Dossiê Migrações Internacionais na Sociologia Contemporânea - Artigo

Deportabilidade: um novo paradigma na política migratória brasileira?

Deportability: a New Paradigm in Brazilian Migration Policy?

Svetlana Ruseishvili
Universidade Federal de São Carlos, Brazil
João Chaves
Defensoria Pública da União, Brazil

Deportabilidade: um novo paradigma na política migratória brasileira?

Plural – Revista de Ciências Sociais, vol. 27, núm. 1, pp. 15-38, 2020

Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FFLCH-USP

Recepção: 11 Outubro 2019

Aprovação: 30 Março 2020

Resumo: Neste artigo, procura-se refletir sobre o texto da Portaria no 666, publicada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública no dia 26 de julho de 2019, no contexto da legislação migratória brasileira. Discute-se que o evidente desacordo da Portaria com os princípios que regem a nova Lei de Migração é uma manifestação da contradição contemporânea entre a concepção clássica da soberania como monopólio do Estado sobre o seu território e a erosão dessa última pelas novas práticas de governança global. Argumenta-se também que o texto da Portaria produz a deportabilidade do migrante, compreendida como a possibilidade de removê-lo do território nacional de maneira sumária. A deportabilidade reforça a ilusão de provisoriedade do migrante e provoca a moralização de sua condição pela sociedade do país de instalação. Produzindo efeitos econômicos e políticos concretos na vida dos migrantes, a Portaria anuncia também uma possível mudança de paradigma migratório no Brasil.

Palavras-chave: Deportabilidade, Política migratória, Portaria 666, Migração.

Abstract: In this article, we intend to discuss the text of Decree No. 666, published by the Minister of Justice and Public Security on July 26, 2019, in the context of Brazilian migration law. We argue that the clear disagreement of this Decree with the principles that orient the new Migration Law is in fact a manifestation of the contemporary contradiction between the classical conception of sovereignty as the monopoly of the Nation-State over its territory and the erosion of this sovereignty by the new practices of global governance. We also argue that the Decree produces the migrant’s deportability, understood as the possibility of being removed from the national territory. We aim to evidence that deportability reinforces the illusion of migrant’s temporarity and leads to moralization of his condition by the host society. While produces concrete economic and political effects on migrants’ lives, the Decree also announces a possible change in the migratory paradigm in Brazil.

Keywords: Deportability, Migration policy, Decree n. 666, Migration studies.

INTRODUÇÃO

A Portaria nº 666, publicada no dia 26 de julho de 2019 pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, provocou grandes debates tanto no meio acadêmico quanto nos movimentos da defesa de direitos dos migrantes. Alguns comentadores destacavam a ilegalidade e inconstitucionalidade da medida que está em evidente desacordo com os conceitos e normas estabelecidos na Lei n 13.445/2017, a “Nova Lei de Migração” (ALARCÓN; RODRIGUES, 2019; SANCHES, 2019). Outros lamentavam que o texto da Portaria poderia significar um retorno à retórica do imigrante indesejável que sustentou as políticas migratórias brasileiras ao longo dos séculos (QUINTANILHA, 2019).

Se é verdade que cada país possui a sua especificidade histórica na construção do conceito do imigrante “indesejável”, faz-se necessário resgatar os mecanismos com os quais o Estado brasileiro produzia os seus indesejáveis ao longo da história. Como constata a vasta produção bibliográfica sobre o tema, a legislação migratória brasileira sempre objetivou realizar uma seleção implícita dos imigrantes para impedir a entrada daqueles que não se enquadravam no imaginário racial, cultural e político da nação brasileira (SEYFERTH, 2008).

De uma forma geral, o controle estatal da mobilidade humana sempre foi uma questão política e econômica fundamental no Brasil. A abolição da escravatura, que sustentou a economia do Brasil-colônia por vários séculos, não retirou a questão da mobilidade do centro das preocupações das elites políticas. No regime de colonato, os mecanismos de controle da mobilidade da população pelo Estado foram reformulados e tiveram como resultado as políticas de migração subvencionada. Mais do que isso: a economia cafeeira se fundamentou tanto no trabalho do imigrante europeu, quanto em certos mecanismos sociais que asseguravam a sujeição do trabalho do migrante formalmente livre à fazenda e ao fazendeiro, como mostra José de Souza Martins (2018).

Já no início do século XX, os debates públicos sobre as sucessivas leis de expulsão de estrangeiros evidenciam como a figura do imigrante indesejável passou a ser associada com a figura do proletário urbano, portador de certo espírito de consciência de classe (LANG, 1989). Uma incorporação pelas elites econômicas e políticas brasileiras da demanda do capitalismo industrial pelo trabalhador submisso e disciplinado. No Estado Novo, as expulsões de estrangeiros, amparadas pela legislação restritiva e estimuladas pelo poder executivo, se transformaram em um dispositivo exemplar de controle e de vigilância policial das populações urbanas de origem imigrante, consideradas “nocivas” à ordem pública e segurança nacional (RIBEIRO, 2012). Conforme demonstrado por Ruseishvili (2016), a publicação pelo governo de Getúlio Vargas do decreto-lei n 383 (BRASIL, 1938), que vedava aos estrangeiros a atividade política no Brasil sob pena de prisão ou expulsão do território nacional, teve efeitos imediatos para muitas comunidades de imigrantes que não demoraram a interromper suas atividades culturais, educacionais e associativas com medo de repressão.

Apresentados de uma maneira sintética, esses exemplos apontam para a importância de considerar a historicidade da ideia da soberania nacional quando concebida como poder do Estado de admitir, controlar e expulsar estrangeiros. Contudo, na publicação da Portaria n 666 não se trata apenas de resgate de uma figura do indesejável superada pela Nova Lei de Migração mesmo que ainda fortemente presente no imaginário do Estado. O conceito de imigrante “perigoso” ou “indesejável” ganha novos significados quando pensamos a lógica da soberania nacional dentro da trama de novas configurações de poder no capitalismo neoliberal global. Dessa maneira, entende-se que a Portaria também deve ser entendida no seu momento histórico específico - ela está em constante negociação com a nova legislação migratória nacional, ao mesmo tempo que moldada pela lógica da “governança migratória” global e pela influência das políticas dos países do Norte, marcadas pelo avanço da racionalidade neoliberal.

Além disso, é preciso lembrar que a lei, em seu sentido mais amplo, possui a capacidade concreta de produzir categorias e realizar a sua diferenciação e hierarquização, o que tem impacto direto na vida das pessoas. A Portaria uma medida normativa que introduz o conceito de “pessoa perigosa” - não apenas (re)inaugura um campo semântico do estrangeiro como risco e ameaça, mas também cria de forma muito real a “ilegalidade” do migrante e o seu significado específico. Como bem aponta o antropólogo americano Nicholas De Genova (2002), a “ilegalidade” é uma condição jurídica produzida pelo Estado como um efeito da lei e muito mais - uma condição social, sustentada como um efeito de formação discursiva.

