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Presidente de São Tomé e Príncipe aponta que países pobres são sacrificados pelo bem-estar dos mais ricos

O presidente Carlos Manuel Vila Nova, de São Tomé e Príncipe, discursa no debate geral da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas
ONU/Loey Felipe
O presidente Carlos Manuel Vila Nova, de São Tomé e Príncipe, discursa no debate geral da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas

Presidente de São Tomé e Príncipe aponta que países pobres são sacrificados pelo bem-estar dos mais ricos

Assuntos da ONU

Em entrevista à ONU News, Carlos Vila Nova defendeu reformas no sistema internacional e pediu acesso mais fácil a fundos climáticos; presidente da nação insular destacou que pequenos países não podem ser sacrificados para o bem-estar das nações mais poderosas.

Durante sua primeira participação como presidente na Assembleia Geral da ONU, Carlos Vila Nova fez um apelo por mais justiça no sistema internacional. Ele criticou a dificuldade de acesso aos fundos climáticos e alertou que “não se pode sacrificar os pequenos países e os pobres para o bem-estar dos ricos”.

Para o líder são-tomense, os mecanismos globais devem ser reformados para promover maior equilíbrio e assegurar que nações em desenvolvimento possam ter voz e apoio no cenário internacional.

ONU News: Quais os temas-chave do país na 79ª sessão da Assembleia Geral?

Carlos Manuel Vila Nova: Essa é a minha primeira vez como Presidente da República. O país já vem participando, mas as mensagens que nós trazemos, elas são bastante comuns à maioria dos outros Estados. São questões que afligem a todos, sobretudo questões ligadas ao subdesenvolvimento e o caminho para o desenvolvimento, questões transversais como as alterações climáticas, questões como a transição energética, sustentabilidade, mobilidade juvenil e o seu empoderamento. O que pretendemos é que, de fato, de acordo com os objetivos das Nações Unidas traduzidas nos ODS, nos encontremos sustentabilidade para que o nosso país também possa não só estar em paz, mas caminhar rumo ao desenvolvimento.

 

ONU News: Quais são os principais desafios para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

Os desafios são muitos e são enormes. Por exemplo, no que toca às mudanças climáticas e todo esse fenómeno ligado ao clima, São Tomé e Príncipe é um país que 2/3 do seu território são áreas protegidas. A Ilha do Príncipe, a segunda maior ilha Património Mundial da Biodiversidade pela Unesco. É preciso proteger, é preciso contribuir para o bem-estar do mundo. Mas também é preciso que os mecanismos de acesso aos fundos para investimento estejam disponíveis. Eles são extremamente difíceis. Nós participamos nos fóruns internacionais, nas grandes reuniões sobre o clima, nas COP. Estive em Paris. E em Paris acho que nunca foi permitido tanto fundo para investimento e a verdade é que não se conseguiu chegar lá. Não se conseguiu aplicar esses fundos. Os mecanismos de acesso são extremamente difíceis, quase inacessíveis.

Não se pode, de alguma maneira, sacrificar os pequenos países e os pobres para o bem-estar dos ricos. Há uma sensação de impunidade

Então, é preciso que a verdade seja dita. O sistema mundial, através das Nações Unidas, que é o palco ideal neste momento, tem que interceder, desempenhar o seu papel. Nós sabemos que a instituição precisa de reformas. É outro dos assuntos que nos traz cá. . Não é uma queixa, é uma constatação. E nós esperamos que esses apelos todos, que neste momento estão a ser feitos e que vêm e têm sido feitos, serão tomados em conta para que haja mais equilíbrio, para que haja, digamos, ao nível de todas as nações, essa paz que nós todos almejamos.

Repare no tipo de conflitos que nós estamos a ter hoje no mundo. Conflitos sem explicação. Ninguém acreditaria que em pleno século 21 nós estaríamos com certo tipo de conflitos dentro da Europa, por exemplo. Para o Médio Oriente, infelizmente já conhecemos. Mas é preciso também estancar tudo isso. Em África, nós temos, além das subversões dos regimes, encontramos o tipo de conflitos: fronteiriços, Estados que não respeitam os Estados. Portanto, eu penso que neste momento, se nós decidirmos, os países todos, através do sistema das Nações Unidas, aqui na Assembleia Geral ou no Conselho de Segurança, ter a coragem de enveredarmos por essas reformas e essas reformas só vão trazer bem-estar a todos os países do mundo.

 

ONU News: Qual o impacto da mudança climática em São Tomé e Príncipe e as ações previstas?

