Quí- dores. Química Nova na Escola, n. 29, p. mica Nova na Escola, n. 7, p. 30-34, 1998. ocorra, o sistema – no caso, o cabo 24-29. 2008. OLIVEIRA, M.J. e SANTOS, J.M. A de vassoura – deve absorver energia. SILVA, J.L.P Por que não estudar .B. energia e a Química. Química Nova na 7. Se se supõe comportamento entalpia no Ensino Médio. Química Nova Escola, n. 8, p. 19-22, 1998. de gás ideal para a água gasosa, Abstract: Endothermic and exothermic processes: a molecular viewpoint. Absorption and liberation of energy, as heat, are analyzed, under a molecular viewpoint in this report. For this purpose, among other aspects, we discussed: definitions of system and surroundings; macroscopic and microscopic concepts of temperature; the perception of heat as a process of energy transfer, result- ing from a temperature difference; thermal equilibrium between system and surroundings, in experiments carried out under diathermic conditions; the concepts of internal energy of a system and of its components; change in the temperature of a system and change in the average kinetic energy of its particles; changes in potential energy associated to the breakage and formation of chemical bonds and/or of intermolecular interactions.The discussion of such topics will help students to overcome or even to avoid many difficulties that they usually encounter in the study of thermochemistry. Keywords: absorption/liberation of energy; internal energy; breakage/formation of bonds. QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Processos Endotérmicos e Exotérmicos Vol. 31, N° 4 , NOVEMBRO 2009