Nesse sentido, argumentamos que a Portaria nº 666, que retoma a retórica do migrante “perigoso”, mesmo que não tenha apoio efetivo por parte da Polícia Federal à qual é endereçada, produz efeitos concretos na vida dos migrantes. Primeiro, por meio da promoção da dicotomia do migrante bom versus migrante mau ela produz o efeito de moralização da migração. Segundo, a ameaça constante de ser considerado “perigoso” e ser deportado sumariamente deixa o migrante em um estado de tensão e alerta. No fundo, os dois efeitos levam à desmobilização e despolitização dos migrantes e à sua retirada do espaço público. Dessa maneira, o que importa nesse fenômeno não é a deportação em si, mas aquilo que Abdelmalek Sayad (1984) e Nicholas De Genova (2002) chamam de “expulsabilidade” e “deportabilidade” do migrante.

Além da introdução da noção de “deportabilidade” enquanto horizonte de possibilidade permanente para a gestão migratória e o exercício do poder soberano pelo Estado, pelo controle direto do corpo do migrante por meio de uma forma jurídica indeterminada - o conceito normativo aberto de “pessoa perigosa” - é também relevante perceber o quanto a Portaria n 666 está inserida num paradigma fluido de governança migratória, em sentido contrário ao anunciado pela nova Lei de Migração.

Buscamos, pelo texto normativo, de seus principais questionamentos no âmbito jurídico e pela leitura da defesa da norma pelo Ministro da Justiça em ação judicial, compreender as possíveis estratégias políticas envolvidas para deduzir de que modo a “deportabilidade” como conceito impactará a realidade migratória brasileira pelos próximos anos. Para além do estudo de direito migratório, pretendemos fazer uma leitura política dos efeitos da inclusão da portaria na ordem jurídica brasileira, em que mesmo a análise superficial do texto já revela o aprofundamento de uma lógica securitária e, como dito, a entrada da “deportabilidade” como paradigma de gestão biopolítica.

É preciso mencionar que, mesmo que a vigência da Portaria em questão tenha sido muito curta, revogada pela Portaria n. 770 de 11 de outubro de 2019 (BRASIL, 2019), os conceitos introduzidos nela permaneceram no cenário da legislação migratória. Na medida em que a figura da “pessoa perigosa” continua orientando as medidas da retirada compulsória de imigrantes do país, está sendo posto um novo paradigma migratório fundamentado em princípios securitários em detrimento dos princípios da nova Lei de Migração respaldada nos direitos humanos.

A PORTARIA Nº 666 COMO FATO NORMATIVO: O PERCURSO ENTRE A LEI E O REGULAMENTO

A existência de formas de impedimento de ingresso de estrangeiros em território nacional ou de medidas compulsórias de promoção de sua saída não é, de modo algum, absurda ou imprevista nas legislações domésticas dos países - e o Brasil não seria a exceção. Com maior detalhamento que a já revogada Lei n 6.815/80, denominada “Estatuto do Estrangeiro”, a atual Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) previu não apenas uma, mas três hipóteses de saída compulsória do país em função dos fundamentos para a decisão, o que ensejaria uma situação de potencial “deportabilidade” no plano jurídico.

Segundo a Lei de Migração, cuja regulamentação e detalhamento dos modos de aplicação foi trazida pelo Decreto nº 9.199/2017 do Presidente da República, há no Brasil três medidas compulsórias de saída: “repatriação”, “deportação” e “expulsão”, tratadas pelos arts. 46 a 62 da Lei nº 13.445 (BRASIL, 2017a) e pelos arts. 178 a 212 do Decreto nº 9.199 (BRASIL, 2017b).

A “repatriação” refere-se a casos de impedimento de ingresso em pontos de fronteira, quando o estrangeiro não tem sua entrada migratória autorizada por motivos como a ausência de documento de viagem válido, de visto específico para a entrada - tomado esse termo como um documento que confere ao estrangeiro expectativa de direito de ingressar no Brasil - ou a detecção de outras razões, como o cometimento de crime no país de origem ou ordem judicial. Há, tanto na lei como no decreto regulamentador, a previsão de direito de defesa e notificação da Defensoria Pública da União, reservado o detalhamento do procedimento a ato normativo do Departamento de Polícia Federal e ressalvada a impossibilidade de repatriação por motivos de raça, religião, origem social, etc. Há, ainda, a cláusula genérica de impedimento pela prática de “ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, sem maior especificação de hipóteses ou diretrizes interpretativas.

A “deportação”, segunda medida compulsória, refere-se à “retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional”. Nesse caso o principal vetor de interpretação é a irregularidade, ou seja, quando o estrangeiro está na condição de visitante com prazo de estada expirado ou, ainda, apresenta-se como imigrante com desejo de residência no país, sem buscar as formas específicas de autorização para esse objetivo e sua consequente regularização migratória por diversos fundamentos (reunião familiar, estudo, trabalho, saúde, solicitação de refúgio ou reconhecimento da condição de apatridia etc.). Em regra o imigrante ou visitante irregular deve ser intimado para promover sua regularização ou sair voluntariamente do país em 60 (sessenta) dias, após o que haverá processo administrativo com garantia de contraditório e ampla defesa para a possível expedição de ordem de deportação.

A terceira e última medida compulsória legal é a “expulsão”, concernente a casos de condenação criminal transitada em julgado. Nesse caso, e ao contrário dos demais, a medida é quase uma consequência da análise judicial e prevê situações de inexpulsabilidade (filhos ou cônjuge/companheiro(a) brasileiro(a), por exemplo), bem como um limite máximo para a duração do impedimento de reingresso ao país. A “extradição”, que nada mais é que um pedido de outro país para que um estrangeiro residente no país seja preso e encaminhado para julgamento ou cumprimento de pena, não é uma medida compulsória de caráter migratório, mas sim uma medida de cooperação jurídica internacional em matéria penal.

“Repatriação”, “deportação” e “expulsão” seguem uma escala da gravidade de suas razões e seus efeitos, o que se reflete na complexidade dos processos administrativos previstos para a formação de cada ato. A lei permite que o Presidente da República, por decreto, e Ministro da Justiça ou mesmo, no caso da “repatriação”, a própria Polícia Federal promova regulamentação dos conceitos e dos procedimentos. Foi nesse contexto que surgiu, em julho de 2019, a Portaria nº 666 do Ministério da Justiça, que trata, de modo absolutamente questionável, dos temas de impedimento de ingresso, “repatriação” e uma peculiar forma de “deportação sumária”.