Como outros países, nós também sofremos com as consequências a subida das águas do mar, a erosão costeira, chuvas em períodos que era suposto ser estações secas, e com inundações com danos. Ultimamente até com vítimas mortais. Nós decidimos criar um fundo, de modo que nós criarmos um fundo próprio com o apoio da filantropia e da parceria internacional. Também é preciso dizer que sozinhos não vamos conseguir para estancar esses fenómenos, para contribuir e educar também as novas gerações. Repara, o mundo em que eu estou hoje, que se calhar em que nós vamos deixar, não pode ser o mundo do legado de amanhã. Tem que ser um mundo melhor. É o que nós todos almejamos.

Mas temos que passar das palavras a ações. E este pequeno gesto é um sinal muito forte à comunidade internacional do que é a nossa preocupação, nossa vontade, do que nós somos capazes de fazer. Eu acredito que nós vamos conseguir e através dele vamos minimizar muitos os impactos que nós temos, para mitigar grande parte desses problemas e conseguirmos criar uma economia muito mais sustentável e que sirva a todos.

Uma mãe ajuda seu filho a fazer a lição de casa em São Tomé e Príncipe.
© UNICEF/Vincent Tremeau
Uma mãe ajuda seu filho a fazer a lição de casa em São Tomé e Príncipe.

ONU News: Qual sua avaliação sobre a reforma do Conselho de Segurança e representação da África?

As Nações Unidas caminham para brevemente celebrar 80 anos. O mundo é outro. Logo após a Segunda Guerra Mundial, penso que estabeleceu se alguns paradigmas para que essa organização pudesse ajudar a gerir o mundo de uma forma mais consentânea, mais equilibrada e que servisse os interesses do mundo.

Os países africanos começaram a se tornar independentes nos anos 60, salvo algumas exceções. Penso que a Etiópia e um outro país que ascenderam muito antes. Dos anos 60 para hoje, também já são muitos anos. Naquela altura, não sendo país independente, não havia as condições para estar representados nesses fóruns. Mas hoje são todos independentes, praticamente. E é preciso mudar isso. É preciso que o poder de veto de uns países não sirva para oprimir, não sirva para branquear. Tem que servir para melhorar o mundo.

E eu penso que ao nível do continente africano, a África precisa de ter alguns lugares, ter assentos com poderes para maior representatividade e equilibrar isso. É uma das reformas que nós pedimos e que nós esperamos que aconteça ao nível das Nações Unidas. E depois este fosso entre grandes países, pequenos países, economicamente poderosos, menos poderosos, mais militarizados, menos militarizados, também isto tem que ser de alguma maneira.

Não será fácil. Nada é fácil, nada é adquirido adiantadamente. Mas temos que ter a coragem de abordar as questões. E nós, sobretudo São Tomé e Príncipe, pequeno Estado insular, apesar da nossa pequenez, apesar do nosso pouco poderio económico, não temos receio de discutir, não temos receio de participar e de mostrar com a nossa voz que nós também podemos participar, podemos contribuir. E é neste plano que eu acho que São Tomé e Príncipe pode contribuir para construirmos um mundo melhor.

 

ONU News: Qual sua avaliação da parceria com países de língua portuguesa?

A nossa comunidade é baseada na cultura e na língua comum e que nós pretendemos seja cada vez mais fortalecida. Somos, cinco Estados africanos, com a Guiné Equatorial. Se calhar já somos seis. Temos Estados em todos os continentes. É uma curiosidade muito importante. Timor-Leste que está na Ásia, temos o Brasil, temos Portugal que está na Europa e isso fortalece nos através dos intercâmbios culturais, político diplomáticos que temos estado a exercer neste momento. São Tomé e Príncipe detém a presidência rotativa e com o lema da Juventude e Sustentabilidade. Nós pretendemos fazer a ligação dos que foram os lemas anteriores e provavelmente do futuro.

Portanto, lidamos com questões como a mobilidade e é preciso, agora, com a juventude e a sustentabilidade, criar esses mecanismos que permitam, de facto, que essa juventude sem poder, que essa juventude possa exercer e se manifestar nos nossos países, trazendo a cultura, trazendo os aspectos profissionais, trazendo a educação e evoluir. Através disso, se calhar, nos próximos passos, pensarmos na vertente também econômica. O empresariado juvenil é uma forma de mostrar que é possível nos desenvolvermos nos nossos países através dessa mobilidade e dessa sustentabilidade.

E através dessa comunidade, com regularidade, abordamos as nossas questões, discutimos abertamente e temos ainda o peso de adotar as grandes medidas por consenso, o que é muito bom, tem acontecido. E durante as presidências rotativas faz-se tudo o que é a programação prevista para os dois anos e também se pode lidar com as questões não previstas, que podem acontecer.