Praticando o multilateralismo para reformar e aprimorar a governança global
Mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres, no debate aberto do Conselho de Segurança das Nações Unidas do dia 18 de fevereiro de 2025
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Excelências,
Agradeço ao Ministro Wang Yi e à China por convocarem esta importante discussão.
Este ano marca o 80º aniversário das Nações Unidas.
Nascida das cinzas da Segunda Guerra Mundial, nossa organização foi o resultado de um compromisso global de “salvar as gerações seguintes do flagelo da guerra”.
Ela também sinalizou um compromisso com um nível totalmente novo de cooperação internacional baseado no direito internacional e em nossa Carta de Fundação.
De ajudar os países a superar os horrores do conflito para forjar uma paz sustentável.
De enfrentar a pobreza, a fome e as doenças.
De ajudar os países a subir a escada do desenvolvimento.
De fornecer apoio humanitário em tempos de conflito e desastre.
De incorporar a justiça e a equidade por meio do direito internacional e do respeito aos direitos humanos.
E de trabalhar por meio deste Conselho para promover a paz por meio de diálogo, debate, diplomacia e construção de consenso.
Oito décadas depois, é possível traçar uma linha direta entre a criação das Nações Unidas e a prevenção de uma terceira guerra mundial.
Oito décadas depois, as Nações Unidas continuam sendo o ponto de encontro essencial e único para promover a paz, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos.
Mas oito décadas é muito tempo.
E por acreditarmos no valor e nos propósitos singulares das Nações Unidas, devemos sempre nos esforçar para melhorar a instituição e a maneira como trabalhamos.
Temos o hardware para a cooperação internacional, mas o software precisa de uma atualização.
Uma atualização na representação para refletir as realidades de hoje.
Uma atualização no apoio aos países em desenvolvimento para reparar injustiças históricas.
Uma atualização para garantir que os países cumpram os propósitos, os princípios e as normas que fundamentam o multilateralismo na justiça e na equidade.
E uma atualização em nossas operações de paz.
Excelências,
A solidariedade global e soluções são necessárias mais do que nunca.
A crise climática está em alta, as desigualdades estão crescendo e a pobreza está aumentando.
Como este Conselho bem sabe, a paz está ficando cada vez mais fora de alcance - do Território Palestino Ocupado à Ucrânia, ao Sudão, à República Democrática do Congo e além.
O terrorismo e o extremismo violento continuam sendo flagelos persistentes.
Vemos um espírito sombrio de impunidade se espalhando.
A perspectiva de uma guerra nuclear continua sendo - escandalosamente - um perigo claro e presente.
E a promessa ilimitada de tecnologias emergentes como a Inteligência Artificial é acompanhada pelo perigo ilimitado de minar e até mesmo substituir o pensamento humano, a identidade humana e o controle humano. Esses desafios globais clamam por soluções multilaterais.
O Pacto para o Futuro que os senhores adotaram em setembro tem como objetivo fortalecer a governança global para o século 21 e reconstruir a confiança - confiança no multilateralismo, confiança nas Nações Unidas, e confiança neste Conselho.
Em sua essência, o Pacto para o Futuro é um pacto pela paz - paz em todas as suas dimensões.
Ele apresenta soluções concretas para fortalecer o mecanismo da paz, com base em propostas para a Nova Agenda para a Paz que priorizam a prevenção, a mediação e a construção da paz.
O Pacto busca promover a coordenação com organizações regionais e garantir a plena participação de mulheres, jovens e grupos marginalizados nos processos de paz.
E ele pede o fortalecimento da Comissão de Construção da Paz para mobilizar apoio político e financeiro para estratégias de prevenção e construção da paz de propriedade nacional.
O Pacto também inclui o primeiro acordo multilateral sobre desarmamento nuclear em mais de uma década…
Novas estratégias para acabar com o uso de armas químicas e biológicas…
E esforços revitalizados para evitar uma corrida armamentista no espaço sideral e avançar nas discussões sobre armas autônomas letais.