O ponto-chave para a compreensão da portaria e, em consequência, do que identificaremos como a materialização do conceito contemporâneo de “deportabilidade” é a ênfase não em fatos específicos ou procedimentos sobre “repatriação” ou “deportação” - o que seria lícito e legítimo - mas sim no aspecto pessoal de tipificação do estrangeiro como “pessoa perigosa”. O art. 2º do texto estipula que seriam perigosas pessoas que tenham cometido, ou sejam suspeitas de envolvimento com crimes graves (tráfico de drogas, terrorismo, pornografia infantil, etc.) ou de repressão bastante específica (torcida com histórico de violência em estádios); contudo, o modo de apuração dos fatos é absolutamente interligado com estes. Afinal, o §1º do mesmo artigo afirma que a consideração da pessoa como perigosa pode ter por fundamento desde uma sentença condenatória definitiva como investigação criminal em curso e “informações de inteligência”, dado que não tem qualquer delimitação jurídica ou mesmo forma de documentação e controle posterior de legalidade.

Na mesma direção segue a portaria ao possibilitar que a “pessoa perigosa” seja deportada sumariamente, num procedimento extremamente rápido, com previsão de 48 horas para defesa (produção de provas incluída, para além da mera apresentação de petição escrita) e prazo de recurso de meras 24 horas. Ou seja, mesmo pessoas já residentes no Brasil, e mesmo que detenham situação migratória regular ou tenham processos de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado/a pendente podem ser tidas, em menos de uma semana, como “perigosas” e presas para deportação. Retomando os conceitos de medidas compulsórias apresentados no início, surge uma distorção evidente do instituto, que pela lei é vinculado a mera situação de irregularidade (não obtenção de autorização de residência) e passa a ser utilizado para um exame sumário de periculosidade.

O propósito deste trabalho não é um exame jurídico em sentido estrito do texto, e nem detalhar todos os aspectos, o que certamente terá, ao longo da vigência da portaria, atenção da literatura especializada na área. Para os fins que pretendemos, basta perceber o elemento central da portaria, que é a introdução no direito migratório brasileiro de uma noção vaga e fluida de “deportabilidade” a pairar sobre qualquer imigrante, um item simbólico de posicionamento de uma categoria populacional relativamente pequena a um estado de risco permanente. Como bem salientado por Stanicia (2019), o Ministro da Justiça age pela exploração de “brechas legislativas e conceitos vagos que acabam por criar uma zona cinzenta entre legalidade e ilegalidade, constitucionalidade e inconstitucionalidade”.

No mesmo dia da publicação da portaria houve a edição de extensa nota técnica da Defensoria Pública da União1, em que o órgão rechaça, pelo viés jurídico que lhe é próprio, o texto apresentado. A nota reconhece a possibilidade e mesmo a importância de regras de controle migratório de ingresso e disciplina das medidas compulsórias de saída, mas aponta as diversas violações ao devido processo legal pela Portaria.

Dois trechos merecem destaque. No primeiro, a Defensoria reforça a tese central de violação ao devido processo legal pelo conceito de “pessoa perigosa”, por sua abertura semântica e pela ausência de controle sobre as formas de comprovação:

De plano, constata-se a ilegalidade da previsão. A Lei de Migração previu, em seu art. 45, IX, o impedimento de ingresso no país, após entrevista individual e ato fundamentado, da pessoa que “tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, dispositivo que foi repetido no Decreto nº 9.199/2017 como fundamento para denegação de visto (art. 28, V), indeferimento de autorização de residência (art. 133, V) e o próprio impedimento de ingresso (art. 171, IX). No entanto, a única leitura possível é a que promova uma interpretação restritiva do texto, apenas para situações extremamente graves e que estejam, por óbvio, baseadas nos princípios e direitos fundamentais também previstos, em favor dos indivíduos envolvidos, na própria Constituição. Ocorre que o texto, da forma como está redigido, possibilita a inadmissão por diversos aspectos que não estão previstos constitucionalmente, não ofendem diretamente os “princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal” e situam-se num aspecto absolutamente ordinário do sistema de justiça criminal que não enseja, em muitos casos, qualquer juízo razoável sobre qualquer ameaça concreta pela presença ou ingresso de indivíduos não nacionais no território brasileiro.

O mais preocupante é constatar a criação, por portaria ministerial, do conceito jurídico indeterminado de “pessoa perigosa”, que remete às piores lembranças autoritárias do direito migratório brasileiro e ao já revogado Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80). Não se desconhece a possibilidade de normas com caráter aberto ou em branco, que possam ser reservadas à interpretação infralegal. Contudo, devem estar previstas em lei, o que não foi o caso.

Em outro momento, a Defensoria opta por questionar a contradição entre um modelo bastante rígido e quase imediato de deportação e o restante do marco normativo brasileiro em matéria migratória, indicando esse fato como pano de fundo de sua análise jurídica:

Por fim, merece destaque a contradição normativa de ter uma portaria que disciplina processos de uma denominada deportação sumária, mas silencia quanto à regulamentação do instituto que seria regular, qual seja, a deportação tout court prevista na Lei nº 13.445/2017 e no Decreto nº 9.199/2017. Seria, em termos de governança migratória, mais conveniente e útil à Administração regulamentar os processos de deportação e outras medidas compulsórias legais, como repatriação e expulsão, do que apenas criar um instituto fora do objetivo legal previsto para a deportação, com uma gravíssima ameaça aos potenciais imigrantes e visitantes a ele sujeitos.

A adoção de um processo migratório sem previsão legal, fora do marco específico do instituto da deportação como medida correlata à estada irregular, com prazo de 48 (quarenta e oito) horas para defesa e produção de provas, 24 (vinte e quatro) horas para recurso e desconsiderando todos os aspectos referentes ao princípio da não-devolução ou proibição do rechaço, bem como diversas outras hipóteses que impedem medidas compulsórias de saída até mais gravosas, como a da expulsão, expõe o Brasil à possibilidade de constrangimentos internacionais e ameaça a imagem de um país de respeito aos direitos dos migrantes. Se hoje o país é reconhecido por sua legislação garantista e protetiva e exporta boas práticas de regularização e integração como, por exemplo, a Operação Acolhida, destinada a receber cidadãos venezuelanos nos Estados de Roraima e Amazonas -, passará, com a manutenção da Portaria MJ nº 666/2019, a ser objeto de constantes questionamentos sobre seu compromisso com diversos instrumentos internacionais, especialmente no contexto do sistema interamericano de direitos humanos. Essa imagem prejudica, ainda, a defesa de direitos de imigrantes brasileiros no exterior, que, segundo dados aproximados, é três vezes maior que a quantidade de imigrantes estrangeiros no Brasil.

Com atenção específica à proteção do instituto do refúgio, o ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados2 - também produziu nota técnica com observações sobre a Portaria nº 666, e registra sua posição de preocupação e temor de rechaço de potenciais refugiados por força da aplicação do conceito de “pessoa perigosa” e do uso da “deportação sumária” como seu instrumento:

O ACNUR demonstra preocupação com a aplicação do Artigo 1º da Portaria Nº 666 às pessoas refugiadas e solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, uma vez que esta disposição, em diversos aspectos, não está em conformidade com os padrões de tratamento contidos na Convenção sobre Refugiados de 1951 e seu Protocolo de 1967. Indivíduos que manifestam legítimo temor em voltar a enfrentar um risco de perseguição, ou outras graves formas de violação de direitos em seu país de origem, devem ser admitidos em território seguro, e possuem o direito de acesso a procedimentos justos e eficazes para a determinação da condição de refugiado. A recusa sumária de solicitantes da condição de refugiado em fronteiras, ou em outros pontos de entrada, pode violar o próprio direito de solicitar o reconhecimento da condição de refugiado, ou mesmo equivaler ao refoulement (devolução de pessoas que tem o direito de buscar asilo e proteção internacional). Além disso, pode impedir que pessoas refugiadas tenham suas necessidades de proteção internacional avaliadas pelo Comitê Nacional para os Refugiados, tal como assegurado pela Lei 9.474/97. Da mesma forma, a repatriação ou deportação sumária de pessoas refugiadas ou solicitantes de reconhecimento da condição de refugiado, pode violar a proteção fundamental contra o refoulement, norma jus cogens de acordo com o direito internacional.

(...)

O ACNUR também tem restrições em relação ao Artigo 2º da Portaria Nº 666, uma vez que esta disposição não atende aos padrões de proteção estabelecidos no Artigo 33 da Convenção sobre Refugiados de 1951 e no seu Protocolo de 1967. Conforme elaborado no Anexo 1 a seguir, o cometimento de crime, por si só, não torna um indivíduo perigoso para o país de acolhida. As exceções para tanto, contidas no Artigo 33(2) da Convenção sobre Refugiados de 1951, dependem de uma avaliação de que a pessoa refugiada em questão ofereça perigo para a segurança nacional do país ou, tendo sido condenada após uma sentença final por um crime particularmente grave, represente um perigo para a comunidade. Em ambos os casos, o artigo 33(2) estabelece um limiar elevado e refere-se a um perigo de natureza muito grave. O Artigo 2º da Portaria Nº 666 omite esse componente essencial, a saber, a avaliação da periculosidade, e associa diretamente a prática de um crime com um indivíduo considerado perigoso, afastando-se do padrão contido na Convenção sobre Refugiados de 1951 (ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA REFUGIADOS, 2019).

Curiosamente a resposta do governo brasileiro não veio diretamente à DPU ou ao ACNUR, ou ainda a outros órgãos públicos e da sociedade civil que questionaram juridicamente sua portaria. A manifestação mais robusta sobre o tema para além de comentários a veículos de mídia foi feita numa ação popular promovida na Justiça Federal de São Paulo3, que tem por definição legal o propósito de permitir a qualquer cidadão eleitor o questionamento de atos administrativos lesivos, dentre outros itens, à moralidade administrativa.

Em sua resposta, o Ministro da Justiça sustenta a plena legalidade da Portaria nº 666 enfatiza a possibilidade de regulamentação de casos de impedimento de ingresso ou da medida compulsória de “deportação sumária”, com três eixos condutores: (a) não haveria, no texto, qualquer inovação à ordem jurídica, mas a delimitação de conceitos já contidos em lei; (b) a noção de soberania presente na Carta das Nações Unidas possibilita que cada país promova seu modelo de governança migratória e limite o ingresso ou a presença de não-nacionais em seu território; e (c) nem o Estatuto dos Refugiados nem a Lei nº 9.474/97 (Lei do Refúgio brasileira) autorizariam o ingresso indiscriminado de qualquer potencial solicitante de refúgio, quando considerado perigoso.

Sobre o último item, é de se destacar o parágrafo abaixo:

42. Bem por isso que a Lei n° 9.474/97, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, conquanto dialogue com critérios de direito humanitário e de acolhimento de estrangeiros em situação de vulnerabilidade, ressalva o comando nuclear de soberania estatal em refutar o ingresso do estrangeiro considerado perigoso para a segurança do Brasil. Essa é a norma contida no §2º do art. 7º da Lei n. 9.474/97, que traduz exceção expressa ao princípio do non refoulement.

A leitura conjunta dos documentos de perfil mais crítico já apontados (notas técnicas da DPU e do ACNUR) e da resposta defensiva do texto, assinada pelo próprio Ministro da Justiça em ação judicial, mostra a polarização de argumentos em dois blocos. De um lado está a ênfase em uma abordagem centrada nos direitos humanos e no respeito ao direito internacional (tratados, standards de atuação, precedentes de cortes) e ao devido processo legal como garantia para o não-nacional frente ao Estado; de outro, está a ênfase da defesa da soberania nacional e da legalidade do conceito de “pessoa perigosa”, tido como suficientemente delimitado e dentro dos limites deixados pelas Leis de Migração (13.445/2017) e Refúgio (9.474/97). Esse é, no entanto, o quadro de discussão jurídica. Por baixo desse campo há, na verdade, a discussão sobre a fluidez inata a um novo conceito de “deportabilidade” introduzido simbolicamente pela portaria no horizonte da governança migratória no Brasil, rompendo o paradigma em construção desde 2017 com a nova Lei de Migração.

O que seria, então, a “deportabilidade” como norma, e por que motivos ela merece atenção como objeto de estudo? A nosso ver, o impasse não poderá ser resolvido unicamente pelo direito da forma indicada pelos operadores acima apontados, num sentido ou no outro, ou dentro de seus parâmetros de forma legal (legislação internacional x legislação doméstica, devido processo legal x procedimento sumário, limitação da portaria à lei x normatização exorbitante, etc.). A compreensão da portaria como fenômeno não só normativo, mas político, passa por uma leitura mais ampla do conceito que lhe subjaz, e que não está suficientemente enunciado nas discussões da comunidade acadêmica ou dos juristas sobre o tema. É esse o centro da análise proposta nos tópicos seguintes.