Também conclama os Estados-membros a cumprirem seus compromissos consagrados na Carta das Nações Unidas e os princípios de respeito à soberania, à integridade territorial e à independência política dos Estados.
Reafirma o compromisso inabalável de respeitar o direito internacional e priorizar a solução pacífica de controvérsias por meio do diálogo.
Reconhece o papel das Nações Unidas na diplomacia preventiva.
Reforça a necessidade de defender todos os direitos humanos - civis, políticos, econômicos, sociais e culturais.
Ele cobra a inclusão significativa de mulheres e jovens em todos os processos de paz.
E cobra especificamente a este Conselho que garanta que as operações de paz sejam orientadas por mandatos claros e sequenciados que sejam realistas e alcançáveis, com estratégias de saída e planos de transição viáveis.
Mas o Pacto faz ainda mais pela paz.
Ele reconhece que devemos abordar as causas fundamentais dos conflitos e das tensões.
A paz sustentável requer desenvolvimento sustentável.
O Pacto inclui o apoio a um estímulo aos ODS para ajudar os países em desenvolvimento a investir em suas populações e a enfrentar os principais desafios, como avançar em direção a um futuro ancorado em energia renovável.
Ele inclui um compromisso revitalizado de reformar a arquitetura financeira global para representar melhor e de forma mais justa as necessidades dos países em desenvolvimento.
E inclui um Pacto Digital Global que exige um órgão de governança de IA que traga os países em desenvolvimento à mesa de decisões pela primeira vez.
Excelências,
O Pacto também reconhece que o Conselho de Segurança deve refletir o mundo de hoje, não o mundo de 80 anos atrás, e estabelece princípios importantes para orientar essa reforma há muito esperada.
Esse Conselho deve ser ampliado e tornar-se mais representativo das realidades geopolíticas atuais.
E devemos continuar aprimorando os métodos de trabalho deste Conselho para torná-lo mais inclusivo, transparente, eficiente, democrático e responsável.
Essas questões estão sendo consideradas pela Assembleia Geral há mais de uma década.
Agora é o momento de aproveitar o impulso proporcionado pelo Pacto para o Futuro e trabalhar
Em prol de um maior consenso entre os grupos regionais e os Estados-membros - incluindo os membros permanentes deste Conselho - para levar adiante as negociações intergovernamentais.
Em todo caso, eu peço aos membros deste Conselho que superem as divisões que estão bloqueando ações efetivas em prol da paz.
O mundo espera que vocês ajam de forma significativa para acabar com os conflitos e aliviar o sofrimento que essas guerras infligem a pessoas inocentes.
Os membros do Conselho demonstraram que é possível encontrar um consenso.
Desde a implantação de operações de manutenção da paz... até a elaboração de resoluções sobre ajuda humanitária que salvam vidas… ao reconhecimento histórico dos desafios de segurança enfrentados por mulheres e jovens... à histórica Resolução 2719 que apoia as operações de apoio à paz lideradas pela União Africana por meio de contribuições calculadas.
Mesmo nos dias mais sombrios da Guerra Fria, a tomada de decisão coletiva e o diálogo vigoroso neste Conselho mantiveram um sistema de segurança coletiva funcional, embora imperfeito.
Eu insisto a vocês invocarem esse mesmo espírito, a continuar trabalhando para superar as diferenças e a se concentrar na construção do consenso necessário para proporcionar a paz que todas as pessoas precisam e merecem.
Excelências,
A cooperação multilateral é o coração pulsante das Nações Unidas.
Orientado pelas soluções do Pacto para o Futuro, o multilateralismo também pode se tornar um instrumento de paz ainda mais poderoso.
Mas o multilateralismo só é tão forte quanto o compromisso de cada país com ele.
Ao olharmos para os desafios que nos cercam, peço a todos os Estados-membros que continuem fortalecendo e atualizando nossos mecanismos globais de solução de problemas.
Vamos torná-los adequados ao propósito - adequados às pessoas - e adequados à paz.
Muito obrigado.
Discurso de
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