A PRODUÇÃO NORMATIVA DO “IMIGRANTE INDESEJÁVEL” ENTRE A SOBERANIA E A GOVERNANÇA MIGRATÓRIA

A gestão do fenômeno migratório pelo Estado, por envolver ao mesmo tempo aspectos caros ao discurso do poder soberano como as fronteiras e a afirmação, como em nenhum outro campo, do conceito de nacionalidade, e elementos tidos como de uma biopolítica - o controle individual sobre os corpos e a vida biológica associado ao manejo da circulação das populações - permite ainda o recurso ao pensamento de Michel Foucault como ferramenta crítica.

Em especial a partir da segunda metade da década de 1970, Foucault consagra a ideia de uma convivência descontínua e não sucessiva entre dispositivos de poder associados às noções de soberania (a interdição da desordem), disciplina (a imposição do adestramento dos indivíduos e a distinção entre o normal e o anormal) e segurança, marcado este último pela constatação das distinções individuais para a distribuição da normalidade com caráter de regulação (FOUCAULT, 2004, p. 65; CHAVES, 2010, p. 93). Ao contrário do que o discurso político pode fazer crer, a gestão individual e das populações não se daria pelo marco do direito, mas de um conjunto de novas artes de governar (HUNT, WICKMAM, 1994). A ambiguidade do controle biopolítico, que parece a todo momento conciliar-se com o paradigma da soberania quando, de fato, promove seu esvaziamento (ESPOSITO, 2007), foi percebida e definida por Deleuze como a ascensão da sociedade do controle, em que a informação e a decisão são continuamente moduladas, sob a forma de uma “moratória ilimitada”, nos mesmos termos antecipados por Kafka em seu “O Processo” (DELEUZE, 1992)

Em exame específico sobre a relação entre o Estado e a migração, Abdelmalek Sayad (1999) indica que “pensar a imigração é pensar o Estado” e que “o Estado pensa a si mesmo quando pensa a imigração”. Nesse sentido, as normas jurídicas produzidas pelo Estado representam um dos mecanismos para concretizar esse pensamento do Estado, sobretudo, quando falamos sobre as políticas de controle de mobilidade.

Nesse mesmo sentido, Nicholas De Genova (2002) afirma que a “ilegalidade” do migrante não surge de forma aleatória, mas na verdade é produzida e padronizada pelo Estado. Assim, o direito se torna um instrumento prioritário com qual esse último “produz legalmente a ‘ilegalidade’ do imigrante”. O tema, aliás, já poderia ser encontrado na descrição de Foucault (1975) sob a forma de “ilegalismos” reprimidos e consentidos numa economia em constante mudança, desde a gênese do Estado moderno. Porém a lei, sugere De Genova, precisa ser analisada a partir de sua instrumentalidade, historicidade e força material de produzir parâmetros fundamentais da vida sociopolítica. As categorias de exclusão criadas pelas normas jurídicas são historicamente e nacionalmente situadas. Nos Estados Unidos, a categoria de “estrangeiros deportáveis” é pautada nas questões étnico-raciais (Mexicanos e outros) (De Genova, 2002). No Brasil, o conteúdo da categoria “imigrante indesejável” já incluiu as características étnico-raciais (negros, judeus, japoneses, chineses), como também profissionais e políticas (anarquistas, comunistas, desempregados, prostitutas) (CARNEIRO, 2018) e morais (“loucos”, subversivos, indisciplinados) (DOMENECH, 2015).

A Portaria nº. 666 produz um conteúdo novo da figura do “indesejável”: o da “pessoa perigosa”, definida como tal pela mera suspeita de envolvimento em atividades de terrorismo, crime organizado, tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo, pornografia ou exploração infantil e torcida organizada com histórico de violência (BRASIL, 2019). No plano discursivo, esse novo significado do conceito antigo se alinha com as categorias presentes no regime global de controle da mobilidade. Regime esse que, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, em nome do combate ao crime internacional, tem se transformado, como diz Vera Telles interpretando Achille Mbembe, no regime de controle e vigilância das:

Populações despossuídas de seus ancoramentos de trabalho, proteção social e territórios de referência. Populações sujeitas a formas de violência, estatais e não estatais, que acompanham práticas e mecanismos de racialização, os quais objetivam essas populações como figuras indesejáveis a serem controladas, colocadas à parte ou então administradas em sistemas de controle e contenção (TELLES, 2019, p. 43).

A Portaria representa aquilo que Sayad chama de “pensamento do Estado”, que por meio dela se concebe estando no seu direito soberano de excluir certas categorias de pessoas de seu território nacional. Mas ela, ao mesmo tempo, reproduz os conceitos de “pessoas perigosas” formulados no âmbito do regime político supranacional. Dessa maneira, a publicação desse ato normativo precisa ser analisada também sob ótica da tensão entre a concepção da soberania nacional como direito de excluir e o conjunto de práticas políticas chamadas comumente de “governança” das migrações - ou, no marco da biopolítica, uma nova arte de governar, propositalmente instável e fluida.

Como vimos, as últimas duas décadas são marcadas pelas transformações políticas no âmbito global que põem em questão as concepções clássicas sobre a soberania do Estado. “Novas configurações de poder estão sendo construídas, onde a lógica da soberania se interconecta com a lógica da governamentalidade neoliberal”, escreve Mezzadra (2012, p. 87). Simultaneamente:

Os sujeitos/agentes da soberania são eles mesmos cada vez mais mutantes e heterogêneos. O regime global de migrações que está sendo produzido é emblemático disso: trata-se de um regime estruturalmente híbrido e misto do exercício da soberania. A definição e o funcionamento deste regime de soberania passa pela participação dos Estados-nação em extensão cada vez menos exclusiva, apesar de os Estados continuarem existindo no interior de formações “pós-nacionais” como a União Europeia, e novos atores globais, como a Organização Internacional para Migrações e ONGs humanitárias no contexto da globalização (MEZZADRA, 2012, p. 88).

Essa “interconexão” da ideia de soberania com a racionalidade política neoliberal discutida por Mezzadra é acionada nas medidas do governo de Bolsonaro, que, após ter retirado o Brasil do pacto global da ONU sobre migrações sob alegação que este “fere a soberania nacional” (Veja, 2019), vem promovendo várias medidas que reduzem o alcance e o controle do Estado, sobretudo, nas atividades econômicas4.

Essa categoria política de ‘governança’, ou, mais exatamente, de ‘boa governança’, tem um papel central na difusão da norma da concorrência generalizada. A ‘boa governança’ é a que respeita as condições de gestão sob os préstimos do ajuste estrutural e, acima de tudo, a abertura aos fluxos comerciais e financeiros, de modo que se vincula intimamente a uma política de integração ao mercado mundial. Assim, toma pouco a pouco o lugar da categoria ‘soberania’, antiquada e desvalorizada. Um Estado não deve mais ser julgado por sua capacidade de assegurar sua soberania sobre um território, segundo a concepção ocidental clássica, mas pelo respeito que demonstra às normas jurídicas e às ‘boas práticas’ econômicas de governança” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 276).

Nesse cenário, as novas tendências nas políticas migratórias brasileiras apontam mais para uma certa tensão entre a concepção tradicional da soberania nacional e as práticas da dita boa governança, constantemente enfatizadas pelo Estado brasileiro em suas manifestações sobre a Portaria n. 666. É certo que no âmbito econômico, a ideia clássica da soberania passa a incorporar os valores da boa governança, deixando ao Estado o papel do observador externo e regulador das práticas de livre mercado. Mas no campo das políticas sociais, ambientais e migratórias, o Estado visa enrijecer o controle do território e das populações justificando as medidas como o seu direito soberano.

Essa tensão é a manifestação do colapso da concepção “westfaliana” clássica da soberania do Estado no contexto de novas formas pós-nacionais de governar. O paradoxo dos tempos presentes, ressalta Benhabib (2004), é que diante de erosão profunda da soberania em termos econômicos, tecnológicos e militares, ela continua sendo afirmada nos domínios relacionados ao controle da população. Nesse sentido, diante de tendências globais de desterritorialização de relações de poder, o monopólio do Estado sobre o seu território é exercido preferencialmente por meio de políticas migratórias e de acesso à cidadania. As migrações internacionais, portanto, argumenta Benhabib, evidenciam um “dilema constitutivo no coração das democracias liberais” (2004, p. 2, tradução nossa): entre antigas estruturas políticas nacionais e novas formas de governo globais.

OS EFEITOS DA DEPORTABILIDADE

De Genova (2002, p. 425) propõe analisar a legislação, sobretudo aquela que tem por objetivo criar objetos disciplinados de qualquer grupo social, não apenas do ponto de vista normativo, mas também como tática de ordenamento da complexidade do mundo social. Quando analisa a produção da “ilegalidade” migrante pelo Estado nos Estados Unidos, ele percebe que as normas jurídicas são ao mesmo tempo tecnologias de subordinação de trabalho ao capital e mecanismos de disciplinamento de todos os não nacionais, independentemente de sua situação documental. Nesse sentido, os próprios conceitos da “pessoa perigosa” criados pela Portaria n 666, quando públicos, se tornam dispositivos de disciplinamento dos migrantes que se deparam com o permanente risco de serem considerados “suspeitos” e serem deportados do país.

Se é verdade que a deportação de um estrangeiro é uma ação de altíssimo custo humano e financeiro para os cofres públicos5, o que importa na análise da Portaria não é tanto a possibilidade do Estado brasileiro de implementar a deportação, mas a criação da própria ideia da “deportabilidade”. A deportabilidade entendida aqui como a possibilidade de ser deportado, a possibilidade de ser removido do território nacional de uma forma sumária. Tal como já anunciado, uma deportabilidade que funciona como ameaça permanente e constrangimento simbólico.

A Portaria n 666 cria a sensação da deportabilidade no migrante porque desrespeita o direito à ampla defesa e aceita uma “suspeita” como motivo de deportação. Conforme aponta Eduardo Domenech (2017, p. 35), a deportabilidade produz-se pelas práticas e normas administrativas específicas e tem efeitos concretos para a vida cotidiana dos migrantes porque “opera como um mecanismo de chantagem social que mantém os residentes em um estado permanente de provisoriedade”.

Para Abdelmalek Sayad (2008), a condição da provisoriedade é um dos elementos constitutivos da figura do migrante. Para esse clássico da sociologia da migração, o migrante não é apenas uma figura jurídica, ele não é o mesmo que o estrangeiro. Se o estrangeiro é um status jurídico e político definido por seu não pertencimento ao corpo da nação, o migrante é uma condição social. O que constitui o migrante é justamente a ilusão de sua provisoriedade que é produzida também por meio da sensação de expulsabilidade. A expulsabilidade tem impactos econômicos, políticos e simbólicos importantes, porque ativa o imperativo da “tripla sujeição” do migrante: à subordinação ao trabalho, à provisoriedade e à exclusão política.

Do ponto de vista econômico, a expulsabilidade do migrante promove a sua subordinação como força de trabalho. Para De Genova (2002, p. 438), os efeitos econômicos da deportabilidade são fundamentais para a acumulação capitalista: é a deportabilidade e não a deportação em si que transforma a força de trabalho migrante em uma mercadoria conveniente. Os agentes da segurança nacional não possuem meios para deportar todos os migrantes indocumentados, porém a sua função é outra: manter um regime que produz e mantêm a figura de um migrante deportável cuja força de trabalho se torna temporária e barata por ser incapaz de se regularizar perante o marco jurídico-normativo da migração autorizada e, com documentos, acessar plenamente direitos e políticas públicas. Esse mecanismo é crucial para sustentar sua vulnerabilidade e docilidade como trabalhadores temporários. A condição de provisoriedade se torna assim um dispositivo de segurança (Foucault) ou controle (Deleuze) das massas trabalhadoras, de modo que a regularização do migrante com tempo não altera a sua posição subalterna.

Mais uma vez, De Genova:

Uma vez que reconheçamos que as migrações indocumentadas são constituídas não para excluí-los fisicamente, mas, em vez disso, para incluí-los socialmente nas condições da vulnerabilidade imposta e prolongada, não é difícil de entender como a persistência de muitos anos de ilegalidade do migrante pode servir como um aprendizado disciplinar na subordinação de seu trabalho, após o qual não se torna mais necessário prolongar a sua condição indocumentada (2002, p. 429).

Os mecanismos para produzir a provisoriedade de certos grupos sociais variam de acordo com o contexto histórico. Hannah Arendt (2012) já descreveu como o mecanismo de desnacionalização produziu as minorias europeias no período entre-guerras6. Hoje, é a ameaça de deportação, assim como outras tecnologias de expulsão dos indesejáveis, como inadmissão, detenção, implementação de controle tecnológico (biometria, reconhecimento facial, etc.), convênios multilaterais de extradição, criminalização de solidariedade, etc. (DOMENECH, 2017, p. 35), que se tornam dispositivos de controle das populações no bojo do Estado nacional, criando assim as suas categorias de “minorias” vulneráveis.

No plano político, a expulsabilidade tem por objetivo criar um sujeito despolitizado, ausente da vida pública e da cidadania participativa. Como aponta Sayad (1999, p. 12):

Para se prevenir dessa maneira, [...], certos imigrantes preferem se retirar, se refugiar dentro de seu medo escondido, preferem (ou preferiam, na etapa anterior da imigração) optar pela máxima discrição possível ou, dito de outra maneira, pela menor visibilidade, auxiliados nisso pela relegação social e espacial da qual são vítimas (relegação no espaço e pelo espaço), relegação da qual eles fazem ao mesmo tempo uma autorrelegação [...] nos mesmos espaços, o espaço das relações sociais, o espaço de moradia, o espaço de trabalho principalmente, todos espaços onde nos encontramos na maioria das vezes entre nós mesmos, entre imigrantes, e muitas vezes entre imigrantes da mesma origem; são os imigrantes sobre os quais dizemos que “vivem na sombra”, que só pode agradar aqueles que confundem a “política” com a “gentileza”, querendo ver nessa reserva o sinal de gentileza para não falar sobre a submissão tranquilizadora que esperamos e que exigimos do estrangeiro.

Muitas vezes, como enfatiza Sayad nessa citação, a ausência do migrante do espaço público se confunde com a avaliação moral positiva de seu comportamento. A deportabilidade é inseparável da dicotomia moral do bom e mau migrante.

A moralização do migrante permeia os argumentos usados para promover políticas de controle migratório contrariando os princípios dos direitos dos migrantes presentes na nova Lei de Migração (OLIVEIRA, 2017). A Portaria n 666 deve, portanto, ser pensada no conjunto de outras manifestações políticas para restringir as políticas migratórias brasileiras, como o Projeto de Lei n. 2523/2019 de autoria do deputado federal Luiz Philippe Orleans e Bragança que propõe alterações de securitização dos termos da Lei de Migração. Em 2017, em sua página na internet, o deputado publicou um texto chamado “Porque devemos rejeitar a nova lei de imigração” defendendo a necessidade de implementar o controle migratório no Brasil, argumentando que:

Não é demais também afirmar que os refugiados e os imigrantes devem ter direitos mas, antes destes, deveres como obediência às leis e aos costumes dos países de acolhimento. […] Os refugiados e os imigrantes não têm mais nem menos deveres ou direitos do que os nacionais mas as políticas que os autorizem a ingressar no país devem ter por certo que a casa onde serão recebidos é capaz de atendê-los sem infringir e negar direitos aos nacionais7.

É evidente que o migrante “bom” é aquele hóspede educado, que tem a consciência de que a sua presença é temporária e o seu acolhimento é o favor do dono da “casa”, cujos direitos e interesses são primários e indiscutíveis. Não sem ironia, Sayad escreve da seguinte maneira sobre isso:

Nós devemos ser educados e respeitosos pela ordem instituída, sobretudo quando somos estrangeiros a essa ordem, à sua história, à história de sua gênese e de seu funcionamento, à sua ética, à sua moral, à seu sistema de valores, devemos ser submissos a ela, devemos respeitá-la e obedecer (SAYAD, 1999, p. 9).

A própria exigência de não participação cívica dos imigrantes é mais facilmente aceita quando apresentada sob retórica moral de boa educação e não a retórica propriamente exclusiva e repressiva. Além disso, o imaginário do “migrante educado” é rapidamente interiorizado pelos próprios sujeitos, levando à situação na qual “inconscientemente é a gentileza que proíbe ao estrangeiro (migrante ou refugiado político) de se posicionar politicamente nos assuntos políticos (interiores e exteriores) do país receptor” (SAYAD, 1999, p. 9). Não se pode, assim, subestimar a prática da moralização do migrante como produtora de um sujeito que se auto-exclui do espaço político e por conseguinte do espaço nacional.

Por fim, a (re)criação pelo texto da Portaria da ideia do estrangeiro perigoso como um suspeito pode ser interpretada em sua intersecção com o debate sobre o conteúdo da cidadania. Sayad (1999, p. 13) enfatiza que o imigrante é um suspeito por definição, pois a “suspeita pesa sempre sobre os mesmos, sobre aqueles nos quais tudo - sua história e seu nascimento (e aqui a sua imigração e seu nascimento na imigração) e, correlativamente, sua posição social, seu status, seu capital social e mais ainda o simbólico, remete à figura do perpétuo suspeito”. Sayad vê esse processo de suspeita cair igualmente sobre as classes trabalhadoras historicamente associadas com as classes perigosas. Sendo um conceito deliberadamente vago, o suspeito não cria normatividade jurídica, mas sobretudo se aplica genericamente àqueles que carregam marcas de origem, de classe, de raça.

Portanto, quando Sayad diz que o imigrante é uma condição social, ele pensa naqueles migrantes que não são estrangeiros como no caso emblemático da “segunda geração” de migrantes magrebinos na França. Por isso, ressalta Sayad (2008, p. 102-103):

“não é suficiente para o imigrante [...] fundir-se naturalmente no panorama político e jurídico, na paisagem nacional [...] para desaparecer como imigrante”. A assimilação do não nacional transformará o “estrangeiro” no “nacional” mas não porá fim à alienação do imigrante. Ele, na sua condição de dominado, não se “assimila do exterior” mas “se assimila no exterior” (SAYAD, 2008, p. 116).

Essa reflexão exige que o migrante seja pensado não como uma figura de linguagem abstrata, mas no bojo concreto e amplo da sociedade de instalação. Não muito diferente daquilo que Sayad discute para o caso francês, Vera Telles demonstra que historicamente a cidadania no Brasil era concebida ora como privilégio de classe, ora como uma “cidadania regulada” (SANTOS, 1979) - concessão de direitos sociais pelo Estado para aqueles que cumpriram o seu dever de trabalhador. Mesmo após o processo de redemocratização, essa concepção ainda persiste no imaginário social brasileiro. Esse imaginário que (re)produz as categorias daqueles que são sistematicamente excluídos do político:

Desempregados, desocupados, subempregados, trabalhadores sem emprego fixo ou ocupação definida são na prática transformados em pré-cidadãos, ‘sujeitos ao tratamento hobbesiano clássico’, ou seja, à repressão pura e simples, tanto privada como estatal (TELLES, 2013, p. 22).

Esse é o fundamento histórico da dicotomia “cidadão de bem” versus “cidadão do mal”, tão mobilizada pelos setores conservadores do país8. Na sociedade onde acesso à cidadania pressupõe um pedágio moral, de origem e de classe, a condição social do migrante do qual fala Sayad se aproxima naturalmente da condição social daqueles que ainda não receberam o reconhecimento de seus direitos. Populações indesejáveis, geridas pelo Estado “sob a égide das obsessões securitárias e da lógica bélica e militarizada”, generalizando:

A fantasia da separação e do extermínio, projetando “um mundo que se desembaraça” dos muçulmanos, dos negros, dos migrantes, dos estrangeiros, dos refugiados e de todos os deserdados e náufragos das tormentas mundiais - populações expostas ao poder de matar, “necropolítica”, e às topografias diversas de crueldade que se constelam nos “mundos de morte” que se multiplicam nos campos de refugiados, prisões, zonas ocupadas e outras tantas formas de confinamento e exclusão (TELLES, 2019, p. 23).

Assim, a Portaria n 666 é ao mesmo tempo uma norma e uma bandeira política, ou um anúncio de que o migrante é, sim, deportável, e que a “deportabilidade” está inscrita no horizonte decisório das políticas migratórias do Brasil. Mais que apenas reiterar o que já consta na Lei - a possibilidade de uma medida compulsória de saída do território, dentro do paradigma do poder soberano - esse instrumento instaura um regime de maleabilidade de interpretações e permanente risco, o que reforça tanto os estigmas do estrangeiro indesejado como da sujeição permanente ao controle regulatório dos Estados no marco de uma biopolítica cada vez mais estabelecida.

CONCLUSÃO

Neste artigo, procuramos refletir sobre o texto da Portaria n 666 no contexto da legislação migratória brasileira. O evidente conflito entre os conceitos introduzidos pela Portaria com os princípios que regem a Lei n. 13.445/2017, a nova Lei de Migração, que ela em tese deveria regulamentar é, argumentamos, a manifestação de uma contradição comum para o Estado-nação contemporâneo. Essa contradição se dá entre a concepção clássica da soberania como exercício de monopólio de poder sobre um território e as forças centrípetas do modelo da governança global. No mundo onde as fronteiras são cada vez mais porosas para os fluxos de capital, finanças e tecnologias, o domínio de soberania torna-se restrito ao controle das migrações e de acesso à cidadania.

O Estado que cria a figura de deportação sumária como mecanismo de expulsão de estrangeiros sem, contudo, possuir meios políticos, econômicos e humanos para implementar um regime efetivo de deportação, faz isso para concretizar o seu direito soberano de controle de população ao menos como efeito de formação discursiva. Nesse sentido, concluímos que o texto da Portaria busca inaugurar, mesmo que apenas no plano discursivo, um novo paradigma das políticas migratórias brasileiras centrado no princípio de segurança pública, rompendo assim com o processo de construção de políticas migratórias inclusivas e humanitárias que vem sendo desenvolvido no âmbito da Nova Lei de Migração. Além disso, tentamos demonstrar que o texto da Portaria é digno de análise não tanto pela criação de regime de deportação efetivo, ou pelas abordagens jurídicas produzidas no momento imediatamente posterior a sua edição por instituições públicas, organizações internacionais ou sociedade civil, mas pela produção do sentimento de deportabilidade no migrante. A deportabilidade pensada como um estado de constante ameaça e risco de ser considerado “perigoso” e ser retirado do território nacional.

Os efeitos sociais, econômicos e políticos da deportabilidade são diversos e complexos e tem impacto concreto na vida do sujeito. No plano econômico, a deportabilidade torna-se um dispositivo de segurança e de controle da massa trabalhadora de origem migrante, que tem por objetivo produzir a submissão do trabalho ao capital. No plano político, a deportabilidade produz um sujeito que se auto-exclui da vida cívica e dos espaços públicos no país de instalação. Não é raro que a deportabilidade se origine da dicotomia moralizadora entre o bom e mau migrante ou ainda da metáfora do “bom hóspede”.

Argumentamos que essa metáfora é xenófoba, na medida em que reforça no migrante a sua ilusão de temporário e precário, mesmo que resida no país por muitos anos e detenha um estatuto jurídico estável. O desafio da comunidade acadêmica e da produção de conhecimento sobre o fenômeno migratório brasileiro nos próximos anos será o de elaborar conceitos e categorias adequados para compreender os aspectos extrajurídicos de institutos como os de “pessoa perigosa” ou “deportação sumária” trazidos pela Portaria nº 666, de modo a escapar da compreensão ingênua de uma autonomia dos marcos normativos migratórios ou de uma mera intensificação de controles fronteiriços. Ao contrário, há a possibilidade de mudança de paradigma em curso no Brasil, da qual a Portaria nº 666 seria um anúncio. O conceito de deportabilidade aqui discutido é uma contribuição ao debate que se inicia.

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Notas

1 A Defensoria Pública da União (DPU) é uma instituição tida como essencial à Justiça, e tem como missão constitucional a prestação de assistência jurídica gratuita a pessoas necessitadas. A regulamentação da DPU foi trazida pela Lei Complementar nº 80/94 e prevê que a assistência abrange não apenas defesa em causas e processos individuais, mas também a atuação em tutela coletiva de direitos. Nesse segundo papel, a DPU promove atos típicos de advocacy e ombudsman, como a provocação do Poder Executivo para alteração de normas, recomendações e ações judiciais.
2 O ACNUR é um dos organismos do sistema das Nações Unidas e promove, por diversos meios, apoio e proteção de refugiados/as em todo o mundo. Seu mandato é concentrado no instituto do refúgio ou asilo, que é consagrado na ordem jurídica internacional pelo Estatuto dos Refugiados de 1951.
4 Por exemplo, a Medida Provisória n. 881, de 30 de abril de 2019, da liberdade econômica, parte do princípio da autonomia do agente econômico e sua liberdade de ação e limita a função do Estado como “agente normativo e regulador”.
5 Nos Estados Unidos, desde a criação, em 2003, do Departamento de Segurança Interna, o governo gastou cerca de $ 324 bilhões de dólares em agências de controle migratório e tem empregado cerca de 84.000 funcionários (American Immigration Council, 2019). “O orçamento para o Departamento de Segurança Interna, que inclui a Imigração e Alfândega, é de mais de US $ 47 bilhões. O orçamento da ICE para as operações de custódia é um recorde de US $ 3 bilhões neste ano (2018) - ante US $ 1,77 bilhão em 2010” (GAZETA NEWS, 2018).
6 “Minorias haviam existido antes, mas a minoria como instituição permanente, o reconhecimento de que milhões de pessoas viviam fora da proteção legal normal e normativa, necessitando de uma garantia adicional dos seus direitos elementares por parte de uma entidade externa, e a admissão de que esse estado de coisas não era temporário, mas que os Tratados eram necessários para criar um modus vivendi duradouro” (ARENDT, 2012, p. 378)
7 “Porque devemos rejeitar a nova lei de imigração”. Disponível em: http://lpbraganca.com.br/ rejeite-o-scd-72016-que-institui-a-nova-lei-de-migracao/. Acesso em : 3 set. 2019.
8 “A vida do cidadão de bem não tem preço”, diz presidente Bolsonaro na campanha pela flexibilização de porte de armas em maio de 2019 (OHDE, 2019).
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